I – Sempre que há violação de cláusulas contratuais é no âmbito da responsabilidade contratual que há que enquadrar a questão suscitada.
II – Situações há em que ocorre concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual, o que se verifica mais frequentemente em sede de cumprimento defeituoso, podendo a pretensão indemnizatória ter duplo fundamento.
III – Este concurso não é, porém, real, efetivo mas meramente aparente (concurso de normas).
IV – Os termos e condições do acesso ao sítio casinoportugal.pt regulam os termos do contrato estabelecido entre a apelada e os jogadores que utilizam o seu site.
V – A apelante que é terceira relativamente aos contratos celebrados entre a A. e os jogadores que utilizam o seu site, não pode alicerçar-se nestas cláusulas para exigir um determinado comportamento da apelada.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
A..., S.A. veio instaurar ação de processo comum contra MEO, Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor de €91.000,00 (noventa e um mil euros), acrescida de juros vincendos contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Fundamentou a sua pretensão nas falhas assinaladas nos serviços fornecidos pela Ré, alegando que os servidores desta não terão processado o término dos eventos e, em consequência, no dia 5 de outubro de 2019, os eventos disponibilizados para apostas no site “casinoportugal.pt” não estavam a sair do site de apostas, apesar de conhecidos os resultados e tal permitiu que os jogadores submetessem apostas após o conhecimento do resultado dos eventos, causando-lhe prejuízos em virtude do cumprimento defeituoso da prestação contratual da Ré, no montante de €91.000,00, correspondente à diferença entre os prémios pagos aos apostadores pela Autora, no valor de €97.159,35, e o valor das apostas que a A. recebeu daqueles, no montante de €6.935,65.
Devidamente citada a R. contestou, alegando que a ré violou as regras que enformam a sua atividade ao efetuar a quitação de prémios obtidos de forma fraudulenta. Mais alegou que o problema não era relativo a servidores em produção (bdprd01 / bdprd02) mas sim a um servidor ainda em projeto (bdlogs01), estando a autora a utilizar um servidor ainda não entregue nem aceite em cenários de produção. Impugnou os alegados pagamentos e concluiu pela improcedência da ação.
A autora apresentou petição inicial corrigida, teve lugar a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, determinado o objeto do litígio e elencados os temas de prova sem quaisquer reclamações.
Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente.
A R. não se conformou e interpôs recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:
(…).
II – Objeto do processo
De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a considerar são as seguintes:
. se deve ser alterada a matéria de facto, analisando-se previamente se a apelante cumpriu os ónus a que estão adstritos os recorrentes que pretendem impugnar a matéria de facto; e ,
. se estão verificados os pressupostos geradores da obrigação de indemnizar.
III – Fundamentação
Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial anónima, licenciada para a exploração de jogos e apostas online, o abrigo do DL n.º 66/2015, de 29 de Abril, regime jurídico dos jogos e apostas online, que opera com a marca “Casino Portugal.pt”.
2. Licenças para exploração de jogos e apostas online de que a Autora é titular por transmissão da sociedade sua acionista maioritária, Sociedade B..., S.A., ao abrigo do Artº 21º do referido Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online.
3. Porque licenciada para tal, a Autora explora “apostas desportivas à cota” -cfr Doc 1 – e “jogos de fortuna ou azar”.
4. Para a suporte do sistema tecnológico do jogo online, essencial ao desenvolvimento da sua atividade, a referida Sociedade B..., S.A., logo no inicio da exploração, em 2016, negociou e contratualizou com a Ré o designado projecto “Plataforma em Data Center”, elaborado pela ré como um “Service Level Agreement” (adiante designado por SLA) que se junta.
5. SLA esse que, com a transmissão das licenças para a Autora, referida em 1., passou a estar contratualizado com esta, tendo a Ré atribuído à Autora o nº de cliente ...02 e faturado os serviços de acordo com o estabelecido neste projeto.
6. Esse SLA prevê vários serviços e recursos que a Ré se obrigou a prestar à Autora, em função das requisições desta, assegurando o processamento, memória e armazenamento de dados relativos à atividade de jogo online.
7. Nas obrigações contratualizadas e assumidas pela Ré, inclui-se a disponibilidade e operacionalidade de vários servidores privados para acorrer às necessidades da Autora, servidores que cabe à Ré colocar em produção.
8. Ao longo da execução do projeto contratualizado, a Ré foi colocando vários servidores em produção, em função do que foi sendo ajustado com a Autora, de acordo com o desenvolvimento da atividade desta.
9. Para cada servidor em atividade, a Ré assumiu a obrigação, porque incluída nos serviços que se obrigou a prestar, de configurar um sistema de segurança, conforme pontos 1.4. a 1.8. dos Docs 3 e 4 juntos, designadamente “Serviços de Monitorização e Reporting, com suporte técnico especializado 24x7h, com acesso a dashboard de relatórios da atividade do sistema”, “Backup diário com rotação semanal e retenção mensal” e serviços de “ Reporting e procedimentos de segurança”.
10. Serviços estes que incluem sistema de alertas sobre indicadores do estado de cada um dos servidores, designadamente estado de funcionalidade, com emissão de alerta em caso de situação critica do estado de funcionamento do servidor, de acordo com ponto 1.5, em “Recursos Disponíveis:”, dos Docs 3 e 4.
11. Os serviços previstos no SLA foram objeto de ajustamentos caso a caso, e foram sucessivamente requisitados, através de emissão de notas de encomenda, pela Autora à Ré, que os passou a fornecer.
12. Serviços que são faturados mensalmente pela Ré, conforme factura detalhada que se junta.
13. No dia 19 de junho de 2019, a Ré, através do seu responsável pela gestão de projetos,
resumindo reunião sobre proposta, da própria Ré, de “migração do ambiente de produção para uma nova infraestrutura Coud com melhor desempenho e storage SSD”, elencou os seguintes servidores de produção: proxyprd01, proxyprd02, webserverprd01, webserverprd02, bdprd01, bdprd02, webserverprd03, bdlogs01, bdbw01 e webserverprd04 – cfr Doc 6– pag 3.
14. E no dia 28 de junho de 2019 o mesmo responsável pela gestão de projetos da Ré envia email ao responsável da Autora, AA, para com “esquema atualizado da solução implementada onde constam esses mesmos servidores em produção (com o servidor bdlogs01 referido como bdbwlogs). – cfr. Doc 7 e Doc 7 anexo
15. É através dos servidores disponibilizados pela Ré que, designadamente a operação/atividade de apostas desportivas à cota, se processa.
16. É através dos recursos disponibilizados pelos servidores que todos os dados do jogo são processados, armazenados e gravados, devendo a Ré assegurar que estão em perfeitas condições de funcionamento e sem falhas, uma vez que desse funcionamento perfeito e sem falhas depende a exploração e oferta da Autora aos seus clientes.
17. No dia 05 de outubro de 2019, pelas 16h e 16m, o apoio ao cliente da Autora constatou que os eventos/mercados disponibilizados para apostas no site CasinoPortugal.pt, apesar de conhecidos os resultados, não estavam a sair do site de apostas, ou seja, o site estava a permitir que os jogadores submetessem apostas após o conhecimento do resultado do jogo.
18. Os servidores e recursos da Ré não processaram o terminus dos mercados/ eventos de apostas disponibilizados no site da Autora para apostas desportivas à cota pelos seus clientes.
19. Um dos servidores a esse efeito dedicado, não atualizou, como deveria em circunstâncias e funcionamento normais e devidos, os dados e informação sobre os jogos/eventos desportivos em curso o que fez com que eventos desses jogos disponibilizados para apostas, se mantivessem ativos no site e disponíveis para submissão de apostas pelos clientes mesmo após conhecidos os resultados.
20. Por que assim foi, houve jogadores que fizeram apostas depois de conhecidos os resultados dos eventos a que submeteram apostas (por exemplo: resultado correto ao intervalo, jogador que marcou 2 golos no jogo…) , aproveitando do respetivo resultado já ser conhecido, obtendo ganhos em razão, simplesmente de uma falha do sistema, ganhos que de outro modo não poderiam almejar.
21. Assim, consequência das falhas devidas aos servidores e bases de dados disponibilizadas pela Ré, os jogadores puderam jogar depois de conhecidos os resultados, apostando em função de uma probabilidade de ganhos de 100%, sem a componente de prognostico ou resultado incerto.
22. No dia 05/10/2019, pelas 16h e 16m, o serviço de apoio ao cliente da Autora contactou o Eng. AA, programador informático sénior da Autora, transmitindo que os designados mercados (eventos disponíveis para aposta), apesar de terminados, não estavam a sair do site de apostas e que continuava a ser possível os clientes fazerem apostas sobre esses mercados.
23. De imediato o referido Engº AA verifica o que se passa e deteta que o sistema estava a demorar cerca de 8 a 12 segundos a processar as mensagens da “Betgenius” (fornecedor de jogos), quando o normal seriam cerca de 20 milissegundos.
24. De seguida, o mesmo AA comunica com o gestor de serviço da Ré – BB -, solicitando-lhe que verificasse o que se passava com as bases de dados, que estavam demasiado lentas.
25. No mesmo dia 05/10/2020, pelas 19.49, o mesmo gestor de serviços da Ré, reencaminhou a AA resultado das suas diligências para verificar o problema – email da equipa de bases de dados da Ré a dizer que não foram detetados constrangimentos na base de dados.
26. Não obstante tal comunicação da Ré, o sistema mantinha problemas de falta de atualização de dados, pelo que o referido programador colaborador da Autora – AA - , perante a falta de resposta satisfatória da Ré, começou a fazer debug ao sistema detetando que o servidor dblogs01 não estava a processar dados, mantendo pendentes todas as mensagens recebidas.
27. Esse mencionado servidor, tendo recebido dados do software de jogos não as processava, não atualizando os dados relativos aos eventos desportivos/mercados para finalizados e assim bloquear a possibilidade de apostas.
28. Tendo em conta a gravidade da situação, e sem resposta adequada da Ré, o mencionado responsável programador altera o código de software de jogo da Autora por forma a que ignorasse esse servidor no envio de mensagens para processar, ultrapassando assim o problema.
29. Nesse mesmo dia 05/10/2019, pelas 23h e 54m, solicita aos serviços da Ré análise sobre o servidor bdlogs1, relativamente ao qual foram detetados problemas.
30. Através de consulta do registo de boot no ficheiro boot.log do servidor bdlogs1, o programador da Autora AA constatou que no dia 06/10/2019, pelas 10h 41m os serviços da Ré reiniciaram o servidor bdlogs1, informação que partilhou no dia 14/10/2019 com os seus colegas dos serviços de programação.
31. Em resposta ao pedido da Autora – Doc 9 junto - , no dia 06/10/2020 pelas 18h12m, a Ré informou que o pedido foi implementado, que foi feito o restart do servidor e que o mesmo se encontra online.
32. O servidor dblogs1, que a Ré implementou em produção nos serviços de data center (serviços de “cloud”) que presta à Autora, deixou de funcionar no dia 05/10/2019.
33. Tal falha no funcionamento, teve como consequência que no período em que não foram processados os dados do final dos mercados/eventos desportivos disponibilizados para apostas, entre as 15h e 33m e as 19h e 01m do dia 05/10/2020, fossem efetuadas 37 apostas mercados, depois de conhecidos os respetivos resultados.
34. Dos mercados disponíveis para apostas no site da Autora – “Casino Portugal”, expõe-se na tabela anexa aqueles em que, por falha do servidor fornecido pela Ré, foi possível apostar depois de conhecidos os resultados:
35. Em que “Tipo”, é o tipo de aposta feira pelo jogador: se é simples, só num mercado de apostas, ou múltipla, em vários mercados de apostas.
36. “Aposta do Cliente”, é o mercado de aposta em que o cliente/jogador apostou, por exemplo, como exposto na primeira linha da tabela apresentada e que expõe uma aposta de que o jogador Crociata, G marca golo no jogo “Crotone - Virtus Entella”
37. “Mercado Selecionado”, corresponde ao resultado disponível para aposta (mercado de aposta) que foi selecionado pelos jogadores . Ou seja, por exemplo, que determinado jogador marca golo no jogo, qual o resultado correto ao intervalo, qual o número exato de golos ao intervalo, se no Resultado do jogo ganha a equipa de fora, de casa ou é empate, etc, num determinado Jogo – “Nome Jogo”.
38. “Desporto” corresponde à modalidade desportiva relativamente à qual se disponibilizam no site mercados para aposta “Mercado Selecionado”, no caso todos respeitam a futebol.
39. “Nome Jogo” corresponde às equipas de futebol que se defrontam, por exemplo “Crotone – Virtus Entella”, referido na referida primeira linha, e que estavam disponíveis para apostas no site da Autora, como “Mercado de apostas”.
40. “Data Inicio Jogo”, corresponde à data e hora em que teve início o jogo de futebol relativamente ao qual estavam disponíveis no site da Autora determinados mercados de
41. “Data Conhecimento Resultado” corresponde à data e hora em que foi conhecido o resultado do mercado de aposta selecionado pelo jogador/apostador. Por exemplo, no caso que nos ocupa, como apresentado na primeira linha da tabela do art. 35 anterior, relativamente aposta o jogador Crociata, G marcar golo no Jogo “Crotone - Virtus Entella”, o resultado foi conhecido no dia 2019-10-05 pelas 15:19:00horas. Ou seja, foi nesse dia e hora que o jogador marcou golo. Ou, outro exemplo, como exposto na segunda linha da tabela, o cliente/apostador apostou que o jogador Meggiorini, R ia marcar dois ou mais jogos no jogo “Livorno – Chievo”, a data do conhecimento do resultado do mercado da aposta, ou seja quando se soube que o jogador Meggiorini, R tinha marcado dois ou mais golos foi no dia 2019-10-05 pelas 15:17:00horas.
42. “Data Aposta”, corresponde ao dia e hora em que o cliente apostador fez a sua aposta. Voltando a socorrer-nos do exposto na segunda linha tabela do art. 35., o apostador apostou que o jogador Meggiorini, R ia marcar dois ou mais jogos no jogo “Livorno – Chievo” no dia 2019-10-05 pelas 15:33:44horas.
43. A tabela apresentada no art. 35. Concretiza exatamente cada uma das apostas quais os jogos que se mantiveram ativos para apostas após o conhecimento dos resultados; que concretas apostas foram feitas após o conhecimento dos resultados; a que horas foram feitas cada uma das apostas.
44. As apostas acima devidamente elencadas, sistematizadas e explicadas, foram efetuadas por 7 clientes identificados com os ID de cliente ...81, ...51, ...48, ...36, ...72, ...78, ...35, cujo valor concreto apostado e ganho obtido com a aposta se descrimina abaixo.
45. O cliente/apostador com o ID de cliente ...81, de nome CC, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11A - , fez as seguintes apostas:
46. O cliente/apostador com o ID ...51, de nome DD, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11B - , fez as seguintes apostas:
47. O cliente/apostador com o ID ...48, de nome EE, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11C - , fez as seguintes apostas:
48. O cliente/apostador com o ID ...36, de nome FF, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11D- , fez as seguintes apostas:
49. O cliente/apostador com o ID ...72, de nome GG, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11E- , fez as seguintes apostas:
50. O cliente/apostador com o ID ...78, de nome HH, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11F- , fez as seguintes apostas:
51. O cliente/apostador com o ID ...35, de nome II, cuja ficha de cliente se junta – cfr Doc 11G- , fez as seguintes apostas:
52. Cada um dos jogadores acima discriminados por apostas, data/hora do conhecimento do resultado, data/hora da aposta, valor da aposta e ganhos das apostas, apostou depois de conhecer os resultados e obteve ganhos.
53. Ganhos a que corresponderam perdas da Autora, que se viu forçada a pagar a esses jogadores.
54. O valor total das apostas totais dos apostadores foi de €6.935,65, com ganhos totais dos jogadores que apostaram nas condições em causa, de €97.159,35 – conforme extrato demonstrativo extraído da plataforma tecnológica de jogo online da Autora - cfr Doc 12 e 12 A já juntos aos autos.
55. Tal falha do servidor aconteceu, além do mais, sem que tivesse sido emitido qualquer alerta de problemas.
56. Seria esse sistema de alerta que poderia ter avisado para a situação critica do servidor,
nomeadamente falha de memória.
57. A Ré não assegurou, como lhe competia, que todos os servidores por si colocados em produção para a Autora processariam devidamente os dados do sistema técnico de jogo online em causa.
58. O servidor bdlogs1, por falha de capacidade de memória, não processou os dados recebidos, não tendo igualmente sido gerado qualquer alerta da situação critica em que se encontrava nem do bloqueio de processamento em que ficou.
Factos não provados
Não se provaram os seguintes factos:
Da contestação:
34º o problema não era relativo a servidores em produção (bdprd01 / bdprd02) mas sim a um servidor ainda em projeto (bdlogs01);
36º Mesmo que para tal não estivesse contratado, porquanto estando o servidor em projeto, logo sem SLA (tempo previsível) de resposta.
39º A Autora ao estar a utilizar um servidor/serviço ainda não entregue pela Ré, nem aceite em cenários de produção no seu negócio.
40º O servidor que foi objeto do restart estava ainda à data de 25/10/2019 em projeto (LT3859410).
41º Não foi efetuada nenhuma alteração ao servidor pelas equipas de operação.
42º o restart resolveu o problema.
43º só após desenvolvimentos aplicacionais adicionais feitos pelo cliente a situação não voltou a ocorrer.
45º Ora, a Autora, a fazer uso de um servidor que estava em projeto (ainda não disponibilizado pela Ré, para utilização).
Inexistem outros factos articulados pelas partes suscetíveis de inclusão entre os factos provados e não provados, quer por encerrarem matéria conclusiva e/ou de direito quer por traduzirem mera impugnação da matéria alegada na petição inicial ou instrumental para a apreciação da causa.
Da impugnação da matéria de facto
(…).
Do Direito
A apelante vem defender que não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, não estando demonstrada a existência de um comportamento doloso nem negligente nem existe nexo causal entre os factos praticados pela apelada e os danos sofridos pela apelada.
Vejamos:
Começamos por precisar que não está em causa nesta ação a responsabilidade civil por factos ilícitos como refere a apelante.
Entre a apelante e a apelada foi celebrado um contrato de prestação de serviços, pelo qual a apelada se obrigou a prestar à apelante serviços de processamento, armazenamento e memória de dados, serviços que têm sido sucessivamente objeto de requisições por parte da apelante e que são faturados pela apelada.
Estamos no domínio da responsabilidade civil contratual e não da responsabilidade civil por factos ilícitos e foi assim, e bem, que se entendeu na sentença recorrida.
A responsabilidade civil contratual é fundada na violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também os deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários) e a e a responsabilidade civil por factos ilícitos ou extracontratual tem por fundamento não a violação de contratos, emergindo da violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado (violação de normas gerais que tutelam interesses alheios, de deveres genéricos de respeito) (cfr. se defende no Ac. do TRP de 08.02.2021, processo nº 274/17.8T8AVR.P1).
Situações há em que ocorre concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual, o que se verifica mais frequentemente em sede de cumprimento defeituoso, podendo a pretensão indemnizatória ter duplo fundamento. Este concurso não é, porém, real, efetivo mas meramente aparente (concurso de normas) dado que sempre que há violação de contratos é no âmbito da responsabilidade contratual que há que enquadrar a questão suscitada (também como se defende no Ac. citado do TRP, de 08.02.2021).
Tanto a responsabilidade contratual, enunciado no art. 798º, do CC, como a responsabilidade extracontratual (art. 483º do CC), exigem um ilícito que na responsabilidade contratual é o incumprimento de uma obrigação acordada no contrato, a culpa (dolo ou negligência), um dano e uma relação causal entre a ação/omissão e este. A grande diferença é que na responsabilidade contratual a lei consagra uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º do CC), sendo o devedor que tem de provar que o incumprimento não procede de culpa sua e na responsabilidade por factos ilícitos é o lesado, em regra, que tem o ónus da prova de todos os pressupostos, incluindo a culpa (artº 487º, nº 1 do CC).
Em casos específicos, consagrados na lei, mesmo no domínio da responsabilidade extracontratual, o legislador consagrou situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente, mas essa culpa se presume, sendo um desses casos o exercício de atividade tida por perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (nº2, do artigo 493º do CC).
Da falta de dolo ou negligência
A apelante vem defender que não agiu com dolo nem com violação do dever de cuidado e que não há nexo de causalidade entre a ação e o dano.
Como se referiu já, o artº 799º, nº 1 do CC contém uma presunção legal que, ao isentar o credor de provar a culpa do devedor incumpridor, exceciona a regra geral de distribuição do ónus da prova do artº 342º, nº 1 do CC, pois a culpa, enquanto pressuposto da responsabilidade civil obrigacional, é um facto constitutivo do direito à indemnização de que é titular o credor. É ao devedor que cabe provar que teve uma conduta diligente ou uma causa de exclusão da culpa para que não seja responsabilizado ou ainda que a culpa foi da outra parte. A culpa é um juízo de censura que recai sobre o agente em concreto.
Para demonstrar a sua falta de culpa, a apelante vem defender que a apelada utilizou um servidor que se encontrava em projeto. No entanto, tal factualidade por si invocada na contestação foi considerada não provada – factos não provados artigos 34º, 36º, 39º e 45º da contestação -, pelo que não logrou provar a factualidade em que assenta o afastamento da presunção de culpa que sobre si recai.
Da falta de nexo de causalidade
Alega também a apelante que não há nexo de causalidade entre a violação do dever e o dano (diferença entre o valor que os apostadores pagaram e a quantia que a apelante teve de desembolsar). No entender da apelante, o prejuízo da A. foi causado pela sua conduta, ao não cumprir o determinado no ponto 1.1.2 dos termos e condições acessíveis em casinoportugal.pt., e ao não atentar nas regras específicas do DL 66/2015, de 29 de abril (Regime Jurídico dos Jogos e Apostas On Line, também designado por RJO), da Lei 2/2020 e do DL 84/2019. No entender da apelante, o tribunal concluiu erradamente que não ocorreu qualquer intervenção manipulatória dos jogadores, quando estes conheciam os resultados e, não obstante, efetuaram apostas. Os apostadores obtiveram de forma fraudulenta ganhos porque souberam os resultados antes de efetuar as apostas.
Acrescendo também que, tendo a apelante detetado o problema às 16h16m, não obstante, permitiu apostas até às 19h01. E além de não ter bloqueado as contas aos apostadores, também não participou criminalmente deles, como estava obrigada.
Vejamos:
A doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade co-envolva matéria de facto - nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado - e matéria de direito - nexo de adequação: que o facto, em abstrato ou geral, seja causa adequada do dano (cfr. se defende no acórdão do TRG de 07.01.2016, proferido no proc 53/14).
E como ensina Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 578) “determinada ação será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar “.
A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal, ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.
Na formulação negativa (mais ampla), o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Tem-se entendido que a nossa lei adotou a formulação negativa da teoria da causalidade adequada.
A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo que o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia de responsabilidade indireta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (cfr. Ac. do TRG de 07.01.2016, já citado).
A doutrina da causalidade adequada também não afasta a possibilidade de concorrer mais do que uma causa para a produção do dano.
Como se referiu, a apelante alega que a plataforma da A., nos termos da Lei tem regras estabelecidas, definidas e publicadas para todos os utilizadores, vide em (https://www.casinoportugal.pt/info/termos_e_condicoes ) e que a apelante não cumpriu o determinado no ponto 1.1.2 (sob a epígrafe Condições Específicas).
Constata-se que os Termos e Condições a que a apelante se refere constam do site que identifica e regem o acesso ao sítio CasinoPortugal.pt (incluindo subdomínios), explorado pela empresa A..., S.A. (aqui A./apelada), termos e condições também designados como os Termos”, “o Acordo”, “o Contracto” (ponto 1.1., sob a epígrafe “Da Introdução”). Quaisquer referências a “utilizador”, “cliente”, “jogador”, “cocontratante“ e/ou “vosso”, referem-se ao utilizador registado no Site ( cfr. ponto 1.4).
O utilizador ao confirmar ter lido e aceitado os Termos e Condições na página de registo, está a celebrar um contrato com a entidade exploradora e a confirmar, igualmente, ter lido e aceitado:
.a nossa “Política de Privacidade”;
.a nossa “política de cookies”
.a nossa “política de jogo responsável”
.as “Regras de apostas desportivas à cota”
.as nossas condições específicas referentes a promoções, bónus e quaisquer ofertas promocionais.(cfr. 1.6)
1.7. Os Termos e Condições são aplicados a apostas desportivas à cota e jogos de fortuna ou azar independentemente da forma de acesso, que poderá ser através de telefone ou qualquer dispositivo móvel, através da aplicação para dispositivo móvel disponibilizada pela entidade exploradora (ponto 1.7 da Introdução).
E sob a denominação regras específicas estabeleceu em 1.1.2. ”Se a entidade exploradora tiver motivos razoáveis , baseados em indícios bastantes, para suspeitar de qualquer comportamento fraudulento, na forma tentada ou consumada, determinará, a titulo cautelar, a suspensão do registo dos jogadores envolvidos e a imobilização/cativação do saldo das respetivas contas, reportando essa decisão ao SRIJ no prazo de 24 horas.”
Os termos e as condições a que a apelante se refere sãos os termos do contrato celebrado entre a A. e os utilizadores do seu site casinoportugal.pt.
A apelante faz apelo às regras específicas do DL 66/2015, de 29 de abril e da Lei 2/2020 e o DL 84/2019, limitando-se a referir estes três diplomas, mas sem que identifique quais os concretos preceitos destes diplomas que impunham solução jurídica diferente da seguida na sentença recorrida. A Lei 2/2020 e o DL 84/2019 são diplomas que introduziram alterações ao DL 66/2015.
O DL 66/2015 determina como se processa o registo dos jogadores e prevê a criação da conta do jogador (respetivamente artºs 37º e 40º).
O nº 10 do artº 37º e o nº 10 do artigo 40.º estabelecem que os procedimentos de suspensão e de cancelamento dos registos dos jogadores e os procedimentos de desativação, suspensão e cancelamento das contas de jogador são definidos em regulamento pela entidade de controlo, inspeção e regulação (a qual se encontra identificada no artº 45º do mesmo diploma). O diploma que veio definir esses termos foi o Regulamento 836/2015, de 4 de dezembro que, de acordo com o seu artigo 1º, estabelece as regras e os procedimentos relativos ao registo e conta de jogador, previstos no Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO), em particular, no que concerne aos procedimentos de suspensão e cancelamento do registo e procedimentos de desativação, de suspensão e cancelamento da conta de jogador.
O artigo 7º do Regulamento prevê os casos em que o registo do jogador pode ser suspenso. Assim:
1 - A entidade exploradora deve proceder à suspensão do registo de jogador, nomeadamente, quando:
a) O registo permaneça sem qualquer acesso por parte do jogador, ininterruptamente, durante o período de dois anos;
b) O jogador se tenha autoexcluído por tempo determinado e durante esse período;
c) O jogador tenha acionado uma pausa de jogo e durante o período da mesma;
d) Nos demais casos de suspensão da conta de jogador.
O artº 13º prevê a suspensão da conta do jogador, designadamente, nos casos de suspensão do registo do jogador, nos termos previstos no artº 7º (alínea a)) e quando a entidade exploradora tenha evidências ou registo de práticas que indiciem ou demostrem que o jogador incorreu na prática dos crimes de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo.
O artº 15º do Regulamento estabelece que, sem prejuízo do disposto nos artigos 13.º, 14.º e 15.º, as regras específicas podem prever outros casos de desativação, suspensão e cancelamento da conta de jogador.
Ao remeter para as regras específicas, o regulamento remete para as regras que as entidades exploradoras possam elaborar, no desenvolvimento e no uso das faculdades que lhes são conferidas no regulamento, relativas ao registo e à conta de jogador (cfr. preâmbulo), regras essas que vinculam a entidade exploradora e os utilizadores que aderirem aos seus termos e condições, os quais constituem as cláusulas pelas quais se regem os contratos estabelecidos entre a entidade exploradora e os utilizadores.
No nº 2 do ponto 1.1. dos termos e condições do acesso ao sítio casinoportugal.pt, não está em causa a movimentação da conta dos utilizadores, a qual a entidade exploradora não pode movimentar (artºs 40º, nº 4 do DL 66/2015 e 10º, nº 2 do Regulamento 836/2015), mas sim a possibilidade de suspensão do registo do jogador e a imobilização/cativação do saldo da respetiva conta.
A apelante que é terceira relativamente aos contratos celebrados entre a A. e os jogadores que utilizam o seu site, não pode alicerçar-se nestas cláusulas para exigir um determinado comportamento da apelada.
Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a factualidade provada é insuficiente para concluir, como exige o nº 2 do ponto 1.1. dos termos e condições, pela existência de um comportamento fraudulento por parte dos jogadores.
O artº 50º nº1 do DL 66/2015 prevê o crime de fraude nos jogos e apostas online, definindo-o do seguinte modo:
1 - Quem adulterar as regras e os processos de funcionamento que forem estabelecidos para os jogos e apostas online, introduzindo, modificando, apagando ou suprimindo dados informáticos, ou de outro modo interferir no tratamento dos mesmos, com a intenção de assegurar a sorte ou o azar, é punido com pena de prisão de três a oito anos ou com pena de multa até 600 dias.
Ora, não se apurou que os jogadores tenham praticado qualquer dos atos referidos no nº 1 do citado artº 50º. O que ocorreu é que, como a apelante não cumpriu as obrigações a que estava adstrita, o que inclua a configuração de um sistema de segurança e um sistema de alertas sobre indicadores do estado de cada um dos servidores (pontos 9 e 10 dos factos provados), 7 jogadores aproveitaram-se das falhas do sistema de segurança e apostaram com risco nulo de perderem as apostas, pois tinham prévio conhecimento dos resultados dos jogos (o que embora possa ser censurável do ponto de vista da moral, não se afigura que preencha a previsão do ponto 1.1.2).
É através dos recursos disponibilizados pelos servidores que todos os dados do jogo são processados, armazenados e gravados, devendo a Ré assegurar que estão em perfeitas condições de funcionamento e sem falhas, uma vez que desse funcionamento perfeito e sem falhas depende a exploração e oferta da Autora aos seus clientes.
Apurou-se que:
18. Os servidores e recursos da Ré não processaram o terminus dos mercados/ eventos de apostas disponibilizados no site da Autora para apostas desportivas à cota pelos seus clientes.
19. Um dos servidores a esse efeito dedicado, não atualizou, como deveria em circunstâncias e funcionamento normais e devidos, os dados e informação sobre os jogos/eventos desportivos em curso o que fez com que eventos desses jogos disponibilizados para apostas, se mantivessem ativos no site e disponíveis para submissão de apostas pelos clientes mesmo após conhecidos os resultados.
20. Por que assim foi, houve jogadores que fizeram apostas depois de conhecidos os resultados dos eventos a que submeteram apostas (por exemplo: resultado correto ao intervalo, jogador que marcou 2 golos no jogo…) , aproveitando do respetivo resultado já ser conhecido, obtendo ganhos em razão, simplesmente de uma falha do sistema, ganhos que de outro modo não poderiam almejar.
21. Assim, consequência das falhas devidas aos servidores e bases de dados disponibilizadas pela Ré, os jogadores puderam jogar depois de conhecidos os resultados, apostando em função de uma probabilidade de ganhos de 100%, sem a componente de prognostico ou resultado incerto.
32. O servidor dblogs1, que a Ré implementou em produção nos serviços de data center (serviços de “cloud”) que presta à Autora, deixou de funcionar no dia 05/10/2019.
33. Tal falha no funcionamento, teve como consequência que no período em que não foram processados os dados do final dos mercados/eventos desportivos disponibilizados para apostas, entre as 15h e 33m e as 19h e 01m do dia 05/10/2020, fossem efetuadas 37 apostas mercados, depois de conhecidos os respetivos resultados
52. Cada um dos jogadores acima discriminados por apostas, data/hora do conhecimento do resultado, data/hora da aposta, valor da aposta e ganhos das apostas, apostou depois de conhecer os resultados e obteve ganhos.
53. Ganhos a que corresponderam perdas da Autora, que se viu forçada a pagar a esses jogadores.
54. O valor total das apostas totais dos apostadores foi de €6.935,65, com ganhos totais dos jogadores que apostaram nas condições em causa, de €97.159,35 – conforme extrato demonstrativo extraído da plataforma tecnológica de jogo online da Autora - cfr Doc 12.
Ora, em face da factualidade dada como provada, é manifesto que existe nexo de causalidade entre o cumprimento defeituoso do dever contratual a que a apelante estava adstrita e o prejuízo sofrido pela apelada.
A teoria da causalidade adequada não exige que apenas uma causa conduza ao dano. Ainda que sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, para a produção do dano podem intervir outros factos, do próprio lesado ou de terceiro, sendo que ocorrendo um concurso de causas adequadas e simultâneas ou subsequentes qualquer dos autores poderá ser responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que dispõem os artºs 490º e 570º do CC (cfr. se defende no Ac. do S.T.J. de 20/06/2006, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIV, tomo II, págs. 120-121, c, Ac. do STJ de 13.01.2009, proc. 08ª3747 e Francisco Pereira Coelho, “O problema da Relevância da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Almedina, págs. 31-34).
A apelada mal se apercebeu do deficiente funcionamento do servidor, entrou em contacto com a apelante que foi incapaz de resolver a deficiência, tendo acabado por ser aquela, face à incapacidade desta, que conseguiu alterar o código de software de jogo, por forma a que ignorasse esse servidor no envio de mensagens para processar, conseguindo assim ultrapassar o problema.
A apelação deve, pois, improceder.
Sumário:
(…).
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
Coimbra, 12 de novembro de 2024