Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCESSO EXECUTIVO
VENDA JUDICIAL
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
PREÇO
ACORDO DAS PARTES
Sumário
I - Não podendo concluir-se da análise dos articulados (e/ou dos termos da causa) que as partes estavam cientes do (ou despertas e acauteladas para o) enquadramento do caso à luz de um qualquer instituto jurídico – seja por nunca sequer aludirem ao seu nomen iuris, seja por não aludirem aos seus pressupostos e requisitos, ainda que possa ter sido alegado o facto que permite equacionar a aplicação de tal instituto na decisão –, tem de entender-se que a sua apreciação na decisão constitui uma decisão-surpresa, traduzindo apreciação de questão nova (no sentido de não discutida no processo). II - Ocorre violação do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC) quando a questão apreciada e decidida pelo tribunal, ainda que decorrendo de matéria trazida aos autos por uma das partes, não foi por estas tratada e discutida de modo efetivo, cientes de que poderia vir a assumir o relevo e importância que lhe é dado na decisão tomada pelo tribunal. III - O vício referido (violação do contraditório) é gerador de nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC), a invocar no recurso dela interposto.
Texto Integral
Apelação n.º 585/09.6T2OVR-C.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Nos autos de execução ordinária que A. A..., S.A., move a AA, foi proferido o seguinte despacho em 27.11.2023:
Compulsados os autos veio o executado, AA - na sequência da notificação efectuada pelo Sr. Agente de Execução, Dr. BB, a informar do encerramento do leilão por negociação particular ocorrido em 08.10.2023 e das duas propostas obtidas de 22.000,00€ e 22.000,01€, respectivamente – requerer que seja efectuada uma nova venda na modalidade de leilão electrónico (não negociação particular) com o mesmo preço mínimo (34.000,00€).
Observado o contraditório, o Exequente opõe-se a tal pretensão, alegando a durabilidade do processo executivo, que remonta a 2009, a ausência de melhores propostas e a degradação do imóvel em apreço, que não é sequer habitável e se encontra em constante desvalorização, razão pela qual requer que seja aceite a melhor proposta apresentada no referido leilão.
Vejamos.
Como vem sendo entendimento sedimentado na jurisprudência, “se após a realização das diligências necessárias para o efeito, não for possível obter um comprador que se disponha a adquirir o bem por um valor igual ou superior a 85% do respectivo valor base, o bem pode ser vendido por um bem inferior, desde que todos estejam de acordo ou, não havendo acordo, desde que o juiz de execução o autorize” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Abril de 2022, processo 11008/17.7T8PRT-C.P1, pesquisável in www.dgsi.pt, e Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, Almedina, 5.ª Edição, pág. 525, e diversa jurisprudência nele citada).
Assim, face à ausência de acordo por parte do executado, cabe ao juiz decidir em conformidade, fazendo um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio das prestações concorrentes, tendo em devida ponderação a duração da execução, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, da evolução da conjuntura económica, das potencialidades da venda do bem, do interesse manifestado pelo mercado, da desvalorização sofrida e a sofrer, dos valores de mercado da zona e de outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação
da oferta (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Março de 2019, processo 6461/13.0TBBRG-C, pesquisável in www.dgsi.pt).
Acresce que a função do processo nesta fase de cariz executivo é no sentido de que os bens possam ser vendidos, em condições objectivas de concorrência e contraditório, pelo maior valor possível, tendo nessa medida por base as regras de mercado, as quais não se limitam à oferta, mas igualmente à procura, sendo, pois, a convergência destes elementos que ditam o seu funcionamento.
Assim, tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de Novembro de 2023, processo 950/17.5T8CHV-C.G1, in www.dgsi.pt, não existe um valor juridicamente definido como o valor real do imóvel. Este é determinado pelo mercado, ou seja, pelo jogo da oferta e da procura, ou seja, “pelo valor que os compradores estiverem dispostos a dar por ele, num determinado momento”.
Deste modo, atenta a factualidade acima exposta, é indubitável que o imóvel em apreço se encontra no mercado há já muitos anos, remontando o presente processo executivo ao ano de 2009, tendo sido efectuadas, ao longo do tempo, diversas prospeções de mercado, com sucessivas nomeações de encarregados da venda (cfr. despacho com a Ref.ª Elect.ª 9577502, de 6/02/2017), sendo que o actual encarregado da venda foi nomeado em 7 de Dezembro de 2020 (cfr. despacho com a Ref.ª Elect.ª 113703574, de 7/12/2020), sem que se tenha atingido a proposta almejada pelo Executado.
Na realidade, atento o hiato temporal decorrido e as sucessivas diligências efectuadas não se vislumbra, em termos objectivos, que, num futuro próximo, sejam superadas as propostas até ao momento apresentadas, nem o Executa alega qualquer facto que permita, com razoabilidade, concluir em sentido oposto. Com efeito, as diligências para a obtenção de interessados terão de se concretizar em tempo útil a fim de se lograr alcançar um resultado prático, que acautele também o interesse dos credores.
Acresce que as partes não devem eximir-se ao princípio da cooperação, previsto no art. 7.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, a que estão obrigadas, nomeadamente procurando indicar potenciais interessados na aquisição das verbas objecto da venda pelos valores que reputam ajustados.
Nesta conformidade, por forma a evitar que se perca a oportunidade de venda do imóvel em apreço e de molde a evitar o acentuado prolongar no tempo de diligências, que remontam há mais de uma década, que se vêm revelando, na prática, infrutíferas, correndo-se o risco de não se conseguir vender o bem, comprometendo, desse modo, a celeridade e eficácia na realização da justiça, autorizo o Exmo Sr. Agente de Execução a aceitar a proposta apresentada no valor de €
20.000,01, caso não sobrevenha, entretanto, no curto prazo que se seguir, outra e melhor proposta.
Notifique.
Inconformado, apelou o executado, apresentado as seguintes conclusões:
A. Da RECORRIBILIDADE AUTÓNOMA
I. Vem o presente recurso legitimado do despacho datado de 27.11.2023, através do qual decidiu o tribunal a quo, na sequência do encerramento do leilão por negociação particular ocorrido em 08/10/2023 e das duas propostas obtidas de 22.000,00€ e 22.000,01€ (ambas abaixo do preço mínimo do bem colocado à venda), autorizar o Sr. Agente de Execução a aceitar a proposta apresentada no valor de 22.000,01€, ao contrário do que requerera o executado, que impetrara o prosseguimento das diligências de venda, agora através da modalidade de leilão electrónico.
II. No caso vertente, a não impugnação imediata do despacho recorrido redundará na concretização da venda judicial do bem pelo preço de 22.000,01€.
III. O diferimento do recurso para momento posterior implica que o despacho recorrido produza efeitos materialmente irreversíveis, como seja a consumação da venda pelo valor de 22.000,01€, afigurando-se absolutamente inútil a posterior revogação da decisão que a autorizou.
IV. Em face do exposto, deve o presente recurso ser admitido ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. h), uma vez que seria absolutamente inútil a impugnação do despacho recorrido a final.
B. Dos FUNDAMENTOS DO RECURSO
V. Através do despacho recorrido, datado de 27.11.2023 (ref.ª 130202120), decidiu o tribunal a quo o seguinte:
“Nesta conformidade, por forma a evitar que se perca a oportunidade de venda do imóvel em apreço e de molde a evitar o acentuado prolongar no tempo de diligências, que remontam há mais de uma década, que se vêm revelando, na prática, infrutíferas, correndo-se o risco de não se conseguir vender o bem, comprometendo, desse modo, a celeridade e eficácia na realização da justiça, autorizo o Exmo Sr Agente de Execução a aceitar a proposta apresentada no valor de €20.000,01, caso não sobrevenha, entretanto, no curto prazo que se seguir, outra e melhor proposta.”
VI. Antes de mais, salienta-se que o último parágrafo do despacho recorrido contém um lapso de escrita, na parte em que se refere “aceitar a proposta apresentada no valor de €20.0 00,01” (vinte mil euros e um cêntimo), sendo certo que ali pretendia o tribunal a quo exarar “aceitar a proposta apresentada no valor de 22.000,01€” (vinte e dois mil euros e um cêntimo), que corresponde ao valor da proposta mais elevada que foi apresentada pelo imóvel sub judice (conforme registado no primeiro parágrafo do mesmo despacho).
VII. Quanto ao mérito da decisão, entende, humildemente, o Recorrente que não poderia o tribunal a quo, sem a sua anuência, haver autorizado a venda do bem pelo valor de 22.000,01€, uma vez que se trata de um montante muito inferior ao respectivo preço mínimo (34.000,00€), que corresponde a 85% do respectivo valor base.
VIII. Nos termos do disposto no artigo 821.º, n.º 3, a possibilidade de venda do bem por valor inferior a 85% do respectivo valor base depende de acordo entre exequente, executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender.
IX. No despacho recorrido, advoga o tribunal a quo que, mesmo não existindo acordo nos termos anteditos, seria admissível a venda do bem por valor inferior a 85% do respectivo valor base, desde que o juiz de execução o autorize.
X. Mas o legislador não só não previu expressamente tal possibilidade, como ela resulta necessariamente excluída considerando o disposto no artigo 821.º, n.º 3, em que o legislador consagrou expressamente as circunstâncias que pretendeu estatuir como excepção à regra da proibição de venda por valor inferior a 85% do valor base do bem, ali não fazendo constar a autorização por parte do juiz de execução.
XI. Assim, resulta claro não existir, na matéria em apreço, qualquer lacuna legal que cumprisse suprir ao abrigo do disposto no artigo 10.º do CCivil.
XII. Como tal, e em face da objecção manifestada por parte do Recorrente/Executado, não poderia o tribunal a quo autorizar a realização do negócio pelo valor de 22.000,01€, antes se lhe impondo determinar o prosseguimento da execução com novas diligências de venda, nos termos requeridos pelo Recorrente.
XIII. No mesmo sentido, decidiu, muito recentemente, a Mm.ª Juiz do Juizo de Execução de Águeda (Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), no âmbito do processo executivo n.º ..., recusar a aceitação de qualquer das propostas apresentadas – todas abaixo do valor mínimo do bem – e determinar a realização de novo leilão, precisamente com fundamento no facto de a executada ter manifestado a sua oposição (Cfr. Doc. 1).
XIV. Para o entendimento ora propugnado concorrem ainda as regras da plataforma de leilão electrónico www.e-leiloes.pt, consagradas em anexo ao despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, das quais resulta que só propostas acima do valor mínimo do bem podem obrigar ao depósito do preço, inferindo-se, a contrario, que, abaixo desse valor, não há lugar à celebração do negócio.
XV. Como flui do exposto, o despacho recorrido viola a norma consagrada no artigo 821.º, n.º 3 do CPCivil, razão pela qual se impõe a revogação da decisão.
Sem prescindir nem conceder,
XVI. No caso vertente, o montante pelo qual o tribunal a quo autoriza que o bem seja vendido – 22.000,01€ - cifra-se muito abaixo do seu valor de mercado (note-se que o respectivo valor base é de 40.000,00€).
XVII. Os interesses do exequente na celeridade na satisfação do seu crédito não podem prejudicar de forma desproporcional os interesses patrimoniais do executado, que aspira, legitimamente, a que o seu património seja adequadamente aproveitado na liquidação da quantia exequenda.
XVIII. Se o exequente tem direito a obter o pagamento do que lhe é devido, também o executado tem direito a que os seus bens não sejam dissipados por valores muito abaixo do seu valor real.
XIX. Sempre que confrontado com a colisão de interesses conflituantes dignos de tutela jurídica, como sucede no caso vertente, deve o julgador velar pela respectiva optimização, procurando a solução que garanta a maior protecção possível para ambos os interesses em confronto, dentro dos limites do peso relativo que apresentem no caso concreto.
XX. A decisão recorrida não cumpre as enunciadas exigências - a venda do bem pelo valor de 22.000,01€ representa sacrificar desproporcionalmente os interesses patrimoniais do executado.
XXI. Por todo o exposto, sempre teria o tribunal a quo de recusar a autorização de venda do bem pelo valor de 22.000,01€, por se tratar de um montante manifestamente inferior ao respectivo valor real e ao preço mínimo fixado nos autos.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V.as Exas. doutamente suprirão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que recuse a autorização de venda do bem pelo valor de 22.000,01€ e, consequentemente, determine que o bem seja colocado à venda em leilão electrónico com o mesmo preço mínimo (34.000,00€).
Assim se realizando
JUSTIÇA!
Em 06.12.2023 foi proferido o seguinte despacho:
Efectivamente e conforme resulta do próprio contexto, o despacho proferido em 27 de Novembro de 2023 (Ref.ª Elect.ª 130202120) contém um manifesto lapso de escrita, porquanto, no seu penúltimo parágrafo, onde se lê «€ 20.000,01», deveria ler-se “(…) € 22.000,01, caso não sobrevenha, entretanto, no curto prazo que se seguir, outra e melhor proposta”.
Nesta conformidade, e ao abrigo do preceituado nos artigos 249.º do Código Civil e 613.º, n.ºs 2 e 3 do Novo Código de Processo Civil, determino a sua rectificação em conformidade com o exposto.
Rectifique e notifique.
Contra-alegou a apelada, assim concluindo:
I. O douto despacho recorrido não padece de nulidades, tendo já sido rectificado o lapso de escrita constante do mesmo, e é, aliás, um exemplo de comprometimento do Tribunal a quo com a celeridade e a eficácia na realização da justiça, cumprindo a função de bem decidir e de garantir a utilidade e a eficácia prática do direito.
II. O que o Recorrente invoca nas suas alegações de recurso, sugerindo uma incorrecta aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo constitui, uma vez mais, uma manobra dilatória que tem vindo a utilizar para perpetuar a existência deste processo executivo, pelo que, o recurso apresentado pelo Executado está, salvo opinião em sentido oposto, irremediavelmente votado ao insucesso.
III. O presente processo executivo encontra-se a correr termos desde o ano de 2009, sendo que o único bem penhorável do Recorrente corresponde a 2/3 do direito de propriedade sobre um prédio urbano, sito em ....
IV. O valor base definido para a venda do referido bem foi de €34.000,00, tendo já sido objecto de várias tentativas de venda, no entanto, até à presente data, nenhuma das propostas apresentadas se concretizou na sua venda efectiva, o que se deve ao facto de o Recorrente se ter socorrido de todos os expedientes legais ao seu dispor para impedir a prossecução da venda e da execução.
V. O bem imóvel em causa obteve propostas de venda nos valores de €22.000,00 e €22.000,01, após o encerramento do leilão por negociação particular.
VI. No entanto, tais valores foram, uma vez mais, recusados pelo Recorrente pelo facto de o preço mínimo não ter sido atingido, tendo solicitado ao Mm.º Juiz a quo nova venda na modalidade e de leilão electrónico (não negociação particular) com o mesmo preço mínimo.
VII. Nessa sequência, o Mm.º Juiz a quo, e bem, no nosso entendimento, veio reconhecer, no douto despacho recorrido, a argumentação da Recorrida no seu Requerimento de 20/11/2023 (Ref.: 15344067), antorizando o Exmo. Senhor Agente de Execução a aceitar a melhor proposta apresentada (€22.000,01), em ordem à celeridade e à eficácia na realização da justiça.
VIII. Não podemos olvidar que apenas se encontra à venda parte do bem imóvel referido (2/3), e
pese embora a descrição do bem se refira a uma casa de habitação, na realidade, a mesma encontra-se num estado bastante degradado, não sendo sequer habitável o que, desde logo, dificulta bastante a sua venda, atenta a sua desvalorização no mercado.
IX. Com efeito, ao contrário do que afirma o Recorrente e não obstante a previsão do n.º 3 do artigo 821.º do Código de Processo Civil, a proposta de venda que não atinja o preço mínimo não deve ser rejeitada liminarmente, devendo ser aferida em função do caso concreto e tendo em consideração os diversos factores.
X. Aliás, o artigo 833.º do Código de Processo Civil, referente à venda por negociação particular, não obriga a que a proposta tenha de alcançar o valor mínimo previsto no n.º 3 do artigo 821.º do mesmo diploma legal (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/04/2022, Relator: José Eusébio Almeida e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26/02/2019, Relator: Carlos Moreira).
XI. Na venda por negociação particular, o encarregado de venda deve encontrar interessados que apresentem propostas acima do valor mínimo, mas este valor tem de poder ser negociado, sob pena de as execuções se prolongarem indefinidamente no tempo.
XII. Neste seguimento, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, na venda de imóvel por negociação particular, é possível proceder à sua venda por um preço inferior ao valor base ou ao valor mínimo, mesmo sem que tenha existido o acordo aludido no n.º 3 do artigo 816 .º do Código de Processo Civil, sendo, neste caso e à semelhança do caso sub judice, necessária autorização do Tribunal (neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 11/02/2020, Relator: Rodrigues Pires e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/05/2017, Relator: Arlindo Oliveira).
XIII. Nessa decorrência, a autorização concedida pelo Tribunal deve ponderar os interesses em causa, designadamente a inexistência de outras propostas de aquisição do bem durante um longo período de tempo, a conjuntura económica, as qualidades do bem e potencialidade da sua venda, a eventual desvalorização sofrida e os valores de mercado da zona.
XIV. Ora, in casu, a melhor proposta alcançada não mereceu oposição dos credores, nem do Senhor Agente de Execução, tendo sido apenas (e mais uma vez) recusada pelo Recorrente/Executado, sem que tenha apresentado outra proposta ou interessado em adquirir o bem por valor superior, ou exposto fundamento bastante para contrariar a razão de ser do deferimento da proposta alcançada pelo Mm.º Juiz a quo.
XV. Ao invés, no despacho recorrido foi efectuada uma ponderação entre a oportunidade de venda e a demora das diligências de venda, os interesses dos intervenientes processuais e o risco de não se conseguir proceder à venda do bem, comprometendo a celeridade e eficácia na realização da
justiça, tendo o Mm.º Juiz a quo alicerçando a sua decisão nessa inequívoca objetividade.
XVI. Ora, decorrido este hiato temporal sem que tenha sido alcançada uma melhor proposta de venda, parece-nos que a decisão do Mm.º Juiz a quo em autorizar a venda pela melhor proposta, no valor de €22.000,01, foi acertada, atendendo a que foram ponderados todos os interesses em causa.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve improceder o recurso interposto pelo Réu, mantendo-se o douto Despacho datado de 27/11/2023, com a Ref.: 130202120, com as legais consequências, fazendo-se assim, como é habitual, inteira e sã Justiça!
2. Fundamentos de facto
De acordo com elementos solicitados à 1.ª instância, são os seguintes os factos relevantes para a apreciação:
1. Na execução ordinária que A..., S.A., intentou contra AA, foi ordenada, em 12.12.2000, a penhora da quota de 2/3 do executado no imóvel descrito na CRP da Anadia, sob o n.º ...29/241193, tendo sido enviadas cartas registadas com AR aos co-titulares, notificando-os nos termos e com as advertências do artigo 862.º, n.ºs 1 e 2 CPC pregresso.
2. O valor patrimonial do prédio em causa é € 102,10.
3. Em 08.09.2006, foi deprecada a venda mediante proposta em carta fechada, sendo o valor base indicado € 40.000,00.
4. Não foi apresentada qualquer proposta, conforme acta de abertura de propostas de 13.12.2006.
5. Frustrada a venda mediante proposta em carta fechada, foi ordenada, em 11.01.2007, a venda do bem penhorado por negociação particular, pelo valor de €40.000,00, no prazo de 60 dias.
6. Em 06.07.2007, o exequente foi notificado para informar se mantinha interesse na venda, “sem fim eficaz à vida”, ao que respondeu afirmativamente.
7. Em 11.07.2007, o encarregado da venda informou ter obtido proposta no valor de € 10.000,00, que foi aceite pelo exequente, tendo sido ordenada a venda, que se concretizou através de escritura de compra e venda celebrada em 13.11.2007.
8. O executado arguiu nulidade da venda por não ter sido ouvido acerca do preço proposto, nulidade que foi desatendida.
9. Daquele despacho foi interposto recurso de agravo, o qual foi provido por acórdão da Relação de Coimbra, de 01.04.2019, que anulou todo o processado a partir do despacho que ordenou a venda por negociação particular (este incluído), e notificar o executado para se pronunciar sobre o valor da venda.
10. Prosseguindo os autos, cumprido o acórdão supra, em 24.11.2009, foi ordenada a venda do direito penhorado por € 10.500,00.
11. Não tendo sido depositado o preço, foi apresentada nova proposta no valor de € 8.100,00.
12. Em 10.04.2012, foi proferido o seguinte despacho:
Desde o ano de 2007 que o direito se encontra à venda na modalidade de negociação particular.
O proponente indicado pelo executado AA oferece, agora, apenas €8.100 euros, e ao qual a exequente não se opôs.
Ora, a venda não se pode eternizar, só porque o executado não concorda com o preço oferecido, ainda que a sua concordância seja necessária (art. 894.º, n.º 3 do CPC).
No caso dos autos, porém, foram já esgotadas todas as possibilidades de obter um preço melhor, e em cada dia que passa a desvalorização do imóvel será maior.
Termos em que decido aceitar a proposta de fls. 613, notificando-se o encarregado da venda, com cópia da proposta, para proceder à venda pelo preço de € 8.100 euros.
13. Em 19.03.2015, o proponente, alegando terem decorrido quatro anos sobra a apresentação da sua proposta, a crise financeira e a desvalorização do imóvel, declarou não ter já interesse na proposta anteriormente apresentada, manifestando interesse na aquisição pelo valor de € 4.050,00.
14. Em 126.05.2015, foi ordenando ao encarregado da venda a realização de diligências no sentido de obter novo interessado.
15. Por despacho de 06.12.2017 foi nomeado novo encarregado da venda.
16. Em 07.12.2020 foi substituído o encarregado da venda.
17. O encarregado da venda apresentou proposta no valor de €5.594,00.
18. Em 21.07.2021, foi apresentada proposta no valor de €10.010,00.
19. Em 09.05.2022, foi ordenado ao encarregado da venda diligenciar pela obtenção de melhor preço.
20. Em 18.09.2022, o encarregado da venda informou que não logrou obter melhor preço.
21. Em 17.10.2022, foi-lhe concedido um prazo de 60 dias para o efeito.
22. Em 17.02.2023, foi apresentada uma proposta de €4.000,00; em 01.03.2023, €6.000,00 e, em 08.03.2023, €7.000,00.
23. Em 27.03.2023, foi concedido novo prazo de 60 dias para obtenção de melhor preço.
24. Em 03.07.2023, o encarregado da venda informou não ter outras propostas, sugerindo a colocação do bem à venda em plataforma electrónica (leilão por negociação particular), o que foi aceite.
25. Em 23.10.2023, o encarregado da venda apresentou duas propostas: € 22.001,00 e € 22.000,00.
26. Nessa mesma data, o executado manifestou a sua oposição, dizendo não ter sido obtido o preço máximo, pedindo a colocação do bem à venda em modalidade de leilão electrónico.
27. O exequente manifestou a sua aceitação.
28. Foi, então, proferido o despacho sob recurso.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
─ junção de documentos com as alegações
─ saber se, e em que condições, na venda por negociação particular pode ser aceite valor inferior ao valor base, correspondente a 85% do valor anunciado para a venda, em caso de oposição manifestado pelo executado.
Consigna-se que lapso material de que padece o despacho recorrido (cfr. conclusão V) já foi objecto de rectiticação por despacho de 06.12.2023.
3.1. Da junção de documento com as alegações
O apelante juntou com as alegações um alegado despacho proferido pela Mm.ª Juiz do Juizo de Execução de Águeda (Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), no âmbito do processo executivo n.º .... E dizemos alegado porque o referido documento não ostenta data nem assinatura.
Relativamente à junção de documentos na Relação rege o artigo 651.º CPC, dispondo que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Após o encerramento da discussão em 1.ª instância, estabelece o n.º 1 do artigo 425.º
CPC que só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Estando em causa recurso de um despacho proferido no âmbito de uma execução, apenas se afigura aplicável a segunda parte do artigo 651.º CPC: a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Em primeiro lugar, para que a junção seja justificada no contexto da decisão da 1.ª instância é necessário que a parte não pudesse legitimamente contar com a decisão, designadamente, como refere Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 3.ª edição revista e actualizada, pg. 254, «quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável face aos elementos já constantes do processo».
Ou, nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, pg. 533-4,
A lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
No mesmo sentido, Antunes Varela, RLJ 115.º/89 e ss.
Abstraindo das limitações probatórias supra enunciadas, trata-se de um texto com cinco linhas, sem qualquer circunstanciação:
Requerimento de 19.10 e resposta da AE de 20.11: considerando que as propostas apresentadas o foram abaixo do valor mínimo a anunciar e tendo a executada manifestado a sua oposição a qualquer uma das referidas propostas, indefere-se o requerido pela proponente.
Determina-se que o imóvel seja novamente inserido no leilão.
Notifique.
O despacho recorrido, muito bem fundamentado, insere-se na jurisprudência uniforme das Relações, como se justificará infra, pelo que nenhuma surpresa se pode equacionar.
Termos em que se determina o desentranhamento do documento e restituição ao apresentante, condenando-o na multa equivalente a 1 UC (artigos 443.º CPC e 27.º, n.º 1, RCP)
3.2. Se, e em que condições, na venda por negociação particular pode ser aceite valor inferior ao valor base, correspondente a 85% do valor anunciado pela venda, em caso de oposição manifestado pelo executado
Insurge-se o apelante /executado contra o despacho recorrido por ter aceitado o preço de € 22.001,00 contra a sua expressa vontade, alegadamente em violação do disposto no artigo 821.º, n.º 3, CPC.
Este normativo, inserido na regulamentação da venda mediante propostas em carta fechada, modalidade que serve de matriz às demais. Assim, nos termos do artigo 811.º, n.º 2, CPC, O disposto no artigo 818.º, no n.º 2 do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta.
Do exposto resulta que, à venda por negociação particular se aplica o disposto nos artigos 818.º, 819.º, 823.º, 827.º, n.º 2 e 828.º CPC. Não se lhe aplica o preceituado no artigo 821.º, n.º 3, CPC, privativo da venda mediante propostas em carta fechada.
E bem se compreende que assim seja, pois a venda mediante negociação surge em muitos casos como fim de linha, por insucesso das restantes modalidades. Atente-se ao disposto no artigo 832.º CPC: A venda é feita por negociação particular: a) Quando o exequente propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo executado e demais credores; b) Quando o executado propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo exequente e demais credores; c) Quando haja urgência na realização da venda, reconhecida pelo juiz; d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite; e) Quando se frustre a venda em depósito público ou equiparado, por falta de proponentes ou não aceitação das propostas e, atenta a natureza dos bens, tal seja aconselhável; f) Quando se frustre a venda em leilão eletrónico por falta de proponentes; g) Quando o bem em causa tenha um valor inferior a 4 UC.
Condicionar sempre a concretização da venda à vontade do executado seria conferir-lhe um instrumento que lhe permitiria obstar eternamente à venda do bem penhorado, em violação flagrante dos direitos do executado. Isto é tanto mais verdade quando a penhora ─ realizada por notificação postal ─ remonta ao final do ano 2000, e a venda por negociação particular, após a frustração da venda mediante propostas em carta fechada, foi ordenada em princípios do ano de 2007. Tempo mais que suficiente para obter um desfecho quanto à venda do direito do executado.
Uma das dificuldades na realização da venda prende-se com a natureza do direito do apelante: quota de 2/3 do executado no imóvel descrito na CRP da Anadia, sob o n.º ...29/241193, e não a totalidade do bem, cujo valor patrimonial ascende a € 102,10. E se o apelante considera que o seu direito tem valor superior ao oferecido basta-lhe apresentar interessado que ofereça maior valor.
Segundo Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, pg. 600-1, em anotação ao artigo 905.º do CPC pregresso, mas com pertinência para o caso vertente:
Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução (…) corresponde ao valor do mercado do bem (…). O juiz conserva, pois, o poder (…) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base.
É neste contexto que a jurisprudência das Relações ─ de que constitui exemplo o acórdão da Relação do Porto, de 11.02.2020, Eduardo Pires, sendo 1.ª Adjunta a ora Relatora, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 1929/11.6TBAMT.P1 ─ tem entendido que:
Não havendo acordo das partes, a venda por negociação particular por preço inferior ao acima referido poderá concretizar-se mediante autorização judicial, se se entender que esta corresponde aos interesses das partes envolvidas, no que se têm de ponderar, designadamente, a duração do processo, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades da venda do bem, o interesse manifestado pelo mercado, a desvalorização sofrida e a sofrer, os valores de mercado da zona e outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta. ().
Nas palavras do acórdão da Relação de Évora, de 09.03.2017, Tomé de Carvalho, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 32/14.1TBAVS.E1,
É assim aceite uniformemente que, em sede de negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, se o valor base não for atingido, a proposta apresentada não deve ser rejeitada liminarmente, antes ponderada a sua aceitação casuisticamente, tendo em conta designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado. A negociação particular pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, viabilizando, deste modo, uma decisão adequada a garantir a reparação do direito de crédito em questão no processo executivo, sem a necessária aquiescência do executado.
No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, vejam-se os acórdãos da Relação do Porto, de 24.09.2015, Fernando Batista, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 1951/12.5TBVNG.P1; da Relação de Coimbra, de 08.03.2016, Maria João Areias, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 1037/10.7TJCBR-B.C1; da Relação de Guimarães, de 07.03.2019,Eugénia Cunha, www.dgsi.pt.jtrg, proc. n.º 6461/13.0TBBRG-C.G1,
Revertendo ao caso dos autos, os factos enunciados falam por si: os autos se arrastam penosamente desde fins de 2000 (penhora do direito), sem que se tenha logrado acordo de exequente e executado acerca do valor da venda do direito, não se percebendo como pode o apelante falar em sacrifício desproporcionado dos seus interesses patrimoniais, quando é o apelado que não tem o seu direito de crédito satisfeito, aguardando há mais de 20 anos.
Se há caso que justifica a intervenção do Juiz, é este, não se vislumbrando outros meios idóneos para alcançar a justiça, ainda que tardiamente. Deferir a pretensão do apelante no sentido de colocar o direito do executado em venda através de leilão electrónico seria recomeçar o calvário do exequente para ver satisfeito o seu direito.
Refira-se que o montante aqui em causa ─ € 20.001,00 ─ é substancialmente superior ao que foi proposto pelo interessado indicado pelo apelante, como se infere do ponto 12 da matéria de facto provada (€ 8.100,00) valor que o proponente posteriormente reduziu para metade (€ 4.050,00 - ponto 13 da matéria de facto provada).
Alegou ainda o apelante, em abono da sua pretensão, que as regras da plataforma de leilão electrónico www.e-leiloes.pt, consagradas em anexo ao despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, resulta que só propostas acima do valor mínimo do bem podem obrigar ao depósito do preço, inferindo-se, a contrario, que, abaixo desse valor, não há lugar à celebração do negócio.
Ora, no caso dos autos não estamos perante uma venda em leilão electrónico, sujeito às regras desta modalidade de venda, mas perante uma venda mediante negociação particular, em que o encarregado da venda utilizou a plataforma e leilões para angariar interessados, dado o vasto alcance deste meio. Daí não se aplicarem as regras a que o apelante alude.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.