Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARRENDATÁRIO COMERCIAL DE PARTE DE PRÉDIO NÃO CONSTITUÍDO EM PROPRIEDADE HORIZONTAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Sumário
I - O artigo 1091º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na redação introduzida pela Lei nº 64/2018, de 29 de outubro, não atribui ao arrendatário comercial de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal direito de preferência legal na venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio. II - A intervenção legislativa operada pela Lei n.º 64/2018 inovou apenas no que respeita aos arrendatários habitacionais de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, restringindo-se o âmbito de aplicação dos n.ºs 6 a 9 do artigo 1091º do Código Civil exclusivamente aos arrendamentos habitacionais, conforme decorre do n.º 5 do mesmo preceito. III - O facto de os Réus, proprietários do imóvel arrendado, comunicarem à Autora, arrendatária comercial, o projeto de venda para efeitos de exercício do direito legal de preferência, não é suscetível de fazer constituir na esfera jurídica da Autora um direito de preferência com eficácia real que seja oponível ao terceiro adquirente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
EMP01..., L.da, instaurou a presente ação de processo comum, contra os Réus AA e mulher, BB, CC, DD e mulher, EE, e EMP02..., S.A. formulando os seguintes pedidos:
i) ser declarado o direito de preferência da autora e os réus serem condenados à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência realizada e aceite pela autora, nos seus exatos termos;
ii) que sejam os réus condenados a entregar à autora os suprarreferidos prédios, livre e desocupados, no estado em que se encontravam à data da aquisição;
iii) devem os réus ser condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à taxa diária de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da sentença;
iv) deve ser estipular um prazo para o efeito, nos termos do artigo 777.º do código civil;
v) para cumprimento do artigo 8.º do Código de Registo Predial, sejam cancelados os registos dos factos impugnados em juízo e comprovados pelo registo, nomeadamente: a – a descrição dos prédios com a inscrição ap ...63 de 2023.03.28 aquisição na ficha número ...13 e ...13 e freguesia ... da Conservatória de Registo Predial ..., sendo b – substituídos o sujeito ativo, ora segunda ré, pela preferente autora nesta ação,
vi. no pagamento de uma indemnização em montante a apurar à data do trânsito em julgado, mas nunca inferior a €17.599,28;
ou, se assim não se considerar, devem os réus ser condenados:
vii. no pagamento deuma indemnização em montante a apurar à data do trânsito em julgado, mas nunca inferior a €17.599,28 a título de danos patrimoniais e €1.565.600,00 a título de danos não patrimoniais e em qualquer um dos casos:
vii. no pagamento de juros moratórios vencidos e vincendos.
Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 29 de setembro foi celebrado entre a Autora e os primeiros Réus um contrato de arrendamento não habitacional, que não abrangia a totalidade do prédio inscrito na matriz com o n.º ...83 da freguesia ..., mas a loja comercial com os n.ºs 45 e 46, não estando tal prédio constituído em propriedade horizontal.
Que em 14 de fevereiro de 2023 recebeu dos Réus uma comunicação em que lhe era reconhecido o direito de preferência na venda dos imóveis aí identificados e dos termos do negócio de compra e venda dos mesmos, tendo respondido no sentido de querer exercer o direito de preferência.
Mais alega que posteriormente recebeu dos Réus uma tentativa de retratação da proposta, já depois a ter aceite e de ter outorgado contratos de suprimento e financiamento que lhe permitissem suportar a aquisição e, por carta rececionada no dia 22 de junho de 2023 teve conhecimento da transferência da propriedade dos imóveis para a 2ª Ré.
Alega ainda que a conduta dos 1ºs Réus lhe causou prejuízos.
Regularmente citados, os 1ºs Réus contestaram impugnando os factos alegados pela Autora, mormente o sentido que atribui à comunicação recebida em 14 de fevereiro de 2023 e pediram a condenação daquela como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Regularmente citada, a 2ª Ré excecionou a caducidade do direito do exercício da preferência, impugnou os factos alegados pela Autora e deduziu pedido reconvencional (para o caso de se entender que a Autora tem direito de preferência), pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe os prejuízos cuja liquidação relega para incidente de liquidação de sentença.
A Autora replicou, aproveitando para responder à matéria de exceção e à invocada litigância de mé fé.
Foi realizada a audiência prévia do CPC, e, nesta, foi dado a conhecer às partes os fundamentos da intenção do Tribunal conhecer de mérito a fim de exercerem o contraditório.
Foi elaborado despacho saneador que, não admitiu o pedido reconvencional, julgou improcedente a exceção de caducidade, e conhecendo de mérito, julgou improcedente a ação e absolveu os Réus do pedido.
Inconformada, a Autora apelou da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“A. O presente recurso é interposto da Sentença-Saneador do Tribunal Judicial da Comarca de Braga de 20.03.2024 que julgou a ação improcedente a ação interposta, absolvendo os Réus de todos pedidos
B. Está em causa a reação da Recorrente a um Juízo, que considera, erróneo por parte dos Réus, que o Tribunal Judicial de Braga reiterou, sobre a natureza do direito de preferência da Autora.
C. Sendo que, do ponto de vista da recorrente, ocorreu um manifesto erro de perceção da anatomia e mecanicidade do artigo 1091.º do Código Civil.
D. A Autora intentou a presente ação declarativa comum pedindo o reconhecimento do seu Direito Legal de Preferência ou, se assim não se considerasse, do seu Direito Convencional de Preferência sobre os prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... com os números ...48 e ...50/..., mediante condenação dos Réus à celebração do negócio projetado e aceite pela Autora; a entregar os prédios no estado em que se encontravam à data da aquisição fixando um prazo para o efeito; uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da sentença e ainda ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, nunca inferior a €17.599,28 (dezassete mil quinhentos e noventa e nove euros).
E. Em alternativa, caso assim não se decidisse, pediram a condenação dos Réus ao pagamento de uma indemnização, por violação da sua legítima expectativa jurídica, em montante nunca inferior a 17.599,28 (dezassete mil quinhentos e noventa e nove euros) a título de danos patrimoniais e €1.565.600,00 (um milhão quinhentos e sessenta e cinco mil e seiscentos euros) a título de danos não patrimoniais, valores a que devem acrescer juros legais contados desde a citação até integral pagamento.
F. A Autora é arrendatária não habitacional, desde ../../2005 de parte de imóvel, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho ... com o número ...83; nesse seguimento, no dia 14.02.2023 recebeu uma comunicação (mediante carta registada com aviso de receção), por parte dos Primeiros Réus, para exercer preferência na venda dos imóveis descritos na Conservatória Predial ..., com os números ...48 e ...50/... e inscritos na matriz predial urbana, da União de Freguesias ..., ... e ... (... e ...), com os números 587 e 893, nos termos do já o clausulado negócio – cujas condições que expuseram de forma completa.
G. Por carta datada de 16.02.2023 a Autora procurou obter informações adicionais sobre o estado dos prédios, nomeadamente sobre os demais contratos de arrendamento existentes, missiva que não mereceu qualquer resposta. No dia 03.03.2023 a Autora exerceu direito de preferência. No mesmo dia, 03.03.2023, os Primeiros Réus remeteram uma missiva com tentativa de retratação da sua comunicação de 14.02.2023. O teor da missiva dos Primeiros Réus apenas chegou ao conhecimento dos sócios-gerentes da Autora após o exercício do direito de preferência, altura em que a Autora já havia incorrido em custos com vista a viabilizar a aquisição.
H. Posteriormente ainda trocadas cartas com as datas de 10.03.2023 (remetida pela Autora aos Primeiros Réus); 20.03.2023 (pelos Primeiros Réus à Autora) e 23.03.2023 (endereça pela Autora à Segunda Ré) onde as partes mantiveram as posições anteriormente explanadas.
I. No dia 23.03.2023, foi realizada a expensas da Autora, uma Notificação Extrajudicial dos Primeiros Réus “(…) para cumprirem a comunicação de preferência por si realizada (…).”. No dia agendado para celebração da Escritura os Primeiros Réus não compareceram. Por carta rececionada no dia 22 de junho de 2023 tomou a Autora conhecimento da alteração de propriedade dos imóveis para o promitente vendedor, nos termos expostos na missiva de preferência.
J. No dia apontado para a realização da Escritura Definitiva dispunha a recorrente, na sua conta à ordem, de um valor aproximado de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros),.
K. Incorreu em inúmeras despesas para viabilizar a dita aquisição.
L. Considera a recorrente que a missiva dos Primeiros Rèus, de 14.02.2023, se trata de uma verdadeira declaração negocial, irrevogável e irretratável que gerou, na sua esfera jurídica, expectativas legalmente tuteladas.
M. A sentença elenca, como pontos A) a S) a matéria de facto com relevo para a boa decisão da causa. Entre os pontos supramencionados os elencados como E), F), G), H), I), J), K), L), M) são referentes às comunicações escritas trocadas entre as partes.
N. Refere a douta sentença que não resulta claro se está invocado um direito legal de preferência ou um pacto de preferência, no entanto, em nenhum momento foi a Autora notificada, pelo Tribunal, para esclarecer este ponto, não tendo recebido qualquer convite ao aperfeiçoamento do seu articulado. Resulta claro das contestações dos Réus, e das suas impugnações assertivas, que o intuito da Petição Inicial é inequívoco. Acresce que, possibilitada de exercer o contraditório, a Autora esclareceu devidamente esta questão.
O. Não se entende que a douta sentença não tenha respondido ou abordado a temática da existência, ou não, do direito legal de preferência, de forma a possibilitar à Autora entender o processo lógico e racional que conduziu à formação da convicção do julgador relativamente aos factos que considerou provados ou não provados quanto a esta matéria.
P. A reflexão feita pelo tribunal da missiva remetida pela Autora, no dia 16.02.2023, e perante a carência de qualquer tipo de produção de prova adicional, nomeadamente testemunhal, ficou muito aquém da real intenção da comunicação mencionada. A intenção por trás da dita carta registada, como note-se foi realçado no contraditório da Autora, relaciona-se com o artigo 1091.º, número 9 do Código Civil. A resposta dos Primeiros Réus, no dia 20.03.2023 foi no sentido de confirmar que, efetivamente, outros arrendatários teriam exercido preferência, sonegando toda a restante informação solicitada.
Q. Esta temática não é abordada pela sentença ora recorrida, tendo sido, pura e simplesmente, ignorada, no entanto, as questões submetidas pelas partes têm de ser abordas e resolvidas pelo Tribunal.
R. É nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – sublinhado nosso.
S. Reduzir o direito legal de preferência à menção da inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091.º, não se pronunciando sobre a alegação da Autora de que se trata de uma venda de bens conjuntamente com outros e, ainda, que apesar de o prédio não se encontrar constituído em propriedade horizontal, outros arrendatários estariam interessados em coadquirir a propriedade, chegando ao ponto de decidir a questão em saneador, omitindo completamente a produção de prova, resulta, inequivocamente, numa omissão de pronúncia por parte do Tribunal, que se invoca
T. Não é secundária ou desnecessária a discussão sobre a natureza da declaração para preferir.
Os seus efeitos jurídicos não podem ser relegados por uma declaração de erro na formação da vontade dos Primeiros Réus por parte do tribunal.
U. Tal conclusão excede, sem dúvida alguma, aquilo que é arguido pelos Réus.
V. Em ponto nenhum do seu articulado alegam os Primeiros Réus um erro-vício na formação da vontade. Muito menos requerem que sejam anulados os efeitos jurídicos da sua missiva de 14.02.2023 por esse motivo. Acresce que não tinha a Autora forma de saber, conhecer, ou não ignorar, a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre qual incidiu o erro.
W. Por outro lado, desconsiderar o pedido de indemnização da Autora com tal fundamento, que não foi invocado pelos Réus na sua contestação excede, sem dúvida alguma, os limites do estatuído no artigo 608.º do CPC. Pelo que se invoca excesso de pronúncia, para os devidos efeitos legais e de direito.
X. O ponto F da matéria de facto é relativo à missiva da Autora, datada de 16.02.2023. cuja intenção passa por questionar quais os arrendamentos existentes nos prédios, menção que o Tribunal não considerou.
Y. O ponto L é relativo à resposta dos Primeiros Réus, datada de 20.03.2023. Resulta claro, que foi, também, completamente ignorada pelo Tribunal a menção, feita pelos Primeiros Réus, relativa aos restantes arrendatários e ao Direito de Preferência.
Z. Da leitura da sentença verifica-se ainda que a interpretação dada à missiva da Autora de 16.02.2023 é completamente aversa à real intenção da mesma, resultando num claro erro de julgamento.
AA. Consta também da matéria de facto a troca de correspondência entre a Autora e os Primeiros Réus, de 03.03.2023, onde a Autora exerceu o direito de preferência e os Primeiros Réus tentaram retratar a sua proposta de 14 de fevereiro. Confrontada com esta prova documental a Sentença limitou-se a avaliar a hora de entrega das missivas, registada pelos Correios ..., para alcançar as conclusões que bem entendeu. No entanto, a Autora, nas pessoas dos seus sócios-gerentes, pois é obrigada pela assinatura de dois e não apenas um, exerceu o direito de preferência antes de tomar conhecimento do teor da missiva dos Primeiros Réus. Não poderia, no entender da recorrente, o Tribunal imputar a um texto, que, como tal, é subjetivo, o entendimento que, livremente, optou por dali retirar, não se socorrendo de qualquer tipo de produção de prova adicional para verificação da sua convicção.
BB. Para além do supra descrito, parece-nos que o Tribunal terá ainda ocorrido em erro de julgamento quando não avaliou a relevância das informações solicitadas pela Autora na missiva de 16.02.2023 especialmente porque os Réus acabaram por reconhecer, no dia 20.03.2023, que outros arrendatários teriam tentado exercer preferência.
CC. Estamos perante uma clara distorção da realidade factual (error facti) que consubstancia, necessariamente, um erro de julgamento (error in judiciando). Erro este que “(…) afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco (…)”. O que se invoca para todos os efeitos de direito.
DD.A atribuição de preferência ao arrendatário não habitacional prima pelo interesse social das atividades prosseguidas no locado, as quais necessitam de estabilidade e continuidade da explicação comercial no prédio arrendado, tutelando, além do interesse do arrendatário, outros interesses, como a preservação dos postos de trabalho, das situações de facto com valor económico (entenda-se clientes e utentes dos estabelecimentos) e das atividades ali realizadas. O direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente protegido, dá lugar à proteção da atividade produtiva ou comercial.
EE. O direito de preferência existe, inequivocamente, em caso de fração integrante em prédio constituído em propriedade horizontal.
FF. A redação atual do artigo 1091.º do Código Civil é a dada pela Lei 64/2018 de 29.10 que realizou as alterações de redação necessárias em sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional do ano de 2016 (Acórdão 583/2016). Posteriormente o Acórdão 299/2020 de 18 de setembro (Processo 984/2018) declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091.º alegando “Com efeito, no caso de alienação de prédio não constituído em propriedade horizontal que esteja parcialmente arrendado, o objeto da venda deixa de ser a totalidade do imóvel arrendado para passar a ser uma quota-parte do mesmo. Assim, a alteração do objeto da venda, imposta pela norma da alínea a) do n.º 8 do artigo 1091.º, implica que o arrendatário não pode adquirir através da preferência a propriedade do local arrendado, mas apenas uma parte alíquota do imóvel. Diferentemente do que ocorre na preferência do arrendatário de fração autónoma, em que se adquire a propriedade plena do local arrendado, na preferência do arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal constitui-se uma compropriedade sobre o imóvel. Em rigor, o alcance do direito de preferência previsto naquela norma não é o de conferir ao arrendatário um meio para aceder, de imediato, à propriedade plena do local arrendado, mas apenas a atribuição ao arrendatário habitacional de um direito à constituição de compropriedade sobre o imóvel. (…) A preferência traduz-se sempre numa prioridade atribuída ao titular do respetivo direito na celebração de determinado contrato.
Mas a generalidade da doutrina defende que o direito de preferência só pode ser exercido se o preferente se dispuser a igualar as condições propostas por terceiro. Como refere Agostinho Cardoso Guedes, «apesar do aparente silêncio da lei, a “paridade de condições” é, de facto, um elemento essencial da preferência tal como esta resulta dos art.ºs 414.º e seguintes do Código Civil. A razão pela qual o legislador omitiu a referência à locução “em igualdade de condições” foi, muito simplesmente, por entender desnecessária face à nossa tradição jurídica e à unanimidade da doutrina a esse respeito – face a um tão grande consenso, mencionar o uso da expressão “em igualdade de condições” seria até pleonástico» (ob. cit., pág. 99).” – sublinhado nosso.
GG.Acresce que este entendimento e consequência jurídica relativa ao número 8 do artigo 1091.º não se estende ao número 9 do mesmo artigo
HH.Deste normativo resultam várias circunstâncias de relevo ao caso concreto: o senhorio de um prédio não sujeito ao regime de propriedade horizontal mantém-se, no plano teórico, obrigado à preferência, pois assim é classificado pela letra da lei; os arrendatários do prédio não sujeito ao regime de propriedade horizontal podem, no plano teórico, exercer direito de preferência; o escopo do entendimento jurisprudencial maioritário sendo impedir a alienação amputada do prédio é completamente ultrapassado perante uma venda única, una e incindível, ou quando seja adquirida a totalidade do prédio, pelos vários arrendatários, em regime de compropriedade; não existe qualquer decisão por parte de tribunais superiores a afastar a aplicação deste normativo.
II. Quando os Réus e o Tribunal afirmam, sem mais, que a Autora não tem direito de preferência legal pelo prédio não se encontrar constituído em propriedade horizontal, com base, única e exclusivamente nesse fundamento, citando um normativo que, até, nunca teria aplicabilidade ao caso concreto, por ser relativo ao arrendamento habitacional, afastam-se, no entender da Autora, da lógica e do objetivo subjacente a tal decisão, que passa por fazer uma ponderação graduada dos direitos constitucionalmente consagrados dos cidadãos, no caso, senhorio e arrendatário(s).
JJ. Ora sucede que os Primeiros Réus pretenderam alienar por um preço global, uma coisa juntamente com a que seria objeto de preferência, opondo-se à separação das coisas, alegando prejuízo apreciável. Desta conduta resultou, desde logo, uma proteção cabal do seu direito à propriedade. A lei considera, no artigo 417.º do Código Civil, a hipótese formulada. Assim, o ponto central da Petição Inicial é o entendimento que, ao elaborarem a comunicação nos termos citados os Primeiros Réus emitiram uma declaração negocial reptícia e irrevogável que a Autora aceitou, sem mais.
KK. “Como o direito de preferência é exercido antes da ação de divisão de coisa comum ou de constituição de propriedade horizontal, em cujo título se especificaria o mencionado valor, pelo menos em termos de permilagem, conviria, porventura, esclarecer os critérios de determinação desse valor, matéria que desapareceu do texto normativo no decurso do processo legislativo. E não se diga que o nº 6 do artigo 1091 resolve essa questão, pois respeita à venda de todo o imóvel em conjunto com outros. Esse esclarecimento pouparia eventuais efeitos negativos em termos de litigiosidade judicial.
LL. Está assim em questão um Direito de Preferência, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do artigo 1091.º, números 1 e 6 e do artigo 417.º do Código Civil, o que desde já se invoca para todos os efeitos de direito.
MM. Antes de se esvaziar o Direito de Preferência, uma segunda ponderação deve ser efetuada: é invocada pela Autora o incumprimento, por parte dos Primeiros Réus, do artigo 1091.º, número 9 do Código Civil.
NN.A lei 64/2018 de 29 de Outubro veio dar nova redação ao artigo 1091.º do Código Civil e criou um regime especial de preferência no contrato de arrendamento, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, através do aditamento dos novos números 8 e 9. Este regime teria como objetivo principal a proteção do arrendatário de unidade física individualizada, mas não constituída em propriedade horizontal, contra inconvenientes resultantes da alienação da totalidade do prédio.
OO.A Recorrente solicitou expressamente informações aos Primeiros Réus sobre existência, ou não, de mais arrendamentos pendentes nos imóveis e dados dos arrendatários.
PP. Muito mal agiram os Primeiros Réus, com uma conduta passível de reprimendas no momento em sonegaram à Autora as informações, expressamente reconhecendo que os restantes arrendatários manifestaram direito na preferência, impedindo-os de recorrer ao expediente previsto artigo 1091.º, número 9, que se discute.
QQ.A Recorrente considera necessário e determinante ponderar a natureza da declaração para preferir, que se insere no âmbito do artigo 416.º, número do Código Civil, como verdadeira proposta de contrato. Aliás, conforme admite a douta sentença, trata-se de uma declaração receptícia, sendo eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário.
RR. A douta sentença exclui a relevância dos efeitos jurídicos desta declaração com base em dois argumentos: a inexistência, no plano teórico, do direito de preferência da Autora e um segundo, erro na formação da vontade dos primeiros réus.
SS. Se opta o Tribunal por considerar que a missiva dos Primeiros Réus, datada de 14.02.2023 não é uma declaração negocial, não faz qualquer sentido mencionar o dito o erro na formação da vontade pois este pressupõe a existência de um negócio jurídico, nomeadamente até, de um pacto de preferência.
TT. A cominação prevista no Código Civil para tal erro-vício é a anulabilidade.
UU.Anulabilidade que não foi alegada, peticionada ou autonomizada pelos Primeiros Réus na sua contestação, o que, naturalmente, teria de acontecer, pois não se trata de matéria de conhecimento oficioso.
VV. Um erro na formação da vontade, em si mesmo, não implica, de forma automática, a anulabilidade do negócio, mas fica dependente de este ser considerado essencial; próprio e da sua escusabilidade, no sentido de que o erro relevante não tem, necessariamente de ser culposo para permitir a anulabilidade do negócio. Sem prejuízo, Deve, todavia, entender-se, que, no caso de erro culposo, os interesses da outra parte, não obstante a anulação, não são desprotegidos, pois, com fundamento no artigo 227.º (culpa na formação dos contratos), o errante, admitido a invocar a anulabilidade, incorrerá em responsabilidade pré-negocial, devendo indemnizar o chamado interesse contratual negativo.”
WW. Portanto, existindo o dito erro, o que não se concede, o mesmo teria de ser alegado e a anulabilidade do negócio expressamente requerida, o que não foi. Sem prejuízo, mesmo que assim não se considere, tratando-se de uma declaração negocial que produziu efeitos jurídicos na esfera da Autora, independentemente ou não de culpa, sempre se teria de avaliar os danos por culpa in contrahendo e interesse contratual positivo, como peticionado e nunca, com todo o respeito, conforme fez a douta sentença, declarar, sem mais, que tal declaração negocial, por fundada em erro e posteriormente retratada, deveria ser considerada inexistente quanto aos seus efeitos jurídicos relativamente à Autora.
XX. “O negócio anulável é, em princípio, apesar do vício, tratado como válido. Se não for anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade, passa a ser definitivamente válido. (…) São as seguintes as características das anulabilidades: a) Têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade. Não podem ser declaradas ex officio pelo juiz. Exigem uma ação especialmente determinada a esse efeito, ressalvada a possibilidade da sua arguição por via de exceção, isto é, a possibilidade de as pessoas legitimadas se defenderem, arguindo a anulabilidade de qualquer negócio jurídico que contra elas seja invocado (artigo 287º.); b) Só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por qualquer interessado. Resulta do artigo 287.º,nº 1que só têm legitimidade para arguira anulabilidade os titulares do interesse para cuja específica tutela a lei a estabeleceu. (…); c) São sanáveis pelo decurso do tempo. O novo Código estabelece o prazo de um ano para a arguição das anulabilidades”
YY. Não merece qualquer acolhimento, a teoria de que a Autora deveria aceitar, sem mais, após a receção de uma missiva que lhe concedeu preferência, a retratação dos Réus e, consequentemente, conforme julgou o Tribunal a quo não ter direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que sofreu nessa sequência.
ZZ. A Autora defende, subsidiariamente, que a missiva dos Primeiros Réus datada de 14.02.2023, independentemente ou não de se considerar que existe Direito Legal de Preferência, o que não se concede, produziu efeitos na sua esfera jurídica, enquanto terceiro de boa-fé.
AAA. Os Autores receberam uma comunicação por parte dos Primeiros Réus concedendo prazo para o exercício de direito de preferência (30 dias) à venda ali comunicada. Optaram por preferir na aquisição. Posteriormente à emissão da primeira declaração os Primeiros Réus trataram de retratar a proposta invocando desconhecimento da lei.
BBB. É entendimento do Tribunal que a Autora deveria ter entendido que os Primeiros Réus se teriam “enganado” e abandonar a intenção de adquirir, chegando até a considerar que se a Autora incorreu em custos “foi porque quis”. A recorrente não concorda com esta interpretação.
CCC. Releva antes saber como a dita comunicação foi recebida pela Autora, como foi interpretada e como poderá ter sido valorada apontado o critério do homem médio, o que não é possível mediante a simples leitura da correspondência trocada. Assim, ante a impossibilidade de produção de prova adicional, resulta que a Autora defende ter-se convencido da validade e plenitude da proposta negocial que lhe foi apresentada, tendo, em tempo, exercido a preferência, com as legais consequências. E o seu convencimento foi tal que se onerou com despesas, pagamentos de emolumentos e juros a fim de suportar o pagamento do preço solicitado.
DDD. A carta dos Primeiros Réus é assim uma verdadeira declaração negocial. “Pode definir-se a declaração de vontade negocial como o comportamento, que exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois, a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes. Dá-se assim um conceito objetivista de declaração negocial, fazendo-se consistir a sua nota essencial, não num elemento interior – uma vontade real, efectiva, psicológica – mas num elemento exterior – o comportamento declarativo”. – realce nosso. Daí que o Professor Doutor Manuel de Andrade, falando ainda de declaração de vontade, esclarecesse que nada mais era necessário do que uma aparência de vontade.
EEE. No caso sub iudice a Autora, subsidiariamente e sem prescindir, invoca uma preferência de fonte convencional e sem eficácia real, inserida numa carta registada com aviso de receção, remetida pelos Primeiros Réus. A dita carta “(…) representa a formalização do pacto de preferência e a data em que a ré se considera vinculada ao cumprimento do mesmo. A doutrina tem entendido que a exigência legal de que o pacto de preferência conste de documento escrito e assinado pela parte que se vincula pode resultar de uma troca de cartas, estando estas assinadas pelos respetivos interessados e que a unidade jurídica do contrato não tem de corresponder, necessariamente, a unidade documental. A jurisprudência defendeu, também, a posição, segundo a qual a troca de correspondência entre as partes implica a validade formal do contrato.(…) É assim perfeitamente compatível com a lei que a observância da forma legal se possa considerar satisfeita através de documentos que se sucedem no tempo, tanto mais que os contratos se celebram muitas vezes entre sujeitos que se situam em lugares distantes e que formalizam e assinam as declarações negociais em momentos temporais também distintos ” – vide acórdãos do STJ de 11.02.2014; de 28.01.2014; 15.03.2012 e 28.06.2011. Sobre este tema ainda o Acórdão do STJ, de 09.04.2019, com o Relator Alexandre Reis “I - A comunicação prevista no artigo 416.º do CC que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato, correspondente a projeto de venda que o obrigado à preferência submete à aceitação daquele.(…) III –No caso, como as aludidas comunicação e resposta foram contidas em documentos assinados que não preencheram os especiais requisitos formais previstos no artigo 875.º do CC, de que a celebração do contrato dependeria (por se tratar de um imóvel), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. Artigo 410.º, nº 2, do CC) com as respetivas consequências, entre as quais a possibilidade de a preferente obter decisão judicial que produza os efeitos da declaração negocial da vinculada à prelação”.
FFF.Seguindo o raciocínio lógico plasmado no citado Acórdão de 09.04.2019 a questão central, quanto a este ponto, passa por averiguar o efeito jurídico da receção da comunicação feita pelos Primeiros Réus da sua intenção de venda do imóvel –contendo os elementos essenciais do projetado negócio e necessários à decisão do titular do direito – e da consequente receção pelo segundo da comunicação pelo primeiro da sua vontade de exercer tal direito.
O entendimento maioritário do STJ vai no sentido de considerar (ac. 19.10.2010) “A comunicação que alude o artigo 416.º do CC desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato. A irrevogabilidade da proposta nos termos do artigo 230.º do CC não exclui o reconhecimento da sua invalidade, tal como sucede com qualquer outra declaração negocial, invocando-se e demonstrando-se vício da vontade” – sublinhado nosso. Porém, no caso em apreço, como as aludidas comunicação e resposta foram contidas em documentos que, embora assinados, não preencheram os especiais requisitos formais, considerando-se que não existe Direito Legal de Preferência, o que não se concede, deve entender-se que se concluiu um pacto de preferência, com as respetivas consequências, entre as quais “(…) a possibilidade de a Autora obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa”.
GGG. Sendo que os Primeiros Réus enviaram uma comunicação de preferência à Autora criando, na sua esfera jurídica, a justa expectativa de celebração do negócio assim indicado, os danos que o lesado, a Autora, não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária, são passíveis de ressarcimento.
HHH. Os Primeiros Réus incumpriram nas suas obrigações legais, em violação dos deveres de boa-fé e lealdade, pois sonegaram informações à Autora.
III. A Autora exerceu direito de preferência ANTES de ter tomado conhecimento da tentativa de retratação por parte dos Primeiros Réus e não depois. Mas mesmo que assim não fosse, reconhecendo-se a existência do Direito Legal de Preferência, a declaração negocial de 14.02.2023 seria irrevogável e irretratável; não se reconhecendo o Direito Legal de Preferência, sempre se teria de considerar a declaração, quando muito, anulável por erro na formação da vontade (o que não foi atempadamente requerido), erro este que, independentemente de culpa, sempre geraria obrigação de ressarcimento dos danos sofridos pela contraparte.
JJJ. As datas apostas no contrato de crédito e nos contratos de suprimentos não podem ser avaliadas conforme foi feito pela douta Sentença. Quando é necessário, a uma empresa, socorrer-se de um financiamento, determinados pró-formas são exigidos pelas instituições bancárias. É necessária uma análise da capacidade económica, de esforço financeiro, são negociadas as taxas, é aprovada a proposta… e só após é, finalmente, celebrado o contrato.
Um contrato de financiamento assinado em 23.03.2023 decorre, necessariamente, de um processo iniciado bem antes, cujos emolumentos já foram pagos. O mesmo se passando com os contratos de suprimento. Existe todo um formalismo a realizar antes da outorga do contrato propriamente dito, nomeadamente reuniões de sócios, análise da sua disponibilidade financeira, carga de suprimento a suportar por cada um dentro da sua, individual, capacidade económica e resgatar fundos investidos a prazo (muitas vezes bloqueados e com prazos para disponibilização).
KKK. De forma preparatória a recorrente incorreu em custos. E nunca poderia o Tribunal, sem mais, meramente com base nas datas apostas nos documentos, que a Autora anexou aos autos com toda a transparência e boa-fé, chegar às conclusões que chegou. Pelo menos não sem antes haver auscultado prova testemunhal.
LLL.Adicionalmente coloca-se também a questão da indemnização, por culpa in contrahendo, dos danos integrantes do interesse contratual positivo quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, falta apenas a formalização do contrato. Neste “(…)caso existe um verdadeiro dever de conclusão cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.10.2010.
MMM. O dever geral de boa-fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de atuação nomeadamente, entre outros, de informação, clareza e lealdade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra factos relevantes à decisão e viabilidade da contratação e, outrossim, esclarecendo a contraparte do que efetivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa. Conforme já devidamente recordado, os Primeiros Réus não lograram responder à missiva da Autora com pedido de esclarecimentos sobre os prédios e restantes arrendatários, bem sabendo que também estes faziam intenção de exercer direito de preferência na aquisição dos imóveis. Esta atuação, passando mesmo por recordar a Autora da “pouca” renda que tem vindo a pagar, tem o propósito claro de manipular o processo de aquisição por forma a garantir que a compradora final seria a 2ª Ré. Conduta que, aliás, nem se entende… tendo em consideração que o valor da aquisição seria o mesmo, recebê-lo da Autora ou da 2ª Ré deveria ser, à partida, indiferente para os Primeiros Réus. No entanto, este comportamento marcadamente estranho, após um envio voluntário de uma comunicação de preferência – que criou expectativas negociais na Autora, relativamente à celebração do negócio proposto, que depois não foram cumpridas – que passa pela omissão de informações essenciais expressamente solicitadas tem, necessariamente, relevo jurídico para efeitos de ressarcimento por danos causados. Portanto, o interesse protegido é a boa-fé de quem espera a conclusão do negócio, sendo que aquele que induz a confiança terá de ser responsabilizado se a trai.
NNN. São pressupostos, devidamente alegados da Petição Inicial, para a responsabilidade civil dos Réus, as seguintes: Criação de uma razoável confiança na conclusão de um contrato; O carácter injustificado da rutura das conversações ou negociações; A produção de dano no património de uma das partes. Tendo a comunicação realizada induzido a Autora na expectativa e confiança de realização do negócio comunicado ou pelo menos, a realização de licitações que lhe permitissem dirimir a aquisição com os restantes arrendatário e/ou aquisição em regime de compropriedade, a rutura do iter negocial e a recusa da celebração do negócio, faz incorrer os Primeiros Réus em responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
OOO. Ou, caso não lhe seja reconhecida a preferência, tem a Autora direito a ser indemnizada pela violação do seu interesse contratual, pela frustração do benefício que lhe traria a execução efetiva do contrato. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2010.
PPP. No seguimento daquilo que é defendido pelo Professor Doutor João de Matos Antunes Varela, na sua obra “Das Obrigações em Geral” a presente ação foi intentada contra os alienantes, bem como contra a adquirente dos prédios sobre os quais a Autora exerceu preferência. A procedência da ação de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pela Autora com efeito retroativo, no contrato celebrado, tudo se passando, em princípio, como se o contrato tivesse sido realizado, ab initio entre o alienante e o preferente.”
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso.
Os 1ºs Réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
A 2ª Ré veio interpor recurso subordinado, apenas para o caso de vir a ser revogada a sentença recorrida, na parte respeitante à não admissão do pedido reconvencional, para o que apresentou as seguintes conclusões:
“1.Antes de mais refira-se que não merece a mínima censura a douta decisão que julgou a ação improcedente e absolveu os Réus do pedido, decisão esta de uma clareza e lógica cristalinas, que, como tal, deverá ser integralmente mantida.
2.Contudo, e caso venha a ser revogada a decisão que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a R. EMP02... do pedido, tem esta interesse em que também seja revogada a decisão que não admitiu o pedido reconvencional e substituída por outra que o admita e ordene o seu conhecimento.
3.A Autora instaurou a presente ação, designadamente contra a ora Recorrente, pedindo logo em primeiro lugar que fosse “declarado o direito de preferência da autora e os réus serem condenados à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência realizada e aceite pela autora, nos seus exatos termos,”.
4.O exercício do direito de preferência confere ao seu titular o direito de haver para si o bem alienado, que exerce contra ambas as partes contratantes (o vendedor e o comprador), sendo certo, no entanto, em termos práticos, que o que o pretenso preferente pretende é que a coisa vendida lhe seja entregue pelo seu atual possuidor, porquanto seria consigo que o negócio deveria ter sido efetuado, pois deveria ter sido ele o legítimo comprador, por se encontrar numa situação privilegiada relativamente à coisa alienada.
5.Efectivamente, estamos aqui perante um pedido de entrega de coisa alienada, dirigido contra o comprador (a ora Recorrente) que está na sua posse, o qual para fazer a sua entrega ao respetivo titular, tem o direito de ser ressarcido das despesas tidas com a sua aquisição, bem como ao reembolso das benfeitorias que haja feito na mesma, o que pode fazer legalmente, por via reconvencional.
6.Na verdade, nos termos do art.º 266º do CPC, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, sendo a Reconvenção admissível, entre outras situações, quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (nº2, alínea b).
7.A reconvenção pode ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente (neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade: “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa: “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida: “Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158; e, na jurisprudência, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, de 05-07-2011, de 21-11-2019, e de 13-10-2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
8.No caso dos autos, estamos precisamente perante um pedido subsidiário autónomo formulado pela R. EMP02... contra a A. EMP01..., Ldª por via Reconvencional.
9.Com efeito, vista a petição inicial, os primeiros pedidos deduzidos pela A. são precisamente “SER DECLARADO O DIREITO DE PREFERÊNCIA DA AUTORA E OS RÉUS SER CONDENADOS À CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO PROJECTADO NA COMUNICAÇÃO À PREFERÊNCIA REALIZADA E ACEITE PELA A., NOS SEUS EXACTOS TERMOS; E II) QUE SEJAM OS RR CONDENADOS A ENTREGAR À AA OS SUPRA REFERIDOS PRÉDIOS, LIVRE E DESOCUPADOS, NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRAVAM À DATA DA AQUISIÇÃO.
10. Em resposta a este pedido veio a ora recorrente deduzir pedido reconvencional subsidiário contra a A., para o caso da ação de preferência, formulando o seguinte pedido:
“II) Ou, a entender-se assistir à A. o direito de preferência invocado (o que só em termos de hipótese se admite), deve o pedido reconvencional na parte a este respeitantes ser julgado procedente, por provado, e, todo o restante pedido reconvencional sempre julgado procedente, condenando-se a A: a ressarcir a 4ª Ré nos prejuízos causados, cuja liquidação se relega para execução de sentença,com todas as demais consequências legais.”.
11. Em termos processuais, sendo solicitado pela A. à Ré aqui Recorrente, no exercício do seu pretenso direito legal de preferência, a devolução das coisas vendidas –, a R., nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 266º nº 2, alínea b) do CPC, tem o direito de exercer contra a A., por via Reconvencional, o seu direito a benfeitorias, assim como têm o direito de obter daquela o pagamento das despesas relativas às coisas cuja entrega lhe é pedida.
12. A este respeito, cfr. o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 7 de Junho de 2023, Proc. nº 2216/22.0T8VRL-A.G1, Rel. Desemb. Maria Amália Santos, in www.dgsi.pt, o qual, com a devida vénia, aqui seguimos de perto.
13. Pelo que, para o caso de ser dada razão à A. no recurso principal, então deverá ser revogada a decisão na parte em que julgou inadmissível o pedido reconvencional deduzido pela ora Recorrente, o que se requer.
14. A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, o artº 266º do CPC”.
Pugna a Recorrente pela revogação da sentença recorrida no que concerne ao pedido reconvencional, o qual deverá ser julgado admissível, em caso de procedência do recurso apresentado pela Autora.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades nos seguintes termos: “A Autora/recorrente arguiu nulidades da decisão recorrida, sustentando que houve omissão de pronúncia e excesso de pronúncia. Não vislumbramos na decisão recorrida a omissão apontada nem o conhecimento de questões a que não era lícito ao Tribunal conhecer. Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 641º, n.º 1, do CPC, entendemos que a decisão recorrida não apresenta as apontadas nulidades”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Delimitação do Objeto do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas Recorrentes, são as seguintes:
A) Quanto ao recurso interposto pela Autora a título principal
1 - Saber se a sentença é nula por omissão e excesso de pronúncia;
2 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos F) e L) dos factos provados;
3 - Saber se o arrendatário comercial de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal é titular de direito legal de preferência;
4) - Saber se estamos perante um pacto de preferência;
5) - Saber se a Autora tem, caso não lhe seja reconhecido o direito de preferência, direito a ser indemnizada. B) Quanto ao recurso subordinado interposto pela Ré EMP02..., SA
6) Saber se deve ser admitido o pedido reconvencional.
***
III. Fundamentação
3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância:
A) A Autora é uma sociedade por quotas, com sede em ..., que se dedica à comercialização a retalho de material ótico, auditivo, fotográfico, cinematográfico e de instrumentos de precisão em estabelecimentos especializados (CAE 47782); Outras atividades de saúde humana (CAE 86906) e compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100).
B) No dia ../../2005 foi celebrado, entre a Autora e os primeiros Réus, contrato de arrendamento não habitacional relativamente ao bem imóvel inscrito na matriz predial urbana com o número ...83 da freguesia ....
C) O arrendamento em questão, de natureza não habitacional, a termo certo, não abrangia a totalidade do prédio, não constituído em propriedade horizontal, mas a loja comercial com os números 45 e 46, excluindo-se o quintal, sito na parte traseira, bem como divisões de arrumo anexas.
D) Desde ../../2005 aos dias de hoje, o mencionado contrato vem-se renovando, sucessivamente, no seu termo.
E) No seguimento do contrato de arrendamento assim outorgado recebeu a Autora, no dia 14.02.2023, notificação datada do dia 10 do mesmo mês e ano, realizada pelos primeiros Réus, informando que na qualidade de proprietários dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... com os n.ºs ...48 e ...50 negociaram e acordaram a venda global dos dois prédios, com uma contrapartida global de 1.350.000€, no estado em que se encontram e com os arrendamentos vigentes, a forma de pagamento, a data da realização da escritura de compra e venda e a identificação do comprador, fazendo constar ainda que “(…) Sendo V.Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a Lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar a V. Ex.ª o projeto de venda em conjunto de ambos os prédios como acima referido. Querendo, deverá V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, comunicar o exercício do direito de preferência nas precisas condições acima aludidas. (…)”.
F) Por carta datada de 16 de fevereiro de 2023, endereçada ao Réu AA, a Autora declarou “(…) No que concerne ao exercício do direito legal de preferência vimos, antes de mais, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1091º, n.º 7, e 417º, n.º 1, do Código Civil, requerer, muito respeitosamente, esclarecimentos sobre a existência, ou não, de prejuízo apreciável na eventualidade de tal direito ser exercido apenas em relação à verba por nós arrendada, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído. Da leitura da vossa missiva parece-nos que apenas terá sido invocada a mera contratualização da não redução do negócio. Posteriormente, para ponderação de interesse contratual ao exercício do direito de preferência pela globalidade do negócio, solicitamos, se possível, a V/ Ilustre colaboração, mediante envio de elementos informativos adicionais (…)”.
G) Por carta datada de 1 de março de 2023, responderam os 1ºs Réus à Autora, declarando “Acusa-se a receção da carta que dirigiram, de que cumpre comunicar o seguinte: Melhor esclarecido sobre a existência ou não de direito de preferência de arrendatário, que erradamente a princípio se julgaria existir, verifica-se que tem havido uma definição da jurisprudência no sentido de o arrendatário de apenas uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não ter qualquer direito de preferência na sua transmissão, nem na parte nem no todo. Com efeito, tal é precisamente o caso de V. Ex.ªs. (…) é manifesto que não tem V. Ex.ªs qualquer direito legal de preferência cujo exercício possam reivindicar. (…)”.
H) Esta carta foi colocada pelos Réus no correio no dia 02.03.2023 e recebida pela Autora em 03.03.2023 às 10.58 horas.
I) Por carta datada de 2 de março de 2023 a Autora respondeu aos Réus, comunicando que “(…) vimos para todos os efeitos de direito, nomeadamente os do artigo 1091º do Código Civil, dentro do prazo de 30 dias que nos foi expressamente concedido, por V. Ex.ªs, inequivocamente, exercer o nosso direito de preferência, estando dispostos a adquirir os mencionados prédios, nas condições indicadas (…)”.
J) Esta carta foi colocada nos correios em 03.03.2023, às 16.42 horas, sendo recebida pelos Réus a 06.03.2023, às 10.00 horas.
K) A Autora respondeu, por intermédio da sua mandatária, por carta de 10 de março de 2023, sustentando “(…) O exercício do direito de preferência foi efetuado em tempo, pelo meio idóneo e de forma inequívoca, em resposta à interpelação feita por V.ª Ex.ª, precisamente nesse sentido, cumprindo-se integralmente, os requisitos legais. Após receção da proposta e subsequente envio da resposta mencionada, foi rececionada pelo meu constituinte, uma segunda missiva da parte de V.ª Ex.ª onde se realizou uma tentativa de retratação (…). Sem prejuízo, (…) tal entendimento terá pouca relevância perante a teoria da receção e do conhecimento em caso de declarações recipiendas – artigo 224º, n.º 1, do Código Civil – o que necessariamente implica a irrevogabilidade da V/ proposta (…). Assim, a retratabilidade da proposta apenas nos seria oponível caso rececionada antes da notificação para o exercício do direito de preferência, o que não aconteceu. Sendo assim, é da vossa parte irrevogável (…). (…) solicito (…) que nos seja informado o local e a hora para outorga da escritura de compra e venda a fim de comparecermos no dia 28 de março de 2023, para formalizar o ato”.
L) Por carta de 20 de março de 2023, os 1ºs Réus reiteraram o entendimento de que a Autora não goza do direito de preferência na venda.
M) Por carta de 23 de março de 2023, a Autora, por intermédio da sua mandatária, comunica à 2ª Ré que “(…) após ter sido expressamente notificada para o efeito pelos promitentes vendedores, no dia 14.02.2023, exerceu, em tempo, expressa e inequivocamente direito de preferência não tendo qualquer intenção de abrir mão desse direito. (…)”.
N) A Autora requereu a notificação extrajudicial dos 1ºs Réus para cumprirem a comunicação de preferência por si realizada, informando os Requerentes da hora e local onde devem comparecer, para outorgar a escritura de compra e venda dos prédios, nos moldes por si propostos, informando-se ainda, caso optem por continuar a sonegar tal informação, que os requerentes procederam a agendamento para a realização do mesmo negócio para o dia 28.03.2023, pelas 17.00 horas, em determinado cartório notarial.
O) A 2ª Ré endereçou carta à Autora, datada de 16 de junho de 2023 comunicando a aquisição do prédio onde está inserida a loja comercial arrendada à Autora.
P) Em 28 de março de 2023, os 1ºs Réus, na qualidade de vendedores, e 2ª Ré, na qualidade de compradora, celebraram contrato de compra e venda dos prédios.
Q) Os contratos de suprimento estão datados de 28 de março de 2023.
R) O documento que atesta a existência de saldo bancário tem a data de 28 de março de 2023.
S) O contrato de financiamento crédito empresas está datado de 23 de março de 2023.
***
Do recurso interposto pela Autora a título principal 3.2. Da nulidade da sentença
A Recorrente vem arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC por entender que o tribunal a quo não abordou a existência ou não do direito legal de preferência, limitando-se a considerar que sendo a Autora arrendatário de fração em prédio não constituído em propriedade horizontal daí resulta a inexistência de um direito legal de preferência, sendo que a Autora peticiona a existência desse direito não só com base no n.º 8 do artigo 1091º do Código Civil, mas também no seu n.º 6 e, subsidiariamente no número 9 do mesmo preceito.
Sustenta ainda que ao mencionar que se verifica uma situação de erro na formação da vontade dos Réus o tribunal a quo excede aquilo que é arguido pelos Réus, pois estes não invocaram um erro-vicio na firmação da sua vontade e nem requereram a anulação dos efeitos jurídicos da sua missiva de 14/02/2023 por esse motivo.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o n.º 1 do artigo 615º do CPC, de forma taxativa, as causas de nulidade da sentença: “1- É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Começamos por precisar que as causas de nulidade enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação em desconformidade com a lei.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
Segundo a Recorrente está em causa a nulidade prevista na alínea d), que se reporta à omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou ao excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do CPC, do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, e nem tão pouco com meios de prova, não se confundindo, mais uma vez, com o designado erro de julgamento. In casu, se bem interpretamos a alegação da Recorrente, esta entende que o tribunal a quo se limitou a considerar que sendo a Autora arrendatária de fração em prédio não constituído em propriedade horizontal, daí resulta a inexistência de um direito legal de preferência, sustentando que peticiona a existência desse direito não só com base no n.º 8 do artigo 1091º do Código Civil, mas também no seu n.º 6 e, subsidiariamente, no número 9 do mesmo preceito
Vejamos.
Analisada a petição inicial apresentada pela Autora constatamos que o que verdadeiramente peticiona é o reconhecimento do direito de preferência com base na comunicação que, para esse efeito, lhe foi enviada pelos Réus AA e mulher, CC e DD e mulher, e relativamente à qual pretende extrair as necessárias consequências quanto ao reconhecimento do direito de preferência.
A Autora é explícita quando afirma que “existe direito de preferência nos exatos moldes criados, voluntariamente, pelos Primeiros Réus”(artigo 47º da petição inicial; sublinhado nosso).
E, neste sentido, alega ainda que existem vários tipos de preferência no ordenamento jurídico português, os direitos de preferência legalmente impostos e os pactos de preferência, previstos no artigo 414º do Código Civil, e que a tendência maioritária da jurisprudência e da doutrina julga a comunicação do obrigado à preferência como uma proposta de contrato e que apesar de não se tratar de um contrato promessa, stricto sensu, a comunicação realizada e a resposta do preferente resulta, para ambos, numa obrigação de contratar: se o preferente não celebrar o contrato dentro do prazo perde o direito de preferência e é obrigado a indemnizar a outra parte e se o obrigado à preferência não celebrar o contrato dentro do prazo responde igualmente pelos danos a que der causa (v. artigos 58º a 66º da petição inicial).
Veja-se ainda que, quanto ao direito legal de preferência, no qual a Recorrente afirma basear o seu direito de preferência, limita-se a referir expressamente que “36. O entendimento da jurisprudência maioritária também, nos últimos anos, tem defendido esta premissa: um arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal não tem direito a exercer preferência sobre o todo”, de onde resulta, que a própria parece afastar desde logo a existência de um direito legal de preferência.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Apesar do que a Autora sustenta nos arts. 58º e seguintes da petição inicial (parecendo daí resultar que entende estar em causa um pacto de preferência, pela alusão que faz à exigência legal quanto à forma), não resulta claro da leitura da petição inicial se entende ser titular de um direito legal de preferência ou um direito convencional de preferência. O direito de preferência constitui-se por lei ou por convenção das partes. Assim, e quanto ao direito legal de preferência, estando assente que o prédio onde se situam os espaços arrendados pela Autora não está constituído em propriedade horizontal, e sabendo-se que a lei reguladora do direito de preferência do arrendatário é a vigente na data em que se concretiza o acto de transmissão, é entendimento unânime na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o art. 1091, n.º 1, al. c), do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), não atribui o direito de preferência legal ao arrendatário da parte específica do prédio não constituído em propriedade horizontal (nem sobre a totalidade do prédio nem sobre a parte arrendada). E sobre esta questão se pronunciou já o Tribunal Constitucional decidindo não julgar inconstitucional este entendimento – cfr., neste sentido, a título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2023, relatado por Ana Resende; de 13/10/2022, relatado por Manuel Capelo; de 09/03/2021, relatado por Fernando Samões; de 24/05/2018, relatado por Maria do Rosário Morgado, todos publicados in www.dgsi.pt; e a decisão sumária do Tribunal Constitucional de 04/06/2019, José Teles Pereira, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20190437.html. No se que se refere agora ao direito convencional de preferência, este consiste num acordo pelo qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na celebração futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais às que um terceiro aceita (arts. 414º e 423º do Código Civil). É certo que, como sustenta a Autora, a exigência legal de documento escrito, como requisito de validade formal do pacto de preferência relativo à venda de imóveis fica satisfeita com uma troca de cartas assinadas pelos respetivos interessados (é isso mesmo que afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2014, relatado por Maria Clara Sottomayor, publicado in www.dgsi.pt). No entanto as cartas trocadas entre a Autora e os 1ºs Réus, datadas de 10 de Fevereiro de 2023 e de 2 de março de 2023, configuram a celebração de um pacto de preferência? Cremos que não. Efetivamente, na carta que os 1ºs Réus enviam à Autora não se comprometem a dar preferência à Autora na venda dos dois imóveis; referem antes expressamente que dão conhecimento à Autora do negócio projetado para o caso de ela pretender preferir, pensando que a Autora é titular de um direito legal de preferência por ter a qualidade de arrendatária.”
Entendemos, por isso, não se verificar a invocada nulidade por omissão de pronúncia tendo o tribunal a quo apreciado todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação.
De qualquer forma, dir-se-á que, mesmo a verificar-se tal nulidade, determinaria apenas, em face da regra da substituição por parte da Relação (cfr. artigo 665º n.º 1 do CPC) e inexistindo necessidade de recolher quaisquer outros elementos, o conhecimento da questão por este tribunal, o que sempre seria levado a cabo considerando as questões suscitadas pela Recorrente no presente recurso.
E, adiantando desde já a nossa posição nesta matéria, entendemos que em face do artigo 1091º do CC, o arrendatário comercial de parte não autónoma de prédio urbano não goza do direito legal de preferência na venda de todo o prédio (fora do âmbito de aplicação do artigo 7º, nº 3, da Lei nº 42/17, de 14 de junho), sendo que, conforme resulta expressamente do n.º 5 do artigo 1091º do CC, na sua atual redação, os n.ºs 6 a 9 deste preceito legal apenas são aplicáveis ao arrendamento para fins habitacionais, o que não é a situação dos autos, onde está em causa um arrendamento comercial.
No que toca à alegação de excesso de pronuncia importa apenas referir que a invocação de erro quanto à existência de direito legal de preferência, no envio à Autora da carta datada de 16/02/2023, é a base essencial da defesa apresentada pelos Réus AA e mulher, CC e DD e mulher, conforme decorre de forma linear do articulado de contestação que apresentaram, pelo que o tribunal a quo ao mencionar que se verifica uma situação de erro na formação da vontade destes Réus (“falsa ideia de que a Autora seria titular de um direito legal de preferência por ser arrendatária”), em nada excede aquilo que é arguido pelos Réus, sendo certo que, se os Réus não requereram a anulação dos efeitos jurídicos da sua missiva de 14/02/2023, também o tribunal a quo a não declarou, tendo analisado a questão do ponto de vista da interpretação da declaração negocial e concluído que as partes não celebraram, com a troca de cartas, qualquer pacto de preferência.
De referir ainda que, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (v. artigo 5º n.º 3 do CPC).
Assim, em face do exposto, julgamos ser de concluir que o tribunal a quo não só conheceu das questões que as partes submeteram à sua apreciação, como não conheceu de questão não suscitada pelas partes, não ocorrendo a nulidade da sentença invocada pela Recorrente, improcedendo desde já, e nesta parte, o recurso.
***
3.3. Da modificabilidade da decisão de facto
Veio a Recorrente sustentar a existência de erro de julgamento na redação constante dos pontos F) e L) dos factos provados, alegando que na sua redação foi desconsiderado pelo tribunal a quo parte do teor das comunicações.
Decorre do preceituado n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Vejamos.
Os pontos F) e L) têm a seguinte redação: “F) Por carta datada de 16 de Fevereiro de 2023, endereçada ao Réu AA, a Autora declarou “(…) No que concerne ao exercício do direito legal de preferência vimos, antes de mais, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1091º, n.º 7, e 417º, n.º 1, do Código Civil, requerer, muito respeitosamente, esclarecimentos sobre a existência, ou não, de prejuízo apreciável na eventualidade de tal direito ser exercido apenas em relação à verba por nós arrendada, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído. Da leitura da vossa missiva parece-nos que apenas terá sido invocada a mera contratualização da não redução do negócio. Posteriormente, para ponderação de interesse contratual ao exercício do direito de preferência pela globalidade do negócio, solicitamos, se possível, a V/ Ilustre colaboração, mediante envio de elementos informativos adicionais (…)”. L) Por carta de 20 de março de 2023, os 1ºs Réus reiteraram o entendimento de que a Autora não goza do direito de preferência na venda”.
Está aqui apenas em causa a circunstância da redação destes pontos da matéria de facto, que se reportam a comunicações trocadas entre as partes, concretamente a carta datada de 16 de fevereiro de 2023 (junta a fls. 94 vº a 95), enviada pela Autora ao Réu AA, e a carta de 20 de março de 2023 (junta a fls. 48), enviada pelo Réu AA à Autora, não reproduzirem o teor dos documentos, mas apenas, relativamente ao primeiro uma parte do mesmo, e quanto ao segundo apenas um síntese do seu teor.
Por isso, e nesta parte, atendendo ao princípio da proporcionalidade e estando apenas em causa a reprodução do teor de dois documentos juntos aos autos pelas partes, iremos considerar cumprido o ónus de impugnação imposto pelo artigo 640º do CPC.
Assim, e porque entendemos dever considerar-se como integralmente reproduzido o teor dos referidos documentos, altera-se a redação dos pontos F) e L) para que passe a constar:
“F) A Autora enviou ao Réu AA carta datada de 16 de fevereiro de 2023, junta a fls. 94 vº a 95 dos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde declarou, para além, do mais, o seguinte: “(…) No que concerne ao exercício do direito legal de preferência vimos, antes de mais, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1091º, n.º 7, e 417º, n.º 1, do Código Civil, requerer, muito respeitosamente, esclarecimentos sobre a existência, ou não, de prejuízo apreciável na eventualidade de tal direito ser exercido apenas em relação à verba por nós arrendada, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído. Da leitura da vossa missiva parece-nos que apenas terá sido invocada a mera contratualização da não redução do negócio. Posteriormente, para ponderação de interesse contratual ao exercício do direito de preferência pela globalidade do negócio, solicitamos, se possível, a V/ Ilustre colaboração, mediante envio de elementos informativos adicionais, nomeadamente cópia da caderneta predial; cópia da descrição predial; plantas de localização ou documento similar; levantamento topográfico ou documento similar, de ambos os prédios e ainda esclarecimentos mais detalhados sobre quais “os arrendamentos atualmente vigentes” (…)”.
“L) O Réu AA enviou à Autora carta datada de 20 de março de 2023, junta a fls. 48 dos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde declarou, para além, do mais, o seguinte:
“(…) 3. Assim, é manifesto a inexistência de qualquer direito de preferência de arrendatário comercial como V.Exªs. erradamente pretenderiam reivindicar e que, por isso, importa de todo aqui rejeitar.
4. Finalmente, apesar da inexistência de qualquer direito, aproveita-se para comunicar que também outro arrendatário comercial, manifestou o exercício do direito de preferência para ambos os prédios e pelo mesmo valor, mas que por igual razão se declinou (…)”.
Quanto ao mais que consta da alegação da Recorrente [na parte que intitula de erro de julgamento (matéria de facto) e a que correspondem as conclusões Z, AA, BB e CC)] não estamos perante impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas sim perante o que a Recorrente entende ser uma errada interpretação desses factos pelo tribunal a quo.
***
3.4. Reapreciação da decisão de mérito da ação
No que se refere à decisão jurídica propriamente dita importa agora decidir se deve a mesma manter-se, analisando os demais argumentos apresentados pela Recorrente.
Pretende a Autora com a presente ação que seja declarado o seu direito de preferência e sejam os Réus condenados à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência realizada e aceite pela Autora, nos seus exatos termos e a entregar à Autora os prédios, livre e desocupados, no estado em que se encontravam à data da aquisição, bem como no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à taxa diária de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, e ainda no pagamento de uma indemnização em montante a apurar à data do trânsito em julgado, mas nunca inferior a €17.599,28; ou, se assim não se considerar, no pagamento de uma indemnização em montante a apurar à data do trânsito em julgado, mas nunca inferior a €17.599,28 a título de danos patrimoniais e a €1.565.600,00 a título de danos não patrimoniais.
Na sentença recorrida o Tribunal a quo entendeu que a Autora não goza de um direito de preferência, seja legal seja convencional, considerando também improcedente a pretensão indemnizatória da Autora.
É contra este entendimento que se insurge a Recorrente.
Vejamos então se lhe assiste razão.
O direito de preferência, como refere José de Oliveira Ascensão (Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, Limitada, 4ª Edição Refundida, p. 512) atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito real; e tal ocorre desde que manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e o terceiro (v. Manuel Henriques Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coleção Teses, Almedina, 1997, p. 189).
A preferência pode ser convencional (cfr. artigos 414º a 423º do Código Civil) ou legal, resultando esta da verificação de determinadas situações que tem regulação especifica, e natureza excecional, porque limitadoras da liberdade de contratar relativamente à escolha da outra parte (v. Agostinho Cardoso Guedes, Exercício do Direito de Preferência, Teses, Publicações Universidade Católica, 2006, p. 106).
Uma das situações de preferência legal é a prevista no artigo 1091º do Código Civil, onde se estabelece que: “1 - O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes; b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado. 2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º 3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º 4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção. 5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes. 6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto. 7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo. 8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições: a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior; c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. 9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade”.
De referir, desde já, que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, publicado no Diário da República nº 183/2020, Série I, de 18 de setembro declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 deste artigo 1091º, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, o que produzindo efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, não determina a repristinação de qualquer norma, uma vez que a norma declarada inconstitucional era inovadora, não tendo paralelo na versão anterior do artigo 1091º, dada pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro.
Analisemos então o caso concreto.
No dia ../../2005 foi celebrado, entre a Autora e os primeiros Réus, um contrato de arrendamento não habitacional relativamente ao imóvel inscrito na matriz predial urbana com o número ...83 da freguesia ...; tal arrendamento não abrangia a totalidade do prédio, não constituído em propriedade horizontal, mas a loja comercial com os números 45 e 46, excluindo-se o quintal, sito na parte traseira, bem como divisões de arrumo anexas.
No seguimento do contrato de arrendamento a Autora recebeu, no dia 14/02/2023, uma comunicação datada do dia 10 do mesmo mês e ano, realizada pelos primeiros Réus, informando que na qualidade de proprietários dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... com os n.ºs ...48 e ...50 negociaram e acordaram a venda global dos dois prédios, com uma contrapartida global de €1.350.000,00 no estado em que se encontram e com os arrendamentos vigentes, fazendo constar ainda que “(…) Sendo V.Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a Lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar a V. Ex.ª o projeto de venda em conjunto de ambos os prédios como acima referido. Querendo, deverá V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, comunicar o exercício do direito de preferência nas precisas condições acima aludidas. (…)”.
Posteriormente, por carta datada de 1 de março de 2023, os 1ºs Réus comunicaram à Autora que verificar-se “que tem havido uma definição da jurisprudência no sentido de o arrendatário de apenas uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não ter qualquer direito de preferência na sua transmissão, nem na parte nem no todo” sendo manifesto não ter a Autora qualquer direito legal de preferência cujo exercício possa reivindicar, ao que a Autora respondeu, comunicando exercer o direito de preferência, estando disposta a adquirir os prédios nas condições indicadas.
A Recorrente sustenta a existência de um direito legal de preferência.
Vejamos.
Conforme já referimos, a própria Recorrente na petição inicial afirma expressamente que o entendimento da jurisprudência maioritária tem defendido que o arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal não tem direito a exercer preferência sobre o todo, de onde resulta, que a própria parece afastar desde logo a existência de um direito legal de preferência baseado no n.º 1 alínea a) do referido artigo 1091º do Código Civil.
Também nós entendemos que este preceito, na redação introduzida pela Lei nº 64/2018, de 29 de outubro (em vigor à data em que foi celebrado o contrato de compra e venda dos imóveis com a Ré EMP02... SA, sendo que a lei reguladora do direito de preferência do arrendatário é a vigente na data em que se concretizou o ato de transmissão), não atribui o direito de preferência legal ao arrendatário comercial (como é o caso da Recorrente) de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal na venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio (fora do âmbito de aplicação do artigo 7º, nº 3, da Lei nº 42/17, de 14 de junho).
Neste sentido, entre vários outros, pronunciaram-se os acórdãos desta Relação de 16/12/2021 (Processo n.º 24/21.4T8GMR.G1, Relator Joaquim Boavida, subscrito pelo aqui 1ª Adjunto, também nessa qualidade) e do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018 (Processo n.º 3131/16.1T8LSB.L1.S1, Relator Abrantes Geraldes), ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, que aqui acompanhamos de perto.
Desde logo, foi a norma constante do n.º 8 do artigo 1091º (na redação dada pela Lei nº 64/2018) declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, que consagrou, pela primeira vez, o direito de preferência do arrendatário habitacional de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, quanto à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão.
Veja-se ainda que quando foi aprovado o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), prevendo o direito de preferência do arrendatário urbano no artigo 1091º, introduziu-lhe uma redação diferente da anterior, deixando de se referir ao sujeito da preferência como o arrendatário de prédio ou fração autónoma, passando apenas a referir o “local arrendado”, elevando de um para três anos o prazo mínimo de permanência como arrendatário e passando a abranger os arrendamentos com prazo certo, não tendo acolhido a solução, que anteriormente se encontrava no n.º 2 do artigo 47º do RAU, de mandar abrir licitação na hipótese de serem dois ou mais preferentes.
De salientar que, conforme se consigna no citado acórdão desta Relação de 16/12/2021, “em virtude dessas alterações, passou então a ser prevalecente o entendimento de que o arrendatário de parte não autónoma de prédio urbano não sujeito ao regime de propriedade horizontal não dispõe de direito de preferência na alienação da totalidade do prédio. Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.01.2016 - proc. n° 9065/12.1TCLRS.L1.S1 (relator Tavares de Paiva), de 24.05.18 - proc. 1832/15.0T8GFMR.G1.S2 (Maria do Rosário Morgado), de 18.10.2018 - proc. 3131/16.1T8LSB.L1.S1 (Abrantes Geraldes), de 11.07.2019 - proc. 3818/17.1T8VNG.G1.S2 (Tomé Gomes), de 26.02.2019 - proc. 9/13.4TBFAF.G1.S1 (Graça Amaral), de 07.11.2019 – proc. 14276/18.3T8PRT.P1.S2 (Maria do Rosário Morgado); da Relação de Lisboa, de 08.02.2018 - proc. 3131/16.1T8LSB.L1 (Jorge Leal), de 26.03.2015 - proc. 9065/12.1TCLRS.L1 (Tomé Ramião), de 15.11.2018 - proc. 13101.17.7T8LSB.L1 (Cristina Neves), de 18.06.2020 - proc. 13412/15.6T8LSB.L2-8 (Teresa Prazeres Pais); da Relação de Guimarães, de 19.10.2017 - proc. 1832/15.0T8GMR.G1 (Maria João Matos), de 26.11.2020 - proc. 8/18.0T8BCL.G1 (Paulo Reis); da Relação do Porto, de 12.04.2021 - proc. 8950/20.1T8PRT.P1 (Pedro Damião e Cunha), de 10.12.2019 - proc. 2311/18.0T8PNF.P1 (Paulo Dias da Silva), de 21.03.2019 - proc. 14276/18.3T8PRT.P1 (Francisca Mota Vieira). Na doutrina defendem este entendimento, entre outros, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3ª edição, Quid Juris Sociedade Editora, 2009, págs. 430 e 432, em anotação ao artigo 1091º do CCiv., José Pedro Carneiro Cadete, Da preferência do arrendatário habitacional, 2011, págs. 7-8, Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, pág. 262 (8), Januário Gomes, Vida Judiciária, nº 108, 2007, pág. 9 (v., ainda, a sua posição em Arrendamentos Comerciais, 2ª edição, Coimbra, pág. 204), Maria Olinda Garcia, O Arrendamento Plural - Quadro Normativo e Natureza Jurídica, Almedina, pág. 163).
Não vemos que, em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2018, a questão do direito de preferência conferido pelo artigo 1091º do Código Civil ao arrendatário comercial de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, na venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio, deva merecer resposta distinta da que já era dada no âmbito da anterior redação do referido preceito legal.
Aderimos aqui à argumentação exposta no citado acórdão desta Relação, onde são invocados os seguintes fundamentos, que aqui elencamos de forma sintética:
a) “Em primeiro lugar, na interpretação da norma nem sequer o elemento literal é favorável à tese de que o arrendatário de parte do prédio urbano não constituído em propriedade horizontal goza de direito de preferência na alienação do prédio inteiro. O que a norma consagra, expressa e literalmente, é o “direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado”. O direito de preferência tem inequivocamente por referência o «local arrendado» e não qualquer outra realidade. Portanto, o objeto da preferência é o «local arrendado» e não o prédio onde se insere o arrendado”.
b) “Em segundo lugar, para efeitos de fixação do sentido e alcance da lei, não é compatível com o critério de interpretação previsto no artigo 9º, nº 3, do CCiv. considerar que o legislador utilizou a mesma expressão, no âmbito do mesmo capítulo daquele diploma, com significados diferentes. O que se deve presumir é precisamente que o legislador quis utilizar a expressão “local arrendado” de forma uniforme e com o apontado sentido literal e gramatical. Esse sentido é bem nítido no artigo 1067º do CCiv., na parte em que, a propósito do “fim do contrato”, estabeleceu, no seu nº 2, que «quando nada se estipule o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões». Deixou aí bem claro que o “local arrendado” é o objeto físico do contrato de arrendamento”.
c) “Em terceiro lugar, sendo o apontado sentido inequívoco, há que relembrar que o artigo 1091º, nº 1, é uma norma de natureza excecional, pelo que não comporta aplicação analógica (artigo 11º do CCiv.). Portanto, mesmo que se considerasse que havia uma lacuna e que procediam as razões justificativas da regulamentação do caso análogo (v. art. 10º, nºs 1 e 2, do CCiv.), não se poderia recorrer à analogia”.
d) “Em quarto lugar, os elementos introduzidos no artigo 1091º do CCiv. pela Lei nº 64/2018, de 29 de outubro, permitem a conclusão de que o arrendatário comercial de uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não goza de preferência na alienação do prédio como um todo. Desde logo, se na alienação do prédio urbano indiviso todo e qualquer arrendatário de parte deste pudesse exercer a preferência decorrente do disposto na alínea a) do nº 1 do dito artigo, seja relativamente a todo o prédio ou apenas quanto à parte que lhe está arrendada, o estabelecido nos nºs 8 e 9 seria tecnicamente desadequado e substancialmente incompreensível. Dificilmente se pode entender que a lei permite a aquisição de todo o prédio pelo arrendatário urbano não habitacional de apenas uma sua parte, quando apenas admite, como inovação (v. o processo legislativo, incluindo o veto presidencial), a aquisição de uma quota-parte ou proporção do todo pelos arrendatários habitacionais de uma parte não autónoma, deixando por regular a situação dos arrendamentos para outros fins de partes não autónomas. Para quê estabelecer um regime restritivo e burocrático para os arrendatários habitacionais, cujo objetivo declarado da lei foi protegê-los, e deixar para os arrendatários não habitacionais, devido à ausência de regulação, um direito mais amplo do que o daqueles?” e) “Em quinto lugar, em reforço argumentativo do atrás exposto, verifica-se que o artigo 7º, nº 3, da Lei nº 42/17, de 14 de junho, veio estabelecer que «os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados, nos termos da legislação em vigor». (…) Ora, se o legislador sentiu a necessidade de acautelar a situação dessas específicas lojas (além dos estabelecimentos, ainda beneficiam do regime as entidades arrendatárias reconhecidas como de interesse histórico e cultural ou social, o que alarga substancialmente o âmbito da norma), regra geral arrendamentos para fins de comércio ou indústria inseridos em prédios não constituídos em propriedade horizontal, então a conclusão lógica é que não estavam a coberto pelo direito de preferência consagrado no artigo 1091º, nº 1, al. a), do CCiv.. De outro modo, não faria sentido estar a legislar relativamente a uma situação que já estava legalmente contemplada e prevenida. Isto evidencia que antes da redação dada ao artigo 1091º, nº 1, al. a), do CCiv. pela Lei nº 64/2018, de 29 de outubro, o arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal não tinha direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada”. Por outro lado, se assim era na vigência da anterior redação do artigo 1091º, por maioria de razão o é, relativamente aos arrendamentos para fins diferentes da habitação, em face da atual redação do aludido preceito. Uma vez que a intervenção legislativa apenas inovou no que respeita aos arrendatários habitacionais de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal (…). f) “Em sexto lugar, parecendo-nos evidente que a anterior redação do artigo 1091º do CCiv., já consagrava o princípio da coincidência entre os limites do objeto do arrendamento e os limites do objeto em relação ao qual se exerce a preferência, que havia sido defendida por Oliveira Ascensão ainda no âmbito do RAU (16), a Lei nº 64/2018, de 29 de outubro, ao dar nova redação àquele preceito, não pretendeu propriamente afastar tal consagração no seu nº 1. Limitou-se a plasmar, no que respeita aos arrendamentos habitacionais (nºs 6 a 9), uma peculiar expressão daquele princípio, ao falar em aquisição de «quota-parte» e «na proporção», querendo com isso significar que balizava a aquisição em função da dimensão relativa do local arrendado”.
Concluímos, assim, quanto à questão colocada, que ao arrendatário comercial de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal não assiste direito de preferência na venda do prédio, sendo apenas reconhecido tal direito ao arrendatário de fração autónoma ou da totalidade do prédio.
Por outro lado, relativamente à questão concretamente colocada pela Recorrente na presente apelação, quanto a ser-lhe reconhecido o direito de preferência legal com base no preceituado nos números 6 e 9 do artigo 1091º, a resposta é também necessariamente negativa.
Conforme já referimos, intervenção legislativa operada pela Lei n.º 64/2018 inovou apenas no que respeita aos arrendatários habitacionais de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal.
Na verdade, o âmbito de aplicação dos n.ºs 6 a 9 do artigo 1091º restringe-se exclusivamente aos arrendamentos habitacionais.
É o que resulta de forma expressa do n.º 5 deste preceito, onde se refere “sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes” (sublinhado nosso).
Por outro lado, é também inquestionável que a intenção do legislador foi a de proteger o direito à habitação, tendo estabelecido no referido artigo 1091º distinção entre os arrendamentos para fins habitacionais (aos quais se aplicam os n.ºs 6 a 9) e os arrendamentos para outros fins, designadamente os arrendamentos comerciais, por entender que só aqueles eram merecedores dessa tutela
Veja-se que o próprio acórdão n.º 299/2020, do Tribunal Constitucional, já citado, reflete ter sido essa a intenção do legislador quando afirma expressamente que “[o] decreto que inicialmente resultou da iniciativa legislativa que esteve na base da Lei n.º 64/2018 - Decreto da Assembleia da República n.º 233/XIII - previa a aplicação do regime especial de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º aos arrendamentos para outros fins, designadamente comerciais e industriais. Porém, foi objeto de veto político do Presidente da República, com alerta de que “a proteção do direito à habitação, justificação cimeira do novo regime legal, tem cabimento no caso de o arrendamento ser para tal uso, mas não se for para uso empresarial”. Na sequência do veto, foi então aprovada a Lei n.º 64/2018, que introduziu no artigo 1091.º do Código Civil a norma que limita expressamente a sua aplicação aos casos de arrendamento para fins habitacionais, confirmando assim que a ratio da medida se prende com a proteção do interesse do arrendatário em manter o gozo do imóvel destinado à sua habitação” (sublinhado nosso).
Assim, nem o nº 6 do artigo 1091º, nem o seu n.º 9 (que subsiste por não se mostrar afetado pela declaração de inconstitucionalidade do n.º 8) permitem reconhecer aos arrendatários comerciais de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal o direito legal de preferência.
Do exposto decorre que, não beneficiando o arrendatário comercial de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal de direito de preferência na venda do prédio, e não se encontrando o prédio urbano dos autos constituído em propriedade horizontal, sendo a Autora apenas arrendatária de uma parte desse edifício, não goza a mesma de direito legal de preferência na venda do prédio.
De todo o modo, não obstante não ser de reconhecer à Autora um direito legal de preferência, importa apreciar se deve retirar-se alguma consequência jurídica da comunicação enviada pelos Réus à Autora, datada de 10/02/2023, onde informaram ter negociado e acordado a venda global dos dois prédios, e onde fizeram constar que “(…) Sendo V.Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a Lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar a V. Ex.ª o projeto de venda em conjunto de ambos os prédios como acima referido. Querendo, deverá V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, comunicar o exercício do direito de preferência nas precisas condições acima aludidas.”
Sustenta a Recorrente, por um lado, que a declaração de preferir assume a natureza de uma proposta contratual que, uma vez aceite se torna vinculativa para ambas as partes, existindo o direito de preferência nos termos comunicados; e que a existir erro na formação da vontade, como foi considerado pelo tribunal a quo, a cominação seria a anulabilidade e esta não foi peticionada e nem sequer alegada pelos Réus.
Por outro lado, pretende ainda que a referida comunicação dos Réus produziu efeitos na sua esfera jurídica, enquanto terceiro de boa fé, invocando uma preferência de natureza convencional.
Conclui a Autora que, como a comunicação dos Réus e a sua resposta foram contidas em documentos que preencheram os especiais requisitos necessários para o efeito deve entender-se que se concluiu um pacto de preferência, com as respetivas consequências, entre as quais a possibilidade de a Autora obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa.
Vejamos.
A preferência pode efetivamente ser também convencional (cfr. artigos 414º a 423º do Código Civil).
Estabelece o artigo 414º que o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.
O pacto de preferência consiste, por isso, num acordo pelo qual alguém se obriga a dar preferência a outrem, na eventual conclusão futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais às que um terceiro aceita (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª Edição, Coimbra, 2006, p. 443; v. também Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 6.ª Edição, 1989, p. 339).
Ora, no caso concreto dificilmente se poderá vislumbrar na comunicação realizada pelos primeiros Réus esse acordo e intenção de se obrigar a dar preferência à Autora, na eventual conclusão futura de um determinado contrato; o que se infere da comunicação datada de 10/02/2023 é que os Réus, achando que a Autora, enquanto arrendatária comercial, beneficiaria de um direito legal de preferência, cumpriram a obrigação que pensaram resultaria da lei, pois tal como daquela consta “sendo V. Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar o projeto de venda”.
A comunicação realizada pelos primeiros Réus corresponde, por isso, ao que julgaram ser o cumprimento da uma obrigação legal.
Ainda assim, mesmo a considerar-se a possibilidade da referida comunicação poder configurar um pacto de preferência, daí não se retiraria a consequência que a Recorrente pretende.
Como vimos a Recorrente pretende “obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa”, tendo peticionado no primeiro pedido que formulou, a declaração do seu direito de preferência e a condenação dos Réus à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência.
Ora, os pactos de preferência têm, por princípio, eficácia meramente obrigacional, pelo que não podem ser opostos a terceiro, nomeadamente ao adquirente da coisa (in casu à 2ª Ré), pois apenas vinculam as partes, e da sua violação pelo obrigado à preferência apenas pode resultar a obrigação de ressarcir o preferente dos danos emergentes do incumprimento, e nunca o direito de este perseguir a coisa, fazendo-se substituir ao adquirente.
As partes podem, efetivamente, atribuir ao pacto de preferência eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de publicidade; não lhe sendo atribuída eficácia real, o pacto de preferência apenas revestirá eficácia meramente obrigacional produzindo efeitos apenas inter-partes.
Ora, in casu, mesmo que se entendesse constituir a comunicação um pacto de preferência como pretende a Recorrente (o que não entendemos), ainda assim, o efeito seria meramente obrigacional e, por isso, não oponível à Ré EMP02..., SA, podendo apenas dar direito à Autora a uma eventual indemnização, mas não a celebrar a compra e venda; aliás, é a própria Recorrente que afirma invocar uma “preferência de fonte convencional e sem eficácia real” (sublinhado nosso).
Por outro lado, importa ainda precisar que a comunicação realizada pelos primeiros Réus no pressuposto, errado, que a Autora/arrendatária tinha direito legal de preferência não tem a virtualidade de gerar na esfera jurídica da Autora um tal direito de preferência; ou seja, não é pelo facto de lhe ter sido feita essa comunicação que a Autora passou a beneficiar de um direito legal de preferência.
Assim, não estando em causa um direito legal de preferência, e nem tão pouco um direito de preferência convencional, não vemos que a comunicação realizada pelos primeiros Réus no pressuposto (errado) de que a Autora beneficiaria de um direito legal de preferência deva ser considerada como uma proposta contratual.
É certo que se verifica divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto à questão de saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, tendo-se por predominante a primeira posição (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2018, Processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1.S1, Relator Cabral Tavares, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Contudo, tal questão, e subsequente resposta, pressupõe, em nosso entender, a existência de um direito de preferência legal ou convencional; inexistindo tal direito, não poderá falar-se da natureza de proposta contratual da notificação para preferir e das suas consequências; inexistindo esse direito, a comunicação efetuada deverá ser tratada no âmbito de eventual responsabilidade civil geradora da obrigação de indemnizar, entre os primeiros Réus e a Autora.
De todo o modo, como se afirma no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, a propósito do um caso em parte similar (em que tendo sido comunicado ao autor/inquilino o projeto de venda por ter direito de preferência, e tendo este exercido o seu direito de preferência dizendo que estaria no Cartório Notarial para a outorga da escritura pública de compra e venda, o senhorio não espondeu à comunicação e no dia aprazado para a escritura vendeu o prédio à 2ª ré, recusando a venda ao autor, que se encontrava no Cartório Notarial): “[i]ndependentemente da qualificação da situação jurídica decorrente da troca de comunicações que ocorreu entre os sujeitos como proposta e aceitação negocial, contrato-promessa de compra e venda ou simplesmente segundo as regras da responsabilidade pré-contratual, nenhum motivo existe que permita extrair algum efeito vinculativo para a 2ª R. que é terceira em relação a tais contactos ou negociações”.
No caso concreto, nada resulta dos autos que permita concluir a Ré EMP02..., SA teve conhecimento das comunicações trocadas entre as partes respeitantes ao direito de preferência, designadamente que os primeiros Réus enviaram a comunicação de 10/02/2023 por pensarem que a Autora beneficiaria de um direito legal de preferência.
É certo que a Autora enviou à Ré carta datada de 23 de março de 2023 (ponto M dos factos provados) onde dava conhecimento de, após ter sido notificada para o efeito pelos vendedores, ter exercido o direito de preferência e de não ter intenção de abrir mão desse direito; porém, tal comunicação é já posterior a toda a troca de correspondência respeitante ao direito de preferência, sendo que a carta onde os primeiros Réus afirmam que a FF não tem direito de preferência, ao contrário, do que erradamente tinham julgado existir, tem a data de 1 de março, e que a Autora informou que exercia o direito de preferência, por carta datada de 2 de março.
Temos, pois, de concluir que os factos em causa, onde a Autora assenta a sua pretensão, e os argumentos que invoca (para que seja declarado que beneficia de um direito de preferência), reportando-se à atuação dos primeiros Réus, são estranhos à Ré EMP02..., SA.
Ora, sendo esta Ré, um terceiro adquirente dos imóveis, alheio à relação existente entre a Autora e os primeiros Réus e à atuação destes, seria dificilmente compreensível que a simples troca de comunicações entre aqueles, no âmbito de relações preliminares anteriores à concretização do negócio, pudesse ser determinante para colocar em causa o seu direito de propriedade, legitimamente adquirido mediante a celebração do contrato de compra e venda, em particular quando inexiste no caso concreto qualquer direito legal de preferência (e um eventual direito de preferência convencional, como vimos, se existisse teria natureza obrigacional).
É que, na verdade, quem veria a sua posição jurídica (o seu direito de propriedade) afetada pelos pedidos formulados pela Autora, e pela pretendida substituição por via do reconhecimento de um direito de preferência, este constituído por uma via absolutamente atípica segundo a pretensão da Recorrente (pois que não lhe assiste qualquer direito de preferência legal decorrente da sua qualidade de arrendatária comercial) seria a Ré EMP02..., SA.
A pretensão da Autora, a proceder, significaria atribuir-lhe um direito de preferência, com características idênticas a um direito legal de preferência, isto é, com a natureza um direito real de aquisição e com eficácia erga omnes, mas baseado apenas numa mera troca de comunicações subjacente à atuação dos sujeitos do contrato de arrendamento, no âmbito de relações preliminares anteriores à concretização do negócio de compra e venda, quando, como vimos, a mesma não beneficia de qualquer direito legal de preferência.
Como é sabido, o direito de preferência legal tem a natureza de um direito real de aquisição e pode ser exercido erga omnes, podendo o seu beneficiário substituir-se ao adquirente de um direito real, ainda que a transferência do direito alheio já se tenha consumado e a coisa tenha passado para poder de terceiro.
É esta, no fundo, a pretensão da Recorrente: não sendo a mesma beneficiária de um direito legal de preferência, pretende que lhe seja reconhecido um direito de preferência com idênticas características, capaz de colocar em causa e de se sobrepor ao direito de propriedade legitimamente adquirido por um terceiro, concretamente que lhe permita substituir-se à Ré EMP02..., SA na aquisição dos imóveis.
Uma tal pretensão, como vimos, carece manifestamente de qualquer sustentação legal, não podendo proceder. Do exposto decorre a improcedência, nesta parte, da presente apelação e, consequentemente, a improcedência dos pedidos formulados pela Autora em I), II), III), IV) e V).
Questão distinta é a da alegada existência de prejuízos para Autora decorrente da atuação dos primeiros Réus ao procederem à comunicação de 14/02/2023 e da eventual responsabilidade destes, geradora da obrigação de indemnizar a Autora, a que se reportam os pedidos formulados pela Autora em VI), VII e VIII [o pedido formulado em VI) respeita à condenação dos Réus no pagamento de quantia não inferior a €17.599,28 a titulo de danos patrimoniais, no caso de ser declarado o direito de preferência da Autora e condenados os Réus à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência; o pedido formulado, subsidiariamente, em VII) respeita à condenação no pagamento da mesma quantia a título de danos patrimoniais e de €1.565.600,00 a título de danos não patrimoniais, no caso de não ser reconhecido tal direito, e o pedido formulado em VIII) reporta-se ao pagamento de juros moratórios, em qualquer um desses casos].
Vejamos.
Não sendo procedentes os pedidos de declaração do direito de preferência da Autora e condenação dos Réus à celebração do negócio projetado na comunicação à preferência, importa aqui considerar apenas o referido pedido subsidiário: condenação no pagamento de quantia não inferior a €17.599,28 a titulo de danos patrimoniais e de €1.565.600,00 a título de danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros moratórios.
E a primeira nota a considerar é que, relativamente à Ré EMP02..., SA, nada se provou que justifique ou imponha a extração de algum efeito que se repercuta negativamente na sua esfera jurídica, pelo que, relativamente à mesma, terá de improceder integralmente a presente ação, devendo ser absolvida de todos os pedidos formulados pela Autora.
Analisemos agora se a atuação dos primeiros Réus é geradora da obrigação de indemnização.
Cronologicamente resulta da matéria de facto provada o seguinte:
- A Autora, no dia 14/02/2023, recebeu notificação datada do dia 10 do mesmo mês e ano, realizada pelos primeiros Réus, informando que na qualidade de proprietários dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... com os n.ºs ...48 e ...50 negociaram e acordaram a venda global dos dois prédios fazendo constar ainda que “(…) Sendo V.Ex. atualmente arrendatário em um dos prédios, conferindo-lhe a Lei o direito de preferência, vimos nos termos do art. 416º comunicar a V. Ex.ª o projeto de venda em conjunto de ambos os prédios como acima referido. Querendo, deverá V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, comunicar o exercício do direito de preferência nas precisas condições acima aludidas. (…)”.
- A Autora enviou ao Réu AA carta datada de 16 de fevereiro de 2023, onde declarou, no que concerne ao exercício do direito legal de preferência vimos, e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1091º, n.º 7, e 417º, n.º 1, do Código Civil, requerer, esclarecimentos sobre a existência, ou não, de prejuízo apreciável na eventualidade de tal direito ser exercido apenas em relação à verba por nós arrendada, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído e, para ponderação de interesse contratual ao exercício do direito de preferência pela globalidade do negócio, o envio de elementos informativos adicionais e ainda esclarecimentos mais detalhados sobre quais os arrendamentos atualmente vigentes.
- Por carta datada de 1 de março de 2023, responderam os 1ºs Réus à Autora, acusando a receção da carta e comunicando que ”Melhor esclarecido sobre a existência ou não de direito de preferência de arrendatário, que erradamente a princípio se julgaria existir, verifica-se que tem havido uma definição da jurisprudência no sentido de o arrendatário de apenas uma parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal não ter qualquer direito de preferência na sua transmissão, nem na parte nem no todo. Com efeito, tal é precisamente o caso de V. Ex.ªs. (…) é manifesto que não tem V. Ex.ªs qualquer direito legal de preferência cujo exercício possam reivindicar. (…)”.
- Esta carta foi colocada pelos Réus no correio no dia 02/03/2023 e recebida pela Autora em 03/03/2023 às 10.58 horas.
- Por carta datada de 2 de março de 2023 a Autora respondeu aos Réus, comunicando exercer o nosso direito de preferência e estando dispostos a adquirir os mencionados prédios, nas condições indicadas.
- Esta carta foi colocada nos correios em 03/03/2023, às 16.42 horas, sendo recebida pelos Réus a 06/03/2023, às 10.00 horas.
- A Autora respondeu, por intermédio da sua mandatária, por carta de 10 de março de 2023, sustentando que o exercício do direito de preferência foi efetuado em tempo, pelo meio idóneo e de forma inequívoca, que a retratabilidade da proposta apenas seria oponível caso rececionada antes da notificação para o exercício do direito de preferência, sendo irrevogável e solicitando que fosse informado o local e a hora para outorga da escritura de compra e venda a fim de comparecer no dia 28 de março de 2023, para formalizar o ato.
Sustenta a Recorrente que a comunicação enviada pelos primeiros Réus criou na sua esfera jurídica a justa expetativa de vir a celebrar o negócio de compra e venda dos imóveis.
Alega ainda que exerceu o seu direito de preferência antes de ter tomado conhecimento da tentativa de retratação dos primeiros Réus, mas mesmo que assim não fosse reconhecendo-se a existência do direito legal de preferência a declaração de 14/02/2023 seria irrevogável e irretratável.
Ora, como já vimos, não beneficia a Recorrente de qualquer direito legal de preferência, e nem tão pouco de um qualquer direito de preferência.
Quanto ao mais, não vemos que se possa afirmar simplesmente que a Autora exerceu o seu direito de preferência antes de ter tomado conhecimento da tentativa de retratação dos primeiros Réus; conforme resulta da matéria de facto, a carta onde os primeiros Réus afirmam que a FF não tem direito de preferência, ao contrário, do que erradamente tinham julgado existir, foi recebida pela Autora em 3 de março pelas 10.58 horas, e a carta onde a Autora informou que exercia o direito de preferência, apesar de ter a data de 2 de março, foi colocada nos correios no dia 3 de março, já pelas 16.42 horas, isto é, depois de ter rececionado da parte da manhã a carta dos primeiros Réus e, por outro lado, a sua carta a informar que pretendia exercer o direito de preferência foi apenas rececionada por estes no dia 6 de março pelas 10.00 (ponto J dos factos provados).
Ou seja, a carta dos primeiros Réus foi rececionada pela Autora em momento anterior ao envio, pela mesma, da carta a exercer o direito de preferência que apenas chegou ao conhecimento dos primeiros Réus posteriormente.
Assim, no caso concreto, considerando a factualidade provada, não entendemos que se possa concluir por uma atuação dos primeiros Réus suscetível de gerar na Autora a convicção de que lhe iria ser reconhecido o direito de preferência na venda do imóvel, ou legitimas expetativas na efetiva concretização do negócio, merecedoras da tutela do direito, designadamente por violação do principio da confiança.
De facto, tendo inicialmente enviado comunicação à Autora, no pressuposto de que cumpriam uma obrigação decorrente de um direito legal de preferência que pensavam a Autora beneficiaria como arrendatária comercial, os primeiros Réus, ainda dentro do decurso do prazo concedido à Autora, e antes do envio e do recebimento da comunicação da Autora a exercer o direito de preferência, informaram a Autora que melhor esclarecidos era manifesto que a Autora não tinha qualquer direito legal de preferência.
Se é certo que a Autora insiste posteriormente junto dos Réus (por carta de 10 de março de 2023) pelo exercício do direito de preferência, pretendendo comparecer para a outorga da escritura de compra e venda, tal decorre do seu próprio entendimento/posição sobre tal questão, e não de uma legitima expetativa ou confiança na conclusão do negócio.
Entendemos, por isso, não se poder afirmar no caso dos autos que os primeiros Réus ao procederem à venda dos imóveis à Ré EMP02..., SA, agiram em violação do principio da confiança, ou de legitimas expetativas que tivessem criado junto da Autora, não sendo responsáveis pelo pagamento de qualquer indemnização à Autora.
De qualquer forma, dir-se-á ainda, quanto à generalidade dos danos patrimoniais invocados na petição inicial pela Autora, que neles incorreu por força do seu próprio entendimento quanto à questão de do exercício do direito de preferência, pois que são de momento posterior à receção da comunicação dos primeiros Réus a informar a inexistência de direito legal de preferência.
É o que ocorre com o pedido de pagamento de juros resultantes da celebração dos contratos de suprimento, celebrados entre a Autora e os seus sócios bastante depois da comunicação dos Réus, e dos valores pagos em abril e maio com a prestação decorrente do contrato de empréstimo que formalizou em 23 de março de 2023; bem como com o pagamento de honorários à Agente de Execução decorrente da notificação extrajudicial dos 1ºs Réus para cumprirem a comunicação de preferência em 23/03/2023 e o pagamento do custo do certificado de não realização da escritura em 28/03/2023. Relativamente às despesas relacionadas com o processo do empréstimo (comissão de dossier, comissão de formalização, e imposto de selo) decorre dos documentos juntos pela Autora que ocorreram em 22 e 27 de março de 2023, nada tendo sido alegado pela Autora de onde decorra que as mesmas tiveram origem em momento anterior a 3 de março.
Por último, e no que respeita ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de €1,565.600,00, corresponde a uma indemnização pelo interesse contratual positivo, pela frustração do beneficio que a Autora entende que lhe traria a efetiva concretização do negócio.
Baseia a Recorrente a sua pretensão na culpa in contrahendo e no dever geral de boa-fé, entendendo ter direito a ser indemnizada pela violação do interesse contratual positivo.
Como resulta do artigo 227º do Código Civil “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
A responsabilidade por culpa in contrahendo decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído, e não da rutura das negociações, da não conclusão do contrato ou da recusa da sua celebração.
E, para que surja a obrigação de indemnizar é necessário que essas negociações tenham efetivamente criado uma confiança razoável na conclusão de um contrato e que a rutura das mesmas ocorra de forma arbitrária ou ilegítima.
Ora, como já vimos, a matéria de facto provada não permite afirmar que a atuação dos primeiros Réus criou na Autora essa confiança razoável de que lhe iria ser reconhecido o direito de preferência na venda do imóvel, e nem se pode considerar como injustificada a comunicação enviada à Autora (ainda antes dos Réus receberem a comunicação do exercício da preferência) em como não era titular de nenhum direito legal de preferência, como efetivamente não é, o que a Autora não desconhecia e nem devia desconhecer; na verdade, é a própria Autora que refere (artigo 36 da petição inicial) que o entendimento da jurisprudência maioritária tem defendido a premissa de que um arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal não tem direito a exercer preferência sobre o todo, decorrendo da lei que os números 6 a 9 do artigo 1091º se aplicam apenas aos arrendamentos habitacionais.
Improcede, por isso, a pretensão da Autora, sendo de confirmar a decisão recorrida.
Quanto ao recurso subordinado, interposto pela Ré apenas para o caso de vir a ser revogada a decisão que julgou a ação improcedente, fica prejudicado o seu conhecimento perante a confirmação da decisão recorrida.
As custas, atento o seu decaimento, são da integral responsabilidade da Recorrente (artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC).
***
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 7 de novembro de 2024 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Paulo Reis (1ª Adjunto)
António Beça Pereira (2º Adjunto)