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CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
QUESTÃO DE DIREITO
TÍTULO CAMBIÁRIO EM BRANCO
INTERPELAÇÃO PRÉVIA DO AVALISTA
MORA DO SUBSCRITOR DA LIVRANÇA
INDEMNIZAÇÃO POR APLICAÇÃO DE CLÁUSULA PENAL
TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE IVA
Sumário
I – Se o sentido efetivamente pretendido pelo declarante (a sua vontade real) e o eventual conhecimento da mesma pelo destinatário constituem matéria de facto, a interpretação do negócio jurídico, enquanto operação jurídico normativa, destinada a determinar qual o sentido que juridicamente deve ser atribuído à declaração –, constitui questão de direito. II – A interpretação da cláusula em que se dispõe “Resolvido o contrato a locatária pagará à locadora, a título de indemnização por perdas e danos, montante igual a trinta por cento das rendas vincendas no momento da resolução”, no sentido de que os 30% devem incidir, não só, sobre o valor das rendas vincendas mas, também e ainda, sobre o valor residual, não só vai contra o seu sentido literal, como não encontra cabimento no contexto contratual – o valor residual não constitui uma renda mas a contrapartida pela aquisição do bem locado, uma vez findo o contrato, se essa for a opção do locatário. III – No âmbito das relações cambiárias e no contexto da utilização dos títulos em branco, o regime contido na Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL) não exige qualquer interpelação prévia do avalista, no sentido de lhe dar a conhecer os termos em que a livrança vai ser ou foi preenchida, para que tal obrigação se torne exigível em relação a si. IV – Assumindo o avalista uma obrigação perfeitamente igual à do avalizado, prestando uma garantia à obrigação cartular, ele responde pela mora do subscritor da livrança, garantindo o pagamento da quantia aposta no titulo de crédito na data do respetivo vencimento. V – A indemnização resultante da aplicação de uma cláusula penal, através da qual se pretende compensar o locador pela cessação antecipada do contrato pelos valores a que teria direito caso o contrato se mantivesse em vigor até à data final, não corresponde a uma contraprestação por algum serviço prestado ou por aquisição de bens, não sendo tributável em sede de IVA. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Catarina Gonçalves
2º Adjunto: Paulo Correia
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I - RELATÓRIO
A..., S.A. e B..., vieram, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhes é movida pelo Banco 1..., S.A., deduzir oposição por meio de embargos de Executado, peticionando a sua absolvição parcial do pedido, reduzindo-se a quantia exequenda para 914.874, 44 €[1],
alegando, em síntese:
a indemnização por perdas e dados – penalização prevista no ponto 5, da Cláusula XXIV, do Contrato de Locação Financeira Nº 105.250 – não corresponde a 30% do somatório das rendas vincendas e do valor residual, mas somente, a 30% das rendas vincendas;
as penalidades contratuais destinadas a sancionar o incumprimento de uma obrigação contratual ou a lesão de um interesse (como é o caso desta “indemnização por perdas e danos”), na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, não são sujeitas a IVA;
o somatório das importâncias discriminadas no item 47 importa a quantia exata de 41.481,44€ e não o valor que o Exequente, certamente por lapso, indicou;
no seguimento de tais correções impor-se-ia, também, retificar o valor dos juros moratórios alegadamente vencidos até à entrada da execução, caso os mesmos sejam devidos;
não constando qualquer facto ou elemento que permita comprovar que o Exequente interpelou as avalistas para cumprir, quando se verificou o incumprimento pela subscritora da livrança (1ª Executada) ou quando esta foi acionada e preenchida de acordo com o pacto de preenchimento, não podendo assim exigir daquelas os juros entre o momento do vencimento da livrança e a instauração da execução, mas, tão-somente, o capital em dívida, acrescido dos juros de mora contados a partir da data da citação das executadas no processo, no caso, desde 4 de novembro de 2022.
O exequente apresenta contestação aos embargos, alegando, em suma, o seguinte:
foi acordado e querido pelas partes foi que a indemnização incidisse sobre o valor que a locatária teria a pagar, caso o contrato fosse integralmente cumprido; apesar de a mencionada cláusula mencionar rendas vincendas, dúvidas não restam de que o valor residual estava incluído nesse mesmo conceito;
nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA (CIVA) são tributáveis em sede de IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços visto configurarem uma contraprestação a obter do adquirente em virtude da realização de uma operação tributável; diz-nos o artº 16º nº 6 do CIVA, que são excluídas do valor tributável das operações aquelas que forem declaradas judicialmente por incumprimento total ou parcial de obrigações, dado não terem uma relação direta com a prestação; é pacífico que apenas ficam excluídas do âmbito de incidência deste imposto as indemnizações que sancionam a lesão de qualquer operação, sem carácter remuneratório e que se limitam à reparação de danos, sem que tenham subjacente qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA; a indemnização contratualmente acordada entre as partes e que a Exequente procura cobrar tem caráter remuneratório pois que calculada em função das importâncias que estavam contratualmente previstas durante a execução do contrato de locação financeira; os valores reclamados acabam por consubstanciar uma contraprestação previamente
definida pela resolução do contrato, a qual integra o conceito de prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta;
os juros não têm de ser recalculados;
a Exequente interpelou os avalistas para o cumprimento; enviou missiva a comunicar a resolução do contrato e a interpelar para o pagamento dos valores aí constantes.
Conclui pela improcedência total dos embargos.
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Realizada audiência final, pelo juiz a quo foi proferida Sentença, que culmina com a seguinte:
V- Decisão
Considerando o supra exposto, julgo parcialmente procedentes os presentes embargos, determinando a redução da quantia exequenda nos seguintes termos:
a) O montante da indemnização é apenas no valor de € 231.739,64 (duzentos e trinta e um mil setecentos e trinta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos);
b) O valor relativo ao ponto 46. do requerimento executivo é de apenas € 41.481,44 (quarenta e um mil quatrocentos e oitenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos);
c) Deverá ser feito novo cálculo dos juros vencidos até ao preenchimento da livrança, bem como do valor do IVA, considerando a redução dos valores;
d) Os juros após o preenchimento da livrança, só são devidos pela executada/embargante desde o momento da citação para os autos principais.
Fixam-se as custas a cargo de ambas as partes, considerando-se o decaimento de 20% para a embargante e 80% para a embargada, atento o teor da decisão proferida – artigo 527.º, do Código de Processo Civil).
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Não se conformando com tal decisão, as Embargadas interpõem recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
(…).
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Também o exequente/embargado, Banco 1..., S.A., interpôs recurso de apelação, cujas alegações sintetiza nas seguintes conclusões:
(…).
*
A Embargada/Banco 1... apresentou contra-alegações ao recurso apresentado pelos executados/Embargantes, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
*
O juiz a quo, pronunciando-se sobre a invocada nulidade da sentença, nega a existência de qualquer nulidade, reconhecendo, no entanto, a verificação de um mero lapso de desconsideração da retificação em causa, determinando a retificação da sentença nos termos requeridos.
Fica assim prejudicada a apreciação da nulidade invocada pelos Apelantes/Embargantes nas suas alegações de recurso.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir do objeto de cada uma das Apelações
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões colocadas pelas Embargantes e pela Embarga, nas respetivas Apelações, são as seguintes:
Apelação do Embargado/Banco 1...
1. Se, no computo do montante da indemnização por perdas e danos é de incluir, não só, o valor das rendas vencidas, mas, também, o valor residual a pagar no final do contrato:
a) aditamento de um facto quanto à vontade das partes
b) em caso afirmativo, se é de alterar o decidido
2. Se o tribunal errou ao considerar que os juros após o preenchimento da livrança apenas são devidos a partir da citação para a execução:
a) se os factos dados como “não provados” sob as alíneas a) e d), respeitantes à interpelação dos avalistas, devem ser dados como provados.
b) em caso afirmativo, se é de alterar o decidido
Apelação dos Executados/Embargantes
1. Se o tribunal errou ao considerar que as quantias devidas a titulo de penalidade contratual se encontram sujeitas a IVA.
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A. Matéria de facto
O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão quanto aos factos trazidos aos autos pelas partes nos seus articulados, com as alterações introduzidas ao ponto 4, pelo despacho que determinou a sua retificação por ocorrência de lapso manifesto:
A) Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1- No dia 02.08.2022, o Banco 1..., S.A. requereu a execução, além de outra executada, das embargantes A..., S.A. e B..., S.A., com vista ao pagamento da quantia de € 1.043.338,52 (um milhão quarenta e três mil trezentos e trinta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), o que constitui os autos principais;
2- No requerimento executivo apresentado, o embargado invoca o seguinte:
“(…) 8.A 1.ª Executada, C... S.A., celebrou o Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 105.250 com “D..., S.A.” - Doc. 3. 9.Na sequência do aludido contrato foi subscrita uma livrança com autorização de preenchimento a favor da então locadora “D..., S.A.” avalizada pela E..., S.A., B..., S.A., AA e BB – cfr. resulta das cláusulas VIII das Condições Particulares do contrato de locação financeira junto sob Doc. 3. 7.Sucede que, o contrato de locação financeira imobiliária foi alvo de aditamentos nomeadamente com o intuito de alteração da Cláusula Oitava das Condições Particulares. 8.Assim sendo, e num primeiro aditamento ao contrato (cfr. Doc. 4 que se junta), foi aí feito constar a subscrição pela Executada de uma livrança em branco a favor da Exequente, avalizada pelas sociedades B..., S.A. e A..., S.A com autorização de preenchimento pelo Exequente. 9. Posteriormente e já num segundo aditamento àquele contrato (cfr. Doc. 5 que se junta), foram introduzidas novas alterações referentes à cláusula oitava das condições particulares, tendo sido feito constar que a 1.ª Executada subscreveu uma livrança em branco a favor do Exequente, avalizada pelas sociedades B..., S.A. e A..., S.A. (…) 10.No exercício da sua atividade, a ora 1.ª Executada celebrou com a “D..., S.A.”, o Contrato de Locação Financeira Imobiliária, então, n.º 105.250, (…) 11.Conforme mencionado supra, o aqui Exequente assumiu a posição contratual decorrente do mencionado contrato. (…) 17. Através do contrato de locação financeira, a 1.ª Executada assumiu, entre outras obrigações, a de pagar à então Locadora o total de 80 rendas, de periocidade trimestral, vencendo-se a primeira renda na data da assinatura do contrato e as restantes setenta e nove no dia cinco do mês a que respeitarem. (…) 18.Ficou estipulado, contratualmente, que a Locadora poderia resolver o contrato mediante carta registada com aviso de receção, nomeadamente se se verificasse atraso no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias ou incumprimento pela Locatária, 1.ª Executada, de qualquer das suas obrigações contratuais, esta não pagasse ao Exequente o montante em dívida acrescido de cinquenta por cento ou não reparasse o incumprimento de qualquer das outras obrigações contratuais que incumpriu, no prazo de oito dias contados da data da notificação para a resolução do contrato – cfr. cláusula XXIV, n.º 1, al. a) das Condições Gerais do Contrato junto como Doc. 3. 19.Clausuraram ainda que, uma vez resolvido o contrato, a 1.ª Executada não teria direito a qualquer indemnização ou compensação, sendo obrigada a desocupar de imediato o imóvel e a restituí-lo à Locadora em bom estado de conservação e inteiramente devoluto e livre de pessoas e bens (cláusula XXIV n.º 3 das condições gerais do contrato), 20.E que a resolução do contrato não exoneraria a Locatária, aqui 1.ª Executada, do dever de cumprimento do pagamento de rendas, impostos, taxas, prémios de seguro, condomínio e demais encargos, sem prejuízo da obrigação de indemnização por perdas e danos, no montante igual a trinta por cento das rendas vincendas no momento da resolução (cláusula XXIV n.º 3 e n.º 4 das condições gerais do contrato). (…) 21.Após a celebração do contrato primitivo (…), o Exequente e a 1.ª Executada efetuaram dois aditamentos – cfr. resulta dos Doc. 4 e 5 que se juntam e dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais. 22. Quanto ao primeiro aditamento, no dia 08 de agosto de 2008, foi celebrado entre o então “Banco 2... - Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A” e a 1.ª Executada um aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, por forma a alterar a Cláusula Oitava das Condições Particulares, tendo, em consequência, sido subscrita pela 1.ª Executada uma livrança em branco a favor da então Locatária, avalizada pelas sociedades B..., S.A. e A..., S.A. 23.A qual foi preenchida pelo Exequente, na qualidade de Locador, estando para o efeito devidamente autorizada a efetuar nos termos da respetiva autorização de preenchimento, assinada pelos próprios e cujas assinaturas foram reconhecidas por Advogado. 24.A mencionada livrança serve de título à presente execução. Por sua vez, 25. O segundo aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária (junto sob Doc. 3) ocorreu aos 30 de maio de 2017 (…) 31.Nos termos das alterações introduzidas, o contrato de locação financeira passou a ter a duração de 26 anos, a contar de 14 de abril de 2000 - resulta da cláusula IV do Aditamento ao Contrato de Locação Financeira Imobiliária. 32.No que concerne ao valor das rendas, os valores das primeiras 68 rendas trimestrais mantiveram-se inalteradas, todavia, o valor das 12 rendas seguintes, mensais, compreendidas entre 05.05.2017 e 05.04.2018, corresponderiaao montante de €8.500,00 cada, acrescidas de IVA a taxa legal em vigor. 33.Já, o valor das restantes 96 rendas, mensais, corresponderia ao montante de €13.318,37, cada, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor. 34.Todos os demais elementos referentes ao pagamento da renda mantiveram-se inalterados, (…) 35. Relativamente à cláusula oitava das condições particulares foram introduzidas alterações de garantia, porquanto a 1.ª Executada subscreveu uma livrança em branco a favor do Req.te, avalizada pelas 2.ª e 3.ª Executadas, as sociedades B..., S.A. e A..., S.A. (…) 37.A 1.ª Executada deixou de efetuar o pagamento das rendas que se venceram desde 05.02.2019. 38.Face a esta situação de incumprimento, o Exequente enviou missiva com aviso de receção à 1.ª Executada bem como à 2.ª e 3.ª Executadas, na qualidade de avalistas, datada de 04.04.2022, na qual as informava da resolução do contrato de locação financeira n.º 1105250 nos termos das condições gerais do contrato de locação financeira e, consequentemente, instando-as para o pagamento ou, então para a entrega do locado (…) 39.Para tanto, o Exequente concedeu o prazo de 8 dias para que fosse efetuado o pagamento das quantias em dívida, ou na hipótese de não pagamento procederem à entrega do locado, objeto do contrato dentro do mesmo prazo, sob pena de recurso à via judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis. 40.Não obstante notificadas para o cumprimento das obrigações assumidas, as Executadas não procederam ao pagamento das quantias em dívida e também não procederam à entrega do imóvel locado. (…) 41. No momento da emissão da livrança, em face do incumprimento contratual a que se acometeram as aqui Executadas, encontrava-se em dívida o montante de €607.007,21 referente a rendas vencidas e não pagas. 42.A tal montante acrescia a quantia de €74.601,27 a título de juros de mora sobre as rendas vencidas individualmente consideradas. 43.O cálculo dos juros de moratórios foi contabilizado a partir da data de vencimento da respetiva renda vencida e não paga até ao dia 31/05/2022, à taxa de 7,09728%, perfazendo, assim, a quantia total de €74.601,27 (setenta e quatro mil, seiscentos e um euros e vinte e sete cêntimos). No mais, 44. As Executadas mantinham, ainda, em dívida para com o aqui Exequente a quantia de €306.833,86 alusiva à indemnização calculada sobre o somatório do total das rendas vincendas e o valor residual sem IVA [ (30% x 831.528,07) + IVA ]. 45.Pelo que na livrança foi aposta a importância em dívida de €988.442,38 (novecentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e trinta e oito cêntimos) 46.No entanto, ao mencionado valor em dívida acresce o valor de €42.468,51 concernente às despesas com a execução do contrato e com as despesas judiciais e de remoção – cfr. Cláusula XXIII constante do Contrato de locação financeira imobiliária já junto sob Doc. 3 (Título Executivo n.º 2). 47. Tal valor corresponde a: 38 x € 1,83 de comissão de expediente; 3 x € 5062,95 de imposto municipal sobre imóveis; 3 x € 5141,29 de imposto municipal sobre imóveis; 2 x € 4938,34 de imposto municipal sobre imóveis; 5 x € 184,50 de comissão de incumprimento (…)”;
3- No processo referido em 1, os exequentes, ora embargados apresentaram, como título executivo, um acordo denominado “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA N.º 105.250”, bem como os respetivos aditamentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, bem como a livrança avalizada pela embargante, no valor de € 988.442,38, com data de vencimento de 31.05.2022;
4- No momento do preenchimento da livrança encontravam-se em dívida 48 (quarenta e oito) rendas, no valor unitário de € 13.318,37 (treze mil trezentos e dezoito euros e trinta e sete cêntimos), num total de € 639.281,76 (seiscentos e trinta e nove mil duzentos e oitenta e um euros e setenta e seis cêntimos), acrescendo de juros de mora vencidos àquela data.
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B) Factos não Provados
Com relevo para a decisão da causa, ficou por provar o seguinte:
a) O exequente interpelou os avalistas para pagarem, quando se verificou a falta de pagamento do subscritor da livrança;
b) O exequente interpelou os avalistas quando a livrança foi preenchida.
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Apelação da Embargada/Exequente
1. Se, no computo do montante da indemnização por perdas e danos, é de incluir, não só, o valor das rendas vencidas, mas também, o valor residual a pagar no final do contrato
Um dos fundamentos dos embargos à execução que lhes é movida pelo Banco 1... reside em que a indemnização por incumprimento contratual – resultante da penalização prevista no ponto 5. da clausula XXIV da Contrato de Locação Financeira, onde se convencionou que “resolvido o contrato, a locatária pagará à Locadora, a titulo de indemnização por perdas e danos, montante igual a trinta por cento das rendas vincendas no momento da resolução” – se encontra mal calculada, por incidir, não só, sobre o valor das rendas vencidas, mas também, sobre o valor residual.
A decisão recorrida veio a dar razão aos Embargantes, reduzindo peticionada indemnização de 306.833,07 €, para o valor para 231.739,64 €, com a seguinte fundamentação:
“O acordo celebrado entre as partes, está sujeito à disciplina legal da interpretação das declarações negociais, constante dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, ou seja, dever-se-á considerar em relação ao mesmo o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do respetivo texto.
Posto isto, importa considerar o teor das cláusulas supra mencionadas, para concluir que as partes previram expressamente o pagamento de rendas e a consequência do atraso de pagamento, referindo expressamente que a indemnização seria de 30% das mesmas (vincendas).
Por outro lado, o valor residual vem previsto em cláusula completamente distinta, a propósito da opção de compra do imóvel a final, sem que as partes, sabedoras da distinção entre as rendas – pagamento devido pela locação do imóvel – e valor residual – montante a acrescer e a pagar no final do acordo apenas na hipótese de compra – tenham referido tal valor aquando da indicação do cálculo da indemnização por resolução fundada no atraso do pagamento das rendas.
Resulta assim, de forma clara e expressa, para qualquer declaratário normal, que as partes expressamente previram o cálculo da indemnização apenas por referências às rendas vincendas, excluindo-se o valor residual, tal como defendido pela executada/embargantes”.
Insurge-se a Apelante/Banco 1... contra o decidido, com os seguintes fundamentos:
- invocando o disposto no artº 236º e ss. do CCivil, a sentença recorrida limitou-se a aderir ao teor literal da cláusula supra mencionada, nada mais tendo invocado em favor da interpretação a fazer acerca da cláusula em questão;
- como se afirmou na contestação aos embargos de executado, a referida cláusula deveria ser interpretada à luz do que foi acordado entre as partes, sendo certo que o que foi acordado e querido foi que a indemnização incidisse sobre o valor que a locatária teria a pagar, caso o contrato fosse integralmente cumprido; aliás, de notar que a cláusula XXVIII sob a epígrafe “Valor Residual” consagra que “2. A LOCATÁRIA será obrigada a pagar aquele valor residual no termo do presente contrato”.
- sobre tal matéria foi oferecida prova testemunhal, tendo a testemunha CC afirmado a tal respeito que as rendas vincendas incluem o valor residual, que é considerada uma renda do contrato;
- pela referida testemunha foi afiançado que o cálculo da indemnização incluída o valor residual, pois que o mesmo é considerado para todos os efeitos, como a derradeira renda.
- conclui que o tribunal andou mal nesta parte pois que deveria ter dado como provado o seguinte: “O que foi acordado e querido pelas partes foi que a indemnização incidisse sobre o valor que a locatária teria a pagar, caso o contrato fosse integralmente cumprido”.
Cumpre apreciar da bondade da interpretação dada pelo tribunal à declaração negocial constante do nº 5 da cláusula XXIV das Clausulas Gerais do contrato junto com o Requerimento Executivo como doc. 1, na qual se dispõe que:
“Resolvido o contrato, a LOCATÁRIA pagará à LOCADORA, a título de indemnização por perdas e danos, montante igual a trinta por cento das rendas vincendas no momento da resolução”.
Desde já se adianta, não podermos dar razão à Apelante/Embargada, pela seguinte ordem de razões:
- por um lado, não há qualquer matéria de facto a apurar, desde logo porque a embargante não alegou qualquer facto a tal respeito, como explicitaremos adiante;
- por outro lado, na sentença recorrida não se atendeu apenas ao elemento literal da cláusula, tendo procedido ao seu enquadramento dentro do teor das restantes cláusulas do contrato, nomeadamente as que respeitam ao “cumprimento/incumprimento do contrato” – atendendo a que a possibilidade de aquisição do bem no fim do contrato é opcional, pelo que se o locatário não optar pela aquisição, nada mais terá a pagar senão as rendas já vencidas, considerando-se o contrato devidamente cumprido sem que haja lugar ao pagamento do valor residual, valor residual que não é mais uma renda ou a renda final, mas a contrapartida pela aquisição do bem.
- por fim, porque, tratando-se de um “Contrato de Locação Financeira” composto por “Condições Particulares” e por “Condições Gerais”, a cláusula cuja interpretação aqui se discute encontra-se inserida neste último grupo, envolvendo o recurso a clausulas contratuais gerais, sujeitas, enquanto tal a regras de interpretação especificas, nos termos dos artigos 10º e 11º do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de outubro.
Vejamos o regime de interpretação a que tal clausula se encontra sujeita.
A interpretação do negócio jurídico tem por objeto a declaração negocial e visa apurar o seu sentido juridicamente relevante, encontrando-se as respetivas regras dos artigos 236º e ss. do Código Civil.
Dispõe o artigo 236º do CC:
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
A interpretação das declarações negociais destina-se a apurar o seu sentido juridicamente relevante.
Como é entendimento maioritário, o artigo 236º consagra a uma orientação objetivista da interpretação negocial, numa das suas variantes, a chamada teoria da impressão do destinatário, afastando-se da busca da reconstituição da vontade do declarante[2].
“O intérprete não procurará esta vontade, mas o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, retiraria da declaração. Em todo caso, o sentido a buscar na atividade interpretativa da declaração negocial também não é o que corresponde à compreensão do declaratário real. A lei fala no sentido que possa ser deduzido por um “declaratário normal colocado na posição do declaratário real”, abstraindo, pois, da compreensão concreta do destinatário da declaração[3]”.
“Trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que em que ele se encontra, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias[4]”.
“De entre um dos sentidos que um declaratário normal, que um declaratário típico, colocado na posição do declaratário real poderia entender daquela declaração, o juiz terá de discernir aquele que corresponder à expectativa razoável que dele teria o declarante, posto na posição de um declaratário típico[5]”.
A prevalência do sentido correspondente à impressão do destinatário sofre, na lei, de uma importante limitação: para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este pudesse razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº1, in fine).[6]
Se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, a declaração vale de acordo com ela (nº2 do artigo 236º).
Embora a lei não diga expressamente, de tal regime, é legitimo deduzir, por maioria de razão, a prevalência da vontade real do declarante, se quanto a ela existir a cordo entre as partes[7].
Não se provando o sentido da vontade real do declarante, na data relevante, ou não se provando o seu conhecimento efetivo pelo declaratário, aplica-se o critério normativo objetivo do nº1 do artigo 236º: em princípio, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real poderia deduzir do comportamento do declarante; ou, numa formulação próxima, vale com o sentido que um declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, diligente e de boa-fé[8].
Quando a lei exige a forma escrita para o negócio, o sentido a extrair por via interpretativa tem de ter no texto do respetivo documento um mínimo de correspondência – artigo 238º CC.
Por fim, há que referir constituir matéria de facto saber qual o sentido efetivamente pretendido pelo declarante (a sua vontade real) e o eventual conhecimento da mesma pelo destinatário[9] - sendo para tal relevante o apuramento de circunstâncias respeitantes aos preliminares do negócio, emprego de linguagem regional ou de expressões técnicas e aos usos do trafico jurídico ou do ramo económico em que se movem as partes e se insere o contrato.
Mas a interpretação do negócio jurídico – do texto das declarações negociais escritas – é uma operação jurídico normativa, constituindo umaquestão de direito[10], por se tratar de determinar, não o que o declarante quis, mas qual o sentido que juridicamente deve ser atribuído à declaração.
Como afirma José Lebre de Freitas, se o conhecimento da vontade real do declarante, inclusivamente para o efeito do artigo 236º-2 CC constituiu matéria de facto, já a interpretação da vontade declarada, para fixação do seu sentido objetivo para um declaratário normal (sentido juridicamente vinculante), tem lugar perante o texto do documento, tratando-se então somente de aplicar os critérios interpretativos legais e assim se estando no domínio da questão de direito[11].
No caso em apreço encontramo-nos, perante um contrato de Locação Financeira que se rege por Condições Particulares e por Condições Gerais, constituindo estas últimas cláusulas contratuais gerais, pré-elaboradas e aplicadas indiscriminadamente na contratualização em massa, impostas ao cliente sem possibilidade de negociação pela outra parte, que as aceitará ou não, sendo que, a sua não aceitação envolve a não conclusão do negócio.
O Dec. Lei nº446/85, de 25 de outubro, que aprovou o regime do negócio com recurso a cláusulas contratuais gerais, introduz algumas especificidades quanto à interpretação das mesmas:
Artigo 10.º
(Princípio geral)
As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.
Artigo 11.º
(Cláusulas ambíguas)
1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
Tratando-se de cláusulas predispostas e abertas à adesão dos interessados na celebração de contratos concretos, podia-se levantar-se a questão de saber se a sua interpretação se deve fazer em geral e abstrato ou em função do negócio concreto em que se inserem.
A regra contida no artigo 10º responde claramente a tal questão “impedindo que a padronização das cláusulas contratuais gerais se traduza também na padronização também da sua interpretação. A interpretação das cláusulas contratuais gerais, segundo este preceito, será feita caso a caso, especificamente em relação a cada contrato, e tendo em consideração o contexto de cada contrato singular[12]”.
Ao contrário do que acontece no regime geral do artigo 236º do Código Civil, para o caso de cláusulas ambíguas, o artigo 11º, nº1, consagrou, como critério de interpretação, o sentido objetivo com que a declaração seja atendível por um declaratário normal, colocado na posição de declaratário real, isto é, por um cliente típico, mas sem a reserva da expetativa razoável do declarante real. A interpretação típica é imposta ao proponente mesmo este não possa razoavelmente contar com ela[13].
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Regressando à situação em apreço, e ao contrário do que sustenta a Apelante/Embargada, na contestação que deduz aos embargos, não é alegado qualquer facto que, a ser dado como provado, pudesse contribuir para apurar qual o sentido que as partes quiseram atribuir a tal cláusula.
Nos artigos 3º a 7º da contestação, em que se alude à interpretação a dar a tal clausula, a Embargada limita-se a formular juízos de valor – “se interpretarmos corretamente a cláusula em questão verificamos que o que foi acordado e querido foi que a indemnização incidisse sobre o valor que a locatária teria a pagar, caso o contrato fosse integralmente cumprido”, sem que indique qualquer elemento de facto que possa apontar nesse sentido, limitando-se a indicar qual o sentido que para si assume tal cláusula, quando conjugada com a clausula XXIII, onde se consagra que “A locatária será obrigada a pagar aquele valor residual no termo do presente contrato”.
Em tal alegação, não é referido qual teria sido a vontade real das partes, enquanto facto (por ex., por a mesma ter sido declarada em negociações prévias), surgindo aí apenas enquanto conclusão que a Apelante/Embargada retira dos termos do próprio contrato, mediante considerações que se contêm exclusivamente no âmbito da interpretação do negócio jurídico, sendo que, para o apuramento da vontade relevante nos termos do nº1 do art. 236º, um dos elementos a ponderar é precisamente o contexto do negócio.
Como tal, não haverá que se proceder a qualquer julgamento de facto com vista a dar como provado algum elemento que possa contribuir para o apuramento do sentido juridicamente relevante do ponto 5. da cláusula XXIV das Condições Gerais do contrato.
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Vejamos, assim, qual o sentido juridicamente relevante a dar ao ponto 5. da cláusula XXIV das Cláusulas Gerais do contrato, na qual se dispõe que:
“Resolvido o contrato, a LOCATÁRIA pagará à LOCADORA, a título de indemnização por perdas e danos, montante igual a trinta por cento das rendas vincendas no momento da resolução”.
Na ausência da alegação e prova da vontade real da locadora e da locatária à data da celebração do contrato, a interpretação a dar a tal clausula terá de ser efetuada de harmonia com as disposições conjugadas do nº1 do art. 236º CC e arts. 10º e 11º, do DL 446/85, de 25 de outubro.
Recorrendo ao elemento literal de interpretação, a redação de tal cláusula não nos levanta quaisquer dúvidas, não se reconhecendo a existência de qualquer ambiguidade: aí se escreveu que, no caso de resolução do contrato com fundamento no atraso do pagamento das rendas, a indemnização corresponderá ao montante igual a 30% do montante das rendas que se encontram por vencer no momento da resolução.
Alega a autora que os 30% devem incidir, não só, sobre o valor das rendas vincendas mas, ainda e também, sobre o valor residual, porquanto, a ratio que presidiu a tal clausula foi atribuir à parte cumpridora uma indemnização que corresponda a uma determinada percentagem calculada sobre o valor que, não havendo incumprimento, a locadora sempre receberia.
Tal raciocínio assenta num pressuposto errado: que o cumprimento integral do contrato só ocorre ou envolve sempre o pagamento da quantia fixada a título de valor residual, o que não corresponde ao estabelecido no contrato.
Para responder a tal questão, chamamos à colação o teor das seguintes cláusulas contratuais, respeitantes ao termo e à resolução do contrato:
- Clausula XI (Obrigações da Locatária) – estabelece a obrigação de restituição do imóvel à Locadora no final do contrato, caso não opte pela sua aquisição;
- Clausula XXVII, n.1 (Opção de compra) - até um ano antes do termo do contrato, a locatária deverá comunicar à locadora: i) se pretende adquirir para si, em propriedade, o imóvel locado, ii) se pretende negociar a renovação do contrato ou a utilização do imóvel noutros termos ou iii) se pretende restituir o imóvel à locadora, livre e desocupado;
- Cláusula XXVIII, n.1 (valor residual) - optando pela aquisição do imóvel locado, a locatária deverá pagar à locadora, a título de valor residual, a importância estabelecida na cláusula V das Condições Particulares.
Surgindo a aquisição da propriedade como uma opção para a locatária, que poderá, livremente, exercer ou não, no final do contrato, e sendo o valor residual devido unicamente no caso de exercício de tal opção por parte da locatária, como contrapartida da aquisição da propriedade do imóvel, o contrato considerar-se-á integralmente cumprido também no caso de a locatária proceder à restituição do imóvel à locadora livre e desocupado, ou caso da sua renovação, sem que, em qualquer dessas situações seja devido o pagamento de qualquer valor residual.
A interpretação que a Apelante quer dar ao n.5, da clausula XXV, não só, vai frontalmente contra o seu teor literal – onde se prevê que os 30% incidam sobre as rendas vincendas e não sobre quaisquer outras quantias –, o que constituiria uma violação do disposto no artigo 238º, do CC, por não ter qualquer correspondência no texto do documento, como não encontra qualquer apoio no contexto contratual.
As rendas são a contrapartida do uso durante o período do contrato, correspondendo o valor residual, não uma última renda, como sustenta a apelante, mas a contrapartida pela aquisição do imóvel, se for essa a opção do locatário.
Quanto à alegada ratio da cláusula indemnizatória – garantir que a locatária receba a titulo de indemnização 30% do que receberia em caso de cumprimento integral –, dela não se extrai a interpretação pretendida pela apelante, pois como já se referiu, o cumprimento do contrato não impõe a aquisição do imóvel e o correspetivo pagamento do valor residual, sendo aquela uma mera opção do comprador.
De qualquer modo, caso alguma ambiguidade se encontrasse na redação de tal cláusula, o que não se aceita, sempre seria de valer com o sentido que fosse mais favorável ao consumidor, nos termos do nº2, do art. 11º do Dec. Lei nº446/85, de 25 de outubro.
Improcedem, assim, as conclusões formuladas pela Apelante/Embargada a tal respeito.
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2. Se o tribunal errou ao considerar que os juros após o preenchimento da livrança apenas são devidos a partir da citação para a execução: a) se os factos dados como “não provados” sob as alíneas a) e d), respeitantes à interpelação dos avalistas, devem ser dados como provados.
Os embargantes/avalistas deduzem, ainda, oposição à execução em causa, sustentando não poder a exequente exigir aos executados/avalistas o pagamento de juros entre a data de vencimento da livrança a sua data de citação para a execução, invocando a falta da sua interpelação prévia para cumprir:
no requerimento executivo e dos documentos que o acompanham, não consta qualquer facto ou elemento que permita comprovar que o Exequente interpelou as avalistas para cumprirem, quando se verificou o incumprimento pela subscritora da livrança (1ª Executada) ou quando esta foi acionada e preenchida de acordo com o pacto de preenchimento, não podendo assim exigir daquelas os juros entre o momento do vencimento da livrança e a instauração da execução, mas tão-somente o capital em dívida, já atrás definido, acrescido dos juros de mora contados a partir da data da citação das executadas no processo, no caso, desde 4 de novembro de 2022, momento a partir do qual passaram a ter efetivo conhecimento de que havia sido acionada a dita livrança, qual o seu montante e a data de vencimento que o Exequente ali decidiu inscrever.
- a falta de demonstração pela Exequente de que interpelou as avalistas para cumprir, quando se verificou o incumprimento pela subscritora da livrança (1ª Executada) e quando preencheu a livrança, em conformidade com o pacto de preenchimento, com base nesse montante (que, até à citação não era conhecido das avalistas) e na data em que o apurou, impede-a de exigir dos avalistas o pagamento dos juros entre o momento do vencimento da livrança (que nunca foi comunicado às avalistas) e a instauração da execução.
Na contestação que deduz aos embargos, a Exequente, quanto a tal matéria, limita-se a alegar ter enviado missiva a comunicar a resolução e a interpelação para pagamento dos valores aí constantes, nada obstando a que a declaração admonitória e a declaração resolutiva sejam feitas de forma simultânea, dizendo-se que se resolve o contrato e concedendo um prazo suplementar para o cumprimento.
Na decisão recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
a) O exequente interpelou os avalistas para pagarem quando se verificou o a falta de pagamento do subscritor da livrança;
b) O exequente interpelou os avalistas quando a livrança foi preenchida.
O tribunal a quo justificou a decisão de dar tais factos como não provados, pelo seguinte modo: “Quanto à factualidade considerada como não provada, verificou o tribunal que as partes nada convencionaram quanto à forma de comunicação entre elas, no decurso do acordo celebrado. Não obstante, a exequente juntou aos autos cartas que afirma ter enviado à executada/embargante, sem, contudo, demonstrar o efetivo envio e receção pela mesma. A testemunha ouvida, veio afirmar o envio das cartas, referindo que existe até aviso de receção relativamente à interpelação para preenchimento da livrança, depoimento esse que não se mostra suscetível de suportar tais afirmações, na falta de junção aos autos do documento que o demonstre e, diga-se, a existir, podia perfeitamente ter sido demonstrado pela exequente.
O Apelante/Embargado deduz impugnação à decisão proferida quanto a tal matéria, sustentando que os factos constantes das alíneas a) e b) deviam ter sido dados como provados, porquanto:
- do requerimento executivo constam as cartas de interpelação do Exequente aos avalistas (docs. 7 e 8), contendo: a comunicação da resolução; a comunicação dos valores vencidos; a interpelação para o respetivo pagamento;
- devendo as cópias das partes ser consideradas princípio de prova do envio pela instituição de crédito e da receção dos embargantes, que pode ser completado com recurso a outros meios de prova, tais como prova testemunhal e presunções judiciais, invocando o depoimento da testemunha CC.
Cumpre apreciar se é de dar os factos constantes das als. a) e b) como “provados”.
Antes de mais, haverá que atentar em que:
- quer no requerimento executivo, quer na contestação aos embargos, nunca o exequente alegou ter interpelado os avalistas quando a livrança foi preenchida;
- o que o Apelante alegou, juntando cópia das respetivas cartas, foi ter enviado a seguinte comunicação, ao subscritor da livrança e a cada um dos avalistas:
“No seguimento das nossas anteriores solicitações junto do locatário e dado que não procedeu ao referido pagamento, vimos por este meio informá-los, na qualidade de avalistas, de que procedemos à resolução do contrato nº 110520, nos termos das condições geraisdo contrato de locação financeira, com o consequente recurso à via judicial para recuperação do bem objeto do contrato e, ainda para a obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas nos termos das referidas clausulas. Mais informamos que os valores vencidos e não pagos ascendem a 648.475,72 €, referentes às seguintes rendas: (…). Caso não seja efetuado o respetivo pagamento, no prazo de 8 dias, deverão vssas, Ex. proceder à entrega do equipamento, objeto do contrato, dentro do mesmo prazo, sem prejuízo da competente ação judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis.”
Esta é a única comunicação que pode ser dada como provada – não foi alegada nem junta qualquer outra comunicação –, concordando, nesta parte, com a Apelante/Embargada, quando afirma que a junção de cópia das respetivas cartas constituiu um princípio de prova que pode ser completado por prova testemunhal, sendo que a testemunha CC confirmou o respetivo envio, sendo que, tendo sido enviadas para a sede de cada uma das avalistas, é de presumir a sua receção pelas mesmas.
Na procedência parcial da impugnação da matéria de facto, mantendo-se a resposta negativa constante das als. a) e b), é de dar como provado o seguinte facto:
5. Por carta datada de 22 de abril de 2022, a Exequente comunicou a cada uma das avalistas, ter procedido à resolução do contrato e que os valores vencidos e não pagos ascendem a 648.475,72 €, referentes às rendas vencidas entre 05-02- 2019 e 05-04-2022 e que “caso não seja efetuado o respetivo pagamento, no prazo de 8 dias, deverão V. Exas. proceder à entrega do equipamento objeto do contrato, dentro do mesmo prazo, sem prejuízo da competente ação judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis”.
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b) Passando à análise do direito, vejamos se tal alteração à matéria de facto é de molde a alterar a decisão recorrida.
O tribunal a quo decidiu que os juros da livrança só seriam devidos com a citação das executadas/avalistas para a execução em causa, apoiando-se nos seguintes fundamentos: “Nos termos do artigo 32.º, da L.U.L.L., aplicável às livranças por força do artigo 77.º, do mesmo diploma legal, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra. Não é necessário protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista, pois não é necessário para responsabilizar o aceitante ou subscritor e, assim, está o portador da livrança dispensado de comunicar que vai apresentar a livrança a pagamento. No caso presente, as partes acordaram no preenchimento da livrança, assumindo um pacto de preenchimento da mesma, pelo que a questão se prende com a interpelação para cumprimento das obrigações apostas na livrança pela exequente, tendo em consideração o pacto celebrado. De facto, definido o pacto de preenchimento em que termos vai ocorrer o preenchimento do título subscrito em branco, sem que dele resulte fixado prazo certo para o preenchimento, o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título. Se o avalista pode discutir o preenchimento da livrança em branco (possibilidade concedida pela LULL), esta faculdade tem subjacente o conhecimento dos exatos termos daquele preenchimento. Do pacto de preenchimento resulta que a exequente está autorizada a preencher a livrança, designadamente, quanto à data de vencimento a fixar pela mesma. A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. Não tendo sido fixado tal prazo no pacto de preenchimento, ficando a sua oposição ao critério do portador, a falta de comunicação ao avalista tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida com a sua citação, nos termos do preceituado no artigo 610.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil. A obrigação cartular venceu-se na data na mesma aposta, mas só se tornou exigível com a citação da avalista da mesma, ora executada/embargante, uma vez que os factos provados não demonstram qualquer interpelação em momento anterior. Só com esta comunicação se dá a conhecer ao avalista os exatos termos em que foi preenchida a livrança, possibilitando-se que proceda ao pagamento”.
Na leitura que fazemos da decisão recorrida, segundo o tribunal a quo, por se tratar de livrança emitida e avalizada em branco, terá de haver uma interpelação “prévia” (à execução) dos avalistas, para que lhes possam ser cobrados juros sobre o montante nela aposto:
- o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título;
- não tendo sido fixada qualquer data de vencimento no pacto de preenchimento, a falta de comunicação ao avalista tem como consequência que a obrigação cartular só seja exigível e que só se considere vencida com a sua citação para a ação executiva.
Desde logo, não se percebe se o tribunal se reporta a uma única interpelação do avalista – quando alude à interpelação para o cumprimento da obrigação emergente do contrato (o que aponta uma interpelação para cumprimento da relação extracartular subjacente) parece reportar-se a uma notificação prévia ao preenchimento da livrança ou, se exige, cumulativa ou alternativamente, uma interpelação contemporânea ou posterior ao preenchimento da livrança, a informar dos termos em que foi preenchida, data de vencimento e qual o montante nela aposto.
Caso se reporte à 1ª interpelação, a mesma mostra-se cumprida: na procedência parcial da impugnação deduzida pela Apelante à decisão contida na al. a), dos factos não provados, deu-se como provado que ambos os avalistas foram avisados da resolução do contrato e dos montantes das rendas em dívida à data do contrato, e interpelados para o respetivo pagamento.
Quanto à interpelação respeitante ao preenchimento da livrança emitida em branco – através da qual lhes dá a conhecer a data de vencimento e o montante nela aposto –, não se mostra que a mesma tenha ocorrido, nem sequer foi alegado pelo Banco/Apelante que tenha enviado qualquer comunicação nesse sentido.
A posição assumida na decisão recorrida – de que, encontrando-nos nas relações imediatas, é necessária a interpelação prévia do avalista quando o título é entregue em branco ao credor (com o preenchimento dos elementos referentes à data de vencimento e quantia a pagar, deixados ao seu critério), pois, só assim, tal avalista adquire o conhecimento do exato montante devido e da data de vencimento da garantia prestada – corresponde à posição que vem ganhando maior peso na jurisprudência[14].
A exigência de tal interpelação prévia, sob pena de só serem devidos juros com a citação para a execução, vem sendo justificada pela jurisprudência, pelo seguinte modo:
- a ausência da comunicação ao avalista do facto legitimador do preenchimento de uma livrança em branco – em especial do facto do não cumprimento da obrigação garantida pela livrança – é que levará, pela aplicação conjugada dos arts. 777º, nº1 e 805º, nº1 do CC e do art. 610º, nº2, al. b) do CPC, a que os juros só sejam devidos desde a data da citação [Acórdão do STJ de 08-10-2020, relatado por Nuno Pinto de Oliveira];
- definido o pacto de preenchimento em que termos vai ocorrer a preenchimento do título subscrito em branco, sem que dele resulte prazo certo para o preenchimento, o credor tem de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título: a obrigação cartular vence-se na data aposta na livrança, mas só se torna exigível com a citação do avalista para a execução [Ac. STJ de 06-04-2021, relatado por Pedro de Lima Gonçalves];
- a falta de demonstração pela exequente que exercitou o seu direito potestativo de resolução, traduzido na competente interpelação dos devedores para pagamento do montante em dívida, e que preencheu a livrança, em conformidade com o pacto de preenchimento, com base nesse montante e na data em que o apurou, impede-a de exigir dos avalistas o pagamento dos juros entre o momento do vencimento da obrigação e a instauração da execução [Ac. STJ de 21-10-2020, relatado por Fernando Samões].
Em sentido oposto, de que a lei cambiária não impõe ao portador do título que, antes de acionar o avalista, lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou, encontramos o Acórdão do STJ de 25-05-2017, relatado por Fonseca Ramos: “A certeza, a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva”.
Pela nossa parte, inclinamo-nos para esta ultima posição.
No âmbito das relações cambiárias e no contexto da utilização dos títulos em branco, o regime contido na Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL) não exige qualquer interpelação prévia do avalista, no sentido de lhe dar a conhecer os termos em que a livrança vai ser ou foi preenchida, para que tal obrigação se torne exigível em relação a si.
Aliás, achamos até curioso que, depois de, ao longo dos anos, a jurisprudência dominante e alguma doutrina terem assumido a posição de dispensar o protesto do aceitante para acionar o avalista, se venha, agora, por outra via, exigir a prévia interpelação do avalista do aceitante para que a obrigação se vença ou se torne exigível para ele (quando, o exigência do protesto para acionar o avalista do aceitante ou do emitente da livrança – através da qual é dado a conhecer aos demais co-obrigados, não só a recusa do pagamento por parte do aceitante avalizado, mas igualmente a data de vencimento da livrança e respetivo montante – faria cair a questão em apreço).
Também não nos convence o argumento, de que socorre o Ac. STJ de 30-04-2019[15], de que, embora a exigência de comunicação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data do respetivo vencimento não seja imposta pela prestação do aval, assim o imporia o princípio da boa-fé.
Vejamos a configuração dada pela LULL ao aval.
O aval garante o próprio pagamento pontual da letra pelo sacado (artigo 30º da LULL).
Não garante o direito de crédito bancário no seu todo, mas apenas o relativo a determinada operação, necessariamente se avalizando ou o seu sacador, aceitante ou determinado endossante. O aval assegura o pagamento da letra no seu vencimento, garantindo o direito de crédito enquanto pessoal de determinado avalizado[16].
Com a sua declaração cambiária, o avalista constitui um valor patrimonial correspondente ao da operação que avaliza, a favor do destinatário desta, portador legitimado do título.
No aval, pelo saque ou endosso, o avalista declara ao adquirente da letra, destinatário dessa operação, a sua confiança pessoal no cumprimento pelo sacado, da mesma maneira que o avalizado (art. 32º, nº1).
Pelo aceite, o sacado reconhece, previamente, o crédito cambiário e o seu valor patrimonial como direito contra si sacado, obrigando-se a pagá-lo no vencimento: “é esta confirmação específica do valor patrimonial atual do direito de crédito – assegurando-o diretamente, pelo reconhecimento prévio do sacado, na sua expectativa de ser realizado pontualmente – que é garantida com o aval do aceitante[17]”.
“O avalista não é obrigado da mesma maneira, mas sim, é responsável da mesma maneira que o avalizado. É responsável pelo valor patrimonial do aval que constituiu a fase normal da letra, e da mesma maneira que o correspondente à operação avalizada”.
Não vemos como ultrapassar a questão de que, a seguir a tese da decisão recorrida, ao considerar que o avalista só incorreria em mora com a sua interpelação para pagamento, a medida da responsabilidade do avalista se afastaria da medida da responsabilidade do aceitante avalizado: ao contrário do aceitante da letra ou subscritor da livrança, ao avalista só seriam cobrados juros a partir da citação para a execução; ou seja, estaria a responder apenas pela sua própria mora, não cobrindo a garantia por si dada de pagamento da letra na data do seu vencimento.
Se o avalista assume uma obrigação perfeitamente igual à do avalizado, prestando uma garantia à obrigação cartular, ele responde pela mora do subscritor da livrança, garantindo o pagamento da quantia aposta no titulo de crédito na data do respetivo vencimento (sem prejuízo da invocação de preenchimento abusivo, caso o mesmo se verifique).
O artigo 32º da LULL ao dispor que “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, “contém uma norma sobre o conteúdo da obrigação do avalista, diz como este responde[18]”.
Contendo a livrança uma promessa de pagamento do subscritor emitente, o que o avalista garante é, ainda, o pagamento pontual do título.
A teoria do ónus de informação do preenchimento da livrança pelo credor ao devedor, vai, na opinião de Pedro Pais de Vasconcelos[19], em direta contrariedade à lei: “O artigo 32º I da LULL impõe que o valor da responsabilidade do avalista seja o mesmo da responsabilidade do devedor, salvo o caso em que o avalista tenha limitado, no próprio título e nos termos do art. 30º II da mesma lei. De acordo com construção em crítica, a responsabilidade, o valor devido pelo devedor da letra ou livrança, e valor devido pelo avalista são diferentes, mantendo ambas as responsabilidades a natureza cambiária emergente do mesmo título e da LULL”.
Compreende-se a preocupação em dar a conhecer ao avalista, em caso de aposição do aval numa letra ou livrança em branco, do modo como a mesma vem a ser preenchida, nomeadamente quanto à quantia em divida e data de vencimento.
Contudo, a LULL prevê um meio específico, o protesto, destinado a comprovar a recusa pontual do título por quem a devia pagar, na data do vencimento.
Impondo o artigo 38º da LULL, ao portador do título, a sua apresentação a pagamento no dia de vencimento, a recusa de tal pagamento há de ser comprovada por um ato formal de protesto ou falta de pagamento (a efetuar nos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável), nos termos do artigo 44º LULL.
Como salienta Nuno Madeira Rodrigues, “o protesto prova a presentação atempada ao aceitante da letra a pagamento, servindo igualmente de certificação por um Notário de terem sido efetuadas todas as restantes notificações aos restantes co-obrigados de regresso, dando-lhes conta da sua responsabilidade. O protesto terá, assim, uma função de pressuposto de exigibilidade do cumprimento da letra vencida e não paga[20]”.
Para que o avalista conheça o montante em dívida e não seja surpreendido com o pedido de pagamento numa data por si desconhecida, será suficiente que o portador, que preencheu o título, o apresente a protesto, sendo esta a forma adequada e prevista na LULL, de comunicação aos restantes co-obrigados dos elementos que apôs no título.
No caso em apreço, os embargantes/Avalistas não invocam a não apresentação prévia do título a pagamento, mas apenas a ausência de uma interpelação autónoma ao avalista, a efetuar pelo beneficiário da livrança, o que, em nosso entender, não é exigida por lei.
É de proceder, assim, nesta parte, a apelação da Embargada, sendo de revogar a sentença recorrida, na parte em decide que, após o vencimento da livrança, os juros são devidos pelos Embargantes/avalistas desde o momento da citação para os autos principais.
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Apelação dos Embargantes 3. Se, sobre o montante peticionado a título de indemnização por incumprimento do contrato, é devido IVA
Deduzindo os embargantes oposição à execução, invocando não ser devido o valor aposto na livrança relativamente a IVA sobre o montante indemnizatório por incumprimento do contrato, a decisão recorrida, veio a julgar improcedente tal fundamento de oposição, com os seguintes fundamentos: “Relativamente à questão do I.V.A. Importa, desde logo, considerar que estamos perante um imposto geral sobre o consumo que incide sobre uma atividade económica, nos termos dos artigos 1.º e 2.º, do respetivo código (CIVA). A tributação, nesta sede, é feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de um determinado agente. Tendo presente as características deste imposto, impõe-se, face à questão que divide as partes, precisar o conceito de indemnização e as realidades que a mesma abrange, associado como está à responsabilidade civil, uma das fontes de obrigações presentes no Código Civil, seja ela contratual ou extracontratual. A primeira, como no caso dos autos, pressupõe a violação de obrigações que tenham a sua origem em contratos, negócios jurídicos unilaterais ou que resultam da própria lei; a segunda resulta da violação, ainda que lícita, de deveres de caráter genérico ou condutas que causam determinados danos a outrem. O princípio geral da obrigação de indemnização, enunciado no artigo 562.º, do Código Civil, determina que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Por sua vez o n.º 1, do artigo 564.º, do mesmo diploma legal, determina que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência de lesão, ou seja, os lucros cessantes. No domínio do IVA e da sua aplicação às indemnizações, importa ainda considerar o principio subjacente a este imposto, que incide sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA) no sentido de que pretende tributar a contraprestação de operações tributáveise não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório. Assim, se as indemnizações apenas reparam a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis neste imposto, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável. Já se a indemnização tiver caráter remuneratório, há uma operação económica subjacente que a torna sujeita a tributação neste âmbito. Neste sentido, Patrícia Noiret da Cunha, CIVA, anotado, ISG, p. 269. Neste contexto, e voltando ao caso dos autos, importa considerar que a indemnização em causa, pretendendo ressarcir o locador das “perdas e danos”, correspondentes, como se percebe, dos danos emergentes e lucros cessantes resultantes da resolução do acordo de locação, estando, por isso associada ao contrato sujeito a tributação em sede de IVA, tem carater remuneratório, devendo, por isso, considerar-se também sujeita a tal tributação.”
Insurgem-se os embargantes/Apelantes contra o decidido, com os seguintes fundamentos:
- a indemnização em causa foi declarada judicialmente, pelo que estaria excluída do valor tributável;
- a indemnização por perdas e danos não remunera a transmissão de bens ou prestação de serviços: a indemnização fixada pelo tribunal resultou da resolução do contrato de locação financeira, efetuada pela locadora, pelo que, a partir desse momento, deixaram de ser devidas contraprestações contratuais, destinando-se a compensar a locadora pelo incumprimento do contrato.
A Apelada/Embargada, nas suas contra-alegações de recurso, pugna pela manutenção do decidido, alegando que a indemnização não foi declarada judicialmente, tendo carater remuneratório, invocando a seu favor o teor do Ac. do STJ de 31.10.3012.
Cumpre apreciar.
O IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide sobre uma atividade económica, ou seja, sobre aquelas operações que, tendo enquadramento nos critérios de incidência objetiva do imposto previstos no artigo 1.º do CIVA, preenchem os pressupostos do n.º1 do artigo 2.º do CIVA, nomeadamente. atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as profissões liberais.
A tributação em sede de IVA de uma determinada operação é feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.
A tal propósito se pronuncia a informação vinculativa da Autoridade Tributária Aduaneira, proferida no âmbito do proc. 10160:
“18. Para enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias pagas a titulo de indemnização, há que ter em conta o principio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA) no sentido de que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório. 19. Assim, se as indemnizações apenas sancionarem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável. 20. Também por força do disposto na alínea a) do nº 6 do artigo 16º do CIVA, as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações são excluídas de tributação em IVA. 21. Ao invés, se a indemnização se destinar a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter, já estaremos peranteuma operação sujeita a IVA, devendo ser liquidado imposto na sua atribuição. 22. As penalidades contratuais (indemnizações) que sancionam o atraso na execução de uma obrigação contratual devida pelo fornecedor ao cliente, apenas não são tributáveis em IVA na medida em que não tenham subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, por força do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA. [21]”
No caso em apreço não podemos afirmar tratar-se de uma indemnização declarada judicialmente: a indemnização por incumprimento foi determinada pela locadora, através aplicação de uma cláusula penal prevista no contrato, e o respetivo montante foi contabilizado no valor aposto na livrança exequenda.
O tribunal apenas foi chamado a pronunciar-se sobre o valor cobrado a tal título pela locadora, em sede de embargos de executado, tendo-se limitado a reduzir o montante exigido pela locadora a tal título, por, na sua base de calculo, ter tido em consideração o valor residual fixado no contrato para a aquisição do bem.
Independentemente de terem, ou não, sido fixadas judicialmente, se as indemnizações apenas sancionarem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável.
A questão passará por determinar se a indemnização em causa – resultante da aplicação pela locadora financeira de uma clausula penal prevista no contrato, em caso de resolução do contrato por atraso no pagamento das rendas – tem ou não, carater remuneratório.
“Quando o montante indemnizatório corresponda, no todo ou em parte, às contraprestações que o credor teria direito a receber na vigência do contrato, este valor está sujeito a IVA, o que bem se compreende porquanto a indemnização mais não é, então, que contraprestação contratualmente devido[22]”.
No caso em apreço encontra-se em causa “a indemnização por perdas e danos” de “montante igual a 30% das rendas vincendas no momento da resolução do contrato”, resolução esta decretada com fundamento no atraso de pagamento de rendas.
Estamos perante uma indemnização resultante da aplicação de clausula penal, através da qual se pretende compensar a locador pela cessação antecipada do contrato, pelos valores a que teria direito caso o contrato se mantivesse em vigor até à data final: o contrato foi resolvido, cessando todos os seus efeitos, com a consequente obrigação da locadora de devolução do imóvel.
Embora seja calculada com base no valor das rendas vincendas, a indemnização não corresponde a qualquer contraprestação por algum serviço prestado ou por aquisição de bens.
Como se sustenta na decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do Proc. 119/2022, apoiando-se em decisões do TJUE, que cita, a indemnização pelos benefícios que os sujeitos passivos deixaram de auferir não é objeto de tributação em sede de IVA.
Também a jurisprudência nacional vai no sentido de que “nos contratos de locação financeira, as quantias devidas pelo locatário decorrentes da resolução contratual a titulo indemnizatório e destinadas a ressarcir o locador pelos danos causados não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços[23]”.
A apelação das Embargantes é de proceder, com a sequente revogação da decisão recorrida relativamente à cobrança de IVA.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar:
1. procedente a Apelação deduzida pelas Embargantes/executadas, julgando-se nesta parte, procedentes os embargos, reconhecendo não serem devidas as quantias peticionadas a título de IVA relativamente à indemnização por incumprimento contratual;
2. parcialmente procedente a Apelação da Embargada/Exequente, revogando-se a al. d) do dispositivo da decisão recorrida – em se decide que, após o vencimento da livrança, os juros são devidos pelos Embargantes/avalistas apenas desde o momento da citação para os autos principais –, julgando-se, nesta parte, os embargos improcedentes.
A Embargada/Apelada suportará as custas da Apelação das Embargantes/Apelantes.
As custas da Apelação da Embargada/Exequente serão suportadas na proporção de 86% para a Apelante e de 14% para as Apeladas.
As custas dos embargos de executado, serão suportados na proporção do decaimento, que se calcula em 10% para as Embargantes e 90% para a Embargada.
Coimbra, 12 novembro de 2024
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).
[1] Cfr., despacho de retificação de 01-05-2024. [2] Defendendo opinião contrária e de que o “sentido” a que o artigo faz referência é o sentido pretendido pelo declaratário, encontrámos unicamente João de Castro Mendes, in “Teoria Geral de Direito Civil”, Vol. II, AAFDL, ed. revista de 1985, pp. 247 e 248. [3] José Alberto Vieira, “Negócio Jurídico, Anotação ao Regime do Código Civil (arts. 217º a 295º)”, Coimbra Editora, pag. 43. [4] Manuel Domingues de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, Coimbra 1987, p. 309. [5] Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2010 – 6ª ed., Almedina, pp. 553 e 554. [6] Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed. Atualizada, Coimbra Editora, p. 448. [7] Luís A. Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil, II Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5ª ed., Universidade Católica Editora, p.448. [8] Evaristo Mendes e Fernandes Sá, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, Anotação ao artigo 236º, nota IX, p. 540. [9] Evaristo Mendes /Fernando Sá, obra citada, p. 541, nota XIII, e Luís A. Carvalho Fernandes, obra citada, p.445. [10] Cfr., neste sentido, José Alberto Vieira, obra citada, p. 46, Durval Ferreira, “Negócio Jurídico Condicional”, Almedina, p. 103, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 223, nota 5. [11] cfr., “Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil”, Coimbra Editora 2002, pp. 218 e 219. [12] Pedro Pais Vasconcelos, obra citada, p. 560., e ainda em igual sentido, Luís Carvalho Fernandes, Teoria do Direito Civil, II, p. 455. [13] Pedro Pais Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2010, 6ª ed., Almedina, pp. 559-560. [14] Acórdãos do TRL de 20-11-2012, relatado por Maria Manuela Gomes, e de 08-11-2012, relatado por Vítor Amaral, disponíveis in www.dgsi.pt. [15] Acórdão relatado por José Rainho, disponível in www.dgsi.pt. [16] Cfr., Paulo Melero Sendin, “Letra de Câmbio L.U. de Genebra, Vol. II Obrigações e Garantias Cambiárias”, Universidade Católica Portuguesa, Almedina, p. 721-727. [17] Paulo Sendim, obra citada, II vol., p. 734. [18] Evaristo Mendes, “Aval Cambiário e Protesto. Revisitação do Tema”, p. 5, disponível in www.evaristomendes.eu/files/p_03_03.pd. [19] “Aval, Informação e Responsabilidade”, p. 1164, in www.revistadedireitocmercial.com , 2020-05-28. [20] “Das Letras: Aval e Protesto”, Almedina, p. 73. [21] Ficha doutrinária, da AT proferida por despacho de 2016-05-20, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT. [22] Decisão proferida em sede de Arbitragem Tributária, no Proc. nº 119/2022 – T, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), disponível in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMzAyMTcwOTU0MjQwLlAxMTlfMjAyMi1UIC0gMjAyMy0wMS0yMyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D . [23] Acórdão do TRP de 20-03-2018, relatado por José Igreja de Matos, e em sentido semelhante, Acórdãos do TRL de 16-07-2009, relatado por Arnaldo Silva, e de 05-11-2009, relatado por Teresa Soares, disponíveis in www.dgsi.pt.