CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DESISTÊNCIA DO CONTRATO
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
SINAL
Sumário

I - Ao terem comunicado à promitente compradora que pretendiam desistir do negócio, mediante a devolução do sinal entregue, por não terem condições financeiras para cumprir o contrato, e ao não terem comunicado à ré a alteração da sua morada, constante do contrato e terem deixado decorrer o prazo fixado para a marcação da escritura, os promitentes compradores colocaram-se em situação objectiva de perda de interesse no negócio e na prestação da contraparte, excluído ficando o recebimento do sinal em dobro.
II - Não se tratando ainda de recusa definitiva de cumprimento, teria ainda a promitente vendedora de fazer converter a mora daqueles em incumprimento definitivo.
III - Constatando-se, todavia, que a interpelação a que procedeu a promitente vendedora a comunicar o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, foi efectuada apenas ao autor marido, e não à autora, cônjuge mulher, também outorgante no contrato-promessa de compra e venda, deve a resolução ser considerada inválida e ineficaz em relação a ambos.
IV - Devendo julgar-se resolvido o contrato promessa celebrado com fundamento no incumprimento definitivo resultante da perda de interesse na prestação por ambas as partes contraentes, e, em consequência condenar-se a ré promitente vendedora a devolver aos autores o sinal prestado em singelo, acrescido de juros de mora á taxa legal devidos desde a data de citação até integral pagamento.

Texto Integral

Processo n. 9040/22.8T8VNG.P1– Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

AA e cônjuge BB, residentes na Rua ..., ..., ... - Penafiel propuseram contra A..., Unipessoal, Lda., com sede na Travessa ..., ..., 2º Esq., Vila Nova de Gaia, acção com processo comum, pedindo a condenação da ré a:
- reconhecer a resolução pelos Autores operada a 18.05.2022, do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes a 30.06.2021, com fundamento no incumprimento definitivo e culposo da Ré desse contrato;
- em consequência desse incumprimento definitivo e resolução do contrato, a pagar aos autores a quantia de €14.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde 08.11.2022 e até efectivo pagamento.
Alegam para tanto, em resumo, que celebraram com a ré em 30.06.2021 um contrato promessa de compra e venda mediante qual esta se obrigou a vender aos Autores e estes prometerem comprar uma a fracção autónoma de prédio urbano, efectuadas remodelações no imóvel já englobadas no preço acordado, no prazo máximo de 120 dias, a contar da data da celebração. Uma vez que as obras ainda não estavam concluídas em 26.10.2021, autores e ré acordaram na prorrogação do prazo para outorga da escritura pública por mais 45 dias. A escritura de compra e venda esteve marcada para 30.11.2021 e não foi realizada por as obras não estarem concluídas. Após essa data, nenhuma das partes marcou escritura. Em maio de 2022 os autores vieram a ter conhecimento que a Ré tinha vendido o imóvel a terceiro em 14.03.2022. Assim, em 17.05.2022 enviaram comunicação da resolução do contrato promessa, por incumprimento da ré, pedindo a restituição do dobro da quantia paga a título de sinal.
Citada a ré, contestou, no essencial dizendo que o incumprimento do contrato promessa celebrado é imputável aos Autores, que pretenderam desistir do negócio celebrado, e a partir de certa altura deixaram de estar contactáveis e de atender às comunicações da ré, faltando à escritura pela mesma marcada. Conclui pela improcedência da acção, pedindo a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
No saneador foi o processo julgado isento de nulidades e excepções, prosseguindo com a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados; e improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Inconformados com o assim decidido, dele interpõem os AA. recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
A) - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
1. Os AA. consideram que os pontos 22 e 23 do FP foram incorrectamente julgados,
pois os factos que a eles estão subjacentes (as 2 cartas aí referidas) deveriam ter sido dados como provados, mas com uma outra redacção, conforme infra se indicará.
2. Os concretos meios de prova que impunham diferente decisão da recorrida em relação a esses pontos são os documentos nºs. 2 e 3 juntos pela R. na sua contestação (2 cartas), sendo que, ambas as cartas, são unicamente enviadas e dirigidas ao A. marido, mas já não à A. mulher.
3. Pelo que, os AA. expressam que, a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, ou seja, a redacção correcta desses FP face à inequívoca prova documental é a seguinte:
22. A Ré enviou carta dirigida ao Autor marido, para a morada constante do contrato referido em 2., datada e registada a 22.12.2021 a comunicar ao Autor marido o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, que veio devolvida.
23. A Ré enviou uma nova missiva dirigida ao Autor marido para a mesma morada dos Autores e tal carta voltou a ser devolvida à Ré, com a indicação de “mudou-se”.
B) - DA APRECIAÇÃO E APLICAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
4. A questão central deste processo, na perspectiva dos AA., era avaliar se a R. tinha, ou não, incumprido de forma definitiva o CPCV celebrado entre as partes e as consequências daí resultantes.
NESTE CONTEXTO,
5. É necessário desde logo dizer que, de acordo com o ponto 4 dos FP (clª 4ª do CPCV), a faculdade de marcar a EPCV cabia aos AA.
6. Pelo que, tendo o prazo sido estipulado a favor dos AA., determina o nº 3 do Artº 777º do CC que:
“Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor.”
7. A R. não requereu em Tribunal a fixação desse prazo, pelo que, não podia pois proceder à marcação da EPCV, nem as duas missivas que enviou (pontos 22 e 23 dos FP) poderiam alguma vez ter interpelado a Autora mulher para tal acto, já que a ela não foram dirigidas.
8. Por outro lado, é errada a conclusão da Srª Juiz vertida na Fundamentação de Direito da sentença quando, conclui que os AA. emitiram uma declaração de desistência de contrato, pois afirma:
“Do exposto, impõe-se concluir que, face aos factos provados, a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa tem de ser imputada aos Autores, cuja conduta -declaração de desistência do contrato, acompanhada de…
ORA,
9. Esta conclusão é contrária ao teor expresso no ponto 16 dos FP, que é:
Nessa reunião os Autores comunicaram à Ré que pretendiam desistir do negócio, mediante a devolução do sinal entregue, porquanto não tinham condições financeiras para cumprir o contrato outorgado. “
10. Ficou provado pois que os AA. comunicaram uma intenção (desistir do negócio), mediante uma condição (devolução do sinal entregue de 7.000,00 €), condição que não foi aceite pela R. pois, conforme pontos 17 e 18 dos FP, a R. apenas aceitava restituir a quantia de 3.000,00 € (apresentou a R. uma contraproposta).
11. DONDE OS AA. NUNCA DECLARARAM DESISTIR DO NEGÓCIO, apenas que o fariam se a R. aceitasse determinada condição.
12. Foi assim proposta pelos AA. uma revogação do CPCV, que não foi aceite pela Ré, não tendo assim sido alcançado acordo entre as partes quanto a uma possível cessação amigável (revogação) do contrato em causa.
13. O CPCV manteve-se pois em vigor até à sua resolução, que não foi ilícita, resolução operada pela carta e pelos factos referidos no ponto 36 dos FP.
14. Aceita-se porém que os AA. não cumpriram a sua obrigação de comunicar a mudança da sua morada, o que só fizeram em Março de 2022 (Ponto 27 dos FP).
15. Porém, neste ponto, apenas pode ser assacado aos AA. mora no cumprimento duma obrigação acessória do CPCV, já não, o incumprimento definitivo do mesmo contrato.
16. Acresce que, se a R. tivesse tanta certeza que os AA. tinham comunicado, de forma clara e inequívoca a sua desistência do negócio, não teria a necessidade de proceder à marcação da EPCV, por 2 vezes.
17. Diga-se ainda que, nas duas missivas enviadas para o Autor marido - e só a este -, a R. não procedeu à interpelação admonitória prevista no nº 1 do Art º 808º do CC.
18. E também não colhe a argumentação da Srª Juiz que a Ré poderia ter perdido o interesse na prestação por causa imputável aos AA., pois que, a prestação - a venda do imóvel -, não só é um objectivo da R. enquanto sociedade imobiliária, como a obteve depois do comprador identificado.
OU SEJA,
19. A R. tinha e tem sempre interesse em vender imóveis e, em particular, esse imóvel. UMA NOTA ESSENCIAL:
20. Também não ocorreu qualquer “abuso de direito” por parte dos AA. na modalidade “tu quoque”, porquanto, como se explicou, a única falha imputável aos AA. foi a mora no cumprimento da sua obrigação (acessória) de comunicar a sua mudança de morada.
CONCLUINDO:
21. Não ocorreu impossibilidade de cumprimento do CPCV ou o seu incumprimento definitivo e absoluto imputável aos AA.
22. A venda efectuada pela R. vertida no ponto 32 dos FP equivale ao incumprimento definitivo e culposo do CPCV por essa sociedade, pois que, a prestação a que estava obrigada - vender a fracção aos AA. -, tornou-se impossível, por acto que lhe é unicamente imputável.
23. Devendo a acção ser julgada procedente com os fundamentos constantes da pi.
24. A douta sentença violou assim o nº 2 do Artº 442º e o nº 1 do Artº 801º, ambos do CC

***
A R. apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, conforme o estabelecido nos artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes as questões a decidir nos autos:
- Se deve alterada a decisão recorrida sobre matéria de facto nos termos pretendidos pelos autores;
- Saber a qual das partes contraentes é imputável o incumprimento definitivo do contrato e, quais as consequências.
***
São os seguintes os factos dados como provados e não provados pela 1ª instância:
A - Factos provados:
1. Os Autores casaram no dia 06.09.2008, com convenção antenupcial, no regime de comunhão geral de bens. (assento de casamento junto como documento nº 1 da petição inicial, que se dá por reproduzido)
2. No dia 30.06.2021, os Autores e a Ré celebraram por escrito documento intitulado de contrato-promessa de compra e venda, no qual a Ré prometeu vender aos Autores e estes prometerem comprar, a fracção autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº ... e inscrito na matriz, sob o artigo ..., com Licença de Utilização n.º ..., emitida pela Câmara Municipal ..., em 1991/06/26, e detentora do certificado de desempenho energético n.º ..., propriedade de “B..., Lda.”, mas que a Ré se comprometia a adquirir e a vender aos Autores. (documento nº 2 da petição inicial, que se dá por reproduzido)
3. Na cláusula 3ª do contrato estipularam que “1 – O preço global da fracção autónoma prometida vender é de €115.000,00 (cento e quinze mil euros), que será pago da seguinte forma:
a) Como sinal e princípio de pagamento os promitentes compradores entregam, nesta data, à promitente vendedora, a quantia de €7.000,00 (sete mil euros), sendo que tal quantia será paga por meio de transferência bancária, da conta com o IBAN ..., da conta de que é titular a PROMITENTE COMPRADORA para a conta com o IBAN ... do Banco 1..., SA, de que é titular a PROMITENTE VENDEDORA.
b) O remanescente do preço será pago, no acto da escritura definitiva de Compra e Venda/Documento Particular Autenticado, mediante a entrega de cheque visado ou bancário.”
4. Na clausula 4ª do contrato Autores e Ré fizeram constar que “A escritura definitiva de Compra e Venda será celebrada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da presente data, em nome dos promitentes compradores, devendo para o efeito, avisar a promitente vendedora, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, o local, a data e a hora para a celebração da escritura.
5. Da clausula 5ª do contrato consta que “1 – Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato imputável à promitente vendedora, fica esta obrigada a indemnizar os promitentes compradores numa importância igual ao dobro dos valores recebidos a título de sinal e princípio de pagamento. 2 – no caso de incumprimento definitivo ser imputável aos promitentes compradores, ficam estes obrigados ao pagamento de uma indemnização, correspondente aos valores pagos a título de sinal e princípio de pagamento, o que implica, na prática, a perda daqueles valores em favor da promitente vendedora.”
6. Da cláusula 7ª consta que “Eventuais alterações, anulações, aditamentos ou acordos de resolução do presente contrato só serão válidos se forem efectuados por escrito, assinado por todos outorgantes, sendo nulos e ineficazes e sem qualquer validade jurídica acordos verbais.”.
7. No que se refere às comunicações entre as partes, da clausula 8ª do mesmo documento consta que “1 – Acordam os Outorgantes que todas as comunicações a efectuar no âmbito deste contrato sê-lo-ão para os locais e domicílios nele identificados, salvo se vier a ser transmitida qualquer alteração por qualquer dos Outorgantes, com a antecedência de oito dias por carta registada com aviso de recepção. 2 – A forma de comunicação estabelecida anteriormente não prejudica que, por acordo, as partes privilegiem a comunicação por contacto telefónico, via fax, via correio electrónico, por intermédio do Consultador Imobiliário ou contacto pessoal.”.
8. Da cláusula 10ª consta que “1 – Os Outorgantes declaram que aceitam de mútuo acordo prescindir do cumprimento das formalidades previstas no nº 3 do artigo 410.º do Código Civil, ou seja, do reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação por notário da existência de licença de utilização. 2 – Comprometem-se, ainda, a reconhecer a validade deste contrato, nomeadamente não invocando a sua nulidade por vício de forma.”.
9. No dia 30.06.2021 os Autores procederam ao pagamento da quantia de € 7.000,00, a título de sinal.
10. No dia 26.10.2021, Autores e Ré celebraram por escrito uma alteração ao contrato referido em 2., na qual declaram acordar na prorrogação do prazo para outorga da escritura pública por mais 45 dias. (documento nº 4 da petição inicial, que se dá por reproduzido)
11. O motivo desta prorrogação consistia no facto da Ré se ter obrigado a efectuar obras de remodelação que deveriam estar realizadas até ao momento da celebração da escritura.
12. Em Outubro de 2021 as obras ainda não estavam concluídas.
13. Os Autores tinham recorrido a financiamento junto do Banco 2..., S.A..
14. A escritura chegou a estar agendada para o dia 30.11.2021, por marcação do banco, mas tal data foi cancelada por acordo entre todas as partes.
15. No início de Dezembro de 2021, a Ré foi contactada pela empresa de mediação C..., Lda., no sentido de realizar uma reunião com os Autores, nas suas instalações.
16. Nessa reunião os Autores comunicaram à Ré que pretendiam desistir do negócio, mediante a devolução do sinal entregue, porquanto não tinham condições financeiras para cumprir o contrato outorgado.
17. O representante da Ré naquela reunião referiu aos Autores que iria transmitir essa posição à sociedade vendedora e que posteriormente lhes comunicaria a posição daquela.
18. A 14 de Dezembro de 2021, a Ré enviou e-mail à sociedade imobiliária transmitindo que não aceitava a devolução integral do sinal, propondo restituir a quantia de € 3.000 “aquando de uma futura venda”.
19. Após esta comunicação a Ré não mais conseguiu contactar os Autores.
20. Os Autores deixaram de atender as chamadas da Ré.
21. Porque o prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda já havia decorrido e existia ausência de contacto por parte dos Autores, a Ré decidiu proceder à marcação da escritura.
22. A Ré enviou carta, para a morada constante do contrato referido em 2., datada e registada a 22.12.2021 a comunicar ao Autor AA o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, que veio devolvida (alterado por esta Relação pelas razões infra).
23. A Ré enviou uma nova missiva para a mesma morada e mesmo destinatário e tal carta voltou a ser devolvida à Ré, com a indicação de “mudou-se” (alterado por esta Relação pelas razões infra).
24. O procurador da Ré deslocou-se à morada constante do contrato a fim de perceber se os Autores sempre iriam desistir da compra da fracção ou não.
25. Teve conhecimento, por um vizinho dos Autores, que estes já não residiam naquela morada.
26. Os Autores não marcaram escritura.
27. Não comunicaram à Ré alteração da sua morada até Março de 2022.
28. No dia, hora e local marcada pela Ré para a celebração da escritura de compra e venda, o procurador da Ré deslocou-se ao Cartório para outorgar a mesma.
29. Os Autores não compareceram à mesma. (Documento nº 5 junto com a contestação, que se dá por reproduzido).
30. Desde a data designada para a celebração da escritura, 10.01.2022, a Ré não teve qualquer contacto por parte dos Autores.
31. A Ré ficou convencida que os Autores tinham desistido da aquisição da fracção.
32. A Ré colocou a fracção à venda.
33. Por escritura outorgada em 14.03.2022 a Ré declarou vender a CC DD a fracção descrita em 2., encontrando- se essa aquisição registada a favor do comprador pela Ap. ... de 2022/03/14, 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, nº ...-B-Freguesia ... (documentos nº 5 e 6 da petição inicial, que se dão por reproduzidos)
34. Por carta datada de 31.03.2022, os Autores comunicaram à Ré o seu novo domicílio e solicitavam a marcação da escritura de compra e venda. (documento nº 6 da contestação, que se dá por reproduzido)
35. A esta carta respondeu a Ré, através da sua mandatária, por carta registada com aviso de recepção, datada de 19.04.2022, referindo que nunca mostraram interesse em concretizar o negócio e informando que a fracção já tinha sido vendida., (documento nº 7 da contestação, que se dá por reproduzido)
36. No dia 17.05.2022 os Autores enviaram à Ré carta registada com A.R. (com data de 11.05.2022), recebida pela destinatária a 18.05.2022, na qual comunicavam à promitente-vendedora a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes com fundamento na venda a terceiro e solicitavam a restituição do sinal em dobro. (documento nº 7 da petição inicial, que se dá por reproduzido)
37. A Ré não restituiu aos Autores o sinal em dobro.
38. Os Autores, através da sua mandatária, comunicaram à Ré que nunca tinham desistido do negócio, que estava pendente processo de empréstimo bancário e que nunca tinham recebido qualquer missiva da Ré. (documento nº 9 da contestação, que se dá por reproduzido)
39. A Ré respondeu por carta registada com aviso de receção, datada de 02.06.2022, referindo que o incumprimento do contrato tinha sido da sua parte e não da sociedade. (documento nº 10 da contestação, que se dá por reproduzido)
40. A Ré não voltou a ser contactada pelos Autores.
41. O email enviado pela Ré a 04.01.2022 não foi recebido pelo Autor marido.
B - Factos não provados:
1. Em finais de Novembro/início de Dezembro de 2021, a Ré tinha em falta a realização das seguintes obras:
- pintar as divisões da fracção;
- substituir persianas em todas as divisões;
- na cozinha: colocar os móveis e balcão, colocar cilindro, colocar as portas dessa divisão e pintar a lavandaria anexa,
- nas casas de banho (2): substituir os móveis partidos, bases de chuveiro, bicha e suporte de chuveiro, torneiras.
2. Os Autores vieram a ter conhecimento em maio de 2022 que a Ré tinha vendido a fracção objecto do contrato referido em 2. dos factos provados.
3. A Ré na ausência de contacto por parte dos Autores e desconhecendo o seu domicílio, remeteu via e-mail as comunicações que lhes tinha enviado por carta.
4. Os Autores propuseram à Ré a revogação amigável do contrato, com devolução do montante pago a título de sinal, por atraso desta na conclusão das obras.
5. Após a reunião de Dezembro de 2021 os Autores ficaram à espera que a Ré os contactasse para marcar a escritura.
6. Até 18.05.2022 os Autores tinham pendente o crédito à habitação e estavam convencidos que iriam concluir o negócio prometido, mantendo o financiamento em aberto.
***
A primeira razão do inconformismo dos autores, ora recorrentes, prende-se com a consideração como provado, sob os pontos 22 e 23 da matéria de facto considerada provada, que:
- A Ré enviou carta, para a morada constante do contrato referido em 2., datada e registada a 22.12.2021 a comunicar aos Autores o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, que veio devolvida;
- A Ré enviou uma nova missiva para a mesma morada dos Autores e tal carta voltou a ser devolvida à Ré, com a indicação de “mudou-se”;
por desconformidade com a prova documental que lhes serviu de suporte – os docs. 2 e 3 juntos com a contestação. Aí pode ver-se como destinatário e endereço das duas cartas registadas aí mencionadas” AA, Rua ..., ..., 5 esq, ... Vila Nova Gaia”, e apenas esse, não a ambos os autores, conforme aí consta. Assiste, em conformidade, razão aos recorrentes, devendo a matéria dos referidos pontos 22 e 23) alterar-se para:
22 - A Ré enviou carta, para a morada constante do contrato referido em 2., datada e registada a 22.12.2021 a comunicar ao Autor AA o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, que veio devolvida.
23 - A Ré enviou uma nova missiva para a mesma morada e mesmo destinatário e tal carta voltou a ser devolvida à Ré, com a indicação de “mudou-se”.
Importa agora solucionar a questão essencial suscitada no recurso, que é a de saber a que parte é imputável o não cumprimento do contrato e quais as respectivas consequências.
Nenhuma controvérsia se coloca quanto à qualificação jurídica da figura contratual em apreço, que consubstancia um contrato-promessa de compra e venda (CPCV). O contrato-promessa, de acordo com o disposto no art. 410º, n.º 1 do CC, é a convenção pela qual as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a celebrar um determinado contrato (cfr. Abel Delgado, Do Contrato-Promessa, pág. 14). Através do contrato-promessa as partes manifestam a vontade de celebrar, no futuro, um determinado contrato. Ao contrato promessa são aplicáveis as disposições legais que seriam de aplicar ao contrato prometido; apenas se excepcionando as relativas à forma exigida e aquelas que pela sua razão de ser não devam ser consideradas extensivas ao contrato-promessa (n.º 1 do art. 410º do C. Civil).
Nele a R., como promitente-vendedora, comprometeu-se a vender aos AA., que a prometeram comprar, a fracção autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº ... e inscrito na matriz, sob o artigo ..., com Licença de Utilização n.º ..., emitida pela Câmara Municipal ..., em 1991/06/26, e detentora do certificado de desempenho energético n.º ..., propriedade de “B..., Lda.”, mas que a Ré se comprometia a adquirir e a vender aos Autores, pelo preço total de €115.000,00. Ficou estipulado prazo certo para outorga da escritura de compra e venda, tendo ficado acordado que a escritura definitiva de Compra e Venda será celebrada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da presente data, em nome dos promitentes compradores, devendo para o efeito, avisar a promitente vendedora, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, o local, a data e a hora para a celebração da escritura, incumbindo, por isso, aos autores a marcação da escritura.
Sustentam os autores que nunca declararam desistir do negócio, apenas que o fariam se a R. aceitasse determinada condição. Apresentaram uma proposta de revogação do contrato promessa, que não foi aceite pela R.. Assim, o CPCV manteve-se em vigor até 17.05.2022, data em que os Autores enviaram à Ré carta registada com A.R. comunicando a sua resolução, que não foi ilícita, resolução operada pela carta e pelos factos referidos no ponto 36) supra. Aceitam os AA. não cumpriram a sua obrigação de comunicar a mudança da sua morada, o que só fizeram em Março de 2022, mas tal apenas pode integrar mora no cumprimento duma obrigação acessória do CPCV, e já não, o incumprimento definitivo do mesmo contrato. E argumentam que, se a R. tivesse tanta certeza que os AA. tinham comunicado, de forma clara e inequívoca a sua desistência do negócio, não teria a necessidade de proceder à marcação da escritura definitiva, por 2 vezes. Mais invocam que tendo a R. enviado cartas registadas dirigidas autor marido, a interpelá-lo para o cumprimento do CPCV, essa interpelação não é válida para a R. mulher.
Por sua vez, a R. imputa aos AA. responsabilidade pelo incumprimento definitivo do contrato. Contrapõe a R. que, sendo os AA, casados sob o regime da comunhão geral de bens, era suficiente apenas um dos cônjuges para outorgar o contrato prometido, pelo que a comunicação não carecia de ter os nomes de ambos os outorgantes, para que fosse do conhecimento do casal e para que pudessem considerar-se notificados. Por outro lado, os AA., no início de Dezembro de 2021 e a poucos dias de terminar o prazo para a outorga do contrato prometido, solicitaram reunião com a sociedade vendedora, através da sociedade imobiliária, referindo expressamente àquela, que queriam desistir do negócio por dificuldades financeiras e solicitaram a devolução do sinal. Após aquela reunião não mais foi possível contactar os AA., pois deixaram de atender as chamadas da promitente vendedora, da imobiliária e da funcionária do banco onde tinham o seu processo de crédito à habitação, revelando deste modo, não terem qualquer interesse em cumprir o contrato prometido, face à afirmação de que queriam desistir do negócio por dificuldades financeiras. Pelo que, entraram em incumprimento definitivo, uma vez que os próprios AA. declararam em termos sérios e definitivos que não iam cumprir o contrato outorgado. Mesmo assim, a R. ainda interpelou os AA. por carta registada, uma delas com aviso de recepção, para a morada constante do CPCV, a interpelá-los para a realização da escritura, à qual não compareceram. Face a toda a actuação dos AA. a R. ficou convencida que a obrigação estava definitivamente incumprida. Nesta conformidade, tornou-se dispensável a interpelação admonitória em virtude dos promitentes compradores haverem tido uma conduta que, além de atentatória da boa fé contratual, se mostra reveladora da clara intenção de não querer cumprir o contrato, ocorrendo incumprimento definitivo do contrato promessa pelos AA. em resultado da antecipada percepção de que o contrato prometido não seria concretizado.
Como é sabido, existem três modalidades de não cumprimento das obrigações: falta de cumprimento, mora e cumprimento defeituoso, este último sem relevo para o caso vertente. A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser efectuada no devido tempo e já não pode ser cumprida por se ter tornado impossível – artºs 801º e 802º do Código Civil. A mora ocorre quando, por causa imputável ao devedor, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no devido tempo – artº 804º, nº 2. Se a obrigação não tiver prazo certo, o devedor só fica nela constituído depois de interpelado – artº 805º. Nos termos do artº 777º do mesmo diploma, em regra, na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela (nº 1). São as chamadas obrigações puras. Porém, se se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal (nº 2 do mesmo artigo).
Ora, no caso vertente, foi estabelecido um prazo máximo de cumprimento de 120 dias, a contar da data de celebração, devendo os promitentes compradores, para o efeito, avisar à promitente vendedora o local, a data e a hora para a celebração da escritura. Assim, não se tratava de um prazo estabelecido a exclusivamente a favor dos AA.: embora lhes assistisse a faculdade de desencadear a sua contagem mediante a comunicação, nos termos da cláusula 4ª, do local, da data e hora para a celebração da escritura, estavam, desde logo, adstritos a fazê-lo dentro de um intervalo circunscrito a 120 dias, a contar da data de celebração (ressalvada a possibilidade de prorrogação, como se verificou). Havendo acordo dos contraentes, não havia lugar a fixação judicial do prazo.
No que concerne ao incumprimento definitivo, o Supremo, através do seu acórdão de 25-06-2009, Proc.º 1219/2002. S1, in www.dgsi.pt, veio evidenciar, que: “1. A mora – ou incumprimento transitório – traduz-se num mero retardamento da prestação (que, contudo, ainda é possível) e converte-se em incumprimento definitivo se incumprido o prazo suplementar razoável concedido em interpelação admonitória; 2. A interpelação admonitória deve conter, inequívoca e expressamente, a cominação de resolução por incumprimento se decorrido o prazo suplementar o renitente não cumprir; 3. O incumprimento definitivo terá de resultar de uma das inequívocas situações de facto: declaração antecipada de não cumprir; decurso de termo essencial (ou prazo fatal); verificação de condição resolutiva expressa; perda de interesse na prestação”.
Em face da matéria de facto que vem provada, carece de adesão à prova a tese dos AA. fundada na simples mora da sua parte e na recusa da R. em cumprir. Ao terem comunicado à R. que pretendiam desistir do negócio, mediante a devolução do sinal entregue, por não terem condições financeiras para cumprir o contrato, ao não terem comunicado à ré a alteração da sua morada e terem deixado decorrer o prazo fixado para a marcação da escritura, os AA. colocaram-se em situação objectiva de perda de interesse no negócio e na prestação da contraparte – o que desde logo afasta a possibilidade de recebimento do sinal em dobro -, embora ainda não de recusa definitiva de cumprimento. Para tal, teria ainda a R. de fazer converter a mora dos AA. em incumprimento definitivo. A resolução do contrato, não opera automaticamente pelo decurso do prazo, pressupondo, em primeira linha, a existência de mora, de onde o credor poder vir a obter a resolução do contrato, caso em consequência daquela perca o seu interesse na prestação, ou em que o devedor em mora não proceda à realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor. Assim, “é como medida complementar de justa e indispensável tutela do credor da obrigação insatisfeita que o nº 1, do artigo 808º, do C. Civil, estabelece que, tendo o credor perdido, em consequência da mora, o interesse que tinha na prestação, ou não sendo esta realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 23-10-2014, Proc.º 700/13.5TBBRG.G1, in www,dgsi.pt).
Constata-se, todavia, que a interpelação a que a R. procedeu a comunicar o dia, hora e local para a realização da escritura de compra e venda, foi efectuada apenas ao A. AA, e não à autora, cônjuge mulher, co-obrigada no CPCV. Pelo que, tratando-se de pressuposto da resolução, deve a mesma ser considerada inválida e ineficaz em relação a ambos os cônjuges (neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-01-2021, Proc.º 3928/19.0T8LSB.L1-6). Objecta a R. que, sendo os AA. casados sob o regime da comunhão geral de bens, era suficiente apenas um dos cônjuges para outorgar o contrato prometido, e a comunicação não carecia de ter os nomes de ambos os outorgantes, para que fosse do conhecimento do casal, e por isso se podem considerar notificados. Mas o argumento é reversível: no regime da comunhão geral bastaria para outorgar bastaria igualmente a autora para outorgar o contrato prometido na hipótese – remota, mas não impossível – de decidir cumprir o CPCV. Quanto ao possível conhecimento do casal, nas circunstâncias sobreditas o notificado era apenas o A. marido, a quem a comunicação era dirigida, não podendo considerar notificados ambos os cônjuges.
Devendo a resolução haver-se por inválida e ineficaz, ambas as partes contraentes contribuíram para a não celebração do contrato definitivo, como se tornou impossível após a venda do seu objecto a um terceiro. Devendo julgar-se resolvido o contrato promessa celebrado entre os autores e a ré com fundamento no incumprimento definitivo resultante da perda de interesse na prestação por parte de autores e ré, em consequência condenar-se a ré a devolver aos autores o sinal prestado em singelo no valor de €7.000,00, acrescido de juros de mora á taxa legal devidos desde a data de citação até integral pagamento.
No mais devem improceder os pedidos deduzidos pelos autores.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a presente apelação, em função do que revogam a sentença recorrida, condenando-se a apelada a pagar aos apelantes a quantia de €7.000,00, acrescida de juros de mora á taxa devidos desde a data de citação até integral pagamento.
Custas por em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 5/11/2024
João Proença
João Ramos Lopes
Alexandra Pelayo