Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ATIVIDADE PERIGOSA
MÁQUINA ESCAVADORA
MÁQUINA INDUSTRIAL
Sumário
I - O art. 493º, n.º 2, do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre quem é o titular de uma actividade perigosa (por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados), com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no art. 344º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adoptou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano. II - Essa presunção só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa. III - Esse ónus de prova (do facto que serve de base à presunção de culpa) cabe ao lesado (art. 342º, n.º 1, do Código Civil). IV - Uma máquina escavadora deve ser qualificada como um veículo automóvel, enquanto máquina industrial que se desloca pelos seus próprios meios e que pode ocasionalmente deslocar-se pela via pública. V - A qualificação como veículo de circulação terrestre para efeitos do art. 503º, n.º 1, do CC, deve ser casuística e em função das concretas circunstâncias em que ocorreu o sinistro. VI - Ocorrendo o evento (atropelamento) no estaleiro de obra, e não numa via pública, nem numa via do domínio privado aberta ao trânsito público, quando a escavadora fazia uma manobra de marcha-atrás no âmbito do cumprimento e execução da tarefa de EMP01... contratada, não deve ser qualificado como veículo de circulação terrestre (art. 503º, n.º 1, do Cód. Civil), mas como máquina industrial, uma vez que estava a executar a actividade para que foi especificamente concebida (embora implicando o seu movimento).
Texto Integral
***
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. Relatório
AA propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda, BB e EMP02... SA, peticionando a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de € 55.856,00, acrescia de juros de mora desde a citação.
Para tanto alegou que, enquanto trabalhava no mesmo local da obra, foi colhido por uma máquina de rastos ao serviço da 1.ª Ré, conduzida pelo 2.º Réu, distraído e sem o cuidado exigível para a manobra de marcha-atrás que pretendia fazer.
Em consequência, sofreu danos e sequelas que pretende ver ressarcidos.
*
Citados, os RR. apresentaram, separadamente, contestação, pugnando pela improcedência do pedido.
A 1.ª Ré invocou a incompetência em razão da matéria, o caso julgado, o abuso de direito/enriquecimento sem causa do Autor, por já ter sido ressarcido pela Seguradora de acidentes de trabalho, e impugnou a dinâmica do evento, imputando a sua produção à conduta temerária e inesperada do Autor, bem como rejeitou os danos invocados, por exagerados e desajustados.
O 2.º Réu arguiu a ineptidão da p.i. e impugnou a dinâmica e consequência do evento narrado pelo Autor.
A 3.º Ré alegou a inexistência do direito de o Autor lhe reclamar diretamente indemnização, não ter legitimidade processual passiva; arguiu o não enquadramento do evento no contrato de seguro, rejeitou a dinâmica e culpa dos RR. no evento, imputando-o em exclusivo ao Autor, e impugnou os danos reclamados, por excessivos e desajustados.
*
Citado, o ISS, IP solicitou pedido de reembolso do que pagou ao Autor, a título de prestação social (subsídio de doença) pelo período em que esteve incapacitado para o trabalho profissional.
*
O Autor apresentou resposta, pugnando pela improcedência das excepções arguidas, embora aceitando a natureza facultativa do seguro entre a 3.ª Ré e a 1.ª Ré.
*
A EMP03... Companhia de Seguros SA interveio nos autos como associada do Autor, confirmando ter celebrado com a entidade patronal do Autor contrato de seguros de acidentes de trabalho e, nesse âmbito, ter indemnizado o Autor no valor global de € 13.204,34, que agora reclama aos RR..
No mais, aderiu à descrição e dinâmica do evento enunciado pelo Autor, acrescentando que o Autor caminhava na zona da obra e passava por detrás da máquina, quando o 2.º Réu decidiu fazer a manobra de marcha-atrás sem antes olhar pelos retrovisores da máquina.
*
Ambos os RR. responderam ao articulado da EMP03... e ao ISS,IP.
A 3.ª Ré, EMP02... SA, respondeu à EMP03... e ao ISS,IP., tendo rejeitado o direito destes de lhe reclamar diretamente os valores peticionados, arguiu a sua ilegitimidade passiva perante a Interveniente, a prescrição do direito da Interveniente e o não enquadramento do evento no contrato de seguro, impugnou por desconhecimento e por inexato o demais alegado pela EMP03... e imputou a culpa exclusiva do autor no evento.
*
O 2.º Réu respondeu à EMP03..., pugnando pela improcedência do pedido desta, atribuindo competência aos Tribunais do Trabalho e alegando caso julgado de decisão dada por esses e atribuiu a culpa efetiva e exclusiva do Autor para a produção do evento.
*
A 1.ª Ré respondeu à EMP03..., concluindo pela improcedência do pedido desta, atribuindo competência aos Tribunais do Trabalho e alegando caso julgado de decisão dada por esses e atribuiu a culpa efetiva e exclusiva do Autor para a produção do evento.
*
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, datado de 7.11.2022, que indeferiu a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, a excepção de caso julgado, julgou prejudicado o conhecimento da excepção da ineptidão da p.i., e improcedentes as excepções de ilegitimidade da EMP03... e do ISS,IPP, e julgou procedente a ilegitimidade substantiva da 3.ª Ré, absolvendo-a do pedido.
Foi também prolatado despacho que fixou o valor à causa, procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como admitiu os meios de prova(ref.ª ...28).
*
O ISS, IP veio desistir da instância, o que não mereceu oposição e foi homologado por despacho transitado em julgado.
*
Procedeu-se a audiência de julgamento (ref.ªs ...42 e ...34).
*
Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...14), nos termos da qual julgou «improcedente a ação proposta por AA e a que se associou a EMP03... Companhia de Seguros SA e, por via disso», decidiu «absolver do peticionado os RR, EMP01..., Lda e CC».
*
Inconformadas, quer o autor, quer a interveniente EMP03... Companhia de Seguros, SA, interpuseram (separadamente) recurso da sentença (ref.ªs ...98 e ...85).
A terminar as respectivas alegações, a interveniente EMP03... formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Ao decidir da forma que decidiu o Douto Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da lei e uma má aplicação da mesma aos factos. 2. Em primeiro lugar, a Douta Sentença enferma de deficiência da decisão de facto decorrente da falta de apreciação e de inclusão, na matéria de facto provada ou não provada, de factos da causa alegados pela Apelante. 3. A Apelante alegou no seu requerimento de intervenção além do mais, que procedeu a pagamentos ao Autor /sinistrado quantias a título de Incapacidades temporárias absolutas e parciais, capital de remição e despesas médicas, medicamentosas, hospitalares, de tratamento, etc para tratamento das lesões sofridas com o acidente de trabalho sofrido, num total de 13.204,34 €. 4. Contudo, o Douto Tribunal a quo apenas deu como provado o pagamento de 6.215,04 € ao sinistrado no âmbito do Tribunal do Trabalho. 5. Não obstante, ter sido produzida prova vasta sobre a matéria alegada e bastante para ser a mesma dada como provada. 6. De facto, não só a Apelante apresentou documentos que comprovavam tais pagamentos, como também produziu prova testemunhal. 7. Aliás na motivação da matéria de facto, o Douto Tribunal a quo refere que os documentos “não mereceram nem merecem qualquer reparo e donde se extrai com simplicidade tal factualidade.” 8. E não obstante tal menção, não deu tais factos como provados, nem sequer como não provados. Omite-os, simplesmente. 9. E mesmo que por ventura e sem conceber ou conceder, se entendesse que não havia sido produzida prova sobre os mesmos, deveriam encontrar-se, pelo menos, no rol dos factos não provados. 10. Mas nem isso sucede. Pois que, o Douto Tribunal a quo não só omite os factos na relação dos factos provados, como também os omite no elenco dos factos não provados. 11. Devendo por isso mesmo, e neste conspecto, passar a ampliar-se os factos provados. 12. Ou seja, deverá por força da prova profícua produzida quer documental, quer testemunhalmente, o facto 43 dos factos provados, passar a ter a seguinte redação que se sugere: “Facto 43. No âmbito do processo de acidente trabalho (Proc. nº 3964/19....), o Autor recebeu da EMP03... – Companhia de Seguros, S.A. a quantia de 6.215,04 €, a título de capital de remição e os respetivos juros de mora no montante de 415,47 €.” 13. Deverá ainda ampliar-se a matéria de facto com os seguintes factos à matéria dada como provada, por ter sido alvo de produção de prova: Facto 43-a. “A EMP03... – Companhia de Seguros, S.A. liquidou: - ao Autor as quantias de 2.418,46 €, 98,25 € e 30,23 € referentes a I.T.A. de 15.01.2019 a 22.05.2019, I.T.P. de 20 % de 23.05.2019 a 17.06.2019 e I.T.P. de 10 % de 18.06.2019 a 03.07.2019 respectivamente.” - o montante de 2.620,00 € com consultas médicas e cirurgia realizada ao Autor” - o montante de 811,90 € com despesas médicas realizadas ao Autor.” - o montante de 195,79 €, com despesas de elementos auxiliares de diagnóstico”. - o montante de250,00 € com despesas com transportes para tratamento realizados pelo Autor.” - o montante de 132,60 € com despesas judiciais”. 14. Deverá, igualmente, o ponto 24. Dos factos provados ser igualmente alvo de impugnação. 15. Refere o ponto 24. que: “no seguimento da ocorrência, a GNR e o ACT compareceram no local e, das averiguações que levaram a cabo, não tendo estes concluído por qualquer tipo de responsabilidade da ré EMP01..., ou dos seus funcionários, na verificação do sinistro.” 16. Ora, tal facto tal como aí consta, não pode vir a ser dado como provado uma vez que, pelo menos o documento do ACT, junto com refª ...69, que consiste no inquérito de acidente de trabalho, e não impugnado por quaisquer das partes, assim o infirma. 17. Estamos assim, perante uma omissão de factos na descrição da matéria de facto, a demandar a sua ampliação em sede de recurso, nos termos previstos no art.º 662º nº2, alínea c) do C.P.C. 18. Significa isso, por outro lado, que, se considerando, como se considera, indispensável a ampliação da matéria de facto, e constarem (como constam) do processo os elementos de prova que permitam aquela ampliação, pode-se requerer ao tribunal da Relação que proceda à alteração da decisão da matéria de facto no sentido pretendido, assim desencadeando os poderes do tribunal de recurso mencionados no citado art.º 662º - que podem ser exercidos, requerimento da parte, ou mesmo oficiosamente. 19.Assim da simples leitura do relatório de inquérito de acidente de trabalho levado a cabo pelo ACT, se infirma por completo a alusão a que o ACT não concluiu por qualquer tipo de responsabilidade dos réus. 20.Outrossim entendeu que se verificou, na eclosão do acidente, uma infeliz sucessão de acontecimentos, evidenciando-se a desatenção e menos cuidado de ambas as partes - manobrador e sinistrado. 21. Desta forma do ponto 24 dos factos provados deverá ser retirada a matéria relativa à alegada conclusão da averiguação do ACT relativa à ausência de responsabilidade dos réus. 22. Assim, o teor do ponto 24 dos factos provados não resulta de qualquer prova que tenha sido validamente efectuada sobre o mesmo. 23. Não deve o Douto Tribunal a quo ignorar o documento. 24. Nesta medida, o ponto 24 dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação que ora se sugere: “No seguimento da ocorrência, a GNR e o ACT compareceram no local, tendo GNR elaborado relatório de serviço com relato dos factos pelos intervenientes e o ACT levado a cabo averiguações que no âmbito do inquérito de acidente de trabalho concluiu que “este acidente parece ter tido origem numa infeliz sucessão de acontecimentos, imprevisíveis, involuntários, em que a desatenção ou menos cuidado de ambas as partes potenciaram o ocorrido iso é, o choque com o referido equipamento uma vez que não se evidencia se foi acautelada a distância de segurança entre a máquina manobrada e o trabalhador envolvente no raio de ação da referida máquina.”” 25. Dirimida que está a questão da impugnação da matéria de facto sempre se dirá que o Douto tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito aos factos, em termos de responsabilidade. 26. Ter-se-á de analisar criticamente a decisão tomada pelo Douto Tribunal a quo, pois que ao invés do decidido, encontram-se todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual preenchidos. 27. Assim, verifica-se a existência do facto voluntário do agente, i.e., embate da máquina no A. 28. Tal facto é ilícito, uma vez que, atentas as lesões físicas sofridas pelo Autor, traduz-se na violação de um direito de personalidade, a integridade física. 29. E do mesmo resultou um dano, i.e. resultou que o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial e as despesas em que a Apelante incorreu na prestação de cuidados àquele e respectivas indemnizações. 30. E este dano resultou do facto ilícito imputado ao 2º R. 31. O qual agiu com inegável culpa, uma vez que o seu comportamento se mostrou reprovável e censurável. 32. Ora, resulta dos factos provados que o trabalho que estava a ser executado pelo R. manobrador da máquina, consistia na realização de trabalhos de EMP01... para abertura de um caminho no terreno exterior, com auxílio de máquina mini giratória. 33. E foi no movimento de marcha atrás, e enquanto recuava, que a máquina veio a atingir o A.. 34. Ora, na situação dos autos encontramo-nos perante um contexto de obra em várias vertentes, designadamente com a presença de, pelo menos, uma máquina de grandes dimensões - como era o caso da dos autos - em movimento, com a presença de trabalhadores apeados em movimento, com a presença de materiais de diversos tipos, com a presença de diverso tipo de ferramenta. Tudo em simultâneo. 35. Pelo que, quem conduz e manobra este tipo de máquinas, como era o caso da mini- giratória, tendo conhecimento perfeito do ambiente em que labora, tem de, aquando das suas movimentações, quer para a frente, quer para trás, munir-se de todas as cautelas para que, no decurso dessas movimentações, não entre em rota de colisão, quer com pessoas, quer com materiais, quer com ferramentas existentes e depositadas no local, ou mesmo com outras máquinas em movimento. 36. A um manobrador, in casu o segundo réu, é exigível que, em cada movimentação que faz - e por que está a movimentar uma máquina de grandes dimensões - que tome todos os cuidados de forma a garantir que, de qualquer dessas movimentações - quer para a frente, quer para trás, não resulte perigo para qualquer dos restantes elementos presentes na obra. 37. O segundo réu, enquanto manobrador da máquina, ao fazer a manobra de marcha atrás e ao ter atingido o Autor com a mesma, fê-lo sem atentar na circulação/presença de outros trabalhadores que, no local efetuavam outras atividades, e por conseguinte, não agiu com a diligência devida. 38. E não se diga que a máquina possui sinalização sonora quando recua em marcha atrás, numa tentativa de “branquear” o comportamento do manobrador, “desculpando-o”. 39. Com efeito, o facto de a máquina, emitir um sinal sonoro, não é por si suficiente, nem justifica, que o seu manobrador não tome todas as providências e se assegure que pode iniciar a manobra de marcha atrás sem pôr em perigo o que o rodeia. 40. Pois que, o manobrador, mesmo sabendo que a máquina possui um sinal sonoro para a manobra de marcha atrás, não pode olvidar que naquele ambiente, a probabilidade de se encontrarem próximos, outros trabalhadores é enorme. 41. E note-se que, de acordo com os factos provados, o manobrador terá olhado pelos espelhos retrovisores antes de fazer a manobra de marcha-atrás. 42. Contudo, sabendo como é um palco de uma obra de construção civil, o manobrador deveria manter-se a olhar para os espelhos retrovisores durante a realização da manobra. 43. Pois que, entre o momento em que um manobrador olha para os espelhos retrovisores antes de realizar a manobra e a efetiva realização da mesma e o trajeto que percorre, decorrem alguns momentos, em que poderão surgir outros trabalhadores na zona. 44. E tanto assim é que, se colocarmos a questão relativa à atuação do 2º R. sob ponto de vista do “bom pai de família”, chegamos facilmente à conclusão que este agiria de forma diversa. 45. O “bom pai de família”, ao manobrar uma máquina daquele “porte” realizando marcha atrás, verificaria, antes de iniciar a marcha, se se encontrava algum obstáculo, fosse ele humano ou outro, e manteria, na realização da manobra, o seu olhar no sentido em que se dirigia, ou seja, para trás, no intuito de aferir se porventura havia surgido algo de novo nas imediações. 46. Aliás, o olhar e atenção para a sua retaguarda na realização da marcha-atrás, são evidentes e de desnecessária menção. Tal como a atenção e o olhar em frente, quando a marcha é para a frente. 47. Trata-se de tão clara evidência que desmereceria ter de se fazer referência a ela. 48. Mas aparentemente ter-se-á de chamar a atenção para as evidências, por mais que elas sejam gritantes. 49. Em zona de coexistência, é expectável e mesmo exigido que quem tem de realizar uma manobra contrária ao sentido em que se seguia, e porque não tem uma visão ampla e “limpa” do local para onde se dirige - uma vez que se encontra de costas – seja mais cauteloso e prudente nessa manobra. 50. Pelo que, se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. 51. Por outro lado, a lei não define o que deva entender-se por actividade perigosa, limitando-se a fornecer ao intérprete uma directiva genérica para sua identificação, apenas admitindo que ela possa derivar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios empregues, nem sendo viável um conceito que abarque todos os casos. 52. O emprego de uma máquina mini-giratória na realização da obra em causa, envolve uma maior probabilidade de causar danos a terceiros, não só pela dimensão da máquina, como pela forma de movimentação da mesma, para a frente, para trás, encontrando-se o seu manobrador, muitas vezes, de costas para o local onde vai intervir. 53. A EMP01... com recurso a máquina mini-giratória com lagartas, em ambiente de obra, com peões e outras máquinas também em movimento, agrava o risco, e deste decorre maior probabilidade de ocorrerem danos em terceiros. 54. O meio empregue na realização da operação que estava em curso, sendo manifestamente desproporcional relativamente ao restante contexto de obra, aumenta a perigosidade perante peões que se movimentam no mesmo contexto. 55. Assim, verificando-se que o meio empregue na realização daquela operação específica aumentou o risco da produção de dano, tendo chegado mesmo a provocá-lo, tem d considerar-se a atividade desenvolvida pelos RR. como perigosa, e enquadrável no âmbito do n.º 2 do artigo 493º do Código Civil. 56. Enquadrando-se a utilização da mini-giratória no artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, caberia aos RR. afastar a presunção de culpa, demonstrando que foram tomadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, o que manifestamente não sucedeu. 57. Uma das providências que podia e devia ter sido tomada era a de não permitir que o seu manobrador iniciasse a manobra de marcha atrás sem que, não só previamente tivesse verificado se o podia fazer em condições de segurança e sem perigo de colisão com o colega apeado como também que no decurso da realização da manobra deveria continuar a verificar a sua retaguarda pois que era esse o seu sentido de marcha. 58. Assim, se conclui indiscutivelmente pela responsabilidade dos RR. dado a actividade em causa ser considerada perigosa e a respectiva presunção de culpa, não ter sido afastada por aquelas. 59. Pelo que, deve a Douta Sentença ora recorrida ser revogada, assim se condenando os Recorridos no pedido, fazendo como sempre e habitualmente inteira e sã JUSTIÇA.
Nestes termos e nos melhores de direito a suprir por Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado devendo a sentença recorrida ser revogada, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.».
*
Por sua vez, o Autor finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem): «1 - O recurso versa sobre a decisão da matéria de facto e sobre a decisão da matéria de direito e colhe fundamento na violação da lei por erro de interpretação e de aplicação e determinação das normas aplicáveis, designadamente, dos artigos 5º, 414º, 574º e 564º, 574º e 607º,4 e 5 do CPC, 9º, 10º, 342º, 483º, 493º, 501, 503º 562º, 563º, 564º e 566º do CC e artigo 2º da CRP- 2 O Recorrente Impugna os pontos de facto considerados provados, por erro na apreciação e valoração da prova constante dos autos dos autos, designadamente da produzida em audiência de Julgamento. 3 Ponto de facto 11: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h 4 A lei impõe a resolução da dúvida contra a parte a quem o facto aproveita (Art. 414º do CPC). 5 Este ponto de facto deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou considerado não provado. 6 Ponto de facto 12: “Para fundamentação do recurso, indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 7 Este ponto de facto deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou considerado não provado. 8 Ponto de facto 13: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 9 Este ponto de facto deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada. 10 Ponto de facto 14: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 11 A decisão de considerar provado este ponto de facto, resulta de manifesta inversão do silogismo judiciário, pelo que deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada. 12 Ponto de facto 15: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 13 Este ponto de facto considerado provado deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou considerado não provado. 14 Ponto 16: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 15 Este ponto de facto considerado provado deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou julgado não provado. 16 Ponto de facto 17: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 17 Este ponto de facto considerado provado deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou considerado não provado. 18 Ponto de facto 18: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 19 Este ponto de facto considerado provado, que, consequentemente, deve ser eliminado da decisão da matéria de julgada provada ou considerado não provado. 20 Ponto A: A 1ª Ré, entidade empregadora do 2º Réu, operador da máquina aceitou que “o Autor estava a desenvolver trabalhos na mesma obra que o 2º Reu (com a máquina mini-giratória) desenvolvia os seus trabalhos”, como resulta da confrontação do artigos 4º e 4ºA da petição e do artigos 52º, 53º e 54º da referida contestação, pelo que assim deve ser reconhecido por acordo das partes. 21 Ademais, para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 22 A prova produzida, corretamente analisada e ponderada, conduz à consideração deste facto como provado, nos seguintes termos: “O Autor estava a desenvolver trabalhos no mesma obra em que o 2º Reu (com a máquina mini-giratória) desenvolvia os seus trabalhos.” 23 Ponto C: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 24 Deve ser considerado provado: “A máquina de rastos colheu o AA após começar a recuar e andar de marcha atrás cerca de 30 centímetros” 25 Ponto E: Para fundamentação do recurso indicam-se passagens da gravação do Depoimento do 2ª Réu gravado no dia 31/01/2024 das 10:30h às 11:07h; e passagens da gravação do depoimento do Autor gravado no dia 31.01.2024, das 11:07h às 12:07h. 26 O 2º Réu fez a marcha atrás inadvertidamente. E assim deve ser considerado este ponto, 27 A Ré, comitente, aceitou, na sua contestação, a existência do acidente, que o autor foi atropelado pela máquina conduzida pelo Réu comissário e, o seu circunstancialismo . 28 Havendo uma relação de comitente comissário os factos relativos ao acidente, são, necessariamente, do conhecimento da Ré comitente 29 Acresce ainda que as partes aceitaram os factos trazidos pelo relatório do ACT que descreve a dinâmica do acidente pelo que os factos ali relatados devem ser dados como provados. 30 O regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho aprovado pela Lei 102/20029 de 10 de Setembro, no seu artigo 4º alínea e) define o local de trabalho como : - « o lugar em que o trabalhador se encontre ou de onde para onde deva dirigir-se em virtude do seu trabalho, no qual esteja direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador » 31 Nos termos do artigo 79 do mesmo diploma sob e epigrafe“ Atividades ou trabalhos de risco elevado “ estipula o corpo do artigo “ Para efeitos da presente Lei, são considerados trabalhos de risco elevado : alínea a) “ Trabalhos em obra de construção, escavação, movimentação de terras, de tuneis, com riscos de queda de altura ou de soterramento, demolições e intervenção em ferrovias, rodovias …” 32 Isto, para dizer que o A. se encontrava no seu local de trabalho e a atividade ou trabalhos que exerciam os RR. , nomeadamente, o 2º R. condutor da máquina de EMP01..., em funções, constituía uma atividade de risco elevado. 33 O Dec. Lei 273/2003 de 29 de Outubro regula as condições de segurança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários ou móveis e estabelece as regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança higiene e saúde no trabalho, aplicando-se a todas as atividades, nomeadamente, escavação, EMP01..., construção, ampliação, alteração, reparação, restauro… artigo 2º deste diploma. 34 E, nos termos dos artigos, 4º, 5º 6º e 7º é obrigatório o plano de segurança da obra, estando os subempreiteiros obrigados a cumprir plano de segurança, nos termos do artigo 13 nº 4 da referida Lei 273/2003. 35 Estavam os RR. obrigados a executar e cumprir esse plano de segurança para evitar riscos para os trabalhadores que ali exerciam a sua atividade. 36 Fizeram-no sem qualquer plano de segurança e sem qualquer preocupação com os trabalhadores envolvidos na obra, nomeadamente o Autor AA. 37 Não colocaram uma simples fita a demarcar ou isolar o local onde a maquina de EMP01... laborava e que veio a colher o Autor. 38 Não pode restar dúvidas que a atividade que Ré, subempreiteira, por intermédio do segundo R. exercia n o local – EMP01... – constitui atividade perigosa – com risco elevado. 39 O Prof. Antunes Varela em analise a esta disposição legal ensina que por um lado se estabeleceu uma norma de responsabilidade civil baseada na culpa presumida do agente que exercer a atividade perigosa da qual emergem danos e que por outro lado, só a adoção de todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir exonera o agente da respetiva responsabilidade civil. 40 Em rigor, no exercício da sua atividade perigosa aos RR. nunca lhes bastava provar que agiram com os cuidados de um homem médio, em circunstâncias normais conforme exige o artigo 487 nº 2 do CC. Decorre da perigosidade atividade em causa ( EMP01... com uma máquina de lagartas e de dimensão avultada ) a obrigação assente no principio geral do perigo e os deveres que recaiam sobre os RR. são deveres especiais de cuidado. 41 O Agente só ilide a presunção de culpa se provar que praticou todos aos atos ao seu alcance para combater o perigo resultante da sua atividade. 42 Seguramente não o fez. As conclusões do Tribunal sobre a prova produzida são completamente inaceitáveis e à revelia da prova produzida em audiência de julgamento; 43 Em conformidade, deve ser imputada aos Réus a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor em resultado do acidente produzido pela máquina-giratória que, com as suas lagartas, colheu o Autor em manobra de marcha-atrás. 44 No caso concreto os RR. não tomaram qualquer providencia para evitar o acidente. Não elencaram os riscos da sua atividade e não os diminuíram, tendo pelo contrário um comportamento de desleixo e censurável. 45 O STJ no seu acórdão de 13 de Março de 2007 esclarece que“ as situações enquadráveis no artigo 493 nº2 do CC a presunção de culpa do agente é ilidida pela demonstração que atuou não apenas como teria atuado o bom pai de família pressuposto do artigo 487 nº1 – uma pessoa medianamente cautelosa, atenta, informada e sagaz -mas, mais do que isso empregando todas as providencias exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. Donde “o caso previsto neste art.º 493º, nº 2, representa uma responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada – uma solução intermédia entre uma e outra – de modo tal que o lesante, insiste-se, só fica exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que actua, para evitar a eclosão dos danos”. 46 Acresce que estamos perante uma relação comitente / comissário com presunção de culpa, por força do artigo 503º do CC. 47 Sobre a dinâmica do acidente não foram trazidas testemunhas, ficando o Tribunal dependente das declarações do A. atropelado e R. atropelante e do relatório ao ACT aceite pelas partes e, ainda, dos factos confessados em sede de articulados. 48 Dispõe o art.º 483.º n.º 1 do CC: «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.» 49 Como se sabe são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme Doutrina assente; i) o facto voluntário do agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) a atuação com culpa do agente; iv) a ocorrência de dano; v) o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. 50 Estamos perante um acidente ocorrido com a utilização de máquinas e na construção civil ou na EMP01... enquadrável na presunção da culpa, conforme prescreve o art.º 493.º n.º2 do CC: «Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigos a por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.» 51 A Jurisprudência dominante considera atividade perigosa, geradora de culpa presumida, todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito com determinado meio dotado de elevada potencialidade para causar danos, designadamente escavações. 52 Dos factos considerados e a considerar provados, de acordo com o presente recurso, não resultam dúvidas que o 2º Réu, manobrava a máquina escavadora, por si controlável, dominável. 53 Outrossim não restam dúvidas quanto à violação da integridade física do Autor, por atingida pelo 2º Réu na realização de manobras de uma máquina em exercício de atividade perigosa. 54 Acresce não resultarem dúvidas de que, diante da factualidade apurada corrigida em conformidade com os fundamentos do recurso dobe a decisão da matéria de facto, que o Autor sofreu ferimentos, nomeadamente no membro inferior esquerdo, e que, na sequência dos mesmos, foi sujeito a vários tratamentos médicos e medicamentosos, dores, privações (de trabalho e consequente rendimento deste provindo) e que, apesar daqueles tratamentos, passou a padecer de sequelas físicas e emocionais, que inclusive lhe demandam mais esforço para a realização de atividades e perda da capacidade de ganho. 55 E que tais ferimentos, constrangimentos e sequelas advieram do embate sofrido com a máquina mini giratória em movimento, não sendo aqueles surgidos em consequência de caso fortuito ou de força maior como, aqui, diz – bem – decisão sindicada. 56 Estão preenchidos os requisitos de facto, de ilicitude, do dano e do nexo de causalidade. 57 E, e outrossim a culpa do 2º Réu, que, na execução dos seus trabalhos executou uma manobra de marcha atrás, com a mini-giratória, no âmbito das suas aptidões e concretas funções que lhe estavam cometidas, procedeu sem a necessária cautela e diligências necessárias, não verificando, designadamente, pelos espelhos retrovisores, como se impunha, que o Autor estava a atravessar a máquina pela parte de detrás, atuando inadvertidamente, colhendo-o com a lagarta da máquina, cerce de 30 centímetros depois de iniciar a marcha-atrás. 58 Devem, assim, os RR. serrem condenados conforme o peticionado. 59 E, a indemnização fixada de acordo com o relatório do IML e com recurso ao principio da equidade . 60 A Decisão sindicada violou, designadamente, o disposto nos artigos 5º, 414º,574º e 564º,574º e 607º,4 e 5 do CPC,9º,10º,342º,483º,493º,501, 503º 562º, 563º, 564º e 566º do CC e artigo 2º da CRP. Termos em que deve o presente recurso de apelação de facto e de direito, ser julgado procedente e os RR. condenados de acordo com o pedido formulado em sede de petição inicial, com todas as consequências legais».
*
A 1ª Ré, EMP01..., Lda, apresentou resposta às alegações dos recorrentes, que incluiu um pedido de ampliação do âmbito do recurso, apresentando as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem na parte que têm por objeto a ampliação do recurso) – (ref.ª ...22). «(…) 39. A ora Recorrente suscitou, em sede de alegações finais, a questão da litigância de má-fé do Autor, atenta a gritante e manifesta evidência de conduta processualmente reprovável por parte do Autor. 40. Formalmente convidado a deduzir contraditório pela Meritíssima Juíza a quo, o Autor, nada disse. 41. A Douta Sentença em equação não toma posição quanto ao pedido formulado de condenação por litigância de má-fé. 42. Assim, a proceder a pretensão dos Recorrentes, requer-se a ampliação do objecto do recurso (art.º 636.º CPC) tendo por finalidade a apreciação da condenação do Autor como litigante de má-fé. 43. De facto, o ora Recorrente entende que tamanha afronta aos mais elementares ditames da boa-fé não devem passar impunes, 44. Cabendo à justiça o papel de se mostrar implacável na censura a comportamentos que manifestamente se movem por mera tentativa de enriquecer à custa da mentira e do logro de todos os agentes judiciais. 45. No caso em apreço, a prova testemunhal e documental produzida é demonstrativa de um comportamento processual por parte do Autor manifestamente reprovável e ilícito passível de consubstanciar litigância de má-fé. Efectivamente, 46. Conforme supra expendido e resulta absolutamente cristalino, o Autor: - O Autor entra em expressa contradição com as declarações por si prestadas, nomeadamente, em sede de processo de trabalho; - O Autor, na sua Petição Inicial, apresenta uma versão dos factos que o próprio desmente em sede de declarações de parte; - A prova testemunhal e documental é demolidora na perspetiva de desmentir o Autor quanto às razões que o mesmo alegou serem determinantes da sua presença junto do local do acidente. 47. Neste sentido, e sem prejuízo do sempre devido respeito por opinião contrária, impunha-se, para a decisão a proferir, retirar as devidas conclusões de tais depoimentos, e concluir que o Autor alegou factos que, sendo por si conhecidos, os deturpou e “forjou” deliberadamente uma realidade fictícia mas apta aos fins pretendidos. 48. todos os factos alegados Autor, aglutinadores do direito que invoca, eram comprovadamente eram falsos – renova-se, facto que o próprio confirma ao desmentir o por si dito na própria petição inicial - que não meramente inexatos ou imprecisos, 49. mas absolutamente carenciados de qualquer fundamento, 50. sem qualquer indício mínimo de verdade, 51. e totalmente desprovidos de qualquer prova indiciária e/ou corroborados por qualquer tipo de suporte, documental e/ou testemunhal, 52. nada constando dos autos que permita sequer pôr a hipótese que o Autor AA se convenceu legitimamente de que os factos se verificaram da forma que os descreve, O Autor sabia e não podia ignorar, que correu termos no Tribunal da Comarca de Comarca de Braga, procuradoria do Juízo do Trabalho de Guimarães, P. Nº 3694/19..... 53. No âmbito do qual o próprio prestou declarações determinantes para o resultado que aí obteve. 54. Das quais não decorre qualquer vislumbre de eventual responsabilidade dos Réus, seja a que título for. 55. Não obstante, despudoradamente, não se coibiu o Autor de se desacreditar frontalmente em sede de audiência de julgamento, dando o dito pelo não dito, agora plantando uma narrativa completamente nova, 56. Narrativa essa, ao arrepio de todas as evidências, incluso, documentais, convincente e totalmente desacreditadas pela prova testemunhal que não deixou margem para qualquer dúvida sobre qual o sentido da verdade 57. Neste sentido, o que resulta com suficiente clareza, é que o Autor concebeu/ficcionou, conscientemente, a alegação que se conhece, 58. não se podendo aceitar que se permita a uma parte dizer/acusar/imputar o que lhe aprouver em função da sua exclusiva e particular conveniência e em prejuízo direto da parte contrária sem o mínimo de sustentabilidade no que se alega, 59. não se reprimindo de afirmar e manter versão contrária à realidade, inclusive durante a audiência de discussão e julgamento, pelo que forçosamente se tem que concluir que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e que alterou a verdade dos factos, assim incorrendo na previsão do n.º 1 e als. b), c) e d) do n.º 2 do art.º 542º, do Cód. Proc. Civil. 60. no caso concreto, reitera-se, o Autor, pura e simplesmente, afirmou uma realidade e deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer tendo manipulado, consciente e intencionalmente a realidade com o manifesto propósito de iludir o julgador, consubstanciando puramente um meio para um fim. 61. o que consubstancia uso do processo de forma manifestamente reprovável, agindo dolosamente, com vista a entorpecer a ação da justiça e integra o estatuído nas citadas alíneas a), b) e c), preenchendo os requisitos para se concluir pela litigância de má fé por parte dos réus. 62. Sendo neste sentido legitimo à ora Recorrente exigir, além de condigna condenação em multa e indemnização segundo prudente arbítrio do tribunal, 63. Ao não condenar a Recorrida como litigante de má-fé a Sentença está a permitir intolerável “livre arbítrio” às partes no que contende com a boa fé processual exigível, suscetível de enormes injustiças como a que se verificou neste caso, assim fazendo incorrecta aplicação das normas dos n.º 1 e als. a), b) e c) do n.º 2 do art.º 542º, do Cód. Proc. Civil
Termos em que, Não deverá ser dado provimento ao recurso apresentado pela Autora/Recorrente e, consequentemente deverá manter-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!»
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...66).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso
O objecto do(s) recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) - Da responsabilidade civil por actividades perigosas (art. 493.º, n.º 2, do Código Civil);
iii) - Da culpa efetiva do 2º Réu;
iv) - Da relação comitente/comissário entre a 1ª Ré e o 2ª Réu (art. 503.º, n.º 1, do Código Civil);
v) - Da ampliação do objeto do recurso deduzida pela 2ª Ré.
*
III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. À data e local dos factos, estava adjudicada à sociedade EMP04... Unipessoal Lda, a reconstrução/edificação de uma moradia, sita na Rua ..., em ..., ....
2. À data e local dos factos, o Autor era trabalhador da construção civil e fazia-o, no local, por conta e ordens da sociedade EMP04... Unipessoal Lda, NIPC ...00, com sede no lugar ..., freguesia ..., ....
3. À data e local dos factos, a 1.ª Ré prestava serviço de «preliminares de acesso e limpeza do terreno» no exterior da moradia para a entidade empregadora do Autor, a sociedade EMP04... Unipessoal Lda. - contrato empreitada.
4. À data e local dos factos, o 2.º Réu, BB, era o condutor e manobrador de uma mini-giratória, marca ..., com 8ton e dotada de lagartas e fazia os trabalhos de EMP01... por conta e ordens da 1.ª Ré.
5. O 2.º Réu BB era funcionário da Ré EMP01... desde ../../2014, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de condutor manobrador.
6. À data dos factos, a 1.ª Ré havia facultativamente transferido a responsabilidade civil por acidentes ocorridos com a máquina supra referenciada, em laboração, para a 3.ª Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...83.
7. No dia 14 de Janeiro de 2019, cerca das 08h45, na obra id. em 1, ocorreu um sinistro em que intervieram o Autor AA e a mini-giratória id. em 4 manobrada pelo 2.º Réu.
8. À data, a sociedade EMP04..., lda., através dos seus funcionários – entre eles o Autor – procedia a trabalhos de demolição na habitação a reconstruir (retirada de telhas).
9. Por sua vez, o 2.º Réu (ao serviço da 1.ª Ré) fazia os trabalhos de EMP01... para abertura de um caminho no terreno exterior.
10. Na execução dos trabalhos, o 2.º Réu executou uma manobra de marcha-atrás com a mini-giratória.
11. De forma súbita, o Autor colocou-se atrás da máquina, no exato enfiamento da trajetória que a máquina realizava em marcha-atrás,
12. Obstruindo, assim, a linha de rumo desse máquina e
13. Fazendo com que a máquina lhe tocasse, fizesse cair ao chão e lhe colhesse o membro inferior esquerdo do Autor.
14. O Autor não tinha ordens, orientações ou justificação plausível para se deslocar para trás da máquina mini-giratória em laboração.
15. O A. colocou-se na traseira da máquina sem se fazer notar, de forma inusitada e sem atender às circunstancias envolventes (máquina em laboração).
16. Quando o Autor decidiu caminhar em direção à parte traseira da máquina e se colocar na sua linha de rumo, essa máquina era-lhe perfeitamente visível e estava já a circular em marcha-atrás, com o sistema de aviso sonoro acionado.
17. Ainda assim, desprezando a sua própria segurança, o Autor colocou-se na trajetória da dita máquina e atrás desta.
18. O 2.º Réu BB, no âmbito das suas aptidões e concretas funções que lhe estavam acometidas, procedeu com a cautela e diligência necessárias, tendo olhado pelos espelhos retrovisores que existem na máquina, antes de fazer a manobra de marcha-atrás,
19. A uma velocidade não superior à de 5 km/h e com o sistema de aviso sonoro em funcionamento.
20. A máquina estava em perfeitas condições de operar, ao tempo dos factos (todos os documentos inerentes foram juntos do ACT).
21. A máquina em questão atinge uma velocidade máxima de 2,5km/h/4,5km/h e emite, como mecanismo de segurança, um sinal sonoro quando em marcha atrás, perfeitamente audível e no decurso da realização dessa manobra.
22. A máquina estava a operar no meio para o qual foi expressamente pensada, de EMP01..., concretamente, na execução de trabalhos de EMP01... no exterior da indicada moradia, nomeadamente para abertura de um caminho no respetivo espaço adjacente, ou logradouro, local esse vedado ao público e sinalizado como obra.
23. A obra estava sinalizada, demarcada e não foi objeto de auto de contra ordenação.
24. No seguimento da ocorrência, a GNR e o ACT compareceram no local e, das averiguações que levaram a cabo, não tendo estes concluído por qualquer tipo de responsabilidade da Ré EMP01..., ou dos seus funcionários, na verificação do sinistro.
25. Como consequência do evento, o Autor sofreu ferimentos ao nível do seu membro inferior e foi socorrido pelos Bombeiros Voluntários de ..., que o conduziram ao Hospital ..., onde lhe foi prestada assistência e feitos exames.
26. Durante a sua permanência hospitalar, o Autor apresentou dor e foi-lhe diagnosticado: fratura cominutiva com vários fragmentos da diáfise distal do perónio e do maléolo peronial, fratura obliqua do maléolo com extensão intra-articular; diminuto arrancamento ósseo no suporte articular externo da tíbia; densificação difusa do tecido celular subcutâneo envolvente; infiltração hemática dos músculos da vertente interna da raiz da coxa esquerda com hematoma associado na espessura do tecido celular e subcutâneo com um diâmetro de 59 cm; o músculo obturador interno esquerdo também apresenta espessura ligeiramente aumentada com o mesmo significado provável.
27. O Autor foi, depois, operado no Hospital ..., em Guimarães;
28. Andou com tala de gesso;
29. Fez tratamento de Medicina Física e de reabilitação em ...;
30. Sofreu imensas dores, em grau de 4/7.
31. As lesões consolidaram-se a 03.07.20219.
32. Por força das lesões supra id., o Autor esteve sem autonomia total (DFTT) para realizar os actos correntes da vida diária, familiar e social, durante 4 dias.
33. Por força das lesões supra id., o Autor esteve sem autonomia parcial (DFTP) para realizar os actos correntes da vida diária, familiar e social, durante 167 dias.
34. O que se repercutiu, de forma temporária e total, isto é, na ausência à atividade profissional em 171 dias.
35. Destas lesões e/ou seu tratamento, resultou em definitivo no corpo do Autor: cicatriz ao nível do maléolo interno com 10 cm e externo de 15 cm; limitação da mobilidade articular dorsiflexão – 0-10º e da Flexão plantar 0-20º,
36. O que corresponde a uma afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, de 7,00 pontos.
37. Estas sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
38. No futuro e para ultrapassar as suas dificuldades funcionais nas situações do quotidiano, o Autor poderá ver antecipada artrose da articulação tibiotársica, precisando da toma de analgésicos/anti-inflamatórios.
39. Por ter ficado a padecer de cicatrizes e de claudicar, a imagem que o Autor tem sobre si próprio sofreu abalo em grau 2/7.
40. À data do evento, o Autor tinha 56 anos de idade.
41. À data do evento e como trabalhador da construção civil, o Autor auferia o salário mensal de 600,00 € (x14 meses) e subsídio de alimentação mensal de € 132,00.
42. Devido ao evento, deixou de auferir tais quantias.
43. No âmbito do processo de acidente de trabalho (Proc. Nº 3964/19...), o Autor recebeu da EMP03... –Companhia de Seguros SA. a quantia de 6 215,04 €.
44. A titulo de concessão provisória de subsídio de doença, o Centro Distrital .../Instituto de Solidariedade Social entregou ao Autor a quantia de € 134,86, entre o período de 12.08.2019 e 07.09.2019.
*
Com relevo para a decisão da causa, deu como não provado:
A. O Autor estava a desenvolver o seu trabalho no mesmo local que o 2.º Réu (com a máquina mini-giratória) desenvolvia os seus trabalhos.
B. O Autor estava e tinha de estar a trabalhar imediatamente atrás do 2.º Réu.
C. A máquina de rastos arrastou e apertou o Autor contra um muro ali existente.
D. O 2.º Réu fazia a manobra de marcha a trás, irrefletidamente e sem se aperceber, estando capaz e podendo, que o A. trabalhava imediatamente atrás de si.
E. O 2.º Réu fez a marcha-atrás inadvertidamente.
F. O Autor esteve internado 2 dias.
G. O Autor sofreu dores em grau de 5/7.
H. O Autor ficou a padecer de parestesia da face anterior da perna.
I. As lesões consolidaram-se em 31 de Agosto de 2019.
J. Pelo que só em setembro de 2019 o Autor conseguiu regressar ao trabalho.
K. Por força das lesões supra id., o Autor esteve sem autonomia total (DFTT) para realizar os actos correntes da vida diária, familiar e social, durante 5 dias.
L. Por força das lesões supra id., o Autor esteve sem autonomia parcial (DFTP) para realizar os actos correntes da vida diária, familiar e social, durante 225 dias.
M. As sequelas equivalem a uma afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, de 9,00 pontos.
N. Enquanto não pode trabalhar, o Autor perdeu €5.856,00 de rendimento do trabalho (salário e subsídio de refeição).
*
V. Fundamentação de direito.
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Em sede de recursos, ambos os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve(m) previamente o(s) recorrente(s), que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso constata-se que ambos os recorrente indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, bem como a redacção que deve ser dada quanto à factualidade que entendem estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação, procedendo à respetiva transcrição de alguns trechos dos depoimentos (de parte e testemunhais) que consideram relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º.
*
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Por referência às suas conclusões, extrai-se que a interveniente EMP03... Companhia de Seguros, SA, pretende:
i) - A ampliação da matéria de facto;
ii) – A alteração/modificação dos pontos 43 e 24 dos factos provados da sentença recorrida.
Por sua vez, o Autor/recorrente pretende:
iii) - A alteração (e ou eliminação da decisão da matéria de facto) da resposta positiva para negativa dos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados da sentença recorrida;
iv) - A alteração da resposta negativa para positiva das alíneas A, C, D e E dos factos não provados da sentença recorrida.
Iniciaremos a nossa análise pela impugnação deduzida pela interveniente EMP03....
a) Ponto 43 dos factos provados: Por força da prova documental junta aos autos (cfr. documentos constantes de fls. 189 a 206), que não foi questionada, nem impugnada, bem como do depoimento da testemunha DD, que presta serviços para a interveniente EMP03..., assiste razão à impugnante seguradora na impugnação formulada – no tocante à delimitação do pagamento feito a título de capital de remição e de juros de mora, assim como das demais prestações efetivadas pela seguradora EMP03... no âmbito da apólice de seguro de acidentes de trabalho –, pelo que o ponto fáctico em apreço passará a ter a seguinte redação:
43. No âmbito do processo de acidente trabalho (Proc. n.º 3964/19....), o Autor recebeu da EMP03... - Companhia de Seguros, S.A. a quantia de 6.215,04 €, a título de capital de remição e os respetivos juros de mora no montante de 415,47 €.
b) Amplia-se, por outro lado, a matéria de facto provada, aditando-se os seguintes factos:
43-a. A EMP03... – Companhia de Seguros, S.A. liquidou ainda:
- ao Autor as quantias de 2.418,46 €, 98,25 € e 30,23 € referentes a I.T.A. de 15.01.2019 a 22.05.2019, I.T.P. de 20 % de 23.05.2019 a 17.06.2019 e I.T.P. de 10 % de 18.06.2019 a 03.07.2019 respectivamente.
- o montante de 2.620,00 € com consultas médicas e cirurgia realizada ao Autor;
- o montante de 811,90 € com despesas médicas realizadas ao Autor;
- o montante de 195,79 €, com despesas de elementos auxiliares de diagnóstico;
- o montante de 250,00 €, com despesas com transportes para tratamento realizados pelo Autor”;
- o montante de 132,60 € com despesas judiciais;
c) - Ponto 24 dos factos provados:
O ponto fáctico impugnado tem o seguinte teor:
“24. No seguimento da ocorrência, a GNR e o ACT compareceram no local e, das averiguações que levaram a cabo, não tendo estes concluído por qualquer tipo de responsabilidade da Ré EMP01..., ou dos seus funcionários, na verificação do sinistro”.
Com relevância, destaca-se o auto deinquérito de acidente de trabalho n.º ...19 elaborado pela ACT[1], o qual – como bem assinala a recorrente EMP03... – não foi alvo de qualquer impugnação por nenhum dos sujeitos processuais.
De tal documento consta afirmado, entre o mais, que “envolvidos nos trabalhos encontravam-se os trabalhadores AA e EE. A 9/08/2019, desloquei-me junto da residência de cada um deles tendo o sinistrado alegado que ao pretender ir falar com o legal representante da empresa dirigiu-se pelo local onde estava a operar uma escavadora e não se tendo apercebido de que a mesma estivesse em circulação ao passar pela traseira da mesma sofreu um atropelamento. A referida escavadora estava a ser conduzida pelo trabalhador BB com a categoria de condutor manobrador, o qual não reparou que o trabalhador sinistrado estaria a passar pela traseira do equipamento. Assim, afigura-se existir alguns fatores que concorreram para o sinistro: atendendo ao facto de que a tarefa que o sinistrado desempenhava, ser considerada uma tarefa habitual, incluída no conjunto de funções do seu normal desempenho, familiarizado com a presença daquele equipamento em obra, afigura-se que este acidente parece ter tido origem numa infeliz sucessão de acontecimentos, imprevisíveis, involuntários, em que a desatenção ou menos cuidado de ambas as partes potenciaram o ocorrido isto é, o choque com o referido equipamento uma vez que não se evidencia se foi acautelada a distância de segurança entre a máquina manobrada e o trabalhador envolvente no raio de ação da referida máquina”.
Ora, diversamente do propugnado pela impugnante, da leitura do relatório de inquérito de acidente de trabalho levado a cabo pela ACT não se infirma a alusão de que esta entidade administrativa não concluiu por qualquer tipo de responsabilidade dos réus.
Embora aí se explicite que na eclosão do acidente verificou-se uma infeliz sucessão de acontecimentos, evidenciando-se a desatenção e menos cuidado de ambas as partes, que potenciaram o choque, a verdade é que acabou por não concluir pela responsabilidade de ambos os intervenientes ou, tão só, do condutor da máquina escavadora.
E, no final, limitou-se a sublinhar deverem “ser reforçadas a conjugação de medidas de formação/informação, junto dos locais de trabalho, a todos intervenientes em obra, de forma a evitar tarefas em simultâneo com máquinas em movimento.
E que, “apesar da existência no equipamento de sinalização sonora, deve-se promover a delimitação das zonas de circulação e ter sempre presente por parte de todos os operadores em obra de não invadir essas mesas zonas”.
Daí que a ACT tenha determinado a não remessa para o Tribunal do auto de inquérito n.º ...19, inexistindo fundamento para aplicação de qualquer contra-ordenação.
Já o “relatório de serviço” elaborado pela GNR[2] limita-se a transcrever as declarações do manobrador da máquina em causa, o 2º Réu, colhidas logo após o acidente, tendo igualmente procedido à recolha dos elementos identificativos de todos os intervenientes no sinistro.
Nesta parte assiste pois razão à impugnante, posto não ser curial dizer-se que, na sequência das averiguações levado a cabo pela GNR, esta tenha concluído pela inexistência de qualquer tipo de responsabilidade dos réus.
Assim, impõe-se a alteração do ponto 24 dos factos provados, passando este a vigorar com a seguinte redação:
24. No seguimento da ocorrência, a GNR e a ACT compareceram no local e, das averiguações levadas a cabo, esta não concluiu por qualquer tipo de responsabilidade da Ré EMP01..., ou dos seus funcionários, na verificação do sinistro.
Procede, assim, parcialmente a impugnação deduzida pela interveniente EMP03....
*
Impugnação deduzida pelo Autor.
No dizer do recorrente, o Tribunal “a quo” não apreciou nem valorou as provas dos autos, designadamente das produzidas em audiência de Julgamento, relativamente aos pontos de facto impugnados, «à luz dos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica e do bom senso».
Estão em causa, relembre-se, os pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados e as alíneas A, C, D e E dos factos não provados da sentença recorrida.
Os factos em apreço são atinentes à dinâmica do acidente objeto dos autos, reportando-se essencialmente à conduta do autor e à manobra levada a cabo pelo 2ª Réu com a máquina mini-giratória.
Há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos invocados pelo apelante.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar consignadas três breves notas:
i) Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, no sentido do apuramento dos factos controvertidos procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos invocados na apelação como justificadores da impugnação da matéria de facto [no caso, depoimento e declarações de parte quer do autor AA, quer do 2º Réu BB, bem como depoimentos das testemunhas EE (então colega de trabalho do autor) e FF (encarregado de obra)], assim como dos indicados na motivação da decisão recorrida, não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pelo apelante; para além disso, foram analisados todos os documentos referenciados.
ii) - No caso vertente, após a audição integral de tais depoimentos prestados e análise de toda a prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar, na íntegra, a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelo recorrente –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4, do CPC, fez uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida – não incorrendo na alegada inversão do silogismo judiciário –, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que (como melhor explicitaremos) nos merece adesão total.
iii) A demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto”[3]. O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança”[4].
Feito este breve parêntesis, e tentando contextualizar o acidente em discussão, mostra-se definitivamente demonstrado que:
- À data e local dos factos, estava adjudicada à sociedade EMP04... Unipessoal Lda, a reconstrução/edificação de uma moradia, sita na Rua ..., em ..., ....
- O Autor era, então, trabalhador da construção civil e fazia-o, no local, por conta e ordens da referida sociedade EMP04....
- A 1.ª Ré prestava serviço de «preliminares de acesso e limpeza do terreno» no exterior da moradia para a entidade empregadora do Autor, a sociedade EMP04... Unipessoal Lda, ao abrigo de um contrato de empreitada.
- O 2.º Réu, BB, era funcionário da 1ª Ré, EMP01..., exercendo as funções inerentes à categoria profissional de condutor manobrador, sendo o condutor e manobrador de uma mini-giratória, marca ..., com 8ton e dotada de lagartas, o qual fazia os trabalhos de terraplanagem, por conta e ordens da 1.ª Ré.
- No dia 14 de Janeiro de 2019, cerca das 08h45, na aludida obra, ocorreu um sinistro em que intervieram o Autor AA e a mencionada mini-giratória, manobrada pelo 2.º Réu.
- À data, a sociedade EMP04..., através dos seus funcionários – entre eles o Autor –, procedia a trabalhos de demolição na habitação a reconstruir (retirada de telhas).
- O 2.º Réu, ao serviço da 1.ª Ré, fazia os trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior.
- Na execução dos trabalhos, o 2.º Réu executou uma manobra de marcha-atrás com a mini-giratória, a uma velocidade não superior à de 5 km/h e com o sistema de aviso sonoro em funcionamento.
- A referida máquina estava em perfeitas condições de operar, ao tempo dos factos, a qual atinge uma velocidade máxima de 2,5km/h/4,5km/h e emite, como mecanismo de segurança, um sinal sonoro quando em marcha atrás, perfeitamente audível e no decurso da realização dessa manobra.
- A máquina estava a operar no meio para o qual foi expressamente pensada, de terraplanagem, concretamente, na execução de trabalhos de terraplanagem no exterior da indicada moradia, nomeadamente para abertura de um caminho no respetivo espaço adjacente, ou logradouro, local esse vedado ao público e sinalizado como obra.
- A obra estava sinalizada, demarcada e não foi objeto de auto de contra-ordenação.
Feita esta enunciação, fica por apurar qual o concreto comportamento adoptado por cada um dos intervenientes para a eclosão do acidente em apreço (atropelamento do autor, que foi colhido pela máquina mini-giratória), qual seja, o autor, enquanto funcionário da empreiteira EMP04..., e o 2ª Réu, manobrador da mini-giratória, enquanto funcionário da subempreiteira, 1.ª Ré.
Importa desde logo dar nota – como devidamente foi sublinhado pela Mm.ª Juíza “a quo” –, que, efetivamente, para além de Autor e do 2.º Réu, ninguém mais presenciou o acidente, por não se encontrarem no exato local do mesmo, sendo que os demais colegas de trabalho do autor quando aí ocorreram – a testemunha EE, alertada pelos gritos do autor, e a testemunha FF, que foi chamado ao local por aqueloutra testemunha–, já o acidente se havia produzido.
Assim, sem embargo da relevância que os depoimentos dos directos intervenientes possam assumir no apuramento dos factos em discussão – pois tanto o autor como o 2º Réu foram inquiridos em sede de depoimento/declarações de parte –, são também suscetíveis de revestir valia probatória os demais meios probatórios produzidos, submetidos à necessária valoração e apreciação crítica, concatenando com as regras de experiência comum.
Na enunciação que nos propomos fazer, seguiremos de perto a explanação feita pela Mm.ª Juíza “a quo” na motivação da decisão de facto porquanto, uma vez ouvidos na integralidade os depoimentos prestados e analisados os demais meios probatórios produzidos, podemos atestar que a mesma reproduz, com fidelidade e rigor, o teor e o sentido de tais depoimentos, além de que o juízo valorativo feito sobre os mesmos mostra-se fundado e é plausível.
Assim, no tocante à dinâmica do acidente, as declarações do 2.º Réu revelaram-se bem mais objetivas, lógicas e credíveis do que as declarações do Autor, apresentando este um depoimento confuso, ilógico e contraditório.
Para além do 2º Réu, as testemunhas EE e FF, colegas de trabalho do Autor, foram perentórias ao atestar que o local de trabalho do Autor era diferente e distanciado do do 1.º Réu (onde este manobrava com a máquina mini-giratória); especificamente, o autor encontrava-se adstrito à retirada de telha da casa/habitação que seria para reconstruir, «no lado oposto ao caminho a fazer pela máquina (FF, encarregado da obra) e que não havia razões, de trabalho ou pessoais (…), para ele se aproximar de tal área» e da referida «máquina (EE, colega, e FF, encarregado)». Já a intervenção do 2º R. processava-se no exterior da casa, efetuando os trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior.
Tratando-se do primeiro dia de trabalho naquela obra, a testemunha EE referiu que o local de trabalho que lhes foi adstrito pelo encarregado (FF) e onde estava a laborar juntamente com o Autor – na zona do telhado da casa, tendo por objeto a retirada de telhas, se bem que o A. não chegou a subir ao telhado –, ficava distanciado, pelo menos, cerca de 10 metros do local onde estavam a ser executados os trabalhos de terraplanagem com a mini-giratória, sendo que o Autor, de repente, ausentou-se daquele local, sem ter dado qualquer justificação e sem se perceber o motivo por que ele se deslocou para a zona onde estava a operar a máquina. Tanto mais que as instruções que tinham (dadas pelo encarregado) era para deixarem no chão as telhas retiradas (inexistindo dúvidas sobre esse tema).
Por sua vez, a testemunha FF, encarregado de obra, declarou que, chegados ao local da obra ao início da manhã, todos os envolvidos, incluindo o Autor, ficaram cientes das tarefas que lhes foram incumbidas, nomeadamente sabendo que iriam ser executados trabalhos com a máquina e a área dessa intervenção; o local de trabalho do autor situava-se do lado oposto onde a máquina manobrada pelo 2ª Réu iria operar (distanciando um do outro cerca de 10/12 metros) e consistia na retirada de telhas para que estas não caíssem no telheiro vizinho.
Ainda que posteriormente o Autor tivesse decidido ir ter com ele – se bem que não veja qualquer razão nesse sentido, pois deu as devidas instruções para a execução dos trabalhos –, a testemunha FF não entende a razão da presença do Autor no local do acidente (onde a máquina estava a operar), pois não seria por aquele local que tinha que se dirigir para ir ao seu encontro. A única razão que lhe ocorreu tem a ver com o facto de, naquele dia, estar muito frio e o A. pode ter ido para aquele local para aquecer os pés, se bem que, frisou, aquela zona não é local de passagem. Logo na sequência do acidente instou o autor e este soube não explicar-lhe o motivo da sua presença naquele local. Mais confirmou que a máquina operada pelo 2ª R. se movimenta muito lentamente, pelo que, no caso de realização de uma manobra de marcha-atrás, estando o peão distanciado cerca de 2 (dois) metros, a própria movimentação da máquina e dos sinais sonoros por esta emitidos são audíveis, pelo que aquele teria tempo suficiente para se movimentar para algum dos lados e sair do encalço da máquina.
Como bem salientou a Mm.ª Juíza “a quo”, essa versão «foi, desde logo, relatada pelo 2.º Réu ao cabo da GNR que se deslocou ao tribunal [aquando da ocorrência do acidente], como este o afirmou em juízo, o que reforça a espontaneidade e veracidade das declarações daquele ao contrário das declarações do Autor, que nestes autos relatou uma versão, que é distinta da que contou no âmbito do processo de acidente de trabalho e confrontado com tal, não foi capaz de se explicar, o que, na falta de outros elementos de prova, lhe retira qualquer credibilidade».
Importa aprofundar estas últimas asserções.
Evidencia-se dos autos que, na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória no âmbito do processo de acidente de trabalho n.º 3964/19... -, o ora autor, ali sinistrado, declarou que: “(…) Encontrava-se a trabalhar junto a uma retro quando esta recuou apertou-o contra um muro (...)”.
Tal circunstancialismo foi parcialmente reiterado na petição inicial, alegando o autor, no art. 6º, que: “O segundo Réu fazia uma manobra de marcha-atrás e não se apercebeu da presença do A. que trabalhava no mesmo local” (omitindo a parte de ter sido apertado contra um muro).
Sucede que, em sede de depoimento/declarações de parte, o autor confirmou que o serviço que lhe havia sido destinado (bem como à testemunha EE) consistia na retirada de telhas da casa e que se ausentou desse local a fim de interpelar o patrão ou o encarregado para estes lhe indicarem o local onde deviam depositar as telhas que tinham ficado incumbidos de retirar, sendo que ao ir de volta da obra e ao passar do outro lado onde a máquina estava a laborar foi por esta atropelado [“(…), foi quando a máquina me caçou e a partir daí não houve mais nada”].
Confrontado com o teor das declarações (a si atribuídas) constantes do auto de conciliação do referido processo de acidente de trabalho, o autor afirmou que as mesmas não correspondiam à verdade, posto nunca ter dito o que lá consta (“Ela [a máquina] não me apertou contra a parede. Não me apertou contra a parede. Eu não disse nada disso”].
Registe-se, quanto a esse ponto, que o autor não cuidou sequer de apresentar uma justificação para a desconformidade entre as duas versões fácticas por si apresentadas – pura e simplesmente rejeitou a versão que lhe é imputada no processo de acidente de trabalho, na qual as partes se conciliaram, sublinhe-se –, designadamente ter sido aconselhado a dar aquela versão do acidente de trabalho (embora contra a verdade dos factos) a fim de ser ressarcido, de um modo célere e expedito, pelas prestações emergentes do acidente de trabalho, obviando, assim, a uma eventual invocação, por parte da seguradora responsável, da descaracterização do acidente de trabalho, mercê da culpa do sinistrado (cfr. art. 14º, n.º 1, als. a) e b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro).
O autor vai redefinindo e reconstruindo os factos consoante os tempos e os processos em que sobre eles depõe, em prol dos seus interesses.
Isto diz bem da incoerência do Autor e da falta de credibilidade e plausibilidade que deve merecer o seu depoimento.
Aliás, negou também ter conversado com algum colaborador da ACT, não obstante a menção nesse sentido que consta do auto de inquérito de acidente de trabalho[5].
Por fim, na explicação que deu quanto ao modo como o acidente se terá processado, mormente os termos em que tentou contornar a máquina, o autor apresentou três versões não coincidentes, sendo o seu depoimento manifestamente confuso, ilógico e implausível.
Em termos resumidos, o autor referiu que:
O encarregado (FF) atribuiu-lhe (juntamente com a testemunha EE) a função de retirada de telhas do telhado, cujo local não coincida com aqueloutro no qual o 2º Réu operava a maquina mini-giratória.
Saiu do seu local de trabalho e foi no encalço do patrão para saber onde deveria colocar as telhas que tinha ficado incumbido de retirar, sendo que foi nesse momento que passou no local onde a máquina se encontrava a trabalhar.
Avistou a máquina a trabalhar, estando esta distanciado cerca de 2 metros quando decidiu atravessar, passando por detrás dela.
A máquina estava a fazer uma manobra para a frente, não a viu realizar a manobra de marcha atrás, nem ouviu o sinal sonoro da máquina e a máquina movimenta-se devagar.
A ter ocorrido o acidente como o autor o alega, e não invocando o mesmo qualquer limitação ou incapacidade de ordem física, permanente ou acidental, mal se compreende que, estando a máquina a fazer uma manobra para a frente quando decidiu passar por detrás dela, distanciando um do outro cerca de 2 (dois) metros, de repente se tenha visto confrontado com a máquina a fazer uma manobra de marcha atrás, sem que se tenha apercebido da própria movimentação da máquina, e do barulho do funcionamento e dos sinais sonoros por esta emitidos, movimentando-se aquela a uma velocidade lenta (não superior a 5km/h), sem que o autor se tenha afastado da trajetória que a máquina levava a cabo a fim de sair da sua linha de rumo, posto que teria tempo suficiente para se movimentar para algum dos lados e evitar ser colhido pela mesma.
De registar que, no tocante à configuração do local, ao modo como o acidente se deu, ao seu posicionamento e da máquina antes do embate, parte do depoimento do Autor assentou na confrontação com as fotografias existentes nos autos, valendo aqui de modo prevalecente o princípio da imediação e oralidade, posto que só o Mm.ª Julgadora “a quo” e os respetivos mandatários judiciais ficaram numa posição privilegiada para se inteirarem na íntegra das indicações feitas pelo Autor (e pelo 2ª réu) por referência aos ditos documentos, as quais, há que reconhecê-lo, não são total e cabalmente apreensíveis nem percetíveis através da mera audição da prova gravada
Por sua vez, a regularidade da área de trabalho e do funcionamento da máquina – para além do mencionado na motivação da sentença recorrida, por referência ao depoimento do 2.º Réu e do depoimento das testemunhas EE e FF, a foto retirada do alvará da obra e a foto do início do caminho junta com o relatório de serviço da GNR, que refletem a regularidade da obra e do local –, extraem-se, também, do auto de inquérito de acidente de trabalho n.º ...19 elaborado pela ACT[6], no qual foi feita a descrição do acidente e dos factores de risco, no qual se confirmou a regularidade do referido equipamento, tendo sido determinada a não remessa para o Tribunal do auto de inquérito, por inexistir fundamento para sancionamento contra-ordenaçional.
À míngua de melhor argumentos, e por se (nos) afigurar que consubstancia uma leitura adequada e fundada dos factos provados, permitimo-nos lançar mão da (demais) fundamentação explicitada pela Mm.ª Juiz “a quo” na motivação da sentença recorrida, mormente que:
«Diz-nos, inclusive, as regras do normal acontecer que estando-se a manobrar com uma máquina, em “vai e vem” e para desbravar terras, silvado, a velocidade não superior a 5kms e em zona onde não pode estar mais ninguém, onde não se tem de percorrer metros com esse “vai e vem”, que a manobra de “vem” (marcha atrás) deve, sim, ser precedida de certificação de que inexiste obstáculo (humano ou não) para a mesma, mas não justifica manter o olhar fixo para trás, dado que o que se pretende é avançar para a frente da máquina e torna-se necessário visualizar a frente e obter certificação de que inexiste obstáculo agora na frente da máquina. Outrossim e quanto à produção do toque entre Autor e máquina, o demonstrado barulho do funcionamento da máquina, naturalmente nos permitiram, por si só e em condições normais, concluir que um qualquer trabalhador/homem médio, minimamente diligente, aperceber-se da presença e movimento da máquina. Aliás, perguntado o Autor referiu ter ouvido a máquina a funcionar mas que confiou que ela só iria fazer o movimento de andar para a frente, quando decidiu atravessar (por razões que não explicou) a área de trabalho daquela. Por conseguinte, tratando-se do oposto do que positivamente se convenceu o tribunal e por absoluta falta de prova que, pelo menos, a indiciasse, de modo a permitir resposta afirmativa, a resposta negativa a A a E».
Resta dizer que o 2º Réu, manobrador da máquina, inquirido em sede de depoimento e declarações de parte, prestou um depoimento escorreito e circunstanciado, alinhado com as declarações prestadas à GNR logo a seguir ao acidente, bem como com as que prestou no inquérito de acidente de trabalho n.º ...19 levado a cabo pela ACT, tendo prestado em audiência de julgamento todos os esclarecimentos solicitados por qualquer um dos intervenientes processuais (Exmos. mandatários judiciais e Mm.ª julgadora), não se tendo eximido a qualquer uma das questões colocadas.
E a versão dos factos por si trazida quanto às caraterísticas dos locais onde os diversos intervenientes se encontravam a laborar, antes e no momento da ocorrência do acidente, bem como quanto às caraterísticas e funcionamento da máquina mini-giratória, foi integralmente confirmada pelas testemunhas EE e FF, colegas de trabalho do autor.
Resta dizer que da análise da enunciada fundamentação das respostas dadas pelo tribunal na sentença resulta exame crítico e valorativo das provas em que alicerçou a sua convicção, mais do uma simples identificação dos meios de prova que teve por relevantes. O tribunal concatenou os depoimentos/declarações de parte, as prestações testemunhais produzidas em audiência e os documentos produzidos, e, discutindo as suas posições, apelando aos conhecimentos, à experiência e à razão de ciência de cada uma, tirou conclusões que se mostram condizentes com a leitura por nós efetuada da prova produzida.
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre os pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados e alíneas A, C, D e E dos factos não provados da sentença recorrida
É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior (que não tem por missão efetuar, perante si, a repetição integral do julgamento) extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àqueles concretos pontos de facto.
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
Como tem sido salientado, baseando-se a decisão factual do tribunal da 1ª instância numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com benefício da imediação e oralidade – apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.ª juíza “a quo”, impõe-se-nos confirmar a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo Autor, mantendo-se, nessa parte, inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
*
Em conclusão, com exceção quanto ao recurso apresentado pela interveniente EMP03... da alteração dos pontos 24 e 43 dos factos provados e da ampliação dos factos provados nos termos supra explicitados[7], mantém-se inalterada a demais matéria de facto impugnada.
*
2. Reapreciação de direito.
2.1. - Da responsabilidade civil por actividades perigosas (art. 493.º, n.º 2, do Código Civil).
A sentença recorrida considerou como não verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da(s) demandada(s), estabelecidos no art. 493º, n.º 2, do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC), porquanto i) não se demonstrou que os trabalhos desenvolvidos pela 1.ª Ré no local, de remoção de obstáculos para se formar um caminho, constituam em si mesma uma atividade perigosa; ii) provadas as caraterísticas da máquina mini-giratória usada na execução dos trabalhos, as mesmas não nos permitem aferir da perigosidade da máquina em si mesma; e iii) se relacionarmos a máquina com os concretos trabalhos realizados, inexistem «elementos de facto suficientes para caraterizar a atividade desenvolvida no local pelo 2.º Réu a mando e no interesse da 1.ª Ré como perigosa, mesmo que considerando o meio empregado para o efeito».
Insurgem-se ambos os recorrentes contra essa decisão absolutória, reiterando a responsabilidade dos RR. dado a actividade de terraplanagem levada a efeito com uma máquina mini-giratória dever ser considerada perigosa e a respectiva presunção de culpa não ter sido afastada por aqueles (art. 493º, n.º 2, do CC).
Como é sabido, a responsabilidade civil extracontratual (delitual ou aquiliana) divide-se em três modalidades: responsabilidade por factos ilícitos (por culpa), pelo risco ou objetiva e por facto lícito. O regime regra é o da primeira (responsabilidade subjetiva ou por culpa), só se afirmando as outras duas quando haja disposição legal nesse sentido (art. 483º, n.º 2, do CC).
Enunciando o princípio geral da responsabilidade civil por facto ilícitos, o n.º 1 do art. 483º do CC prescreve que, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São os seguintes os pressupostos que se têm de verificar para que surja, na esfera do lesante, a obrigação de indemnizar: (i) facto voluntário do lesante; (ii) a ilicitude da conduta; (iii) a imputação do facto ao lesante a título de culpa; (iv) o dano; e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O n.º 1 do art. 487º do CC consagra o regime geral do ónus da prova quanto à culpa, incumbindo ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, exceto se houver presunção legal de culpabilidade, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas.
Regra geral corre, portanto, por conta do lesado o ónus da prova da culpa do agente/lesante, só adquirindo aquele ganho de causa se conseguir demonstrar em tribunal o caráter objetivamente censurável da conduta deste. Sendo esta prova difícil de realizar (probatio diabólica), esse ónus a cargo do lesado reduz em grande medida as suas possibilidades efetivas de obter indemnização, ao mesmo tempo que assegura a função sancionatória da responsabilidade civil, só responsabilizando o agente perante uma demonstração efetiva da sua culpa.
A lei consagra, porém, diversas presunções de culpa do responsável, que implicam uma inversão do ónus da prova (art. 350º, n.º 1, do CC), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem genericamente ilidíveis (art. 350º, n.º 2, do CC), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a função sancionatória[8].
Entre outras presunções de culpa extracontratual[9], destaca-se (tendo em conta a situação objeto dos autos) a presunção de culpa relacionada com o exercício de atividades perigosas, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, prevista e regulada no n.º 2 do art. 493º do CC[10].
Trata-se de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva[11].
Nos termos do n.º 2 do art. 493º do CC, “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Não se alterando o princípio base do art. 483º do CC, de que a responsabilidade depende de culpa, o citado n.º 2 do art. 493º do CC estabelece uma presunção legal “tantum juris” de culpa de quem cause danos no exercício de uma atividade perigosa, com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no art. 344º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adoptou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano.
A lei não fornece uma noção do que deve entender-se por “actividade perigosa”, tratando-se de um conceito indeterminado que deve ser concretizado, casuisticamente, segundo as circunstâncias de cada caso, pelo que revestirão especial relevo na densificação daquele conceito legal os contributos fornecidos para doutrina e jurisprudência. Dito por outras palavras, não indicando a lei um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornecendo um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade – esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade (geradora dos danos), como a natureza dos meios utilizados pelo agente para a pôr em prática –, é “aceite que a perigosidade tem de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base o critério valorativo ali fixado, ou melhor a «directriz genérica» indicada pelo legislador”[12].
Serve de orientação a definição dada por Vaz Serra[13], segundo a qual devem ser consideradas perigosas as atividades que «criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades».
Almeida Costa[14] defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, «tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral».
O que significa que a perigosidade de uma atividade deve aferir-se segundo as regras da experiência, pelo que será perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Note-se que a perigosidade deve ser entendida objetivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima[15].
A maior propensão pode resultar da elevada intensidade dos potenciais danos (critério qualitativo) ou da elevada probabilidade da sua verificação (critério quantitativo).
O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
Ao tratar do exercício das atividades perigosas, o legislador quis (apenas) referir-se àquelas operações profissionais que, pela sua especial perigosidade (como o transporte, o comércio e o armazenamento de combustíveis e inflamáveis, os trabalhos de pirotecnia, o fabrico e uso de explosivos, os tratamentos de raio x, o emprego dos raios Laser, o uso da broca no tratamentos de odontologia, a actividade de produção, transformação, condução e distribuição de energia elétrica, a construção de uma barragem, a condução de água para abastecimento público, etc.) requerem medidas especiais de prevenção[16].
A jurisprudência também tem salientado, com frequência, que a actividade da construção civil, quer de obras públicas quer de obras particulares, não constitui, em si mesma, intrinsecamente, uma actividade perigosa. Será perigosa em determinadas situações, mas noutras não. Tudo depende da natureza das obras em execução, da tarefa concreta no decurso da qual ocorreram os danos, da forma como a mesma está organizada, do perigo inerente a essa tarefa, da natureza ou características dos meios e equipamentos afectos à sua realização, da sua dimensão e envergadura, dos materiais que estão a ser empregues, do risco inerente ao manuseio desses meios, equipamentos e materiais[17].
Ainda no campo especifico da construção civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem também entendido que a actividade perigosa, geradora de culpa presumida, pode ter como elemento de análise toda a actividade inerente ao processo construtivo, que, pela sua própria natureza (atenta a sua dimensão, a localização dos trabalhos, a sua estrutura e outros aspectos), ou pelos meios utilizados, é dotado de elevada potencialidade para causar danos – implicando escavações, abertura de valas, remoção de inertes e movimentação de terras –, e não apenas cada uma dessas operações, isolada e atomisticamente, levadas materialmente a cabo pelo exercente[18].
É de referir, no entanto, que a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do art. 493.º do CC não envolve simultaneamente a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que a atividade perigosa foi juridicamente a causa da ocorrência daqueles danos. E esse ónus de prova cabe ao lesado[19].
Tenha-se presente que o art. 350º, n.º 1, do CC dispõe que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção, porquanto “desde (…) que o queixoso alegue e prove que os danos foram causados no exercício de uma actividade perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados), a lei (art. 493º, nº 2, do Código Civil) presume, a partir desse facto (base de presunção), que o acidente foi devido a culpa do agente”[20].
Para convencer o tribunal de que o agente procedeu com culpa, o lesado não terá de alegar nem provar as circunstâncias concretas do acidente.
Por fim, o presumidamente culpado (o titular da actividade perigosa)pode liberar-se da responsabilidade instituída nesse normativo provando “que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de» prevenir a ocorrência dos danos causados[21]. O regime do art. 493º, n.º 2, do CC, é mais gravoso para o lesante do que o das previsões dos arts. 491º, 492º e 493º, n.º 1, do CC, na medida em que, por um lado, não prevê a possibilidade de desoneração pela prova de que os danos se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua (excluindo-se a relevância negativa da causa virtual); e, por outro lado, “a prova liberatória imposta ao exercente de actividades perigosas requer a demonstração de que foram adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não se satisfazendo literalmente com a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que vinculavam o exercente”[22].
Aplicando esta orientação ao caso dos autos há, desde logo, uma importante conclusão a tirar: tendo como facto-base o exercício de uma actividade perigosa, o regime especial em causa não tem como destinatário (ou sujeito da obrigação)quem executa a actividade perigosa, mas quem é o titular dessa actividade perigosa ou, na expressão de Rui Mascarenhas Ataíde[23], o “exercente” da mesma. Titular ou “exercente” que, no caso concreto, é a 1ª R., mas não o 2º R., assalariado e subordinado da primeira (cfr. pontos 4, 5 e 8 dos factos provados).
O 2º R. (comissário), que executou a actividade, apenas poderia ser responsabilizado por facto ilícito e culposo mediante a prova efectiva da culpa, nos termos gerais do art. 487º do CC, e não mediante a culpa presumida nos termos do art. 493º, n.º 2, do CC.
No caso submetido à nossa apreciação, e em face dos elementos factuais recolhidos para o processo caberá indagar e decidir se a concreta actividade desenvolvida pela empresa de construção civil (1ª Ré)– consistente em trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior, com recurso a máquina mini-giratória –poderá, pelos meios utilizados e pela acção concretamente desenvolvida no terreno, ser qualificada como perigosa.
A sentença recorrida entendeu que os trabalhos desenvolvidos pela 1.ª Ré no local, de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior, que se executariam num único dia, não constituíam uma actividade perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493º do CC, quer por referência à própria natureza da atividade, quer por reporte aos meios/instrumentos utilizados na execução dessa atividade (máquina mini-giratória).
Do assim decidido discordam o Autor a interveniente EMP03..., sustentando esta, em síntese, que o «emprego de uma máquina mini-giratória na realização da obra em causa, envolve uma maior probabilidade de causar danos a terceiros, não só pela dimensão da máquina, como pela forma de movimentação da mesma, para a frente, para trás, encontrando-se o seu manobrador, muitas vezes, de costas para o local onde vai intervir», sendo que a «terraplanagem com recurso a máquina mini-giratória com lagartas, em ambiente de obra, com peões e outras máquinas também em movimento, agrava o risco, e deste decorre maior probabilidade de ocorrerem danos em terceiros», posto que o «meio empregue na realização da operação que estava em curso, sendo manifestamente desproporcional relativamente ao restante contexto de obra, aumenta a perigosidade perante peões que se movimentam no mesmo contexto».
Conclui, por isso, que, «verificando-se que o meio empregue na realização daquela operação específica aumentou o risco da produção de dano, tendo chegado mesmo a provocá-lo, tem de considerar-se a atividade desenvolvida pelos RR. como perigosa, e enquadrável no âmbito do n.º 2 do artigo 493º do Código Civil».
No mesmo sentido, o Autor porfia o entendimento de que a atividade que a 1ª Ré, subempreiteira, por intermédio do 2º Réu, exercia no local – terraplanagem – constitui uma atividade perigosa – com risco elevado –, acrescentando estarmos perante estarmos perante um acidente ocorrido com a utilização de máquinas e na construção civil ou na terraplanagem enquadrável na presunção da culpa estabelecida no art. 493.º, n.º 2, do CC.
Não cremos que lhes assista razão.
Atendo-nos ao quadro factual apurado, importa assinalar, essencialmente, que:
- A 14 de janeiro de 2019, estava adjudicada à sociedade EMP04... Unipessoal Lda, a reconstrução/edificação de uma moradia, sita na Rua ..., em ..., ....
- O Autor era, então, trabalhador da construção civil e fazia-o, no local, por conta e ordens da referida sociedade EMP04....
- Esta sociedade, através dos seus funcionários – entre eles o Autor –, procedia a trabalhos de demolição na habitação a reconstruir (retirada de telhas).
- A 1.ª Ré prestava serviço de «preliminares de acesso e limpeza do terreno» no exterior da moradia para a entidade empregadora do Autor, a sociedade EMP04....
- O 2.º Réu, BB, era funcionário da 1ª Ré, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de condutor manobrador.
- Naquele dia, cerca das 08h45, o 2.º Réu era o condutor e manobrador de uma mini-giratória, marca ..., com 8ton e dotada de lagartas e fazia os trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior, por conta e ordens da 1.ª Ré.
- Na execução desses trabalhos, o 2.º Réu executou uma manobra de marcha-atrás com a mini-giratória, mas, de forma súbita, o Autor colocou-se atrás da máquina, no exato enfiamento da trajetória que a máquina realizava em marcha-atrás, obstruindo, assim, a linha de rumo dessa máquina e fazendo com que esta lhe tocasse, fizesse cair ao chão e lhe colhesse o membro inferior esquerdo do Autor.
- O 2.º Réu, no âmbito das suas aptidões e concretas funções que lhe estavam acometidas, procedeu com a cautela e diligência necessárias, tendo olhado pelos espelhos retrovisores que existem na máquina, antes de fazer a manobra de marcha-atrás, a uma velocidade não superior à de 5 km/h e com o sistema de aviso sonoro em funcionamento.
- A máquina estava em perfeitas condições de operar, ao tempo dos factos.
- A referida máquina atinge uma velocidade máxima de 2,5km/h/4,5km/h e emite, como mecanismo de segurança, um sinal sonoro quando em marcha atrás, perfeitamente audível e no decurso da realização dessa manobra.
- A máquina estava a operar no meio para o qual foi expressamente pensada, de terraplanagem, concretamente, na execução de trabalhos de terraplanagem no exterior da indicada moradia, nomeadamente para abertura de um caminho no respetivo espaço adjacente, ou logradouro, local esse vedado ao público e sinalizado como obra.
- A obra estava sinalizada, demarcada e não foi objeto de auto de contra-ordenação.
Dos factos apurados, analisados no seu conjunto, não se deduz que a actividade levada a cabo pela 1ª ré – trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior, mediante o recurso a uma máquina mini-giratória (leia-se escavadora) – se revestiu, em concreto, da perigosidade tida em vista no n.º 2 do art. 493º do CC.
Estando unicamente provado que os trabalhos desenvolvidos pela 1.ª Ré no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a entidade empregadora do autor consistiam na execução de trabalhos de terraplanagem no exterior da moradia, nomeadamente para abertura de um caminho no respetivo espaço adjacente, ou logradouro, local esse vedado ao público e sinalizado como obra, inviável será concluir que a execução de tais trabalhos constitua, de per si, uma atividade perigosa, isto é, que este tipo de atividade apresenta maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.
Admitindo-se que tais trabalhos de terraplanagem executados mediante o recurso a uma máquina mini-giratória, envolvam a remoção de terras, a verdade é que sem a alegação e demonstração de outros factos – como seja a envergadura ou a dimensão dos trabalhos de terraplanagem, a sua proximidade ou não com outros edifícios, a sua inserção em perímetro urbano ou rural, em zona edificável ou não, a sua proximidade com a via pública, por onde circulam veículos e peões, podendo interferir com o tráfego rodoviário que aí se processa, a duração previsível de tais trabalhos[24] –, torna-se inviável concluir pela perigosidade da atividade em causa.
Ao invés do que sucede quando está em causa a escavação, mediante o recurso a uma máquina escavadora, para abrir uma vala destinada à introdução de esgotos, não resulta da execução daqueles concretos trabalhos de terraplanagem que seja suscetível de criar condições propícias ao desmoronamento de terras e a quedas de consequências danosas imprevisíveis para pessoas e coisas.
Depois, como bem explicitou a Mm.ª Juíza “a quo”, por referência à natureza dos meios utilizados na execução dos mencionados trabalhos de terraplanagem, especificamente atendendo às caraterísticas no caso concreto da própria máquina, uma mini-giratória, marca ..., com 8ton e dotada de lagartas, «com aptidão para atingir velocidade não superior a 5kms’s, com sinais sonoros de aviso enquanto em movimento, nomeadamente ao recuar, com motorização audível, com dimensões perfeitamente visíveis e com espelhos retrovisores», não é viável concluir pela perigosidade da máquina em si mesma, posto a mesma não ter «maior aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes. Finalmente, se relacionarmos a id. máquina aos concretos trabalhos que fazia e aos concretos movimentos de “vai e vem” de poucos metros que estava a fazer, que tinha que fazer e naquele local onde mais ninguém tinha de estar, não vemos elementos de facto suficientes para caraterizar a atividade desenvolvida no local pelo 2.º Réu a mando e no interesse da 1.ª Ré como perigosa, mesmo que considerando o meio empregado para o efeito».
A estas considerações – que se subscrevem – acrescentar-se-á que, estando em causa a utilização de uma mini-giratória – marca ..., com 8ton e dotada de lagartas –, a sua utilização para levar a cabo os trabalhos de terraplanagem traduz-se numa actividade corrente e normal para aquele tipo de trabalhos, portadora de riscos inerentes à utilização de máquinas de grande porte, potência e capacidade de intensidade de trabalho, não se configurando em si mesmo como uma actividade perigosa.
Revela-se por isso manifestamente infundada a afirmação de que o meio empregue na realização da operação que estava em curso – trabalhos de terraplanagem com recurso a máquina mini-giratória com lagartas – era manifestamente desproporcional relativamente ao restante contexto de obra.
Contrariamente ao aduzido pelos recorrentes, a máquina mini-giratória não se encontrava a laborar próxima de pessoas apeadas nem de outras máquinas também em movimento, posto que o local em causa estava vedado ao público e sinalizado, demarcado, como obra.
Assim, além de não resultar evidenciado que o seu manuseamento se revista de evidente dificuldade, também não consta que a máquina se encontrava a operar numa zona urbana muito movimentada, com intenso tráfego automóvel e de peões; sem o apuramento de tais factores, não é possível concluir que a perigosidade da tarefa se mostrava grandemente potenciada, atenta a natureza do meio utilizado.
Como adiante melhor explicitaremos, o Autor é que, malgrado não ter ordens, orientações ou justificação plausível para se deslocar para trás da máquina mini-giratória em laboração, decidiu ausentar-se do local de trabalho ao qual estava adstrito (retirada de telhas na habitação a reconstruir) e colocar-se na traseira da máquina sem se fazer notar, de forma inusitada e sem atender às circunstancias envolventes (máquina em laboração).
Lançando mão do decidido no Ac. do STJ de 13/11/2012 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt., «temos para nós que à luz dos desenvolvimento tecnológico actual e da produtividade e das relações de trabalho existentes a utilização deste tipo de maquinaria, sendo portadora dos riscos inerentes à utilização deste tipo e máquinas, não pode ser qualificada como uma actividade perigosa em si própria. Exigente enquanto factor assumptor e produtor de riscos, pelas características próprias das máquinas, mas não perigosa em si mesma ou na sua natureza intrínseca e essencial. A utilização deste tipo de máquinas tornou-se, digamos assim, de uso comum na realização de obras que comportem remoção de grandes terras quantidades de terra e importem transporte e deslocação de massas de entulhos que de outro modo levariam, segundo métodos e formas de labor de meados do século passado, tempos incomensuráveis. O actual nível de desenvolvimento tecnológico e as exigências de produtividade não dispensam, antes reclamam e exigem, a utilização de meios tecnológicos que simplifiquem e operacionalizem a realização de trabalho de grande exigência de esforço humano, que sem esse tipo de maquinaria importaria num dispêndio de tempo incomportável para um nível de produtividade minimamente compaginável com as exigências consecução de resultados económicos razoáveis e competitivos».
Afastada está, pois, a conclusão de que a actividade em concreto desenvolvida pela 1ª ré na altura em que ocorreu o sinistro, seja pela sua própria natureza seja pela natureza dos meios empregados na execução da obra, deve ser qualificada como perigosa.
Em termos inovatórios, na apelação interposta o Autor invoca o estatuído nos arts. 2º, 4º e 79º da Lei n.º 102/2009, de 10/09 – que estabelece o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho –, e nos arts. 4º, 5º, 6º e 7º do Dec. Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro– diploma que estabelece regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis –,nomeadamente para destacar que a actividade ou trabalhos exercidos pelos RR., concretamente, «o 2º R. condutor da máquina de terraplanagem, em funções, constituía uma atividade de risco elevado».
Aduz para o efeito que os RR. estavam obrigados a executar e cumprir o plano de segurança da obra para evitar riscos para os trabalhadores que ali exerciam a sua atividade, tendo-o feito sem qualquer plano de segurança e sem qualquer preocupação com os trabalhadores envolvidos na obra, nomeadamente o Autor, pois não colocaram uma simples fita a demarcar ou isolar o local onde a maquina de terraplanagem laborava e que veio a colher o Autor, não podendo restar dúvidas de que a atividade que a 1ª Ré, subempreiteira, por intermédio do 2º R. exercia no local – terraplanagem – constitui atividade perigosa, com risco elevado.
Trata-se, como se disse, de uma questão nova, que não foi tempestivamente alegada nos articulados e que, por isso, também não foi objeto de conhecimento e decisão na sentença final.
Aliás, como bem assinala a 1ª Ré/recorrida nas contra-alegações deduzidas, em sede de despacho saneador, a Mm.ª Juíza “a quo”, na apreciação da exceção de incompetência material, considerou-a improcedente, precisamente, por “na situação jub judice, o Autor imputa[r] ao trabalhador da 1ª ré a violação de um dever de cuidado (ao efetuar a manobra de marcha atrás), mas não identifica[r] a violação de regras específicas sobre a segurança higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora ou da entidade por si contratada”.
Pois bem sem embargo de se tratar de uma questão nova, mas podendo ser aferida como diversa qualificação jurídica dos factos provados – cujo conhecimento se impõe, portanto (art. 5º, n.º 3, do CPC) –, sempre se dirá que a mesma não é idónea à demonstração de estarmos perante uma atividade perigosa.
Da Lei n.º 102/2009, de 10/09, releva sobretudo o art. 79º, al. a), no qual se estabelece que, para efeitos do referido diploma legal, são considerados de risco elevado os “trabalhos em obras de construção, escavação, movimentação de terras, de túneis, com riscos de quedas de altura ou de soterramento, demolições e intervenção em ferrovias e rodovias sem interrupção de tráfego”.
Quanto ao Dec. Lei n.º 273/2003, de 29/10, resulta do art. 2º, n.º 2, al. b), ser o mesmo aplicável a trabalhos de construção de edifícios e a outros no domínio de engenharia civil que consistam, nomeadamente, em terraplenagem.
E, nos termos dos arts. 4º, 5º 6º e 7º, é obrigatório o plano de segurança da obra, estando os subempreiteiros obrigados a cumprir plano de segurança, nos termos do art. 13º, n.º 4, da referida Lei.
No que ao caso releva, há a destacar que, na sequência do acidente ocorrido, a ACT procedeu às necessárias averiguações e não concluiu por qualquer tipo de responsabilidade da Ré EMP01..., ou dos seus funcionários, na verificação do sinistro, pelo que determinou que o auto final de inquérito de acidente de trabalho não fosse remetido ao Tribunal, tendo concluído não haver fundamento para aplicação de contraordenação.
Acresce que não foi alegada, nem demonstrada, qualquer irregularidade na identificação e planificação da obra a cargo da entidade patronal do 2º Réu.
A obra estava, aliás, sinalizada, demarcada, e não foi objeto de auto de contra-ordenação.
Assim, e sem embargo dos “trabalhos em obras de construção, escavação, movimentação de terras”, para efeitos da Lei n.º 102/2009, serem considerados de risco elevado, a verdade é que, no circunstancialismo concretamente apurado, não é possível concluir, sem mais, pela perigosidade da atividade em causa. Como se disse – e reitera – a lei não indica um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, tratando-se de um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo caso a caso, em função das circunstâncias concretamente provadas[25]. E a actividade de construção civil não constitui, em si mesma, uma actividade perigosa. A qualificação em concreto de uma actividade como perigosa, para efeitos do art. 493º, n.º 2, do CC, dependerá quer da natureza das obras em execução, quer da natureza ou características dos meios utilizados.
Ora, esse exercício foi já anteriormente objeto de apreciação, tendo-se concluído pela negativa.
Assim, não se mostrando verificada a perigosidade da actividade levada a cabo pela 1ª ré, a presunção do n.º 2 do art. 493º do CC não tem aplicação, valendo, antes, a regra geral estabelecida no n.º 1 do art. 487º, segundo a qual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.
Qualificando o tipo de actividade desenvolvida pela empresa empreiteira (1ª Ré) como normal, ainda que sujeita a um nível de riscos acrescidos, não operamos a subsunção na previsão do n.º 2 do art. 493.º do CC, mas antes na previsão geral da responsabilidade civil extracontratual estabelecida no art. 483.º, n.º 1, do CC.
*
2.2. - Da culpa efetiva do 2º Réu.
Defendem ainda os recorrentes que, para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil, encontra-se provada a culpa efetiva, na modalidade de negligência ou mera culpa, do 2º Réu, condutor da máquina mini-giratória.
Como se explicitou na sentença recorrida, dos factos provados não resultam dúvidas «que houve uma atuação por parte do 2.º Réu, a de manobra[r] a máquina, por si controlável, dominável. Outrossim, também uma atuação por parte do próprio Autor, por si controlável, dominável, a de caminhar e atrás da máquina. Do mesmo acervo factual apurado, também não ficaram dúvidas quanto à violação de um direito absoluto, o da integridade física do Autor, por atingida que foi com a realização de tais ações de manobrar uma máquina e de caminhar por detrás dela. Temos, assim, por preenchidos os dois primeiros requisitos, o do facto e o da ilicitude. Também não resultam dúvidas (…) que o Autor sofreu ferimentos, nomeadamente no membro inferior esquerdo, e que, na sequência dos mesmos, foi sujeito a vários tratamentos médicos e medicamentosos, dores, privações (de trabalho e consequente rendimento deste provindo) e que, apesar daqueles tratamentos, passou a padecer de sequelas físicas e emocionais, que inclusive lhe demandam mais esforço para a realização de atividades e perda da capacidade de ganho. E que tais ferimentos, constrangimentos e sequelas advieram do embate sofrido com a máquina mini giratória em movimento, não sendo aqueles surgidos em consequência de caso fortuito ou de força maior. Logo, também se mostram preenchidos os requisitos do dano e do nexo de causalidade».
Falta apurar a imputação do acidente ao 2ª réu a título de culpa.
Quanto à culpa, como pressuposto da responsabilidade, tem de verificar-se se a atuação do lesante foi em termos de merecer reprovação ou censura do direito em face da sua capacidade e circunstâncias concretas, pois que podia e devia ter agido de outro modo[26].
Nestes termos, o lesante apenas pode ser censurado quando, estando em condições de compreender o valor e o alcance dos seus atos, não tenha feito o devido uso das suas capacidades.
Poder-se-á assim dizer que a imputabilidade funciona como um pressuposto de imputação do facto ao agente lesante.
A culpa pode revestir duas formas diferenciadas: i) o dolo ou ii) negligência ou mera culpa.
Nos termos do art. 487º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas, cabendo, por regra, ao lesado o ónus de alegação e prova da culpa do autor da lesão – n.º 1 do citado preceito –, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra.
O critério legal de apreciação da culpa afere-se em abstrato, ou seja, a existência de culpa e a individualização da modalidade de dolo ou de neglicência determinam-se perante o caso concreto, mas atendendo ao critério de uma pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente. Assim, não releva o comportamento que o agente habitualmente mantém, mas antes aquele que deve ou devia observar e este é aquele que, no contexto em consideração, uma pessoa regularmente vigilante deveria ter observado[27]. O critério é o seguinte: cabe determinar os atos que um profissional diligente de um dado ramo de atividade – no caso manobrador de máquinas – teria realizado face ao caso concreto. A diligência divide-se em dois aspetos: tanto o esforço colocado na actividade, como a competência técnica exigível para a sua realização. Não basta que um sujeito se tenha empenhado em termos de esforço na realização dessa atividade. É ainda requisito essencial que tenha a necessária competência técnica necessária para a realizar.
Como se disse, o 2º R. (comissário) apenas poderia ser responsabilizado por facto ilícito e culposo mediante a prova efectiva da culpa, nos termos gerais do art. 487º do CC. Essa prova – adiantamos desde já – não foi feita, pelo que não tem também aplicação o regime do duplo nexo de imputação do art. 500º do mesmo Código, no qual, para se responsabilizar o comitente, se exige que o comissário seja ele próprio responsável.
Com efeito, e seguindo (de perto) a explanação delineada na sentença recorrida, é licito concluir que:
O 2º Réu, na execução dos trabalhos de terraplanagem, mais especificamente aquando da realização da manobra de marcha-atrás, olhou pelos espelhos retrovisores que existem na máquina, antes de fazer a aludida manobra. Retira-se que não foi inábil, descuidado ou imprudente no acto de manobrar aa máquina, tendo sido diligente e cauteloso, pois «verificou e certificou-se que nada estava na trajetória da máquina, ao recuar, no provado “vai e vem” que esta desenvolvia, de forma lenta e em distância curta» (pontos 18 a 21 dos factos provados).
Concretamente, realizou a manobra de marcha-atrás a uma velocidade não superior à de 5 km/h e com o sistema de aviso sonoro em funcionamento e perfeitamente audível no decurso da realização dessa manobra, estando a máquina em perfeitas condições de operar e operando no meio para o qual foi expressamente pensada, sendo que o local da execução dos trabalhos estava vedado ao público e sinalizado como obra, demarcada.
Por contraponto, provou-se que, aquando da execução da manobra de marcha-atrás, o Autor, de forma súbita, colocou-se atrás da máquina, no exato enfiamento da trajetória que a máquina realizava em marcha-atrás, obstruindo a sua linha de rumo e fazendo com que a máquina lhe tocasse, fizesse cair ao chão e lhe colhesse o membro inferior esquerdo do Autor.
Além de não ter ordens, orientações ou justificação plausível para se deslocar para trás da máquina mini-giratória em laboração, o Autor colocou-se na traseira da máquina sem se fazer notar, de forma inusitada e sem atender às circunstancias envolventes (máquina em laboração), sendo que quando decidiu caminhar em direção à parte traseira da máquina e se colocar na sua linha de rumo essa máquina era-lhe perfeitamente visível e estava já a circular em marcha-atrás, com o sistema de aviso sonoro acionado; ainda assim, desprezando a sua própria segurança, o Autor colocou-se na trajetória da dita máquina e atrás desta.
Ademais, não foi alegada, nem demonstrada, qualquer irregularidade na identificação e planificação da obra a cargo da entidade patronal do 2º Réu.
Subscreve-se a conclusão firmada de que, «atentas as circunstâncias concretas da situação, quem podia e devia ter agido de outro modo era o Autor e não o 2.º Réu», bem como o de que o «único juízo de desvalor a fazer-se há-de ser ao facto voluntário praticado pelo próprio Autor e não ao desenvolvido» pelo 2.º Réu.
Neste exercício de adesão é de concluir, portanto, «que em face das circunstâncias concretas, o Autor lesado podia e devia ter agido de outro modo, respeitando as mais elementares regras de segurança que o impediam de se aproximar da área de trabalho do 2.º Réu e circular imediatamente junto à máquina, sem qualquer necessidade ou razão, para mais quando recebeu informação dos trabalhos que iam ser executados, por quem e com que equipamentos».
Ao invés do propugnado pelos recorrentes, os factos provados demonstram, efetivamente, uma actuação diligente e cautelosa do 2º R., manobrador da máquina, e que a causa do sinistro consistiu na conduta culposa da própria vítima.
Com efeito, é indubitável que o lesado actuou de forma culposa ao introduzir-se no perímetro em que a máquina mini-giratória estava a operar.
Estamos perante uma situação em que ocorreu culpa do lesado e em que, simultaneamente, foi feita prova de diligência bastante do lesante (2º Réu).
Inexiste, por conseguinte, uma situação de concorrência de culpas ou a verificação de concausalidade entre a conduta culposa do lesado e a culpa (efetiva ou presumida) do lesante.
Na verdade, afastada ficou a culpa do 2.º Réu (seja a presumida, como a efetiva), tendo, sim, ficado demonstrado que o acidente resultou do comportamento culposo do próprio lesado.
Não havendo culpa do manobrador da máquina (o 2ª R.), e sendo o acidente imputável a facto do lesado (o Autor), aquele não responderá (art. 505º do CC).
Em consequência, não sendo possível imputar – a título de culpa, ou mesmo a título de imputação pelo risco e imputação por facto lícito – ao 2º R., comissário, a responsabilidade pela ocorrência do acidente ajuizado, identicamente está afastada a responsabilidade da 1ª R., enquanto comitente, pelo que a pretensão dos recorrentes também não poderia encontrar alicerce na previsão do art. 500º do Cód. Civil.
*
2.3. - Da verificação de uma relação comitente/comissário (art. 503º do CC).
Limita-se o recorrente/autor a referir estarmos “perante uma relação comitente / comissário com presunção de culpa, por força do artigo 503º do CC”, pelo que – conclui – devem os RR. ser condenados conforme o peticionado.
Tendo por objeto os danos causados por veículos no âmbito da responsabilidade pelo risco, prescreve o art. 503.º (“Acidentes causados por veículos”) do CC que:
«1 – Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. 2 – (…). 3 – Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1».
O preceituado no n.º 1 do citado art.º 503.º faz recair a responsabilidade objetiva pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação, sobre quem detenha a direção efetiva do mesmo e o utilize no seu interesse próprio, independentemente da respetiva titularidade ou domínio jurídico.
Por conseguinte, pressuposto da responsabilidade pelos danos próprios do veículo é a verificação simultânea dos dois requisitos: direção efetiva do veículo e utilização do mesmo no próprio interesse.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[28]:
“Dentro desta fórmula legal cabem não só os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação (atropelamento de pessoas, colisão com outro veículo, destruição ou danificação de coisas), como pelo veículo estacionado (choque ou colisão provocada por veículo parado fora de mão ou estacionado em lugar indevido, acidente causado por porta do veículo que ficou indevidamente aberta, explosão do depósito de gasolina (…), sendo irrelevante, por outro lado, que o acidente ocorra nas vias públicas ou fora delas”.
Quanto ao conceito de “veículo em circulação”, ensina Antunes Varela[29]:
“Tanto faz que ele circule em via pública, aberta ao trânsito em geral, como em qualquer recinto privado, apenas franqueado ao trânsito dos veículos de certa empresa, ou de outros habitantes do imóvel”.
No mesmo sentido, refere Vaz Serra[30]: “deve reputar-se acidente de viação toda a ocorrência lesiva de pessoas ou bens provocada por veículo sempre que este manifeste os seus riscos especiais”.
A responsabilidade pelo risco, em caso de veículo de circulação terrestre, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[31], depende de duas circunstâncias: i) ter a pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano; ii) estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.
Na busca da delimitação dos danos indemnizáveis dos riscos subjacentes à consagração duma responsabilidade objetiva, importa apurar o que se deve entender por acidente de viação e quais os veículos abrangidos.
Desde logo estão expressamente abrangidos quaisquer veículos de circulação terrestre. Assim, além dos veículos de circulação rodoviária – veículos automóveis, camiões, camionetas, motociclos, ciclomotores, veículos agrícolas, velocípedes, reboques, semirreboque e trator, enquanto circulem na via pública (cfr. arts. 105º a 113º do Cód. Estrada) –, estão também abrangidos os de circulação ferroviária.
No caso específico de uma máquina escavadora, aceita-se que integre o tipo de veículos a que alude o n.º 2 do art. 109º do Código da Estrada, sendo especificamente classificada como uma máquina industrial: “máquina industrial, com motor de propulsão, de dois ou mais eixos, destinada à execução de obras ou trabalhos industriais e que só eventualmente transite na via pública, sendo pesado ou ligeiro, consoante o seu peso bruto exceda ou não os 3.500 Kg.”[32].
A propósito da delimitação dos conceitos de “veículo automóvel”, de “circulação de veículos” ou de “acidente de viação” que surgem nas Diretivas e no Dec. Lei n.º 291/07 será relevante atentar no Ac. do Trib. de Justiça da União Europeia (TJUE), de 4-09-14, 3ª Secção, proferido no âmbito do reenvio prejudicial n.º C-162/13 (http://curia.europa.eu/juris...), que formulou a seguinte resposta/decisão:
“O artigo 3º, nº 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «circulação de veículos» nele previsto abrange qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo. Pode assim ser abrangida pelo referido conceito a manobra de um trator com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro, como aconteceu no processo principal, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Cumpre assinalar que desde há muito que a jurisprudência nacional vem admitindo a inclusão no regime do seguro obrigatório não apenas dos acidentes com intervenção dos veículos automóveis a que é dada a comum utilização rodoviária, mas ainda de outros veículos com capacidade de circulação terrestre autónoma, designadamente tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, bulldozers, cilindros de compactação, empilhadores, dumpers ou outras máquinas, desde que, como se previne no n.º 4 do art. 4º do Dec. Lei n.º 291/07, não sejam utilizados em “funções meramente agrícolas ou industriais”[33].
Centrando-nos no tipo de máquina similar à mencionada nos autos (escavadora), destacamos os seguintes casos retirados dos nossos Tribunais superiores:
- Ac. do STJ de 7-11-06 (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt., com uma situação que envolveu uma retroescavadora que “não se encontrava na sua função específica de escavação, antes transitava pela via pública, enquanto veículo circulante, com os riscos de circulação inerentes ao comum dos veículos terrestres a motor, deve[ndo] ser caracterizado como acidente de viação o seu embate no muro de pedra do prédio dos Autores, ocasionado pela perda de controlo da máquina por parte do respectivo condutor”. “Isto não obstante a máquina circulasse de um local de trabalho para outro local de trabalho, de uma margem para a outra do rio a fim de prosseguir os trabalhos de limpeza que acabara de concluir numa delas e tivesse de passar pelo local do acidente para aceder à outra margem, pois tal situação não se distingue de outra em que se termina um trabalho e se circula, pela via pública, até ao local onde se vai dar início a um novo trabalho ou se vai estacionar a máquina”. “Caracterizado o acidente como verdadeiro acidente de viação, e só abrangendo o seguro contratado com a seguradora 2.ª Ré os riscos próprios da referida máquina industrial, “durante e por via da laboração - actividade específica - da máquina”, estipulando-se como local do risco “os locais de trabalho”, conclui[u]-se que os danos provocados no muro dos Autores não se encontram cobertos pelo contrato de seguro, que não é de responsabilidade civil do ramo automóvel, com a consequente absolvição da 2.ª Ré”.
- Ac. do STJ de 23-11-06 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt., onde se considerou que “está abrangido pelo seguro obrigatório um acidente em que uma máquina se desloca para trás e para a frente em terraplanagem de ampliação dum caminho público e, num desses movimentos, colhe um menor”.
- Ac. do STJ de 30-10-08 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt., no qual se concluiu que “está abrangido pelo regime seguro obrigatório automóvel o acidente no qual uma pessoa é atingida por uma peça que caiu duma máquina retroescavadora destinada à construção civil que seguia para um terreno onde iria ser usada na preparação do solo para construção duma casa”.
- Ac. do STJ de 25/10/2012 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt., que considerou “acidente de viação o acontecimento não intencionalmente provocado de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas, causado por veículo ou animal em trânsito, repercutindo-se mesmo em veículos parados, como sucede em caso de acidente que envolva uma pá escavadora que, não se encontra na sua função específica de escavação, antes transita, como veículo circulante, pela via pública”.
- Ac. da RG de 15/02/2018 (relator José Alberto Moreira Dias), in www.dgsi.pt., que decidiu ser “acidente de viação o acidente provocado por uma máquina retroescavadora, que se encontrava a abrir uma vala num caminho municipal e cujo condutor, finda essa abertura, decidiu deslocar a retroescavadora para um local mais abaixo daquele em que se encontrava, a fim de picar pedra e, para o efeito, levantou as sapatas hidráulicas da retroescavadora e porque se encontrasse distraído e, também, em consequência do mau-estado da retroescavadora, passou a circular com a mesma na faixa de rodagem do caminho municipal, de forma descontrolada, percorrendo nele cerca de dez metros, altura em que foi embater com a pá da frente da retroescavadora na parte traseira de um trator, que aí se encontrava estacionado”.
No caso sub júdice, como já vimos, o 2.º Réu (ao serviço, por conta e ordens da 1.ª Ré) fazia os trabalhos de terraplanagem para abertura de um caminho no terreno exterior, através de uma mini-giratória, sendo que ao executar uma manobra de marcha-atrás colheu o membro inferior esquerdo do autor, o qual se havia colocado atrás da máquina, no exato enfiamento da trajetória que a máquina realizava em marcha-atrás,
O atropelamento ocorreu no estaleiro de obra, e não numa via pública, nem numa via do domínio privado aberta ao trânsito público.
Embora o sinistrado, que ali se deslocara sem ter ordens, orientações ou justificação plausível para se deslocar para trás da máquina mini-giratória em laboração, tenha sido colhido pela máquina escavadora quando esta fazia uma manobra de marcha-atrás, em circulação portanto, certo é que esta manobra está indissoluvelmente relacionada com a função específica dos trabalhos de terraplanagem levados a cabo na dita obra. Isto porque, naturalmente, essa circulação da máquina escavadora era uma das operações implicadas pela execução daqueles trabalhos.
O acidente ocorreu no exercício da função específica ou própria da máquina (implicando o seu movimento), no âmbito do cumprimento e execução da tarefa contratada e dentro da actividade e funções específicas, e não enquanto veículo circulante, com os riscos inerentes ao comum dos veículos terrestres a motor, sobretudo os derivados da sua circulação.
Diverso seria, por exemplo, no caso de deslocação da máquina mini-giratória, “pelo seu pé”, nas vias a que se refere o art. 2º do Código da Estrada, para o início dos trabalhos (ou mesmo no seu decurso ou subsequentemente ao termo de tais trabalhos).
Aliás, o próprio sinistrado foi colhido porque era trabalhador num local de trabalho anexo ou próximo e, na altura, ali se deslocou não obstante não ter ordens, orientações ou justificação plausível para se deslocar para trás da máquina mini-giratória em laboração, e não porque se tratasse de um normal peão que por ali circundasse.
Considerando, pois, o concreto circunstancialismo temporal, espacial, funcional e o âmbito subjetivo dos intervenientes no acidente, é indubitável que este teve a ver com os riscos próprios de laboração inerentes ao funcionamento da máquina industrial, e não com os riscos de circulação da retroescavadora, na sua função de veículo de circulação terrestre.
Não integrando o conceito de “acidente de circulação de veículos”, temos por isso inverificada a hipótese prevista no art. 503º do CC.
*
A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões dos apelantes.
*
2.4. - Da ampliação do objecto do recurso deduzida nas contra-alegações pela 1ª Ré (arts. 636º, n.º 1 do CPC).
Mercê da improcedência das apelações, considero prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso subsidariamente deduzida pela 1ª Ré/recorrida[34] (atinente à questão da litigância de má fé do autor).
*
3. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como as apelações foram julgadas improcedentes, mercê do princípio da causalidade, as custas das apelações serão da responsabilidade dos respetivos recorrentes (art. 527º do CPC).
*
VI. Decisão
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 7 de novembro de 2024
Alcides Rodrigues (relator)
Carla Oliveira (1ª adjunta)
Ana Cristina Duarte (2ª adjunta) [1] Junto aos autos em 23/11/2022, com a Ref.ª 13791269. [2] Junto aos autos com a petição inicial (fls. 12 v.º a 14). [3] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 435/436. [4] Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200. [5] Junto aos autos em 23/11/2022, com a Ref.ª 13791269. [6] Junto aos autos em 23/11/2022, com a Ref.ª 13791269. [7] Por se tratar de uma modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada, devendo considerar-se alterados/aditados aqueles pontos nos seus precisos termos. [8] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, pp. 304/305. [9]Tais como as previstas nos arts. 491º (pessoas obrigadas à vigilância de outrem), 492º (danos causados por edifícios ou outras obras), 493º, n.º 1 (danos causados por coisas ou animais), e 503º, n.º 3 (condutor do veículo por conta de outrem) do CC.
Correspondem tais presunções a situações em que se verifica uma fonte específica de perigo, cuja custódia se encontra atribuída a determinado sujeito, resultando assim a sua responsabilização da violação de deveres de segurança do tráfego que lhe impunham evitar a ocorrência de danos resultantes dessa fonte de perigo (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, p. 305). [10] Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, 2018, Almedina, pp. 589 a 597, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, p. 490 a 495, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 308/309, e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 292; Ac. do STJ de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [11] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 495. [12] Cfr. Ac. do STJ de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [13] Cfr. Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades, separata do BMJ, 85, p. 378 e Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações/Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, (anotação ao art. 493º), p. 323. [14] Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, p. 493. [15] Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 243. [16] Cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 121, 1988-1989, n.º 3766-3777, p. 51. [17] Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 27/01/04, CJSTJ, tomo I, p. 46, de 5/06/98 (relator Oliveira Rocha), de 12/04/2005 (relator Lopes Pinto), de 22/04/08 (relator Salvador da Costa), de 2/06/2009 (relator Alves Velho), de 13/11/2012 (relator Gabriel Catarino), de 9/07/2015 (relator Abrantes Geraldes) e de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [18] Cfr. Acs. do STJ de 25/03/2010 (relator Lopes do Rego), de 9/07/15 (relator Abrantes Geraldes), de 17/05/2017 (relator António Piçarra), de 22/09/2021 (relator Ricardo Costa), in www.dgsi.pt. [19] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, p. 309 e Ac. da RL de 20/03/2001, CJ Ano XXVI – 2001, T. II, p. 83/84; Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa sustenta que a estabelecida presunção de culpa do titular da actividade é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude (da conduta) (cfr. obra citada, p. 244). [20] Cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 122º,1989-1990, n.º 3778-3789, p. 217. [21] Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, (…), p. 496, «quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa (causa virtual: ...), mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas circunstâncias». [22] Cfr. Ac. do STJ de 7/04/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt. e Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, 2015, p. 501. [23] Cfr., obra citada, p. 501; Ac. do STJ 23/04/2020 (relatora Maria da Graça Trigo), ECLI:PT:STJ:2020:1850.17.4T8AVR.P1.S1. [24] Na sentença diz-se que tais trabalhos seriam executados num único dia, mas essa facticidade não se extrai do quadro fáctico apurado. [25] Cfr. Ac. do STJ de 15/10/2011 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. [26] Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 562. [27] Cfr. José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, pp. 371/372. [28] Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 514. [29] Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., (…), p. 667. [30] Cfr. RLJ, n.º 104º, p. 46. [31] Cfr. obra citada, p. 513. [32] Cfr. Ac. do STJ de 15.09.2022 (relator Ferreira Lopes), in www.dgsi.pt. [33] Cfr. Ac. do STJ de 17-12-15 (Relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt. [34] Como aí se explicitou: «(…) 41. A Douta Sentença em equação não toma posição quanto ao pedido formulado de condenação por litigância de má-fé. 42. Assim, a proceder a pretensão dos Recorrentes, requer-se a ampliação do objecto do recurso (art.º 636.º CPC) tendo por finalidade a apreciação da condenação do Autor como litigante de má-fé. (…)» (sublinhado nosso).