I - A garantia bancária autónoma “on first demand” constitui um negócio jurídico de cariz atípico e causal, assente no princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil, através do qual se cria uma situação jurídica em que a instituição de crédito (garante) terá de pagar a quantia garantida, logo que o beneficiário o solicite, em razão do incumprimento ou cumprimento defeituoso do devedor/ordenante.
II - Inserindo-se a sua prestação numa estrutura negocial complexa, composta por um conjunto de contratos distintos e independentes, o garante responsabiliza-se perante o credor beneficiário sem que possa apreciar, quando a garantia seja acionada, o bem ou mal fundado da alegação deste no sentido de que houve incumprimento do devedor/ordenante.
III - A automaticidade da garantia “on first demand” não é, contudo, absoluta, podendo o garante ficar desobrigado de cumprir com o pagamento que lhe for exigido pelo beneficiário, caso seja manifesta e patente a má-fé deste.
IV - Ocorre uma atuação abusiva e de má-fé quando o beneficiário (subempreiteiro) aciona, pela totalidade do respetivo valor, a garantia autónoma contratualizada para caucionar o pontual pagamento dos serviços por ele efetivamente realizados, sem que, todavia, tenha executado qualquer trabalho.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – Juízo Central Cível, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Manuel Domingues Fernandes
2ª Adjunta Desª. Maria Fernanda Almeida
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I- RELATÓRIO
A..., S.A., com sede em ..., ..., ..., instaurou providência cautelar não especificada contra:
1º - B..., Unipessoal Ldª., com sede na Rua ..., nº ..., Bloco ..., 1º Esq., ...;
2º - Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., Porto;
requerendo que:
a) o 2.º Requerido seja intimado judicialmente a não pagar o valor de € 460.609,31, ou qualquer outro mesmo que inferior, correspondente à Garantia Bancária com o n.º ..., emitida por solicitação da Requerente em 28/07/2023 em favor de B..., Unipessoal Ldª;
b) a 1.ª Requerida seja intimada judicialmente a não receber o valor de € 460.609,31, ou qualquer outro mesmo que inferior, correspondente à Garantia Bancária com o n.º ... emitida a seu favor por solicitação da Requerente, pelo Banco 1..., S.A.;
Para o caso do 2.º Requerido, à altura da citação, já ter procedido ao pagamento da quantia para o qual foi interpelado pela 1.ª Requerida,
c) a 1.ª e o 2.º Requeridos sejam intimados, sob pena de desobediência, para, solidariamente, efetuarem a imediata restituição, à Requerente, da quantia entregue à 1.ª Requerida ou para procederem ao seu depósito à ordem dos presentes autos;
Ou, para o caso de assim se não entender,
d) a 1.ª Requerida seja intimada, caso já tenha recebido a quantia reclamada, para, sob pena de desobediência, efetuar a imediata restituição da mesma, à Requerente ou ao 2.º Requerido, da quantia a si entregue, ou para proceder ao seu depósito à ordem dos presentes autos;
e) a 1.ª Requerida seja intimada para se abster de utilizar a Garantia Bancária n.º ..., sob pena de desobediência.
Após inquirição das testemunhas arroladas veio a ser proferida decisão na qual se decidiu «julgar parcialmente procedente a presente providência cautelar, e, em consequência, ordenar a notificação do 2º Requerido Banco 1..., S.A., para que, até ao trânsito em julgado da ação principal de que esta providência cautelar depende, não proceda ao pagamento da garantia bancária n.º ..., no valor de € 460.609,31, junta a fls. 21/21v., emitida por solicitação da Requerente em 28/07/2023 em favor de B..., Unipessoal Ldª, indeferindo, na restante parte, a providência cautelar».
A requerida B..., Unipessoal Ldª veio então deduzir oposição com os seguintes fundamentos:
. a Requerente não foi surpreendida com a comunicação do Banco 1..., S.A., informando que a Requerida tinha acionado a garantia bancária objeto dos autos, uma vez que foi, por diversas vezes, interpelada pela Requerida para fixarem, de mútuo acordo, as novas datas para a execução da empreitada, lavrar aditamento ao contrato de subempreitada, ser compensada dos prejuízos que esse adiamento lhe causara e entregar nova garantia bancária, em consequência da alteração do início da empreitada e do contratualmente estipulado;
. A Requerida acionou a garantia bancária pelo seu valor total, por entender que deve ser compensada pela Requerente, a título de indemnização, pelo valor integral do contrato de subempreitada, em consequência do incumprimento culposo da Requerente e ter colocado a Requerida numa posição de impossibilidade de executar a obra objeto dos autos, direito este que pretende ver reconhecido em ação judicial a interpor ou em sede de reconvenção da ação principal que venha a ser instaurada pela Requerente;
. Não é verdade que os prazos estipulados na cláusula 7ª do contrato de empreitada fossem meramente indicativos e “previsões”;
. A Requerida tentou entrar em contacto com a Requerente, no final de agosto de 2023, e por email de 04/09/2023, para questionar quando entrariam em obra, não tendo obtido resposta. Apenas a 19/09/2023 a Requerida foi informada da nova calendarização e data de início e término dos trabalhos, não se tendo conformado com estas alterações unilaterais;
. A Requerida teve os seus trabalhadores praticamente parados, decorrente de não ter entrado em obra a 04/09/2023, entre esta data e a data de resolução do contrato (21/12/2023);
. A perda total do valor da obra objeto do contrato implica um prejuízo no valor superior à faturação do ano de 2023 e mais de metade da faturação da Requerida no ano de 2022.
Termina requerendo que a presente providência cautelar seja julgada injustificada, indeferindo-se a mesma, por não provada, e revertida a decisão, ordenando-se ao Banco 1..., S.A., a realização do pagamento da garantia bancária à Requerida.
Procedeu-se à produção das provas requeridas, vindo a ser proferida decisão que julgou improcedente a oposição.
Não se conformando com o assim decidido, a requerida interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Objeto e delimitação do Recurso: o objeto do presente recurso circunscreve-se à alteração sobre a matéria de facto, face à prova produzida, o que levaria a outra decisão pelo tribunal a quo, tendo inclusive omitido pronunciar-se sobre prova produzida e documental inequívoca;
II. A sentença recorrida errou na aplicação do direito, quer em relação à natureza da garantia bancária, quer quanto à falta de pressupostos e prova para o abuso de direito ou fraude alegado pela Recorrida;
III. A Recorrente discorda dos seguintes Factos dados como Não Provados pelo Tribunal a quo, devendo ter sido dados como provados:
a) os prazos previstos para a 2ª fase dos trabalhos não eram uma mera previsão, tendo os trabalhos de ser realizados nas datas previstas na cláusula 7ª do contrato;
b) a Requerida requereu a entrega de nova garantia bancária com validade até ao novo término dos trabalhos;
d) a Requerida teve os seus trabalhadores praticamente parados entre 04/09/2023 e 21/12/2023.
IV. Deve ser acrescentado à matéria dada como provada mais pontos, tendo o Tribunal a quo omitido na sua fundamentação a análise de prova:
16. A alteração da data prevista do início dos trabalhos respeitantes à 2.ª fase pelo dono de obra constitui um motivo de força maior estipulado na cláusula 12.º do contrato de subempreitada.
17. A alteração da data de início da obra implicava uma data da finalização dos trabalhos mais tarde do que aquela contratualmente estipulada, impossibilitando a Requerida de cumprir o prazo do contrato de subempreitada (29.03.2024), havendo necessidade de alterar o contrato para o seu cumprimento.
18. A Requerida por missiva datada de 13-12-2023, remeteu à Requerente carta de interpelação admonitória a intimar para o cumprimento do contrato devendo para esse efeito a Requerente: - artigo 33.º da Oposição e Doc. 12 da Oposição da Requerente
•Realizar o pagamento de indemnização decorrente da mora no valor de €263.222,00.
•Apresentar o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução de obra) e com entrada em obra em Janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada;
• Apresentar nova garantia bancária (com novo prazo de execução de obra).
19. Nessa missiva foi estabelecida a data de 20-12-2023 para a Requerente dar resposta aos pontos acima referidos, sob pena da Requerida dar o contrato por definitivamente não cumprido, com as legais consequências decorrentes desse incumprimento (indemnização dos danos sofridos).
20. A Requerida não obteve qualquer resposta à sua interpelação admonitória, nem antes ou depois da data estipulada na carta de interpelação.
21. Com o incumprimento definitivo das obrigações previstas no contrato, a Requerida legitimamente reclamou a garantia bancária objecto dos autos pelo valor total da mesma em resultado do prejuízo da perda total do valor da empreitada, decorrente do incumprimento culposo da Requerente.
22. A Requerida não accionou a garantia bancária de forma abusiva, de má-fé ou
fraudulenta.
V. Aditamento à matéria não provada, alterando os pontos 32 a 38 dos Factos Provados na sentença de 22.01.2024:
d) A Requerente teria elevados prejuízos com o accionamento da garantia bancária.
VI. Da Alteração dos Factos Não Provados a), b) e d) pelo Tribunal a quo e que deveriam ter sido dados como provados:
VII. Para o ponto a) dos Factos não provados o Tribunal a quo baseou nas declarações de parte do legal representante da Recorrente e no depoimento da testemunha AA, considerando este último mais credível;
VIII. Sucede que, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo não poderia descurar a prova documental, designadamente o contrato de subempreitada objecto dos autos (Doc. n.º 1 do Requerimento Inicial) e ao alegado pela Recorrida no seu Requerimento Inicial (artigos 36.º a 40.º do Requerimento Inicial) e assim dar como provado este ponto.
IX. A cláusula 7.ª alínea do contrato refere o prazo previsto da execução dos trabalhos do presente contrato é 31 semanas, distribuídas nas seguintes datas: i) Protótipo: com início a 15/05/2023 até 19/05/2023; ii) 2.ª fase: com início a 04/09/2023 até 29/03/2024.”;
X. Se as partes pretendessem que essas datas fossem meras previsões, estipulavam uma cláusula com a previsão de execução da obra em 31 semanas, sujeita a revisão eventual, sem estipulação de datas de início e fim (estipulando uma cláusula aberta em que a requerente notificaria a data de início das obras, sendo o seu fim as 31 semanas dessa data início das obras);
XI. Salienta-se que nos termos da cláusula 8.º alínea a) I sujeita a Recorrente à obrigação de fornecer toda a mão-de-obra que careça para execução dos trabalhos a executá-los no prazo estipulado;
XII. Não podem restar dúvidas que o contrato estipula prazos de execução de obra para a Recorrente e que a 2ª fase era uma data convencionada pelas partes para execução da obra, não fazendo sentido à luz de um raciocínio lógico e de um homem comum estipular datas precisas se as partes quisessem estipular meras previsões conforme referiu a testemunha AA, adulterando a interpretação contratual e vontade das partes;
XIII. A Recorrida alegou que a alteração das datas pelo dono da obra não permitia que esta cumprisse as suas obrigações contratuais com a Recorrente e com os prazos contratualmente estipulados, contextualizando esse facto como um motivo de força maior (Cláusula 12.ª do contrato);
XIV. O Tribunal a quo não podia descurar que a própria Recorrida acaba por afirmar que as datas não eram previsões, mas datas estipuladas para realizar os trabalhos, em contradição com depoimento da testemunha credibilizada AA.
XV. Se as datas eram meras previsões porque enquadrou as alterações das datas de execução dos trabalhos pelo dono de obra como um motivo de força maior para a sua alteração?!
XVI. A 12.º cláusula na alínea b) do contrato de subempreitada, mais estipularam as partes que “O Empreiteiro e Subempreiteiro fixarão de comum acordo novos prazos de execução para prosseguimento do contrato, tendo em conta a natureza do caso de força maior verificado.”;
XVII. Logo, as partes teriam sempre de fixar de comum acordo novo prazo de execução o que não veio a acontecer, não obstante a abertura que a Recorrente mostrou para o efeito;
XVIII. O Tribunal a quo não poderia descurar que da prova produzida, a Recorrida apenas fala da alteração das datas por motivo de força maior no requerimento inicial da providência cautelar, mas nos autos não resulta provado que acordou com a Recorrente novos prazos para execução do contrato;
XIX. Note-se a data da validade da garantia bancária de 29.03.2024 em coincidir com data do fim da obra estipulada no contrato (ponto ii) alínea a) da cláusula 7.ª, resultando claramente que havia prazos estipulados e assegurados contratualmente, inclusive com garantias bancárias first demand, não sendo verossímil a entrega de garantias bancárias desta natureza se os prazos dos trabalhos fossem meras previsões (incertos)!;
XX. Fica assim abalada a credibilidade da testemunha AA: se por um lado afirma que as datas da 2.ª fase da obra eram previsionais, por outro considera a existência de prejuízos da Recorrente resultante da alteração da data da obra pela Recorrida;
XXI. Não se entende que a Recorrida pondere analisar o prejuízo da Recorrente emergente da alteração das datas de execução de obra, se essas mesmas datas fossem previsionais;
XXII. O depoimento da testemunha AA fica completamente descredibilizado quando afirma que a Recorrida teria proposto outras obras à Recorrente, ainda antes da entrada em obra de 4 de Setembro de 2023 para colmatar os prejuízos de ficar parada nesse período (Setembro a Novembro de 2023)! (recurso às gravações);
XXIII. A dúvida do tribunal a quo com o ponto “c) Uma empresa com experiência sabe, com certeza, que os prazos numa obra com a dimensão da dos autos são meramente indicativos, pois é da experiência comum que o mesmo se passa com qualquer outra obra” não tem sustentabilidade factual;
XXIV. Com os argumentos e prova acima referida, com a consequente descredibilização da testemunha AA (pela sua ilógica exposição de ideias), em contraposição, com as declarações do representante legal da Recorrente, em conjugação com a prova documental e que explicam os dois pontos que o Tribunal a quo, pelo contrário, entendeu que não foi esclarecedor e desmereceu a sua validação; - recurso às gravações;
XXV. Das declarações do representante legal da Recorrente, pois tinha três possíveis locais alojamento em França em vista para os trabalhadores, teriam sempre um motel, sendo crível ultimar essa logística quando fosse para obra;
XXVI. Relativamente à falta de contacto com o Eng. AA e a razão do envio de e-mail apenas a 04/09/2023, dos depoimentos do representante legal da Recorrente e da testemunha BB, e o email de 04-09- 2023 (Doc. 2 da Oposição), são esclarecedores quanto à tentativa de contacto telefónico e por e-mail para perceber porque não entraram em obra na data estipulada (04.09.2023); - recurso às gravações;
XXVII. Não se poderá entender a total ausência de justificação do adiamento da execução da obra ou contacto da parte da Recorrida, deixando para uma videoconferência em 26-10-2023 para explicar os motivos de adiamento da obra e preparar os trabalhos!;
XXVIII. Relativamente ao ponto b) dos factos não provados: “b) a Requerida requereu a entrega de nova garantia bancária com validade até ao novo término dos trabalhos” também este facto deveria ser dado como provado;
XXIX. Desde logo porque decorre das declarações do representante legal da Recorrente e da testemunha BB; - recurso a gravações – e também decorre de prova documental no e-mail enviado pela Recorrente à Recorrida de 16-11-2023 (DOC. 7 do Requerimento Inicial e DOC 11 e 12 da Oposição) indicando “Queria também pedir que fosse emendado o contrato, com as novas datas de inicio e fim de obra e nova garantia bancária respeitando novas datas do aditamento ao contrato.”;
XXX. Tal pedido da Recorrente também foi realizado na interpelação admonitória datada de 13-12-2023 feita à Recorrida constante no DOC. 12 da Oposição;
XXXI. O Tribunal a quo deveria ter dado também como provado o facto “d) a Requerida teve os seus trabalhadores praticamente parados entre 04/09/2023 e 21/12/2023”;
XXXII. Desde logo no DOC. 16 da Oposição a Recorrente demonstrou que teve uma faturação residual nesse período e relativamente a períodos homólogos;
XXXIII. E no depoimento do representante legal da Recorrente e seus trabalhadores (BB e CC) todos indicaram que a empresa Recorrente esteve praticamente parada no período de Setembro a Dezembro de 2023, fazendo reparações de trabalhos e empreitadas anteriores ou pequenas obras, vejamos os seus depoimentos; - prova gravada;
XXXIV. Devia o Tribunal a quo ter considerado o facto: “16. A alteração da data prevista do início dos trabalhos respeitantes à 2.ª fase pelo dono de obra constitui um motivo de força maior estipulado na cláusula 12.º do contrato de subempreitada”, resulta do alegado pela Recorrida no seu Requerimento Inicial nos artigos 36.º a 40.º do Requerimento Inicial e no Doc. 11 do Requerimento Inicial – prova documental.
XXXV. O Tribunal a quo deveria ter dado também como provado o seguinte facto: “17. A alteração da data de início da obra da 2.ª fase implicava uma data da finalização dos trabalhos mais tarde do que aquela contratualmente estipulada, impossibilitando a Requerida de cumprir o prazo estipulado no contrato de subempreitada (29.03.2024), colocando-a numa posição de incumprimento se não alterasse as datas de execução de obra no contrato de subempreitada.” decorrente do depoimento da testemunha AA e do representante legal da Recorrente. – prova gravada
XXXVI. O tribunal a quo devia, nessa sequência, ter dado como provado também este facto:
“18. Não houve um entendimento quanto às novas datas propostas para execução de obra.” conjugando-se com os elementos da prova documental Doc. 5 e 7 do Requerimento Inicial e Doc. 11 da Oposição e dos depoimentos de representante legal da Recorrente e AA. - prova documental e gravada.
XXXVII. O Tribunal a quo deveria também considerar como factos provados os seguintes factos:
19. A Requerida por missiva datada de 13 de Dezembro de 2023, remeteu à Requerente carta de interpelação admonitória a intimar para o cumprimento do contrato devendo para esse efeito a Requerente:
. Realizar o pagamento de indemnização decorrente da mora no valor de € 263.222,00.
. Apresentar o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução de obra) e com entrada em obra em Janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada;
. Apresentar nova garantia bancária (com novo prazo de execução de obra).
. Realizar o pagamento de indemnização decorrente da mora no valor de € 263.222,00.
. Apresentar o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução de obra) e com entrada em obra em Janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada;
. Apresentar nova garantia bancária (com novo prazo de execução de obra).
20. Nessa missiva foi estabelecida a data de 20 de Dezembro de 2023 para a Requerente dar resposta aos pontos acima referidos, sob pena da Requerida dar o contrato por definitivamente não cumprido, com as legais consequências decorrentes desse incumprimento (indemnização dos danos sofridos).
21. A Requerente não respondeu à interpelação admonitória da Requerida, tendo o contrato sido resolvido pela Requerida decorrente do prazo estipulado (20.12.2023).
XXXVIII. Estes factos dão-se provados por prova documental, que sobre a qual o Tribunal a quo simplesmente não se pronunciou e omitiu da sua fundamentação, veja-se Doc. 5 do Requerimento Inicial e Doc. 12 da Oposição e pelo depoimento da testemunha AA. - prova documental e gravada.
XXXIX. Na sequência desse facto e pela mesma prova documental, deveria ter sido dado como provado:
22. A Requerida acionou a garantia bancária pelo seu valor total, que resulta da resolução definitiva do contrato com justa causa (consequência de não existir qualquer resposta da Requerente à interpelação admonitória de 13 de Dezembro de 2023 até à data fixada 20.12.2023).
23. A Requerida não accionou a garantia bancária de forma abusiva, de má-fé ou fraudulenta.
XL. Para estes factos considera-se a prova documental anterior, veja-se Doc. 5 e 11 do Requerimento Inicial e Doc. 12 da Oposição, a ausência de qualquer resposta e prova (comunicação, carta, email) de resposta da Recorrida à Recorrente a esta interpelação na data fixada (20.12.2023). – prova documental.
XLI. A Recorrida não demonstrou que a falta de entrega de documentos de trabalhadores da Recorrente numa plataforma eletrónica impossibilitava a entrada dos seus trabalhadores em obra e, consequentemente, a impossibilitaria de cumprir com contrato, sendo para esse efeito suficiente análise dos DOC. 6 a 9 da Oposição (documentos enviados pela Requerida) e os depoimentos das testemunhas BB e DD. – prova documental e gravada.
XLII. O Tribunal a quo considerou como factos provados n.º 32 a 38 na sentença de 22.01.2024, todavia, entende-se que erradamente, porque nem sequer apresentou prova documental para esses factos.
XLIII. Análise de direito sobre a garantia bancária, uma vez que natureza da garantia bancária em questão não consentiria a solução encontrada na sentença recorrida, havendo um erro na aplicação do direito.
XLIV. O Tribunal a quo não tinha prova pronta e líquida feita pela Requerente para dar provimento ao procedimento cautelar instaurado por esta, pressuposto de direito aqui evocado.
XLV. O Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a oposição à providência cautelar e determinar a revogação da decisão proferida a 22/01/2024, devendo o Banco 1..., S.A. realizar o pagamento da garantia bancária com o n.º ... à Recorrente.”
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente saber se estão ou não verificados os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar não especificada impetrada pela requerente.
2.1. Factualidade considerada provada na decisão
Na decisão que decretou a providência o tribunal de 1ª instância considerou “indiciariamente provados” os seguintes factos:
1 - A Requerente é uma sociedade comercial sob a forma anónima que se dedica à indústria de pré-fabricados, fabricação de elementos de construção em metal e de elementos de chapa para a construção de edifícios bem como a fabricação de coberturas metálicas autoportantes e construção civil e obras públicas, reparação de máquinas e veículos e comércio de acessórios – fls. 106v./111.
2 - A 1ª Requerida é uma sociedade comercial unipessoal limitada, que se dedica à montagem, colocação e fabricação de estruturas de construções metálicas e coberturas; serralharia civil; construção civil e obras públicas.
3 - O 2.º Requerido é uma Sociedade Aberta que se dedica principalmente ao desenvolvimento de atividade bancária.
4 - No exercício da sua atividade comercial, a Requerente celebrou com a 1.ª Requerida, em 3 de maio de 2023, o contrato de subempreitada junto a fls. 18/19v., que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual aquela se comprometia a realizar os trabalhos melhor identificados no aludido documento, referente à obra “...”, em França, a qual havia sido adjudicada à Requerente.
5 - As partes convencionaram o montante de € 460.609,31, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, como o preço a liquidar pela Requerente pelos serviços a prestar pela Requerida.
6 - Por se tratar de uma obra a realizar em território francês, para que a Requerente pudesse contratar subempreiteiros para a realização dos trabalhos, a legislação daquele país obriga a que o Empreiteiro comprove perante o Dono de Obra que os pagamentos aos subempreiteiros estão acautelados.
7 - Assim, é obrigatório aos Empreiteiros que procedam de uma das seguintes maneiras: a) autorizam que o Dono de Obra pague diretamente ao subempreiteiro os trabalhos realizados por aquele, descontando as verbas liquidadas nestes moldes no preço a pagar ao Empreiteiro; ou b) apresentam uma Caução ou Garantia Bancária a favor do Subempreiteiro, por forma a garantir o pontual pagamento dos trabalhos por aquele efetuados.
8 - A Requerente optou pela prestação de Garantia Bancária a favor do Subempreiteiro, in casu, a Requerida, razão pela qual solicitou ao Banco 1..., S.A., que procedesse à emissão de Garantia Bancária a favor da Requerida, no valor global de € 460.609,31, valor que correspondia ao montante a pagar pela realização dos trabalhos por parte da Requerida.
9 - O Banco 1..., S.A., procedeu em conformidade, emitindo, em 28/07/2023, a Garantia Bancária n.º ..., no montante de € 460.609,31, junta a fls. 21/21v., a favor da Requerida, a qual se dá por integralmente reproduzida, da qual consta designadamente que:
a) o Banco 1... (o Garante), em nome e a pedido A..., S.A. (a Parte Contratante), cede à B..., Unipessoal L.da (o Beneficiário), a presente garantia bancária (a Garantia) como caução para a boa execução, pela Parte Ordenadora, do contrato de subcontratação para a montagem de fachadas metálicas celebrado em 03/05/2023 entre o Beneficiário (fornecedor ao abrigo do presente contrato) e a Parte Ordenadora (cliente ao abrigo do presente contrato);
b) a Garantia tem natureza autónoma e é uma garantia à primeira solicitação, comprometendo-se o Garante, incondicional e irrevogavelmente, dentro dos limites fixados na Garantia e em conformidade com os termos nela estabelecidos, a pagar ao Beneficiário as quantias que este lhe solicitar, sem apreciar o fundamento ou direito de crédito, sem benefício de discussão prévia e sem poder recusar o pagamento com base em qualquer defesa que o Cliente possa invocar; e logo que o Beneficiário solicite o pagamento em consequência do incumprimento das obrigações objeto da presente garantia, respetivamente;
c) a Garantia é válida até 29/03/2024.
10 - Por força da emissão da Garantia supra, a Requerida emitiu, a 04/08/2023, a denominado “Certificado sobre Honra”, do qual consta que EE, agindo em nome e por conta da empresa B..., Unipessoal L.da, “certifica e atesta que recebi a garantia bancária à primeira solicitação da empresa A..., S.A., subcontratante de nível 1, garantindo o pagamento sem IVA dos trabalhos subcontratados” – fls. 24.
11 - O que possibilitou à Requerente comprovar junto do Dono de Obra que já havia cumprido com a obrigação legal que sobre aquela impendia, podendo assim licitamente recorrer ao trabalho da Requerida na referida obra.
12 - A Requerente foi surpreendida com a comunicação do Banco 1..., S.A., datada de 04/01/2024, na qual deu conta que a Requerida havia acionado, a 02/01/2024, a aludida Garantia Bancária, pelo que a Requerente deveria aprovisionar a sua conta depósitos à ordem pela quantia acionada – fls. 26.
13 - Tendo para tanto a Requerida alegado incumprimento contratual por parte da Requerente, invocando alegados prejuízos no montante de € 263.222,00, e reclamado ao Banco 1... a quantia global de € 460.609,21, conforme documento junto a fls. 27, que aqui se dá por reproduzido.
14 – Do contrato de subempreitada celebrado entre Requerente e Requerida, identificado em 4 e 5 dos Factos Provados, consta (além do mais que não interessa reproduzir) que:
a) O prazo previsto da execução dos trabalhos do presente contrato é de 31 semanas, distribuídas nas seguintes datas:
i) protótipo: com início a 15/05/2023 até 19/05/2023;
ii) 2ª fase: com início a 04/09/2023 até 29/03/2023 – cláusula 7ª;
b) Serão considerados como casos de força maior unicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis, cujos efeitos se produzam independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais do Subempreiteiro e na medida que impeça, qualquer das partes de cumprir, parcial ou totalmente as suas obrigações contratuais” - cláusula 12ª-a);
c) Constituem obrigações do subempreiteiro: IV - Executar as alterações nos trabalhos realizados que lhe forem indicados pelo Empreiteiro nas condições definidas – cláusula 8ª-a)-IV.
15 - O Protótipo referido em 14-a)-i) dos Factos Provados mais não é que uma simples prova que o Subempreiteiro terá de prestar junto do Dono de Obra, por forma a demonstrar que possui as capacidades técnicas e o know-how necessário para cumprir com os trabalhos que lhe foram adjudicados.
16 - Razão pela qual o seu prazo de execução é extremamente curto (4 dias), pois não pressupõe a realização de trabalhos de construção civil.
17 - Os trabalhos propriamente ditos (2ª fase), estavam previstos começar em 04/09/2023 e terminar em 29/03/2024.
18 - O prazo previsto para a 2ª fase mais não era que uma mera previsão, o que a Requerida bem sabia, porquanto o Dono de Obra ainda se encontrava a ultimar o planeamento final, porquanto ainda subsistiam incompatibilidades de especialidades com as fachadas.
19 - Por factos alheios à vontade da Requerente, e uma vez que o Dono de Obra não tinha ainda conseguido ultrapassar as questões que obstavam ao início dos trabalhos, a segunda fase do contrato de subempreitada não pôde iniciar-se no prazo previsto, pois houve necessidade de se proceder a profundas alterações ao Projeto por parte do Dono de Obra, tendo o início dos trabalhos que ser adiados para 20 de novembro.
20 - Posteriormente houve necessidade, novamente por ordens do Dono de Obra, de se adiar a entrada em obra para dia 27 de novembro.
21 – Esta situação foi comunicada à Requerida, em 19 de setembro, que nada opôs – fls. 31/32.
22 - Em 23/11/2023 - somente a 4 dias da data prevista para entrar em obra – a Requerida endereçou missiva à Requerente, na qual vem exigir o pagamento da quantia de € 194.220,00 – ou seja, quase metade do valor do preço acordado para a execução dos trabalhos – por forma a entrar em obra, invocando alegados constrangimentos e prejuízos face aos novos prazos indicados para o início dos trabalhos – fls. 71/71v..
23 – A Requerida justifica os seus prejuízos da seguinte forma: “os custos que iremos faturar sobre os prejuízos de paragem ou não elaboração de outros trabalhos por existir vinculação relativa a esta obra são os custos da execução prevista pelo planeamento inicial.
€ 460.000 a dividir pelos 6 meses de prazo de execução = 76.666 €
4/9/2023 a 4/10/2023 = 76.666 €
4/10/2023 a 4/11/2023 = 76.666 €
4/11/2023 a 20/11/2023 = 40.888 €
Total de 194.220 €” – fls. 71v..
24 – A Requerida sabia, em 23/11/2023, que a Requerente necessitava que a Requerida entrasse em obra na data acordada (27/11/2023), por força a cumprir as datas que se havia vinculado junto do Dono de Obra.
25 - A Requerida enviou à Requerente, a 13/12/2023, a carta junta a fls. 29/30, da qual consta, além do mais que não adianta reproduzir: “Posto isto, vimos pelo presente meio intimar ao cumprimento do contrato devendo para esse efeito: - realizarem o pagamento de indemnização decorrente da mora até à presente data no valor de € 263.222,00; - apresentarem o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução da obra) e com entrada em janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada); - apresentarem nova garantia bancária (como novo prazo de execução da obra). Caso V. Exas. não cumprirem até 20 de dezembro de 2023 os pontos acima referidos, damos a obrigação por definitivamente não cumprida, com as legais consequências decorrentes desse incumprimento (indemnização dos danos sofridos)”.
26 - Para que os trabalhadores da Requerida pudessem trabalhar na obra situada em território francês, seria necessário que aquela fornecesse ao Dono de Obra, um conjunto de documentos, nomeadamente:
a) Déclaration Préalabe de Détachement (DPD) elaborada no site do Ministério do Trabalho Francês denominado Système d'Information sur les Prestations de Service Internationales (SIPSI);
b) Cartas Bâtiment Travaux Public (BTP), as quais são destinadas a auxiliar os agentes de controlo de modo a melhor identificar os trabalhadores, com vista à luta contra o trabalho ilegal;
c) Pedido de destacamento A1 emitido pela Segurança Social;
d) Cartão de cidadão dos trabalhadores;
e) Foto dos trabalhadores.
27 – Estes documentos teriam de ser carregados em plataforma específica, denominada “C...”, sem os quais ficaria completamente vedado o acesso à obra à Requerida, conforme consta do artigo 15.9 do Contrato de Subempreitada celebrado entre a Requerente e a D... (fls. 87).
28 - Em momento algum, e não obstante as várias insistências por parte da Requerente nesse sentido, a Requerida forneceu os documentos mencionados em 27 dos Factos Provados, ou sequer os carregou na referida plataforma – fls. 55.
29 – A Requerida estava, por isso, até à data da resolução contratual, que se operou em 21/12/2023, impossibilitada de entrar em obra e nela laborar (por falta da submissão dos documentos a que estava obrigada), não tendo executado quaisquer trabalhos.
30 - Situação que colocou a Requerente numa situação de alarmante fragilidade e constrangimento perante a empreiteira geral, pois estava a incumprir com os prazos estabelecidos no contrato de Empreitada, algo que a empreiteira geral comunicou à Requerente em 07/12/2023 – fls. 57.
31 – A Requerida não executou quaisquer trabalhos na obra em questão, não tendo emitido qualquer fatura.
32 – O acionamento da Garantia Bancária ocasionará uma perda de credibilidade da Requerente junto dos operadores bancários, credibilidade esta que mantém no mercado desde a sua constituição, há mais de 30 anos, pelo facto de nunca lhe ter sido acionada qualquer garantia bancária.
33 – A assunção, por parte dos operados bancários, de uma falta de capacidade da Requerente para cumprir compromissos contratuais – pressuposto do acionamento da Garantia - aumentará o grau de risco que as entidades bancárias irão atribuir à Requerente, afetando o seu bom nome e o crédito da solidez financeira.
34 - E dificultando seriamente a obtenção de novas Garantias para as obras que estejam a executar ou pretendam executar no futuro ao mesmo custo que agora obtém.
35 - As empresas que se dedicam à indústria da construção civil e das obras públicas, como é o caso da Requerente, necessitam, para o exercício da sua atividade, de prestar Garantias aos Donos das Obras que executam, e recorrem correntemente a financiamentos e outros tipos de operações financeiras em que aquelas entidades são parceiras.
36 - O pagamento das garantias poderá fazer perigar a possibilidade de entrega de novas Garantias aos donos das obras que a Requerente tem em curso, bem como a prestação de garantias que lhe permita a execução de outras obras que lhe venham a ser adjudicadas.
37 - O acionamento de Garantias circula rapidamente pelo mercado, sendo interpretado como um indicador fortemente negativo sobre a capacidade técnica e a saúde financeira da Requerente.
38 - E poderá provocar alarme, quer junto do sector financeiro, quer das entidades que promovem a construção, com o consequente agravamento da possibilidade de a Requerente conseguir obter novas Garantias, vitais para o exercício da sua atividade, como se referiu.
1 – A Requerida é uma empresa de pequena dimensão que teria de mobilizar para a obra em causa quase todos os seus trabalhadores (com exceção dos administrativos).
2 – A 30 ou 31 de agosto de 2023, o legal representante da Requerida tentou entrar em contacto, por telefone, com o Sr. AA, que lhe tinha sido apresentado como diretor de obra, para questionar quando entrariam em obra.
3 – E a 04/09/2023, a Requerida enviou à Requerente o email junto a fls. 137, dirigido a DD, do seguinte teor: “gostaríamos de saber qual o ponto de situação da obra “...”.
4 – A 02/10/2023 foi pedido à Requerida para colocar documentação numa plataforma, tendo-lhe sido enviado o “convite” para acesso à plataforma - fls. 138v..
5 – A 23/10/2023, a Requerente solicitou novamente à Requerida para subscrever a plataforma, invocando não ter recebido por parte da Requerida retorno ao email de 02/10/2023 – fls. 138v..
6 – A Requerida não conseguiu aceder à plataforma e a Requerente, a 07/11/2023, solicitou à empreiteira geral o envio de novo código para acesso à plataforma que foi enviado à Requerida.
7 – No dia 27/10/2023, foi realizada uma reunião por videoconferência entre as partes, por iniciativa da Requerente, na qual foi explicado à Requerida a frente de trabalho que iria ter disponível quando chegasse à obra, os condicionamentos que tinha e as condições no terreno.
8 – No final a Requerida disse que queria que fosse feito um aditamento ao contrato e que lhe fossem pagos os prejuízos que tinha sofrido por a obra ir começar mais tarde.
9 – O Sr. Eng. AA disse-lhe que apresentasse o valor do prejuízo e que o mesmo iria ser analisado.
10 – No dia 06/11/2023, a Requerente enviou à Requerida o email junto a fls. 140v., com informação dos trabalhos previstos para a equipa da Requerida (fls. 141/143v.).
11 – No dia 16/11/2023, a Requerente enviou à Requerida o email junto a fls.153v., do seguinte teor: “tendo em conta a conversa com o FF, a entrada em obra foi adiada para 27/11/23. Não podemos adiar mais a entrada em obra. Caso não consigam no dia 27/11/23, agradeço que nos informem. Relativamente aos montantes faturados/mês, apenas poderão ser faturadas as quantidades que a sua equipa monta. Conforme combinado inicialmente, a A... não realiza adiantamentos”.
12 – A Requerente contactou a Requerida, em janeiro de 2024, depois de esta ter acionado a garantia bancária, tendo sido realizada uma reunião na sede da Requerente, na qual as partes não chegaram a qualquer acordo.
13 – A Requerida no ano de 2021 obteve um lucro de € 54.582,43.
14 – E no ano de 2022 obteve um lucro de € 4.507,84.
15 – A Requerida não vai apresentar lucro em 2023.
O Tribunal de 1ª instância considerou como “não indiciados e que foram dados como indiciados na primeira decisão” os seguintes factos:
a) os prazos previstos para a 2ª fase dos trabalhos não eram uma mera previsão, tendo os trabalhos de ser realizados nas datas previstas na cláusula 7ª do contrato;
b) a Requerida requereu a entrega de nova garantia bancária com validade até ao novo término dos trabalhos;
c) a Requerida enviou à Requerente toda a documentação que esta exigia para os trabalhadores entrarem em obra e esta (Requerente) obrigou-se a tratar do assunto;
d) a Requerida teve os seus trabalhadores praticamente parados entre 04/09/2023 e 21/12/2023.
Nas conclusões recursivas veio a apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados indiciariamente provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
Como é consabido, o art. 640º estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar e decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação dessa decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto «[…] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa», o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo a audiência final processou-se com gravação da prova pessoal prestada nesse ato processual.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil.
Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Atenta a posição que adrede vem sendo expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[4].
Tendo presentes estes princípios orientadores, cumpre agora dilucidar se assiste razão à apelante neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto.
Como emerge das respetivas conclusões recursivas, a apelante advoga que: (i) deverão transitar para o elenco dos factos provados as afirmações de facto vertidas nas alíneas a), b) e d) dos factos não provados; (ii) devem ser retirados do elenco dos factos indiciariamente provados os pontos nºs 32 a 38; (iii) devem ser aditados à materialidade indiciariamente provada as afirmações de facto plasmadas nos artigos 16º a 22º da oposição.
Começando pelo primeiro segmento impugnatório, o tribunal de 1ª instância considerou como não provadas as seguintes proposições factuais:
. “Os prazos previstos para a 2ª fase dos trabalhos não eram uma mera previsão, tendo os trabalhos de ser realizados nas datas previstas na cláusula 7ª do contrato” (alínea a));
. “A Requerida teve os seus trabalhadores praticamente parados entre 04/09/2023 e 21/12/2023” (alínea d)).
O primeiro dos aludidos enunciados consubstancia uma das essenciais questões que se colocam no âmbito do presente processo, divergindo as partes quanto ao sentido da alínea b) da 7ª cláusula do contrato elas celebrado, designadamente em saber se a data aí indicada para início dos trabalhos por banda da requerida e ora apelante seria ou não uma mera previsão.
Sobre esta matéria foram essencialmente ouvidas na audiência final duas pessoas, concretamente: EE (legal representante da apelante) e AA (funcionário da requerente há cerca de oito anos), os quais, a este respeito, prestaram depoimentos antagónicos.
Assim o primeiro referiu que, nos termos do contrato, os trabalhos deveriam necessariamente ter começado em 4 de setembro de 2023, sendo que nessa data estaria em condições de entrar em obra, tendo previsto para esse efeito alocar a generalidade dos trabalhadores que tinha ao seu serviço e diligenciado, inclusive, pelo alojamento dos mesmos em França. Acrescentou ainda que o início dos trabalhos apenas não ocorreu em resultado das “indefinições” da requerente sobre o momento em que os mesmos deveriam começar a ser executados. Já o segundo adiantou que a data de 4 de setembro de 2023 era uma data meramente indicativa para a subempreiteira entrar em obra, existindo alguns problemas levantados pela dona da obra por existirem incompatibilidades de especialidades com as fachadas (tendo havido, inclusive, necessidade de se proceder a profundas alterações ao projeto). Referiu ainda que o gerente da “EE” sabia dessas dificuldades, nada tendo oposto quanto ao facto de não se ter dado inicio aos trabalhos.
Tomando posição sobre essa temática, o juiz a quo considerou “que o prazo previsto para a 2ª fase mais não era que uma mera previsão”, razão pela qual não considerou provada a aludida afirmação de facto.
Tal como a questão se mostra equacionada, verdadeiramente o que está em causa é um problema de interpretação da aludida cláusula contratual.
Ora, de acordo com o enunciado linguístico utilizado na redação dessa cláusula, a expressão nela utilizada aponta no sentido de se estar em presença de um termo previsional e não propriamente de uma data em que impreterivelmente se teria de dar início à execução dos trabalhos correspondentes à indicada 2ª fase (que se traduzia na montagem de fachadas metálicas).
Esse sentido resulta confortado pela materialidade que foi dada como provada nos pontos nºs 18 (2ª parte), 19 e 21 (que, note-se, não foram alvo de impugnação em sede recursiva), donde deflui que, por essa ocasião, o dono da obra ainda se encontrava a ultimar o planeamento final da obra por subsistirem incompatibilidades de especialidades com as fachadas (tendo havido, inclusive, necessidade de se proceder a profundas alterações ao projeto, com a consequente necessidade de alteração do início dos trabalhos de montagem de fachadas metálicas), sendo que a recorrente tinha conhecimento dessa realidade, nada tendo oposto.
De igual modo, o próprio comportamento da apelante é claramente indiciador de que a indicada data era apenas uma “mera previsão” para dar início à obra que constituía objeto do contrato que firmou com a requerente, tanto assim que em 4 de setembro de 2023 não tinha sequer a documentação necessária referente aos trabalhadores que iria empregar na sua execução, os quais, nessas circunstâncias, estariam impossibilitados de entrar em obra e de nela laborar, como, de resto, consta dos factos provados nºs 26, 27, 28 e 29 – que não foram objeto de impugnação.
Como assim, o mencionado enunciado fáctico deve manter-se no elenco dos factos não provados.
Para justificar a pretendida alteração do juízo probatório referente à afirmação de facto vertida na alínea d) dos factos não provados, a apelante convoca essencialmente as declarações de parte prestadas pelo seu legal representante e bem assim os depoimentos das testemunhas BB (funcionária administrativa da requerida há cerca de quatro anos) e CC (que trabalha como serralheiro ao serviço da requerida há cerca de dois anos e meio) que, na leitura que deles faz, confirmaram que, no período compreendido entre 4 de setembro de 2023 e 21 de dezembro desse mesmo ano, a requerida “teve os seus trabalhadores praticamente parados”.
Procedeu-se à audição do registo fonográfico dos mencionados depoimentos, verificando-se que as indicadas pessoas, de forma mais ou menos consonante, referiram que desde setembro a dezembro de 2023 a empresa praticamente não laborou, tendo-se limitado a realizar duas ou três reparações de obras que “já tínhamos em curso anteriores”, e que não tinham “aceitado” outros serviços porque nesse período, expectavelmente, estariam em França a executar os trabalhos que haviam contratualizado com a “A...” e que implicariam a mobilização da quase totalidade dos funcionários ao serviço da apelante.
Certo é que a mencionada prova pessoal não é corroborada pela documentação contabilística que consta dos autos relativa à atividade comercial da recorrente, posto que a respetiva exegese não revela que no lapso temporal em causa se tenha registado, comparativamente aos demais meses do exercício económico de 2023, uma variação negativa referente ao respetivo volume de negócios, como, aliás, resulta do facto provado nº 15 (que não foi alvo de impugnação).
Deste modo, os apontados elementos de prova não são de molde a impor (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) uma decisão diversa, já que os mesmos, vistos à luz do standard da probabilidade prevalecente aplicável neste domínio[5], não legitimam a emissão de um juízo probatório positivo quanto ao enunciado fáctico em crise que, assim, se deverá manter como facto não provado.
. “A alteração da data prevista do início dos trabalhos respeitantes à 2.ª fase pelo dono de obra constitui um motivo de força maior estipulado na cláusula 12.º do contrato de subempreitada” (artigo 16º);
. “A alteração da data de início da obra da 2.ª fase implicava uma data da finalização dos trabalhos mais tarde do que aquela contratualmente estipulada, impossibilitando a Requerida de cumprir o prazo estipulado no contrato de subempreitada (29.03.2024), colocando-a numa posição de incumprimento se não alterasse as datas de execução de obra no contrato de subempreitada” (artigo 17º);
. “Não houve um entendimento quanto às novas datas propostas para execução de obra” (artigo 18º);
. “A Requerida por missiva datada de 13 de dezembro de 2023, remeteu à Requerente carta de interpelação admonitória a intimar para o cumprimento do contrato devendo para esse efeito a Requerente:
. Realizar o pagamento de indemnização decorrente da mora no valor de € 263.222,00;
. Apresentar o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução de obra) e com entrada em obra em janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada;
. Apresentar nova garantia bancária (com novo prazo de execução de obra);
. Realizar o pagamento de indemnização decorrente da mora no valor de € 263.222,00;
. Apresentar o aditamento ao contrato de subempreitada (com os novos prazos de execução de obra) e com entrada em obra em janeiro de 2024, para regularizar o contrato de subempreitada;
. Apresentar nova garantia bancária (com novo prazo de execução de obra)” (artigo 19º);
. “Nessa missiva foi estabelecida a data de 20 de dezembro de 2023 para a Requerente dar resposta aos pontos acima referidos, sob pena da Requerida dar o contrato por definitivamente não cumprido, com as legais consequências decorrentes desse incumprimento (indemnização dos danos sofridos)” (artigo 20º);
. “A Requerente não respondeu à interpelação admonitória da Requerida, tendo o contrato sido resolvido pela Requerida decorrente do prazo estipulado (20.12.2023)” (artigo 21º):
. “A Requerida acionou a garantia bancária pelo seu valor total, que resulta da resolução definitiva do contrato com justa causa (consequência de não existir qualquer resposta da Requerente à interpelação admonitória de 13 de dezembro de 2023 até à data fixada 20.12.2023)” (artigo 22º);
. “A Requerida não acionou a garantia bancária de forma abusiva, de má-fé ou fraudulenta” (artigo 23º).
Dos transcritos enunciados resulta claro que alguns deles, concretamente os referidos em 16, 17, 21 (2ª parte), 22 e 23, assumem inequivocamente natureza conclusiva.
Ora, como emerge do nº 3 do art. 607º, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, não devendo, assim, constar desse segmento do ato decisório juízos conclusivos, o que, a ocorrer, sempre implicaria que os mesmos sejam considerados não escritos, sendo certo que o facto de o nº 4 do art. 646º do pretérito Código de Processo Civil não ter sido transposto para a versão atual do Código não implica que não se acolha (como, aliás, constitui, posicionamento jurisprudencial e doutrinal pacífico[6]) a mesma solução caso o tribunal faça indevidamente incluir no elenco dos factos provados matéria conclusiva.
Por essa razão não podem os referidos pontos constar do elenco dos factos provados.
Já no concernente à materialidade vertida nos pontos 18, 19, 20 e 21 (1ª parte), consta efetivamente do processo uma missiva, datada de 13 de dezembro de 2023 (junta com a petição inicial como documento nº 5), que a requerida remeteu à requerente.
Face à ausência de impugnação dessa realidade, ter-se-á, pois, de considerar assente por acordo que a requerente recebeu essa carta e que não houve entendimento das partes quanto à definição de uma nova data para a execução da obra.
Consequentemente deverá constar da materialidade provada um novo ponto (que aí assumirá o nº 11-A) com o seguinte teor: «A requerida “B..., Unipessoal, Ldª.” remeteu à requerente “A..., S.A.”, que recebeu, a missiva datada de 13 de dezembro de 2023 e que consta junta aos autos como documento nº 5 apresentado com a petição inicial, à qual esta última não respondeu, não tendo as mesmas chegado a um entendimento quanto à definição de uma nova data para a execução dos trabalhos definidos no contrato a que se alude no ponto nº 4 dos factos provados».
Nos referidos pontos factuais deu-se como provado que:
. “O acionamento da Garantia Bancária ocasionará uma perda de credibilidade da Requerente junto dos operadores bancários, credibilidade esta que mantém no mercado desde a sua constituição, há mais de 30 anos, pelo facto de nunca lhe ter sido acionada qualquer garantia bancária” (ponto nº 32);
. “A assunção, por parte dos operadores bancários, de uma falta de capacidade da Requerente para cumprir compromissos contratuais – pressuposto do acionamento da Garantia - aumentará o grau de risco que as entidades bancárias irão atribuir à Requerente, afetando o seu bom nome e o crédito da solidez financeira” (ponto nº 33);
. “E dificultando seriamente a obtenção de novas Garantias para as obras que estejam a executar ou pretendam executar no futuro ao mesmo custo que agora obtém” (ponto nº 34);
. “As empresas que se dedicam à indústria da construção civil e das obras públicas, como é o caso da Requerente, necessitam, para o exercício da sua atividade, de prestar Garantias aos Donos das Obras que executam, e recorrem correntemente a financiamentos e outros tipos de operações financeiras em que aquelas entidades são parceiras” (ponto nº 35);
. “O pagamento das garantias poderá fazer perigar a possibilidade de entrega de novas Garantias aos donos das obras que a Requerente tem em curso, bem como a prestação de garantias que lhe permita a execução de outras obras que lhe venham a ser adjudicadas” (ponto nº 36);
. “O acionamento de Garantias circula rapidamente pelo mercado, sendo interpretado como um indicador fortemente negativo sobre a capacidade técnica e a saúde financeira da Requerente” (ponto nº 37);
. “E poderá provocar alarme, quer junto do sector financeiro, quer das entidades que promovem a construção, com o consequente agravamento da possibilidade de a Requerente conseguir obter novas Garantias, vitais para o exercício da sua atividade” (ponto nº 38).
Advoga a apelante que tais pontos deverão ser excluídos do elenco dos factos indiciariamente provados, sustentando, fundamentalmente, que a prova adrede produzida não permite a formulação de um juízo probatório positivo quanto aos mesmos, já que “o depoimento da testemunha GG [em cujo depoimento o decisor de 1ª instância fundou a sua convicção para dar tais enunciados fácticos como provados] nos parece uma prova demasiado frágil e pouco líquida”.
Procedeu-se à audição do registo fonográfico do depoimento da mencionada testemunha, a qual referiu que a requerente, no exercício da sua atividade, tem de recorrer regularmente a garantias bancárias, já que atualmente, nas obras que executa, é sempre exigido a prestação desse tipo de garantia.
Acrescentou que presentemente o montante total das garantias ativas da “A...” rondará um valor na ordem dos 17 milhões de euros, todas elas prestadas pelo Banco 1..., por ser a instituição de crédito que cobra comissões mais baratas, pagando a empresa cerca de €2.000,00 por trimestre por uma garantia bancária de um milhão de euros.
Adiantou ainda que, em face do acordo que a “A...” tem com essa instituição de crédito, se qualquer garantia bancária for acionada, para além de ter de suportar o pagamento da quantia a desembolsar pelo banco (que, no caso, rondará meio milhão de euros), tal implicará imediatamente que as comissões a pagar passarão a ser substancialmente mais elevadas, comprometendo a capacidade da empresa de concorrer a determinadas obras, não podendo, nessas circunstâncias, apresentar os mesmos preços que vem praticando.
Referiu ainda que a “A...” em mais de trinta anos de atividade nunca antes viu ser acionada qualquer garantia bancária prestada, o que a ocorrer importará seguramente a afetação da sua imagem de credibilidade e reputação que goza junto dos seus clientes, da banca e demais credores, com implicações ao nível das condições de pagamento.
Ora, embora se nos afigure que alguns dos mencionados enunciados fácticos - nos termos em que se mostram redigidos - revistam um cariz subjetivo[7], não se antolha, contudo, razão bastante que justifique a sua retirada do elenco dos factos perfunctoriamente (como é suposto neste tipo de procedimento) dados como provados, porquanto a testemunha em causa (cujo depoimento não foi contraditado por quaisquer outros subsídios probatórios) deu notícia – em moldes que reputamos estarem em linha com o que em situações análogas ocorre na praxis comercial – das condições contratualizadas para a prestação deste tipo de garantia e bem assim das consequências que o seu acionamento provoca na esfera jurídica do ordenante da mesma.
As referidas proposições factuais devem, pois, manter-se no rol dos factos indiciariamente provados.
Como emerge do substrato factual apurado (e ora estabilizado) entre a requerente “A..., S.A.” e a requerida “B..., Unipessoal, Ldª.” foi celebrado, em 3 de maio de 2023, um contrato que denominaram de “subempreitada” (e que se mostra documentado a fls. 18/19 v. dos autos), nos termos do qual esta última se obrigou, mediante o recebimento da quantia de €460.609,31, acrescida de IVA à taxa legal, a realizar determinados trabalhos melhor discriminados nesse suporte documental (que, na essência, consistiam na montagem de fachadas metálicas), a levar a cabo na obra “...” em França, obra essa que havia sido adjudicada à requerente enquanto empreiteira geral.
Resultou igualmente demonstrado que para que a requerente pudesse contratar subempreiteiros para a execução da obra que lhe foi adjudicada, a legislação daquele país obriga a que o empreiteiro comprove perante o dono da obra que os pagamentos aos subempreiteiros estão acautelados, podendo fazê-lo por uma das seguintes vias: a) autorizando o dono da obra a pagar diretamente ao subempreiteiro os trabalhos por este realizados, descontando as verbas liquidadas nestes moldes no preço a pagar ao empreiteiro; ou b) apresentando uma caução ou garantia bancária a favor do subempreiteiro, por forma a garantir o pontual pagamento dos trabalhos por ele efetuados.
No caso vertente a requerente optou pela prestação de garantia bancária a favor da requerida “B..., Unipessoal, Ldª.”, tendo para o efeito solicitado à requerida Banco 1..., S.A. a emissão dessa garantia, o que esta satisfez emitindo, em 28 de julho de 2023, a Garantia Bancária n.º ..., no montante de € 460.609,31, junta a fls. 21/21v. dos autos, a favor daquela requerida.
Da análise do texto que a ficou a documentar resulta que a “A...” e a referida instituição de crédito outorgaram contrato de garantia bancária autónoma, o qual constitui um negócio jurídico de cariz atípico e causal, assente no princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil, traduzindo-se na eventual atribuição de um crédito correspondente ao valor garantido, que representa, mediante retribuição.
Neste tipo de negócio, o banco obriga-se a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução de determinado contrato (o contrato base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.
No caso da garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer dívida alheia; nos termos contratuais assumidos, ele assegura ao beneficiário o recebimento de certa quantia em dinheiro; e terá de, como garantia, proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário comunique que o não recebeu da outra parte, sem que possa apreciar o bem ou mal fundado dessa alegação, isto é, isentando o beneficiário do ónus da prova dos pressupostos do seu crédito contra o banco. O garante autónomo não é admitido a opor ao beneficiário as exceções de que pode prevalecer-se o cliente garantido.
A garantia bancária autónoma pode assumir as modalidades de simples ou à primeira interpelação (on first demand), sendo que a simples é uma garantia condicional e a on first demand é incondicional (ou quase incondicional).
Na chamada garantia simples, o beneficiário, para exigir a obrigação do garante, tem de provar a ocorrência dos pressupostos que condicionam o seu direito, enquanto na garantia à primeira solicitação não tem esse ónus. Por não ter esse ónus o pagamento não pode ser recusado por não se demonstrar que se verificam os pressupostos do incumprimento por parte do garantido. A garantia bancária simples garante ao credor beneficiário a prestação por terceiro, mas sem eliminar o risco de ser exigida ao credor a prova da ocorrência dos pressupostos que condicionam o seu direito.
A fim de se apurar se, in concreto, estamos em presença de uma ou outra das mencionadas modalidades de garantia bancária haverá que recorrer às regras da hermenêutica negocial estabelecidas nos arts. 236, nº 1 e 238, nº 1, do Código Civil.
No caso em apreço consta expressamente do texto da carta de garantia que a mesma «tem natureza autónoma e é uma garantia à primeira solicitação, comprometendo-se o Garante [Banco 1..., S.A.], incondicional e irrevogavelmente, dentro dos limites fixados na Garantia e em conformidade com os termos nela estabelecidos, a pagar ao Beneficiário [a requerida “B..., Unipessoal, Ldª.”] as quantias que este lhe solicitar, sem apreciar o fundamento ou direito de crédito, sem benefício de discussão prévia e sem poder recusar o pagamento com base em qualquer defesa que o Cliente [a requerente “A..., S.A.”] possa invocar; e logo que o Beneficiário solicite o pagamento em consequência do incumprimento das obrigações objeto da presente garantia, respetivamente».
Deste teor textual resulta claro que a garantia bancária é à primeira interpelação ou on first demand.
Em face dessa qualificação, haverá que ter em conta que nas relações contratuais geradas entre os vários intervenientes existem três negócios jurídicos.
Com efeito, como a este propósito tem sido sublinhado na doutrina[8], no processo genético de emissão de uma garantia bancária autónoma existe, em primeiro lugar, um contrato-base entre o mandante da garantia e o beneficiário, a que se segue um contrato, qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga, e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia excussão dos bens do beneficiário ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída.
A relação contratual estabelecida entre o devedor da relação principal/ordenante e o banco garante tem sido qualificada[9] como sendo um contrato de mandato sem representação (cfr. arts. 1157º e 1180º do Código Civil), nos termos do qual o banco garante se obriga perante o devedor na relação principal, em contrapartida de certa retribuição, a estabelecer com o correlativo credor uma relação no âmbito da qual prestará uma garantia bancária autónoma, mediante certas condições. O banco vai atuar em nome próprio, pois será ele quem responderá pela obrigação de prestar garantia, sendo esta uma obrigação própria. O banco atua em nome próprio, mas por conta do dador da ordem (devedor garantido).
No que tange ao terceiro negócio jurídico, a prática vem evidenciado que na sequência do mesmo o beneficiário recebe um documento (uma carta de garantia) enviado pelo banco garante. Defendendo-se que a garantia autónoma assenta num contrato, o conteúdo desta carta consistirá na proposta contratual, tendo necessariamente que ser completa, precisa e formalmente adequada, a qual terá que ser aceite pelo beneficiário, nos termos do art. 232.º do Cód. Civil. Neste conspecto, a praxis negocial vem-se traduzindo no sentido de que não haverá uma resposta por parte do beneficiário a essa carta de garantia. Defende-se, então, nesse caso, que há uma aceitação tácita por parte do beneficiário, quer anterior quer posterior. Por um lado, é anterior porque resulta de um comportamento manifestado no contrato base, exigindo ao devedor que arranjasse um garante que emitisse a garantia. Por outro lado, é posterior, porque o beneficiário, nos termos do art. 234.º Cód. Civil, não manifestou por qualquer forma não a pretender.
Nestes termos, justifica a doutrina que o facto de a garantia constar normalmente apenas de um documento assinado pelo banco, não lhe retira o seu carácter contratual: é necessária aceitação da proposta contratual, mas esta não tem que ser escrita, podendo essa declaração ser tácita (cfr. arts. 217º e 219.º do Cód. Civil).
Relativamente à caraterização da autonomia da garantia, a mesma traduz-se essencialmente no facto de o banco garante não poder opor ao beneficiário os meios de defesa próprios do devedor garantido, tanto relativos ao contrato base como ao contrato de mandato, mas apenas os respeitantes ao contrato de garantia.
Na explicitação mais desenvolvida de MÓNICA JARDIM[10] “em virtude da autonomia da garantia face ao contrato base, o garante não pode usar face ao beneficiário as exceções fundadas na relação principal, ou seja, os meios de defesa de que se pode prevalecer o garantido. A obrigação do garante de entregar uma determinada quantia pecuniária ao beneficiário depende exclusivamente da verificação das condições definidas no contrato de garantia. Não há, em princípio, interferência da convenção que liga o dador da ordem ao beneficiário da garantia. Assim, e segundo a doutrina maioritária, o garante não se pode furtar a entregar ao beneficiário a quantia pecuniária fixada alegando: a nulidade do contrato base resultante da violação de regras imperativas do ordenamento a que pertence o devedor; a sobrevinda impossibilidade de cumprimento do contrato; a compensação invocada pelo devedor perante o credor; o direito de retenção que assiste ao devedor face ao credor, etc.”.
Malgrado as implicações resultantes da automaticidade da garantia, vem-se igualmente registando uma posição claramente maioritária na doutrina[11] no sentido de que o garante pode excecionar o dolo, a má fé ou o abuso de direito verificados no recurso à garantia pelo beneficiário – a recusa de pagamento com esta motivação pode ter lugar desde que o garante esteja na posse de prova líquida dum comportamento abusivo do beneficiário. Para esse efeito, confrontado com um pedido de pagamento do beneficiário, cabe apenas ao garante avisar o dador da ordem que lhe foi solicitado o pagamento. Por sua vez, caberá ao dador da ordem facultar de imediato ao garante a prova da inexistência, na esfera jurídica do beneficiário, de qualquer crédito emergente do contrato base celebrado entre aquele e este.
Idêntico posicionamento vem sendo trilhado na jurisprudência pátria[12], que tem procurado isolar algumas das exceções que ficam situadas, em regra, numa estreita faixa integrada pelas regras da boa-fé ou do abuso de direito ou pela necessidade de evitar benefícios decorrentes de factos ilícitos, envolvendo fraudes ou falsificação de documentos. Ademais, é generalizado o entendimento de que os factos pertinentes devem resultar de uma prova sólida, não bastando a formulação de meros juízos de verosimilhança sobre a ocorrência dos respetivos requisitos substanciais.
A legitimidade da recusa tem, assim, sido defendida designadamente nas seguintes circunstâncias:
- Manifesta má fé ou a má fé patente, isto é, que não oferece a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante;
- Casos de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário;
- Quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes;
- Sempre que exista prova segura de que o contrato-base foi cumprido.
Podemos, pois, assentar que apesar da automaticidade da garantia se vem admitindo, com maior ou menor amplitude, o seu acionamento não deve ser permitido quando o beneficiário estiver inequívoca e claramente de má fé em qualquer das modalidades deste conceito normativo.
Demonstrativo desse entendimento é o que escreve no acórdão do STJ de 17.6.2021[13], onde, a dado passo, se afirma que “característica fundamental da garantia bancária é a sua autonomização em relação ao contrato-base.
Daqui resulta que o garante não pode prevalecer-se dos meios de defesa facultados ao dador da ordem para recusar-se a pagar a garantia ao beneficiário, estando-lhe vedada a possibilidade de opor-lhe quaisquer exceções fundadas na relação principal entre o ordenante e o beneficiário, a menos que constem do próprio texto da garantia ou que seja colocada à sua disposição prova inequívoca da “má fé patente”, da fraude manifesta (exceptio doli) ou de abuso evidente por parte do beneficiário; de que o contrato garantido ofende os valores da ordem pública ou os bons costumes; de que o contrato-base foi cumprido; de que houve resolução do contrato-base por facto não imputável ao devedor ou ainda de que houve incumprimento do beneficiário, quer por ter declarado de que não está em condições de cumprir, por ter modificado unilateralmente os termos do contrato ou quando não acate regras fiscais locais”.
Como a este propósito enfatiza FERRER CORREIA[14], a razão da recusa de pagamento em caso de fraude manifesta ou abuso evidente radica na circunstância de existirem princípios cogentes em todo e qualquer ordenamento jurídico que devem ser respeitados, não podendo as garantias autónomas violar grosseiramente os referidos princípios: os da boa fé e os do abuso de direito (arts. 334º e 762º do Código Civil).
Nesse contexto, por mor do enunciado princípio da boa-fé, o beneficiário, parte do contrato autónomo de garantia bancária, está vinculado a um verdadeiro dever de boa fé no cumprimento desse contrato, de comportamento leal e correto, que o impede de reclamar abusivamente a garantia, pelo que o garante tem o direito de, neste caso, recusar tal pretensão, podendo igualmente o ordenante recorrer a uma providência cautelar inominada para impedir que aquele pague, ou então mesmo dirigida ao beneficiário para o impedir de receber o montante da garantia[15].
Feito este enquadramento geral, atentemos nas particularidades do caso.
Tendo por base o tecido fáctico apurado (que, como se viu, não sofreu significativa alteração nesta sede recursiva) o juiz a quo julgou improcedente a oposição deduzida pela requerida “B..., Unipessoal, Ldª”, mantendo o decretamento da providência cautelar comum requerida por “A..., S.A.” na qual se ordenou «a notificação do 2º Requerido Banco 1..., S.A., para que, até ao trânsito em julgado da ação principal de que esta providência cautelar depende, não proceda ao pagamento da garantia bancária n.º ..., no valor de € 460.609,31, junta a fls. 21/21v., emitida por solicitação da Requerente em 28/07/2023 em favor de B..., Unipessoal Ldª».
No sentido de neutralizar o acionamento da ajuizada garantia bancária, o juiz a quo considerou que a requerida “B..., Unipessoal, Ldª” atuou de má-fé ou em abuso de direito, fazendo assentar esse juízo decisório na circunstância de «esta não ter executado quaisquer trabalhos na obra em questão, não tendo emitido qualquer fatura. Os trabalhadores da Requerida estavam, até à data da resolução contratual, que se operou em 21/12/2023, impossibilitados de entrar em obra, situada em França, e de nela laborar, por a Requerida não ter sido fornecido ao Dono de Obra o conjunto de documentos identificado em 27 dos FP, não obstante as várias insistências por parte da Requerente nesse sentido. A entrada em obra da Requerida foi adiada de 04/09/2023 para 20/03/2023, por o Dono de Obra não ter conseguido ultrapassar as questões que obstavam ao início dos trabalhos. Esta situação foi comunicada à Requerida, em 19/09/2023, que nada opôs. A Requerida veio a 23/11/2023 (4 dias antes da entrada em obra) exigir à Requerente o pagamento de € 194.220,00 para entrar em obra, alegando ter tido prejuízos neste valor por não ter entrado em obra a 04/09/2023. Porém, não informa que prejuízos concretos teve, limitando-se a dividir o valor acordado para a subempreitada pelo prazo previsto para a execução da mesma e requerendo que lhe fosse paga a proporção respeitante ao período de 04/09/2023 a 20/11/2023. Ora, os prejuízos que eventualmente possa ter tido não podem ser equivalentes ao valor que receberia pela realização dos trabalhos acordados. Não teve de pagar viagens aos trabalhadores, alojamento em França para os mesmos, etc.. Acresce que informa o Banco 1... que teve prejuízos no valor de prejuízos no montante de € 263.222,00, mas reclama o pagamento da quantia global de € 460.609,21».
A ora apelante rebela-se contra esse segmento decisório no pressuposto da alteração da materialidade que, em 1ª instância, foi considerada provada e não provada, o que, todavia, não logrou.
Porque assim, tal como afirmado na decisão recorrida, igualmente entendemos que o quadro factual apurado é de molde a permitir afirmar que o acionamento da garantia bancária pela requerida “B..., Unipessoal, Ldª” consubstancia, in concreto, uma atuação abusiva e de má fé.
Com efeito, apesar de não ter realizado qualquer trabalho na obra, a requerida apresentou-se perante o banco garante a exigir o pagamento do montante de €460.609,31, o que corresponde exatamente à totalidade do preço convencionado para a execução integral da subempreitada.
A apelante pretende justificar esse seu comportamento argumentando que a requerente incumpriu esse contrato, já que a obra não foi iniciada na data contratualmente prevista por facto a esta imputável, o que lhe ocasionou diversos danos.
Ora, não é isso que resulta da materialidade provada, donde emerge que a data estabelecida no contrato para o início dos trabalhos por banda da apelante assumia uma natureza meramente previsional - não se estando, pois, em presença de um prazo que possa ser rotulado como fixo relativo ou absoluto[16] -, porquanto (como, aliás, resulta dos pontos nºs 18 e 19 dos factos provados, que não foram alvo de impugnação em sede recursiva), o dono da obra ainda se encontrava a ultimar o planeamento final por subsistirem incompatibilidades de especialidades com as fachadas (tendo havido, inclusive, necessidade de se proceder a profundas alterações ao projeto), sendo que a recorrente tinha conhecimento dessa realidade, nada tendo oposto quanto ao adiamento de entrada na obra. Tanto assim era que em 4 de setembro de 2023 (data prevista para o início dos trabalhos) não tinha sequer a documentação necessária referente aos trabalhadores que iria empregar na sua execução, os quais, nessas circunstâncias – como bem nota o decisor de 1ª instância -, estariam impossibilitados de entrar em obra.
Não pode, assim, falar-se com propriedade na ocorrência de uma situação de incumprimento culposo por banda da requerente/apelada que legitimasse o acionamento da garantia bancária, não sendo despiciendo salientar que na economia do contrato base a mesma foi prestada para garantir o pontual pagamento dos trabalhos por aquela efetivamente realizados (cfr. pontos nºs 6, 7 e 8 dos factos provados) e não para outro fim.
Consequentemente, ao exigir do banco garante o pagamento da totalidade do valor garantido sem que tenha executado qualquer trabalho na obra, o comportamento da apelante não pode deixar de ser rotulado como manifestamente abusivo, estando, nessa medida, justificado o decretamento da requerida providência cautelar nos moldes definidos no ato decisório sob censura.
Impõe-se, por isso, a improcedência do recurso.
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 11/11/2024
Miguel Baldaia de Morais
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
_______________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência.
[3] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[4] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., sobre a questão e por todos, PIRES DE SOUSA, in Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, págs. 55 e seguintes.
[6] Cfr., por todos, na doutrina, ABRANTES GERALDES et al., in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 746 e HELENA CABRITA, in A fundamentação de facto e de direito na decisão cível, Coimbra Editora, 2015, págs. 112 e seguintes; na jurisprudência, acórdão do STJ de 1.10.2019 (processo nº 109/17.1T8ACB.C1.S1) e acórdão desta Relação de 26.05.2015 (processo nº 5807/13.6TBMTS.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Sobre a prova de factos internos ou estados subjectivos, vide, entre outros, ANTUNES VARELA et al., in Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, págs. 407 e seguinte e CLÁUDIA ALVES TRINDADE, in A prova de estados subjectivos no Processo Civil, Almedina, 2016, págs. 67 e seguintes.
[8] Cfr., por todos, MÓNICA JARDIM, in A Garantia Autónoma, Almedina, 2002, págs. 46 e seguintes, MENEZES LEITÃO, in Garantias das Obrigações, Almedina, 2006, págs. 154 e seguintes e PESTANA DE VASCONCELOS, in Direito das Garantias, Almedina, 2010, págs. 121 e seguintes.
[9] Neste sentido, inter alia, ALMEIDA COSTA/PINTO MONTEIRO, Garantias bancárias. O contrato de garantia à primeira solicitação, CJ, ano XI, tomo 5º, pág. 19 e PESTANA DE VASCONCELOS, ob. citada, pág. 123.
[10] Ob. citada, págs. 115 e seguinte; em análogo sentido, ROMANO MARTINEZ/FUZETA DA PONTE, in Garantias de cumprimento, 2ª edição, Almedina, pág. 71.
[11] Cfr., por todos, PESTANA DE VASCONCELOS, ob. citada, págs. 131 e seguintes e MÓNICA JARDIM, ob. citada, págs. 283 e seguintes.
[12] Cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 5.07.2012 (processo nº 219/06.6TVPRT.P1.S1), de 27.05.2010 (processo nº 25878/07.3YYLSB-A.L1.S1) e de 13.04.2011 (processo nº 41342/04.0YYLSB-A.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Prolatado no processo nº 15932/16.6T8LSB-A.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[14] Notas para o estudo da garantia bancária, in Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado, Coimbra Editora, 1989, pág. 22.
[15] Desenvolvidamente sobre essa possibilidade, vide MÓNICA JARDIM, ob. citada, págs. 327 e seguintes.
[16] Sobre a questão, vide, entre outros, BATISTA MACHADO, Pressupostos da resolução por incumprimento, in Obra Dispersa, vol. I, 1991, Scientia Juridica, págs. 188 e seguintes e BRANDÃO PROENÇA, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 76 e seguintes.