I - Tem sido entendido de forma reiterada e em respeito pelos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo.
Motivo porque e quando tal reapreciação se mostre inútil/inócua para o resultado da pretensão formulada, se deve rejeitar a mesma.
II - São obras de conservação ordinária aquelas que de um modo geral se destinam a manter o prédio nas condições requeridas pela sua preservação e assim destinadas a manter o prédio apto a cumprir o fim previsto no contrato e existentes à data da sua celebração.
E obras extraordinárias, nomeadamente, as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior.
III - Estando em causa a realização de obras de conservação ordinárias a que a recorrente inquilina ficou nos termos contratuais obrigada e sendo certo que à data da celebração do contrato os problemas com as caixilharias já se verificavam e a A. de tal se apercebeu, é de concluir que nenhum incumprimento contratual pode ser imputado aos RR. do qual resulte a sua responsabilização pelos danos sofridos pela autora inquilina.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunta - Ana Olívia Loureiro
Adjunta - Anabela Mendes Morais
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. Central Cível de Aveiro
Apelante/ “A... – Unipessoal, Lda.”
Apelados/ AA e BB
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
“A... – Unipessoal, Lda.” instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA e BB, formulando pedido condenatório nos seguintes moldes:
“deverá ser a presente ação julgada totalmente procedente, por provada, condenando os Réus a realizar as obras de conservação necessárias a reparar os vícios de que padece o locado, bem como a pagar à Autora o valor global de € 55.013,45, resultante da soma do reembolso dos custos da reparação das caixilharias e piso interior, da indemnização devida pela reparação dos danos provocados pelo sinistro de Novembro de 2019, pelo montante necessário à reparação da caixilharia, pelos danos não patrimoniais e pela indemnização a título de lucros cessantes, após dedução do valor global das rendas vencidas devidas aos Réus, com as legais consequências.”
Para tanto alegou em suma:
- ter celebrado com os RR. um contrato denominado «Contrato de Arrendamento para Alojamento Local ou "Hostel"», cujo objeto corresponde ao arrendamento da fração autónoma "AW", que se trata de estabelecimento destinado a serviços restauração e bebidas, situado no Rés-do-chão do n.º ... da Avenida ..., em ..., de que os Réus são legítimos proprietários;
- tal arrendamento foi celebrado pelo prazo de 10 anos e tem como finalidade a instalação e exploração de serviços de alojamento local e de restauração;
- antes da formalização do contrato, a autora na pessoa do seu sócio gerente visitou o locado, tendo atestado a falta de condições de habitabilidade, bem como algumas anomalias, nomeadamente a existência de humidades e danos nas caixilharias;
- à data, a fração não se apresentava apta ao desenvolvimento da atividade pretendia pela Autora, necessitando de obras de adaptação, bem como carecia de licenças a ser pedidas junto da CM de ...;
- Após obtenção das licenças necessárias o contrato foi formalizado, tendo a A. se obrigado a proceder às obras legalmente exigidas para o funcionamento de alojamento local e restauração.
O que cumpriu, sem prejuízo de atrasos causados pelas infiltrações e humidade que a fração apresentava;
- Para além destas obras de adaptação, as de conservação extraordinárias que eram da responsabilidade dos Senhorios e que estes se obrigaram a fazer - nomeadamente as de correção das patologias de impermeabilização das caixilharias que provocam manchas, bolores, gotejamento e entrada de água para o interior, bem como a colocação de capoto no piso inferior - os Réus nunca procederam às mesmas. Apesar de terem referido que o iriam fazer aquando das negociações do contrato, pressuposto em que a Autora se baseou para a outorga do mesmo;
- A A. suportou o custo das obras de pintura da caixilharia e colocação de capoto no piso inferior, que globalmente se cifrou em € 1.600,00
- A A. terminou as obras de adaptação em 30/05/2019, tendo iniciado a partir do dia seguinte a exploração do alojamento local e restaurante snack/bar.
Tendo em meados de setembro e devido às fortes chuvadas ocorrido infiltrações no interior do locado, atenta a não execução das obras de reparação a que os RR. se haviam obrigado.
Implicando o encerramento do alojamento no mês de outubro de 2019 para correção dos danos no interior do locado.
Não obstante, as infiltrações e humidades provocaram cheiros no interior do alojamento pelo que esta se viu obrigada a não aceitar reservas.
Apenas tendo a A. conseguido explorar o alojamento local durante os meses de junho, julho, agosto e meados de setembro de 2019, porquanto, a partir daqui, não dispunha de condições mínimas para receber os seus clientes;
- Em novembro de 2019 ocorreu nova inundação com origem num excesso de pressão de água no edifício que levou à rutura de um tubo, que ocasionou danos nas benfeitorias (capoto, pintura, pisos) efetuadas até à data, bem como no mobiliário (camas, sofás, armários, quadros), ecrãs plasma, piso, paredes, tetos, entre outros), cuja reparação totaliza € 14.483,87;
Danos estes não reparados e que se agravaram.
Tendo reclamado junto do condomínio, veio a ser informado que a indemnização – na sequência de um outro orçamento de valor inferior (no montante de € 10.358,45) que junto deste apresentara a pedido do mesmo -teria sido paga diretamente aos RR. por estes não terem autorizado tal pagamento à autora;
- Interpelados os RR. a indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos, os mesmos remeteram à A. um cheque no valor de € 5.727,00 que esta não aceitou e devolveu.
Termos em que peticiona a A. a condenação dos RR. ao pagamento dos danos sofridos:
. no valor de € 14.483,37 nas benfeitorias por si realizadas;
. à realização das obras estruturais que a fração necessita, designadamente procederem à impermeabilização das caixilharias e da fachada, de forma a colocar fim às infiltrações nas paredes interiores e à entrada de água e passagem de corrente de ar pelas caixilharias, permitindo, assim, o gozo pleno do locado para o fim a que se destina, nomeadamente a exploração de alojamento local.
Em caso de não cumprimento devendo ser condenados a pagar à A. o valor de € 3.630,56 para sua execução;
. ao pagamento da quantia de € 35.299,02 a título de lucros cessantes, correspondente ao prejuízo decorrente da não faturação pela impossibilidade de alojar clientes em metade do mês de setembro de 2019, nos meses de outubro 2019 a maio de 2020 e desde dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, que representam 11,5 meses (em função da média dos valores faturados);
. a quantia de € 1.600,00 pelas reparações efetuadas;
. a quantia de € 8.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Sobre este valor ocorrendo a compensação pelo montante devido pela autora de € 8.500,00 a título de rendas vencidas e não pagas até março de 2021.
Ainda condenados na realização das obras de conservação extraordinárias necessárias a restabelecer o gozo do locado para o fim a que se destina, nomeadamente, nos períodos de maior precipitação e condições climatéricas mais adversas.
- impugnado a versão dos factos apresentada pela autora;
- invocado o não pagamento das rendas;
e confirmado o recebimento da quantia de € 5.727,00 após ativação do seguro do condomínio pelo sinistro ocorrido. Montante que enviaram por cheque ao A. e o recusou.
Terminando concluindo pela improcedência da ação.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador. Identificado o objeto do litígio elencados os temas de prova.
“Julgo improcedente a ação, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados.”
“Conclusões:
(…)
*
Os recorridos apresentaram contra-alegações, em suma concluindo pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
Foram colhidos os vistos legais.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem as seguintes as questões colocadas à apreciação do tribunal:
I- erro na decisão de facto – em causa os pontos f), g), h), i) e j) e als. u), bb), cc) e ee) dos factos não provados que a recorrente defende devem ser julgados provados [vide conclusões III a XXIV e XXV a XXXIX];
II- erro na decisão de direito – como consequência da pugnada alteração da decisão de facto.
O tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto:
“1 – A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outros, a exploração de alojamento local para turistas e de estabelecimentos de restauração (bar, snack-bar e similares), com o capital social integralmente realizado de € 2.000,00 (dois mil Euros) e subscrito pelo sócio-gerente Senhor CC
2 - Para o desenvolvimento do seu objeto social, a 08 de março de 2018, a Autora celebrou com os Réus, um contrato denominado "Contrato de Arrendamento para Alojamento Local ou "Hostel”, cujo objeto foi à fração autónoma "AW", situado no rés-do- chão do n.º ... da Avenida ..., ..., em ....
3 - Tal arrendamento foi celebrado pelo prazo de 10 anos e teve como finalidade a instalação e exploração de serviços de alojamento local.
4 - Antes da formalização do referido contrato, a Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, visitou o locado, tendo verificado um espaço amplo.
5 - Nessa primeira visita foi possível atestar a existência de humidade e danos nas caixilharias.
6 - Esses danos concretizam-se no descasque da lacagem, com particular incidência pela face exterior, e degradação das vedações perimetral dos vãos envidraçados, o que provoca entrada de água para o interior, quando chove.
7 – O valor de reparação das caixilharias é de 7100,00 €
8 - A fração não se apresentava apta ao desenvolvimento da atividade pretendia pela Autora, necessitando de obras de adaptação que ficaram a cargo da autora.
9 – Tendo-se o projeto iniciado ainda antes da formalização do contrato, com o consentimento dos Réus.
10 - Em finais de maio de 2019, a Autor conseguiu concluir as obras do locado, tendo equipado dois quartos, cada um com oito camas individuais, permitindo ao estabelecimento uma ocupação máxima de 16 pessoas, para além das zonas comuns de estar e de lazer.
11 - A Autora, a partir do dia 31 de maio de 2019 começou a exploração do alojamento local e do restaurante/snack-Bar.
12 - Em novembro de 2019, a fração sofreu uma inundação, provocada por rotura do tubo de abastecimento de água à caldeira que ocasionou os danos no mobiliário, piso flutuante, paredes rodapés, tetos da cave.
13 - A Autora contactou o condomínio, sendo que a 26 de fevereiro de 2020, obteve como resposta que, a indemnização teria sido paga diretamente aos Réus, por serem estes os proprietários do imóvel, e que estes não autorizaram o pagamento à Autora
14 - No dia 04 de dezembro de 2020, os Réus, por intermédio da sua Ilustre Mandatária, remeteram missiva acompanhada de um cheque com o montante de € 5.727,00 (cinco mil setecentos e vinte e sete cêntimos).
15 - O Autor procedeu à devolução do aludido cheque, considerando que não corresponde ao montante reclamado a título de danos no estabelecimento.
16 - O valor da reparação dos danos causados pela inundação (empolamento das placas do pavimento flutuante e abertura de juntas, deterioração dos rodapés, deterioração do teto) é de 9195,00 €.
17 - A humidade causada pelas deficiências da caixilharia e pela inundação causam manchas, bolores, bem como um cheiro a bolor e mofo no interior do alojamento.
18 - Atento o tempo decorrido, estes danos agravaram-se, estando as paredes e tetos dos quartos degradados, com manchas maiores e mais escuras.
19 - Face ao descrito em 12, a Autora ficou, temporariamente, impossibilitada de alojar clientes.
20 - Desde a data do sinistro, em novembro de 2019, que a Autor deixou de efetuar o pagamento das rendas aos Réus.
21 - Os Réus nunca enviaram à Autora qualquer recibo de renda dos meses por esta liquidados.
22 – No ano de 2019 a Autora teve a seguinte faturação:
Maio – 33,80 €;
Junho – 1190,90 €;
Julho – 2799,50 €;
Agosto -3913,05 €;
Setembro – 991,45 €;
Num total de 8928,70 €;
23 - No ano de 2020 a Autora teve a seguinte faturação:
Janeiro – 2,00 €;
Fevereiro - 357,10 €;
Maio 811,55 €
Junho 6192,35 €
Julho 6083,40 €
Agosto – 3625,05 €
Setembro - 2942,35 €
Outubro – 105,45 €
Novembro 3642,00 €
24 – Ficou acordado entre as partes que “constitui encargo da arrendatária a realização das obras de conservação ordinária do locado, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, bem como todas as necessárias a adaptar o locado ao alojamento local “hostel” pretendido, incluindo, nomeadamente, as reparações, limpezas, substituições de materiais e manutenção das instalações de água, luz, esgotos, climatização e comunicações e a perfeita manutenção das paredes, tetos, pavimentos, portas, fechaduras, vidros e encanamentos.”
Foi ainda julgada não provada a seguinte matéria de facto:
“a) - As licenças do locado se encontrassem caducadas, nomeadamente o certificado energético e a licença de utilização/habitabilidade.
b) A Autora tivesse de aguardar cerca de 4 (quatro) meses para que fossem emitidas.
c) Quanto ao certificado energético, o mesmo demorasse cerca de 6 (seis) meses a ser emitido.
d) Só após a obtenção dessas licenças, o contrato fosse finalmente formalizado.
e) A Autora tivesse previsto concluir as referidas obras em cerca de 6 meses após a data de assinatura do contrato, o que lhe permitiria iniciar a exploração em meados de setembro de 2018.
f) Tal prazo fosse ultrapassado em mais de 7 (sete) meses, em virtude dos contratempos com as infiltrações e humidade que a fração apresentava e que impediam a correta secagem dos materiais aplicados nas paredes e por conseguinte, o avanço nos trabalhos.
g) Neste período, a Autora instasse os Réus, para a resolução destas questões, nunca tendo obtido qualquer resposta concreta.
h) Os Réus se obrigassem a fazer a correção das patologias de impermeabilização das caixilharias bem como a colocação de capoto no piso inferior, obras que fossem o pressuposto em que a Autora se baseou para a outorgar o contrato.
i) Os Réus tentassem combinar com a Autora que esta as realizasse, mas depois mudassem a sua postura e passassem a afirmar que não teriam qualquer responsabilidade pela realização das mesmas.
j) Os Réus/Senhorios passassem a referir que o condomínio era o responsável pelos danos, pelo que nada iriam assumir.
k) Após a formalização do contrato, o contacto com os Réus se tornasse bastante difícil.
l) As caixilharias nunca tivessem sido alvo de qualquer ação de conservação ou manutenção pelos Réus,
m) A pintura da caixilharia e colocação de capoto no piso inferior, globalmente, se cifrasse em € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).
n) A Autora apenas conseguisse explorar o Alojamento Local durante os meses de junho, julho, agosto e meados de setembro de 2019, porquanto, a partir daqui, não dispunha de condições mínimas para receber os seus clientes.
o) Em meados de setembro de 2019, devido à ocorrência de fortes chuvas que se fizeram sentir na ... se verificassem infiltrações no interior do locado, danificando parte do trabalho de reparação visual das estruturas e caixilharias.
p) A Autora admitindo que as infiltrações também pudessem advir das zonas comuns do prédio, contactasse a Administração do condomínio, tendo estes transmitido que apenas e só os proprietários poderiam reclamar qualquer vício/patologia, em sede de Assembleia de Condomínio.
q) Se seguisse o contacto com os Réus, o que uma vez mais se mostrou infrutífero.
r) Na tentativa de manter o alojamento local a funcionar, a Autora para melhorar novamente o aspeto visual reparasse alguns dos danos, tendo contactado o empreiteiro Senhor DD.
s) Este confirmasse que a origem do problema era estrutural e residia na caixilharia e fachada exterior do prédio, mencionando, inclusivamente que a “reparação” que iria fazer apenas melhorava o aspeto visual, mantendo inalterado a “resolução de fundo do problema”.
t) A Autora não tivesse alternativa a não ser encerrar o Alojamento durante todo o mês de outubro de 2019, para correção das paredes interiores, que tardaram a secar após aplicação das massas pela ocorrência de aguaceiros persistentes e constantes "entradas de água”.
u) Desde setembro de 2019, um dos quartos ficasse totalmente inoperável, por colocar em causa a saúde dos clientes, sendo visíveis várias manchas com tamanho significativo nas paredes (quartos e zonas comuns de lazer) provocadas pelas infiltrações, entrada de água pela caixilharia, cheiro a bolor e mofo e passagem de corrente de ar pelas janelas.
v) Por causa das humidades, durante o mês de setembro de 2019, a Autora apenas trabalhou até ao dia 15.
w) A Autora desconhecesse essas patologias aquando da celebração do contrato.
x) A Autora tivesse recebido queixas de clientes, tendo-se visto obrigada a não aceitar várias reservas em virtude de tais circunstâncias
y) A rutura do tubo referido em 12 ocorresse por excesso de pressão de água no edifício z) A impossibilidade de alojar cliente, por causa da inundação perdurasse até meados de maio de 2020,
aa) Em maio de 2020, a Autora apenas o fizesse parcialmente, uma vez que um dos quartos ficou e está totalmente inabitável.
bb) Em virtude das chuvas ocorridas em dezembro de 2020, a Autora voltasse a estar impossibilitada de receber qualquer reserva, uma vez que as infiltrações se fizessem sentir de forma acentuada, tornando o locado totalmente “inabitável”.
cc) Seja por causa do descrito em 5, 6, 12 e 17 que a Autora esteja impossibilitada de obter rendimentos com o locado.
dd) Não fosse a atuação dos Réus, a Autora poderia alojar o dobro dos clientes, ou seja, 8 clientes, isto é, 4 em cada quarto.
ee) A Ré deixasse de pagar as rendas porque se encontrou privada do gozo e exploração do estabelecimento.”
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Releva ainda relembrar que o fim dos recursos – por via da apreciação da pretensão dos recorrentes – é o de validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, modificando a decisão antes proferida. Em consonância, tem sido entendido de forma reiterada e em respeito pelos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo.
Motivo porque e quando tal reapreciação se mostre inútil/inócua para o resultado da pretensão formulada, se deve rejeitar a mesma [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1; ainda Ac. STJ de 28/09/2023, nº de processo 2509/16.5T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt].
Analisadas, quer as conclusões quer o corpo alegatório, resulta manifesta a observância dos requisitos exigidos pelo normativo assinalado [artigo 640º nºs 1 e 2 al. a) do CPC].
Estando em causa os pontos da matéria de facto não provada acima assinalados, respeitam os mesmos:
- als. f), g), h), i) e j), ao alegado atraso nas obras executadas pela autora e causa do mesmo [al. f)]; à alegada interpelação dos RR. para a resolução dos vícios que elencaram [als. g) a i)] e alegada responsabilidade do condomínio pela realização de obras e consequente responsabilidade pelos danos sofridos [al. j)];
- e as als. u), bb) e cc) à alegada impossibilidade da autora em explorar o alojamento e consequências], estando em causa na al. ee) a justificação apresentada pela autora recorrente para deixar de pagar as rendas, sustentada na privação do gozo e exploração do estabelecimento.
Da impugnação factual assim identificada e pelos motivos que infra melhor se esclarecerão, releva em especial, para a pretensão dos recorrentes, a impugnação da matéria contida na al. h) dos factos não provados.
Em causa uma alegada assunção de responsabilidade por parte dos RR. em corrigir as patologias de impermeabilização das caixilharias, bem como a colocação de capoto no piso inferior, obras que foram o pressuposto em que a autora se baseou para outorgar o contrato.
Este ponto factual que vem impugnado, é, importa dizer, a realidade contrária ao que vem julgado provado e não impugnado em 24 dos factos provados.
Ponto 24 que corresponde aliás à reprodução do teor da cláusula 5ª nº 3 do contrato de arrendamento entre as partes celebrado, junto pela própria autora com a p.i., sem que tenha quanto ao teor do documento sido posta em causa a sua fidedignidade ou não correspondência ao que entre as partes ficou no mesmo acordado.
Tal seria a nosso ver suficiente para, só por si, afastar a pretensão impugnatória deduzida quanto a este ponto factual pela recorrente.
Analisada a fundamentação da decisão recorrida, quanto a este ponto factual h) impugnado [sendo que a fundamentação para a redação do ponto 24 dos factos provados foi, como não podia deixar de ser, atendendo à sua redação, o teor da cláusula 5ª nº 3 do contrato já mencionado] consta[1]:
“não foi produzida qualquer prova para além das declarações prestadas pelo legal representante da Autora e da testemunha DD que relatou dificuldades no avanço da obra devido à humidade existente no locado, mas que nada referiu quanto aos atrasos na realização da obra.
Quanto ao facto de os réus se terem comprometido, eles próprios a mudar as caixilharias, tal é negado pelo réu. Note-se, que no contrato de arrendamento celebrado não se faz qualquer menção a esta obrigação, o que é estranho, pois que as deficiências das caixilharias já tinham sido detetadas em momento anterior à celebração do contrato. Assim, caso os réus tivessem, de facto, assumido essa reparação ela deveria ter ficado a constar do contrato. Do mesmo resulta, pelo contrário, que o “arrendatário declara que o locado e as suas dependências se encontram em perfeito estado de conservação e em condições de funcionalidade para o fim a que se destina”. Assim, não só do teor do contrato não resulta qualquer obrigação de reparação para os Réus (confirmando o depoimento deste), como resulta que o Autor aceitou o locado nas precisas condições em que o mesmo se encontrava.
Também o teor da cláusula 5º n.º 3, referida no ponto 24 dos factos provados afasta a versão da Autora”.
A recorrente em abono da alteração por si pretendida invocou o depoimento do legal representante da autora, CC do qual reproduziu a parte tida por pertinente.
Da transcrição feita pela própria recorrente se extrai a afirmação de que os problemas existentes na caixilharia já eram então perfeitamente visíveis; que foi pedido um orçamento, mas o R. (Sr. AA) achou muito caro e foi combinado “darmos um ano”.
Da mesma transcrição mais resulta que mais tarde e perante os pedidos formulados pelo depoente, o R. se negou a fazer as obras.
Ainda “Desde sempre disse que não tinha nada a ver com isso, que assinei o contrato e que agora a responsabilidade era minha (…)”.
Por outro lado, do depoimento da testemunha DD, igualmente convocado pela recorrente e em parte transcrito, nada consta sobre o acordado entre as partes quanto a este conspecto.
O mesmo se diz do depoimento da testemunha AA, na parte tida por pertinente também transcrito pela recorrente.
Nada do mesmo consta quanto ao acordado entre as partes.
Acresce, reconhecer a recorrente (nas suas alegações) que no contrato reconheceu aceitar o estado em que se encontrava o locado e proceder às obras de conservação ordinária.
Após defendendo que em causa – na al. h) - não estão obras de conservação ordinária, mas antes extraordinárias.
Sendo como tal obrigação do senhorio.
A qualificação das obras em questão como ordinárias ou extraordinárias é questão de direito a ser oportunamente apreciada.
Para a impugnação do decidido quanto a este ponto factual, relevava apurar qual foi o acordo estabelecido entre A. e R. para a outorga do contrato.
E perante o exposto, no confronto com o teor da cláusula reproduzida no ponto 24 dos factos provados e o demais constante da fundamentação da decisão de facto que não vem impugnado, nomeadamente quanto às declarações do R. que o negou, resta concluir que o recorrente não invocou prova cabal a demonstrar o erro de julgamento quanto ao assim decidido na redação dada a este ponto factual h).
Importa não esquecer que as declarações de parte são um meio probatório sujeito à livre apreciação pelo tribunal, a valorar de forma conjunta com toda a demais prova produzida, de acordo com regras de probabilidade lógica, segundo as regras da experiência.
Atendendo à análise conjugada da prova produzida e analisada pelo tribunal a quo e cuja fundamentação já deixámos reproduzida e ponderada a prova concreta invocada pelo recorrente, resulta não demonstrado merecer a resposta dada à al. h) dos factos não provados outra redação.
Concluindo, a redação deste ponto factual h) é de se manter.
A manutenção da redação dada ao ponto h) dos factos não provados, implica pelos motivos que infra melhor resultarão justificados, ser inútil a reapreciação dos demais pontos factuais que vêm impugnados. Pelo que se rejeita a sua reapreciação.
A ora recorrente interpôs a presente ação contra os aqui RR., no âmbito de uma relação locatícia entre os mesmos estabelecida – contrato de arrendamento para instalação e exploração de serviços de alojamento local (vide fp 3).
Relação locatícia ao abrigo da qual e invocando incumprimento imputável aos RR. – por não realização de obras – formula, contra os mesmos, pedido indemnizatório.
Nos termos do artigo 1067º do CC, o contrato de arrendamento pode ter fim habitacional (regulado nos artigos 1092º a 1107º do CC) ou não habitacional (regulado nos artigos 1108º a 1113º do CC).
No arrendamento habitacional/uso residencial do arrendado se incluindo, salvo cláusula em contrário, o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada (vide artigo 1092º do CC);
Remetendo-se para o arrendamento para fim não habitacional, todas as demais finalidades de arrendamentos que a liberdade contratual permite, entre os quais os arrendamentos para o exercício de profissão liberal, para fins comerciais, ou como é o caso, o arrendamento para instalação e exploração de alojamento comercial entre outros, bem como os arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais (vide artigo 1108º do CC).
Assente que em causa esteve um arrendamento para fim não habitacional, são-lhe aplicáveis as regras especiais previstas nos artigos 1108º a 1113º do CC, como já referido.
Destas se destaca o previsto no artigo 1111º do CC, de acordo com o qual:
“1 - As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.
2 - Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.”
São obras de conservação ordinária aquelas que de um modo geral se destinam a manter o prédio nas condições requeridas pela sua preservação[2] e assim destinadas a manter o prédio apto a cumprir o fim previsto no contrato e existentes à data da sua celebração.
E obras extraordinárias, nomeadamente, as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior.
Tendo presente estes conceitos, no confronto com as obras que a recorrente invoca serem necessárias realizar, é de concluir que todas elas se integram na categoria de obras de conservação ordinária.
Seja as relacionadas com a reparação / manutenção da caixilharia (vide fp 6, 7 e 17). Seja as relacionadas com a rutura de um tubo de abastecimento de água à caldeira (vide fp 12).
Ora, ao abrigo da liberdade contratual reconhecida às partes e concretamente encontrando abrigo no previsto no citado artigo 1111º, vem provado e não impugnado e aliás sustentado em prova documental junta pelos próprios autores (vide contrato de arrendamento entre as partes celebrado e junto com a p.i.) que:
(facto provado 24):
«Ficou acordado entre as partes que “constitui encargo da arrendatária a realização das obras de conservação ordinária do locado, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, bem como todas as necessárias a adaptar o locado ao alojamento local “hostel” pretendido, incluindo, nomeadamente, as reparações, limpezas, substituições de materiais e manutenção das instalações de água, luz, esgotos, climatização e comunicações e a perfeita manutenção das paredes, tetos, pavimentos, portas, fechaduras, vidros e encanamentos”.»
A que acresce, vir igualmente provado e não impugnado, que a autora visitou o locado antes da formalização do contrato, tendo sido possível atestar logo na primeira visita a “existência de humidade e danos nas caixilharias” (vide fp´s 4 e 5).
Danos esses concretizados no ponto 6 dos fp´s:
“Esses danos concretizam-se no descasque da lacagem, com particular incidência pela face exterior, e degradação das vedações perimetral dos vãos envidraçados, o que provoca entrada de água para o interior, quando chove.”
Ou seja, à data da celebração do contrato a A. tomou perfeito conhecimento dos vícios que ora imputa ser a causa originária dos danos por si sofridos por via dos problemas relacionados com as caixilharias.
Tendo então a A. assumido a obrigação de realizar as obras de conservação ordinária do locado requeridas pelo fim do mesmo, especificando ainda as necessárias a adaptar o locado ao alojamento local pretendido, incluindo nomeadamente “reparações, limpezas, substituições de materiais e manutenção das instalações de água, luz, esgotos, climatização e comunicações e a perfeita manutenção das paredes, tetos, pavimentos, portas, fechaduras, vidros e encanamentos”.»
Neste contexto, não há como censurar o decidido pelo tribunal a quo.
Quer porque está afastado o regime do incumprimento contratual, atendendo ao disposto no artigo 1033º al. a) do CC, nos termos do qual o não cumprimento do contrato previsto no artigo anterior por vício da coisa que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinado se não aplica ao caso em que o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa [vide al. a) do artigo 1033º do CC].
Quer por que as partes convencionaram que a realização das obras ordinárias e ainda das demais expressamente previstas e indicadas no ponto 24 dos factos provados seriam da responsabilidade da autora.
Estando em causa a realização de obras de conservação ordinárias a que a recorrente inquilina ficou, nos termos contratuais, obrigada e sendo certo que à data da celebração do contrato os problemas com as caixilharias já se verificavam e a A. de tal se apercebeu, é de concluir que nenhum incumprimento contratual pode ser imputado aos RR. do qual resulte a sua responsabilização pelos danos sofridos pela autora.
Implicando a total improcedência da ação, tal como decidido na sentença recorrida, com a consequente improcedência do recurso interposto.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Porto, 2024-11-11
Fátima Andrade
Ana Olívia Loureiro
Anabela Morais
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[1] Em resposta conjunta com os demais pontos factuais e) a k) não provados.
[2] No Dl 321-B/90 de 15/10 (RAU) [entretanto revogado pela Lei 6/2006 de 27/02] definia-se, no seu artigo 11º obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação – definição que continua a ser ponto de referência - nos seguintes termos:
“2- São obras de conservação ordinária
a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;
b) As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;
c) Em geral, obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração;
3- São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputadas a ações ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano;
4- São obras de beneficiação: todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores”.
Vide ainda na doutrina, Jorge Pinto Furtado in “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, 4ª edição revista e atualizada, em anotação ao artigo 1111º, p. 844.