I - Resulta dos artigos 153.º, nºs 1 a 5, do Código da Estrada, e 2.º, n.º 1, e 3.º da Lei 18/2007, de 17 de Maio, que, sempre que possível, o intervalo entre o teste qualitativo e o teste quantitativo de detecção de álcool no sangue não deve ser superior a 30 minutos, que, sempre que possível, o intervalo entre o teste quantitativo e a contraprova não deve ser superior a 30 minutos, e que após a notificação prevista no artigo 153.º, n.º 2, o examinando pode requerer de imediato a contraprova.
II - A determinação de que o pedido de realização da contraprova deve ser imediato não significa nos segundos ou minuto seguintes, mas tem que ser necessariamente inferior a 30 minutos, já que este é o lapso temporal que deve decorrer, se possível, entre o teste quantitativo e a contraprova.
…
A – Relatório
1. …, sob acusação do Ministério Público, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido
…
2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 20.3.2024, decidindo-se:
“A) Condenar o arguido … pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses.
B) Advertir o arguido de que, decorrido o período de trinta dias necessário para se aferir do trânsito em julgado da sentença, dispõe do prazo de dez dias para entregar na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que os remeterá àquela, todos os títulos que possua e que o habilitam a conduzir quaisquer veículos com motor … sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, … e, ainda, de que durante o período de execução da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta não pode conduzir qualquer tipo de veículos com motor, sob pena de cometer um crime de violação de proibições, …
C) …
3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
“I. Consta dos autos … que o arguido, ora recorrente, no decurso da acção de fiscalização manifestou o propósito de realizar contraprova, contudo, tal não lhe foi permitido.
II. A contraprova foi solicitada decorrido não mais de 24 min depois da realização do primeiro teste, sendo este primeiro realizado através de analisador qualitativo pelo aparelho DRAGER, MODELO 71110 MKIII P.
III. O teste é realizado às 19h53m
IV. A chamada com a advogada e que dá origem ao pedido de contraprova é efectuada às 20h09m26s.
V. Ou seja, o arguido, ora recorrente, após contacto com a sua advogada, e num período que se estima não superior a 24 min desde o momento da realização do primeiro teste, solicitou a contraprova, tendo os GNR negado tal direito.
VI. Facto dado como provado na sentença agora em crise
-
VIII. Sobre este assunto, refere o acórdão do Tribunal da Relação de Porto, disponível em www.dgsi.pt o seguinte:
“Essa meia hora é compatível com o direito de defesa? Cremos que sim. Durante meia hora é possível contactar alguém (advogado inclusive) aconselhar-se, ponderar e analisar a situação e ver para si qual o melhor método de defesa da imputação que lhe é feita. É um tempo que se mostra proporcional à necessidade de escolha, razoável para uma decisão e ao mesmo tempo adequado às finalidades da lei e do direito. (…)”
IX. Neste sentido e face à não realização da contraprova como requerida pelo arguido no momento dos factos, deveria o tribunal considerar tal facto como relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente com absolvição do arguido.
X. Não o fazendo, violou o tribunal a quo o princípio IN DUBIO PRO REO.
XI. Isto é, resulta a dúvida que caso o arguido realizasse a contraprova, poderia o novo teste demonstrar uma TAS abaixo do limite mínimo previsto na norma criminal.
XII. Acresce ainda o facto do arguido no primeiro teste, que se frise não ser cientificamente válido como acima referido, apresentou uma TAS de 1,205 g/l, deduzido o erro máximo legalmente admissível. Isto é, o arguido apresentava uma taxa de 0.005 g/l, acima do limite mínimo da norma criminal.
XIII. Facto que, razoavelmente se compreende que poderia vir a ser alterado pela realização da contraprova, descriminalizando, assim, a actuação do arguido.
XIV. Tal actuação, fere o direito constitucional do arguido/recorrente, previsto no artigo 32.º n.º 5 da Lei Fundamental (CRP) conhecido como PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
XV. Com este quadro, que nos parece indiscutível, afigura-se-nos que, tendo o arguido, ora recorrente, após ter sido submetido a um teste positivo de pesquisa de álcool no sangue, optado pela realização da contraprova através de novo exame, nos termos da alínea a) do nº 3 do art° 153º do Código da Estrada, o que foi solicitado dentro dos 30 minutos seguintes, tal exame deveria ter sido realizado.
XVI. No caso dos autos, foi desrespeitada a forma vinculada de realização do exame em que se devia traduzir a contraprova, ou seja; tratou-se da prática de um acto fora das condições legais, o que conduz à respectiva ilegalidade e consequente invalidade. É de sublinhar que o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa (cfr. artº 32°, n° 1 da CRP), O que não aconteceu neste caso, pois a garantia de realização de acordo com a lei da contraprova não foi observada.
XVII. Considerando, porém, que a mesma foi requerida e que não foi realizada em observância de uma das exigências legais, não é possível afirmar inequivocamente qual a TAS que o arguido, ora recorrente, acusou, uma vez que lhe foi negada a contraprova e a taxa quantitativa difere da qualitativa.
XVIII. Deste modo, não se determinou efectivamente a taxa de álcool que o recorrente registava, pelo que não se mostra preenchido o elemento objectivo do tipo legal do crime de condução em estado de embriaguez que lhe havia sido imputado, nos termos dos artigos 292°, nº 1, e art° 69°, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, impondo-se, consequentemente, a absolvição do arguido, ora recorrente.
XIX. Sem prescindir do já exposto, sucede que o aparelho DRAGER, MODELO 71110 MKIII P, apresentava uma hora errada, suscitando, razoavelmente, a dúvida sobre o estado geral do aparelho.
…
4. O Ministério Público respondeu ao recurso …
5. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …
6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer.
7. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
8. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.
*
B - Fundamentação
1. …
2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:
- se o arguido solicitou a contraprova atempadamente, por a ter requerido dentro do período de 30 minutos a contar do primeiro teste;
- se a sentença é nula, em virtude de lhe ter sido negado tal direito;
- se o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo;
- se foi violado o princípio do contraditório por lhe ter sido negada a contraprova;
- se o aparelho Drager Modelo 71110 MKIII P, por apresentar uma hora errada, suscita a dúvida sobre o seu estado geral, pelo que tal teste está ferido de nulidade.
3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade da sentença recorrida.
“Da discussão da causa resultam provados os seguintes factos, com relevância para a mesma:
1 No dia 4 de Novembro de 2022, cerca das 19h10m, na Estrada Municipal …, o arguido … conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros … com uma taxa de álcool no sangue de 1,205 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 1,31 g/l.
2 O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas em momento anterior ao início da condução lhe determinaria uma taxa de álcool igual ou superior a 1,20 g/l no sangue e que não podia conduzir na via pública qualquer veículo com ou sem motor, como conduziu, o que o arguido quis e conseguiu.
3 O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal, não obstante não se coibiu de agir como agiu.
4 Aquando da fiscalização, o arguido disse que havia ingerido três copos de vinho há pouco tempo, motivo pelo qual foi o mesmo submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado por duas vezes, acusando 1,26 g/l e depois 1,28 g/l, após o que foi conduzido ao Posto …, situado a cerca de 30/40 minutos do local da fiscalização, para realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado.
5 O alcoolímetro quantitativo … usado no teste de álcool por ar expirado a que foi o arguido submetido apresentava ainda o horário de Verão, correspondendo a “HORA: 20:53 V” constante do talão emitido aquando do teste realizado pelo arguido às 19:53 horas do horário de Inverno.
6 O arguido foi informado de imediato do resultado do referido teste e da taxa apurada após dedução do erro máximo admissível e foi informado de imediato de que poderia requerer contraprova através de ar expirado ou de colheita de sangue e que, em ambos os casos, deveria ser conduzido de imediato a novo aparelho, este no Posto ... sito a 40/45 minutos de distância, ou a estabelecimento de saúde, bem como foi informado dos custos associados à contraprova.
7 O arguido manifestou vontade de estabelecer contacto telefónico com advogada, o que lhe foi permitido, tendo efectuado, pelo menos, três tentativas de contacto telefónico sem sucesso, pelas 20h02m, 20h06m e 20h07m, e duvidou sempre da informação que lhe foi prestada quanto aos custos da contraprova, tendo-lhe sido explicado que mesmo baixando a taxa tinha de arcar com todos os custos e que para não ter custos teria de acusar uma taxa igual ou inferior a 0,49 g/l, ao que o arguido contrapunha que noutro processo também por álcool a informação havia sido a de que se a taxa baixasse não pagaria qualquer custo.
8 Insistindo os militares da GNR que fiscalizaram o arguido de que o mesmo deveria responder se queria ou não contraprova, o arguido continuou sem dar qualquer resposta.
9 Os referidos militares da GNR, considerando o insucesso de contacto do arguido com advogada, considerando o tempo já decorrido e passado em esclarecimentos relativamente aos custos e modo de procedimento da contraprova, não acreditando o arguido nos militares nem tomando uma decisão, não informando se pretendia ou não contraprova, e considerando que o pedido de realização de contraprova deveria ser efectuado de imediato, entenderam não aguardar mais, sob pena de estarem a compactuar com a situação, e consideraram não pretender o arguido contraprova e deram-lhe voz de detenção, começando a elaborar o expediente.
10 Estando os militares da GNR a elaborar o expediente, designadamente já se encontrando emitido e assinado expediente com indicação do arguido não pretender contraprova, o arguido, pelas 20h09m26s, logrou contactar telefonicamente com advogada, decorrendo tal chamada ao longo de 8 minutos e 33 segundos, no decurso da qual o arguido, colocando o telemóvel em alta voz, pretendeu que os militares da GNR repetissem a explicação sobre a detenção e a contraprova, ao que os militares acederam.
11 No decurso da referida chamada telefónica, o arguido decidiu que queria a contraprova.
12 Os militares da GNR não aceitaram a decisão do arguido de realização de contraprova por a considerarem extemporânea.
…
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Inexistem factos não provados e não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa”.
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4. Cumpre agora apreciar e decidir.
A primeira questão a apreciar é a de saber se o arguido solicitou a contraprova atempadamente, por a ter requerido dentro do período de 30 minutos a contar do primeiro teste.
Alega o arguido que os presentes autos comportam vícios ao direito de defesa, que se consideram insanáveis. Isto é, o arguido, ora recorrente dentro do período de 30 min solicitou a contraprova ao teste qualitativo realizado, tendo o mesmo sido negado pelos GNR. Ou seja, o arguido, ora recorrente, após contacto com a sua advogada, e num período que se estima não superior a 24 min desde o momento da realização do primeiro teste, solicitou a contraprova, tendo os GNR negado tal direito.
…
Neste sentido e face à não realização da contraprova como requerida pelo arguido, ora recorrente, no momento dos factos, deveria o tribunal considerar tal facto como relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente com absolvição do arguido.
Vejamos o que resultou provado.
1. No dia 4 de Novembro de 2022, cerca das 19h10m, na Estrada Municipal … o arguido … conduziu … com uma taxa de álcool no sangue de 1,205 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 1,31 g/l.
4 Aquando da fiscalização, o arguido … foi o mesmo submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado por duas vezes, acusando 1,26 g/l e depois 1,28 g/l, após o que foi conduzido ao Posto …, situado a cerca de 30/40 minutos do local da fiscalização, para realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado.
5 O alcoolímetro quantitativo … usado no teste de álcool por ar expirado a que foi o arguido submetido apresentava ainda o horário de Verão, correspondendo a “HORA: 20:53 V” constante do talão emitido aquando do teste realizado pelo arguido às 19:53 horas do horário de Inverno.
Isto é, o arguido fez o primeiro teste qualitativo, cerca das 19h10.
Posteriormente foi conduzido ao Posto …, situado a cerca de 30/40 minutos do local da fiscalização, para realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o que ocorreu pelas 19h53.
Assim, não é verdade que o arguido tenha realizado apenas um teste - o qualitativo.
Realizou o qualitativo e posteriormente o quantitativo.
Mais se provou que:
6. O arguido foi informado de imediato do resultado do referido teste e da taxa apurada após dedução do erro máximo admissível e foi informado de imediato de que poderia requerer contraprova através de ar expirado ou de colheita de sangue e que, em ambos os casos, deveria ser conduzido de imediato a novo aparelho, este no Posto … sito a 40/45 minutos de distância, ou a estabelecimento de saúde, bem como foi informado dos custos associados à contraprova.
7. O arguido manifestou vontade de estabelecer contacto telefónico com advogada, o que lhe foi permitido, tendo efectuado, pelo menos, três tentativas de contacto telefónico sem sucesso, pelas 20h02m, 20h06m e 20h07m, e duvidou sempre da informação que lhe foi prestada quanto aos custos da contraprova, tendo-lhe sido explicado que mesmo baixando a taxa tinha de arcar com todos os custos e que para não ter custos teria de acusar uma taxa igual ou inferior a 0,49 g/l, ao que o arguido contrapunha que noutro processo também por álcool a informação havia sido a de que se a taxa baixasse não pagaria qualquer custo.
8. Insistindo os militares … que fiscalizaram o arguido de que o mesmo deveria responder se queria ou não contraprova, o arguido continuou sem dar qualquer resposta.
9. Os referidos militares …, considerando o insucesso de contacto do arguido com advogada, considerando o tempo já decorrido e passado em esclarecimentos relativamente aos custos e modo de procedimento da contraprova, não acreditando o arguido nos militares nem tomando uma decisão, não informando se pretendia ou não contraprova, e considerando que o pedido de realização de contraprova deveria ser efectuado de imediato, entenderam não aguardar mais, sob pena de estarem a compactuar com a situação, e consideraram não pretender o arguido contraprova e deram-lhe voz de detenção, começando a elaborar o expediente.
10. Estando os militares … a elaborar o expediente, designadamente já se encontrando emitido e assinado expediente com indicação do arguido não pretender contraprova, o arguido, pelas 20h09m26s, logrou contactar telefonicamente com advogada, decorrendo tal chamada ao longo de 8 minutos e 33 segundos, no decurso da qual o arguido, colocando o telemóvel em alta voz, pretendeu que os militares da GNR repetissem a explicação sobre a detenção e a contraprova, ao que os militares acederam.
11. No decurso da referida chamada telefónica, o arguido decidiu que queria a contraprova.
12. Os militares da GNR não aceitaram a decisão do arguido de realização de contraprova por a considerarem extemporânea.
Pois bem.
Com a epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de álcool”, estipula o artigo 153º, nºs 1 e 2 que:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
Dispõem os nºs 3, 4 e 5 da mesma norma legal que:
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
Por sua vez, estipula o artigo 2º, nº1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (Lei nº 18/2007, de 17 de Maio) que:
1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.
Nos termos do artigo 3º do mesmo Regulamento, “os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do artigo 153.º do Código da Estrada”.
Da conjugação destas normas legais resulta que:
- sempre que possível, o intervalo entre o teste qualitativo e o quantitativo não deve ser superior a 30 minutos;
- sempre que possível, o intervalo entre o teste quantitativo e a contraprova não deve ser superior a 30 minutos;
- após a notificação prevista no artigo 153º, nº 2 do CE, pode o examinando requerer de imediato a contraprova.
É certo que de imediato não significa necessariamente nos segundos ou no minuto seguinte, mormente quando o examinando pretende falar com o seu advogado. Caso a caso, a situação tem que ser ponderada com bom senso e razoabilidade. De qualquer forma, o tempo a conceder ao examinando tem que ser necessariamente inferior a 30 minutos, já que este é o lapso temporal que deve decorrer entre o teste quantitativo e a contraprova, se possível.
Voltando ao caso concreto, face à factualidade provada, entende-se que a entidade policial agiu ponderada e razoavelmente.
Depois de ter sido informado que poderia requerer contraprova, o arguido disse que pretendia falar com a sua advogada, o que lhe foi permitido. Porém, fez, pelo menos, 3 tentativas de contacto, sem sucesso. Duvidou sempre o arguido da informação que lhe foi prestada quanto aos custos da contraprova, tendo-lhe sido explicado que mesmo baixando a taxa tinha de arcar com todos os custos e que para não ter custos teria de acusar uma taxa igual ou inferior a 0,49 g/l, ao que o arguido contrapunha que noutro processo também por álcool a informação havia sido a de que se a taxa baixasse não pagaria qualquer custo.
Insistindo os militares … que fiscalizaram o arguido de que o mesmo deveria responder se queria ou não contraprova, o arguido continuou sem dar qualquer resposta.
Então, neste contexto, a entidade policial entendeu não ser de aguardar mais tempo, sob pena de estar a compactuar com a situação, e, perante a ausência de resposta por parte do arguido considerou que este não pretendia sujeitar-se a contraprova, dando-lhe voz de detenção e começando a elaborar o expediente.
É de frisar que o teste quantitativo foi realizado pelas 19h53 e as tentativas de contacto com a advogada, sem sucesso, tiveram lugar pelas 20h02m, 20h06m e 20h07m.
Como se disse, tais tentativas de contacto resultaram infrutíferas e os militares da GNR insistiam no sentido do arguido dizer se pretendia ou não contraprova, não dando ele qualquer resposta.
Apenas pelas 20h09m26s, já depois de ter sido dado voz de detenção ao arguido e o expediente estar a ser elaborado, o arguido conseguiu contacto telefónico com a advogada, chamada que demorou mais de 8 minutos, durante a qual decidiu que queria contraprova.
Ora, a actuação dos militares … não merece qualquer censura.
Na situação concreta agiram ponderadamente, permitindo ao arguido que contactasse a sua advogada e dando-lhe todas as explicações que solicitava. Perante a falta de resposta do arguido, decorridos, pelo menos, 16 minutos, os agentes da GNR decidiram pôr cobro à actuação do recorrente e consideraram que ele não pretendia a contraprova.
Sem dúvida que foi concedido ao arguido um tempo razoável para que decidisse se queria ou não a contraprova.
Assim, bem andou a GNR ao decidir que o arguido não manifestou vontade de requerer a contraprova atempadamente, e, perante isso, a dar-lhe voz de detenção e a proceder à elaboração do expediente, da forma como o fez.
Por não assistir razão ao recorrente, improcede esta questão por si suscitada.
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Aqui chegados, facilmente se conclui que a sentença não é nula, em virtude de lhe ter sido negado tal direito.
Aliás, a situação nem configuraria qualquer nulidade da sentença - cfr. artigo 379º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Sem necessidade de outros considerandos, improcede igualmente esta pretensão do recorrente.
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Vejamos agora se o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
Alega o recorrente que apenas analisadores quantitativos, são cientificamente considerados como capazes ou suficientes para revelarem a verdadeira e exacta taxa de alcoolémia com a fidedignidade exigida pelo direito punitivo penal ou contra-ordenacional.
Tendo no caso dos autos o arguido, ora recorrente, apenas realizado um teste qualitativo realizado no aparelho DRAGER, MODELO 71110 MKIII P, considerando o tribunal a quo aceite como verdadeiro o teor de álcool no sangue ali apresentado.
…
Como se disse, não corresponde à verdade que o arguido apenas tenha realizado o teste qualitativo.
…
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Assim como também não foi violado o princípio do contraditório por lhe ter sido negada a contraprova.
Como se disse, o arguido deveria ter requerido a contraprova de imediato, o que não fez. Foi-lhe dada a possibilidade de falar com a sua advogada, o que não conseguiu atempadamente. O tempo que lhe foi concedido para se decidir acerca da contraprova foi mais do que razoável.
De qualquer forma, mesmo que se considerasse ter havido omissão do contraditório, a situação configuraria mera irregularidade.
…
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Cumpre ainda apreciar se o aparelho Drager Modelo 71110 MKIII P, por apresentar uma hora errada, suscita a dúvida sobre o seu estado geral, pelo que tal teste está ferido de nulidade.
Alega o arguido que aparelho DRAGER, MODELO 71110 MKIII P, apresentava uma hora errada, suscitando, razoavelmente, a dúvida sobre o estado geral do aparelho.
Isto é, a base da presente acusação, e sendo apenas validamente admitidos os resultados obtidos através do teste quantitativo, apresentando o mesmo uma hora errada, nada garante ao arguido que, o referido aparelho DRAGER, MODELO 71110 MKIII P, apresentasse como verdadeiros os restantes elementos essenciais para a acusação.
Ou seja, sofrendo o teste quantitativos de erro grosseiro, ao indicar uma hora que não corresponde à verdade dos factos, tal teste está ferido de nulidade insuprível, que só per si invalida toda a restante prova.
…
Ora, o facto do referido alcoolímetro apresentar ainda o horário de Verão não significa que todos os restantes dados estivessem errados. Aliás, a hora indicada não colide, de forma alguma, com a TAS apresentada.
Nem mesmo o recorrente consegue fundamentar essa sua pretensão, suscitando apenas uma dúvida sem fundamento.
Também neste ponto não assiste razão ao recorrente, pelo que se indefere a sua pretensão.
*
Pelo exposto, improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido, deve ser negado provimento ao recurso.
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C – Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido … e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
*
Notifique.
*
Coimbra, 6 de Novembro de 2024.
(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).
Rosa Pinto – Relatora por vencimento
Maria José Guerra – 2ª Adjunta
Teresa Coimbra – Relatora vencida, nos termos do voto de vencida que se segue.
Voto de vencida:
Votei vencida pelas razões que, em síntese, passo a expor.
A questão essencial trazida à apreciação deste tribunal não tem, na lei, uma resposta objetiva, na medida em que nenhuma norma indica qual o período de tempo de que dispõe um condutor indiciado por conduzir em estado de embriaguez (ou sob influência do álcool) para requerer e realizar contraprova (contrariamente ao que constava do art. 3º nº 1 do Dec.Reg 24/98, revogado pela lei 18/2007 de 18.05).
Vejamos (sublinhados nossos):
Dispõe o artigo 153º do Código da Estrada que:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7 – (…)
8 – (…)
Por sua vez, a Lei 18/2007 de 17/05 que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência de Álcool ou Substâncias Psicotrópicas dispõe no seu artigo 1º, sob a epigrafe “Detecção e quantificação da taxa de álcool” que:
1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo.
2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3. A análise de sangue é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
O artigo 2º expõe o “método de fiscalização” e no seu nº 1 preceitua que:
“Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos”.
O artigo 3º refere-se à contraprova e estipula que “os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool são aplicáveis à contraprova prevista no nº 3 do artigo 153º do Código da Estrada”.
Da leitura conjugada das referidas normas entendo que pode concluir-se que a lei prevê que a contraprova seja requerida de imediato, mas também que o método de fiscalização (onde está previsto um intervalo de tempo não superior a 30 minutos entre a realização dos testes qualitativo e quantitativo) se aplica à contraprova.
Ora, assim sendo, parece-me dever considerar-se que a lei aceita que um lapso de tempo de 30 minutos cabe na expressão de imediato. Portanto, se, na situação sub iudice, a contraprova foi requerida antes de decorridos 30 minutos após a realização do teste, entendo não se configurar consentâneo com os dizeres legais considerá-la extemporânea, como o fez o tribunal a quo.
Este mesmo entendimento foi expendido no Ac. RP de 08/07/2015 proferido no processo 50/15.2GAARC.P1 acessível in www.dgsi.pt, que se debruçou sobre temática idêntica e que concluiu que (…)durante meia hora é possível contactar alguém (advogado inclusive) aconselhar-se, ponderar e analisar a situação e ver para si qual o melhor método de defesa da imputação que lhe é feita. É um tempo que se mostra proporcional à necessidade de escolha, razoável para uma decisão e ao mesmo tempo adequado às finalidades da lei e do direito. (…)
Concordo com a análise feita no referido acórdão. Projetando-a no caso em apreço concluiria que uma vez que o arguido, quando questionado, nada disse - e, portanto, também não disse que não queria efetuar contraprova -, antes só tomou posição após falar com a sua advogada, o que aconteceu, no máximo, 24 minutos após a realização do teste (aos 16 minutos conseguiu a ligação telefónica, tendo a chamada durado 8 minutos e 33 segundos e dos factos provados resulta que a decisão de realizar contraprova foi tomada no decorrer da chamada (facto 11)), não vejo razão para lhe ser negada a realização de contraprova, pela consideração de que a pretensão seria extemporânea.
A negação da realização da contraprova consubstancia, salvo o devido respeito por opinião diversa, violação do direito de defesa, que tem consagração constitucional no art. 32º da CRP e que além de abranger o direito de o arguido se pronunciar sobre o objeto total da acusação, sobre a prova produzida e sobre as normas jurídicas aplicáveis, engloba o direito de participar ativamente na produção de prova, de a contradizer, o que no caso em apreço correspondia ao direito de requerer e de ser sujeito a contraprova.
Mas, e o facto de o expediente já estar elaborado e assinado pelos militares ( e só por eles) com a menção de que o arguido não requereu contraprova?
No acórdão da Relação do Porto atrás referido foi expresso o entendimento de que o único obstáculo, pela natureza das coisas, a requerer a contraprova até trinta minutos depois de realizado o exame seria o facto de o expediente relativo ao auto de notícia já estar completamente elaborado.
Não comungo desse entendimento. A elaboração do expediente não é um fim em si mesmo. No expediente deve ser projetada a realidade, pelo que se alguma alteração ocorrer depois da sua elaboração ela deverá ser alvo de aditamento ou menção complementar. Isto é, nada impedia que quem estivesse a elaborar o expediente fizesse constar, numa fase inicial, que o arguido não requereu contraprova e, posteriormente, que a veio a requerer.
A elaboração do expediente só está ao serviço da justiça e do direito se traduzir fiel e formalmente as vicissitudes, as ocorrências da situação de vida que nele ficaram projetadas. O entendimento de que a elaboração do expediente constituiria o limite temporal para a possibilidade de requerer contraprova, permitiria que tal possibilidade ficasse dependente de subjetivismos, designadamente, da capacidade e rapidez do responsável pela sua elaboração.
Portanto, se a realidade impuser uma alteração na formalização da posição assumida pelo arguido, entendo que não se pode dizer, como o tribunal a quo, que os agentes de autoridade "teriam de dar o dito por não dito", mas, tão só, que teriam de fazer constar a posição que o arguido veio a tomar e que a própria lei admite, só assim se garantindo verdadeiramente o exercício dos direitos de defesa e de contraditório.
Acresce que, no caso concreto, a situação exigia uma muito maior cautela tendo em conta o valor da taxa de álcool indiciada (1,20gr/l) uma vez que correspondia a um valor de fronteira entre os ilícitos contraordenacional e criminal.
Acresce ainda que não pode ser considerado relevante para a decisão o facto de a deslocação para realização de contraprova demorar mais 30 ou 40 minutos, uma vez que o arguido não pode ser responsabilizado por eventuais falhas do Estado por inexistência de aparelhos necessários à fiscalização e pela distância que tenha de ser percorrida para realização da contraprova legalmente prevista. Se, como deveria ser, os agentes dispusessem de dois analisadores quantitativos e não fosse necessário deslocarem-se a outro posto, a contraprova poderia ter sido realizada no mesmo momento e local, dentro dos 30 minutos admitidos por lei.
Pelo que fica dito concluiria que a quantificação da taxa de álcool fixada pelo tribunal a quo não resultou provada e que só o seria se tivesse sido realizada a requerida contraprova, tanto mais quanto a contraprova se destina a confirmar a prova sobrepondo-se o valor que dela resultar ao inicialmente obtido ( art. 153 nº 6 do Código da Estrada) que, portanto, não chegou a ser confirmado.
Assim sendo, entendo que se impunha a afirmação de que não contêm os autos prova capaz de sustentar a convicção do tribunal a quo relativamente à concreta taxa de álcool no sangue de que o recorrente era portador, Não a contendo - e não podendo já ser colmatada a omissão – considero ser manifesta a insuficiência da prova para a afirmação segura de que o arguido conduzia na via pública um veículo com uma taxa de álcool igual ou superior a 1,20gr/l e, não sendo possível fazer tal afirmação, não confirmaria a decisão e absolveria o arguido.
Maria Teresa Coimbra