DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
APELAÇÃO AUTÓNOMA
DOCUMENTO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
PROVA TESTEMUNHAL NÃO ADMISSÍVEL
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário

I – A decisão de admissão do depoimento de parte e das declarações de parte é susceptível de apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias a contar da sua notificação. Não sendo interposto recurso nesse prazo, aquela decisão transita em julgado, não podendo ser sindicada por via do recurso interposto da sentença final.
II – O artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil veda o recurso à prova testemunhal para contrariar o valor probatório material, isto é, o conteúdo intrínseco de um documento dotado de força probatória plena.
III – Mas nenhuma disposição legal proíbe o recurso à prova testemunhal para demonstrar a falsidade de um documento, ou seja, para contrariar o seu valor probatório formal, o seu conteúdo extrínseco, e assim afastar a sua força probatória plena.
IV – Esta questão situa-se a montante daquela: só depois de verificado o valor probatório formal de um documento e a força probatória plena daí decorrente é que pode ser aferido o seu valor probatório material, com as limitações probatórias acima referidas.
V – O objecto da perícia corresponde às questões de facto que se pretendem ver esclarecidas através da diligência. A utilização, na 2.ª perícia à letra ou assinatura constantes de determinado documento, de mais material de comparação (assinaturas espontâneas) do que o utilizado na 1.ª perícia, solicitado pelo perito à luz dos artigos 481.º, n.º 1, e 482.º, do CPC, não configura uma violação do artigo 487.º, n.º 3, do CPC, que preceitua que a 2.ª perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira, sem impor que esta repita os mesmos procedimentos ou se baseie nos mesmos meios.
VI – Verificando-se que não foi cabalmente realizada a prova pericial oportunamente solicitada e admitida e que essa omissão se repercutiu na decisão proferida sobre os factos alvo de impugnação, que se revela obscura, impõe-se o recurso ao poder cassatório previsto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.

Texto Integral

Proc. n.º 2872/17.0T8PNF.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA e BB, residentes no largo ..., ..., concelho de Penafiel, intentaram a presente ação declarativa comum contra CC, residente na rua ..., ..., em Penafiel, DD, residente na rua ..., ..., na União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Matosinhos, EE e FF, ambos residentes na Rua ..., freguesia e concelho de Penafiel, e A..., S.A., com sede na Avenida ..., freguesia ... e ..., concelho de Marco de Canaveses.
Alegaram, em essência, a falsidade: - da procuração, datada de 11.08.2015, que o 1.º réu utilizou para vender ao 2.º réu os prédios A e B, de que os autores são proprietários, bem como para prometer comprar esses mesmos prédios ao 2.º réu e para os receber dele em comodato; - do instrumento de ratificação destes negócios, datado de 22.09.2015; - da procuração, datada de 07.04.2015, que o 1.º réu utilizou para vender à 4.ª ré o prédio C, de que os autores são igualmente proprietários. Mais alegaram que o 2.º réu alienou o prédio A aos 3.ºs réus, tendo estes conhecimento da falsificação da procuração de 11.08.2015 e da realidade acerca desse prédio. Alegaram, ainda, que nunca constituíram ou concederam poderes de representação para constituir hipotecas voluntárias sobre os imóveis acima referidos, que deixaram de poder usufruir dos prédios B e C e que se encontram privados do valor das rendas da parte comercial do prédio A e do prédio B.
Concluíram com a formulação do seguinte pedido:
«Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá deve ser julgada procedente por provada a falsidade das procurações e ratificação e respetivos termos de autenticação.
E, consequentemente:
I. Declarar-se ineficaz relativamente aos AA. os contratos de compra e venda, os contratos promessa de compra e venda e o contrato de comodato celebrados pelo 1.º R, por estar outorgada por interveniente carecido de poderes para o efeito;
II. Declarar-se ineficaz relativamente aos AA. a venda do prédio “A” realizada posteriormente pelo 2.ºR aos 3.os RR;
III. Ordenar-se o cancelamento de quaisquer atos de registo subsequentes ao registo da propriedade dos imóveis “A”, “B” e “C” a favor dos AA.
Devendo no final, os AA. ser restituídos à situação patrimonial que existiria caso não se tivesse verificado a lesão, ou seja:
I. Serem reconhecidos como únicos e legítimos proprietários dos imóveis “A”, “B” e “C”, com a consequente restituição do que lhes pertence.
II. Serem indemnizados na quantia de € 7.200,00 (sete mil e duzentos euros), referente a rendas vencidas que os AA deixaram de auferir desde maio de 2017 até à data da propositura da presente ação, e ainda na quantia correspondente às rendas vincendas desde esta data até ao trânsito em julgado da presente sentença, devendo para o efeito condenar-se o 2.º R e os 3os. RR. no seu pagamento».

*
A 4.ª ré apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelos autores.
Igual posição foi assumida pelos 3.ºs réus, tendo estes invocado ainda o desconhecimento de qualquer vício ou impedimento que obstasse à aquisição do prédio A.
Também o 2.º réu apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelos autores, invocando a sua boa-fé na aquisição dos prédios A e B e a existência de conluio entre os autores e os seus filhos, inclusivamente o 1.º réu, para fazer regressar à esfera dos primeiros os imóveis em causa livre das hipotecas. Subsidiariamente, na hipótese de procedência da acção, pediu por via reconvencional a condenação dos autores a pagar-lhe a quantia de 157.740.00 €, correspondente ao valor que suportou com o distrate das hipotecas que oneravam os prédios em causa, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 15.09.2015 até efectivo pagamento, e a declaração do seu direito de retenção do prédio B enquanto não for paga esta quantia.
*
Os autores replicaram, mantendo o que alegaram na petição inicial, impugando os factos em que assenta o pedido reconvencional e pugnando pela improcedência deste.
*
Tramitada a causa, veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que termina com o seguinte dispositivo:
«Atento o exposto, julga-se a presente ação procedente e improcedente a reconvenção, e consequentemente:
a) Declara-se ineficaz relativamente aos Autores os contratos de compra e venda, os contratos-promessa de compra e venda e o contrato de comodato celebrados pelo 1.º Réu, por estarem outorgados por interveniente carecido de poderes para o efeito;
b) Declara-se ineficaz relativamente aos Autores a venda do prédio “A” realizada posteriormente pelo 2.º aos 3.ºs Réus;
c) Ordena-se o cancelamento de quaisquer atos de registo subsequentes ao registo da propriedade dos imóveis “A”, “B” e “C” a favor dos Autores, nomeadamente, no que respeita ao prédio “A”, o cancelamento da inscrição com a AP. ... de 2015/09/14 e da inscrição com a Ap. ... de 2017/06/12; no que respeita ao prédio “B”, o cancelamento da inscrição com a AP. ... de 2015/09/14, e no que respeita ao prédio “C”, o cancelamento da inscrição com a Ap. ... de 2017/01/30;
d) Condenam-se os Réus a reconhecer os Autores como únicos e legítimos proprietários dos imóveis “A”, “B” e “C”;
e) Absolvem-se os Réus do demais peticionado, e
f) Absolvem-se os Reconvindos do pedido reconvencional».
*
Inconformados, o 3.ºs rés apelaram desta sentença, concluindo assim a sua alegação:
«1ª) Na versada Ação, donde emergiu a Douta Sentença recorrida, o Tribunal decretou a ineficácia das aí versadas vendas de imóveis, com fundamento de que estes tinham sido pertença dos AA.-apelados e que foram vendidos pelo 1º réu-filho daqueles, mercê de procuração onde este falsificara a assinatura daqueles.
2ª) O dito 1º réu vendeu ao 2º réu o prédio urbano, sito em Penafiel, constituindo a residência deles-AA. E, este, revendeu o mesmo prédio pelo preço de compra (€ 94.000,00), dada a existência de um direito de preferência.
3ª) Os RR. desconheciam, desculpavelmente, que houvesse, a montante, qualquer vício, designadamente, de falsificação de assinaturas das procurações e autenticações em causa.
4ª) E, efetivamente, as falsificações das respetivas assinaturas, invocadas pelos AA.-apelados, na p.Ação, não resultaram provadas, já que a 1ª Perícia que lhes foi feita, foi inconclusiva e, a 2ª não versou sobre o mesmo objeto, vale dizer, os mesmos documentos e respetivas assinaturas sobre que recaiu a primeira Perícia, em violação do artº487, nº3 do CPC.
5ª) Ora, foi com fundamento em tal Perícia e, ainda, nas declarações do autor (pai do 1º réu) e depoimento deste último (seu filho) que o Tribunal deu como provados os sobreditos factos nºs 18, 19, 20 e 21.
6ª) Mas, se as Perícias, pelas aduzidas razões, não servem de prova nesta Ação, o mesmo acontece com as declarações de parte do A. e com o depoimento do 1º réu, já que ambos tinham, como mantêm, o especial interesse em reaver os 3 prédios vendidos, designadamente, o que os 3ºs réus e ora apelantes compraram – agora isento de hipotecas, ascendendo a centenas de milhar de Euros, que o 2º réu pagou, antes da referida aquisição! Como é de regra, quanto maior é o interesse dos declarantes ou depoentes, no resultado da causa, maior tem de ser o rigor e cuidado com que devem ser apreciados tais declarações e menos credibilidade, obviamente, devem merecer! Resulta das regras de experiência comum e da lógica.
7ª) De resto, o 1º réu nem devia ter sido admitido a depor porque não contestou a Ação, não pagou taxa de justiça nem contituiu advogado. Só se serviu do processo para reaver, injustamente, património, para já a favor de seus pais (os AA.), agora livre de ónus e encargos.
8ª) Mas admitindo a mera hipótese de ter havido a tal falsificação de que os réus compradores não podiam suspeitar, nunca estes, vítimas de tal ilicitude, deviam ser condenados no pagamento de quaisquer custas!
9ª) Considerando que aqueles factos, em causa, deviam (e devem) ser dados como não provados, por falta de prova legal, convincente e credível, atenta a lógica e regras da experiência comum, tal implica a improcedência da Ação.
10ª) Apesar dos demais factos continuarem provados – porque a vis probatória destes não pode retirar a vis não probatória daqueles, sob pena de estarmos perante uma Sentença nula por violação do artº 615 do CPC, als. b) e c), já que ficaríamos com uma Sentença sem fundamentos de facto ou de direito ou em oposição aos mesmos fundamentos.
11ª) Assim, julgando como julgou o Tribunal recorrido, violou o disposto no artº487, nº3, 607, nºs 4 e 5 e 615, nº1, als. b) e c), todos do CPC, de que fez incorreta interpretação/aplicação».
Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra que julgue improcedente a presente ação.
*
Igualmente inconformado, o 2.º réu também apelou da sentença, concluindo assim a sua alegação:
«I. A decisão, quanto à matéria de facto, apresenta-se incorrectamente apreciada;
II. Enferma de erro de julgamento, inexacta interpretação e aplicação da lei e orientações jurisprudenciais;
III. Dos meios probatórios existentes no processo – perícias, declarações e depoimentos de parte, e depoimento de testemunha (gravados), impunha-se decisão da matéria de facto diversa da recorrida - art.º 607.º CPC;
IV. Deve ser alterada a resposta à matéria ínsita nos pontos 18, 19, 20 e 23 dos factos provados para – NÃO PROVADOS;
V. Deve ser alterada a resposta à matéria ínsita no ponto 8 dos factos NÃO provados para – PROVADO;
VI. Dando-se àqueles, as respostas motivadas e esclarecidas expostas nestas alegações;
ASSIM,
18, 19, 20 e 23 DOS FACTOS PROVADOS
VII. O Tribunal a quo errou flagrantemente ao considerar o relatório da segunda perícia conjugado com os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita, com as declarações e depoimento de parte do Autor e as declarações e depoimento de parte do seu filho, 1.º Réu, e depoimento da testemunha GG;
VIII. Tais depoimentos e declarações fundamentam o presente recurso quanto à matéria de facto e que se transcrevem, em parte, nas presentes Alegações, encontram-se registados em áudio nas sessões seguintes:
• Depoimento de HH - CD (Sessão de 07/09/2023) Minuto 00:00:01 a 00:19:17;
• Declarações de parte de AA - CD (Sessão de 07/09/2023) Minuto 00:00:01 a 00:32:13;
• Declarações de parte CC - CD (Sessão de 7/09/2023) Minuto 00:00:01 a 00:32:48 (às 10 horas, 27 minutos e 36 segundos e fim às 10 horas, 59 minutos e 48 segundos);
• Depoimento de parte de CC - CD (Sessão de 17/10/2023) Minuto 00:00:01 a 00:25:03;
• Depoimento de GG - CD (Sessão de 07/12/2023) Minuto 00:00:01 a 00:57:54 e CD (Sessão de 07/12/2023) Minuto 00:00:01 a 00:02:05;
• Depoimento de GG - CD (Sessão de 13/11/2017) Minuto 00:00:01 a 00:30:21 e CD (Sessão de 12/12/2017) Minuto 00:00:01 a 00:14:47.
SEM PRECINDIR,
IX. Da conjugação das perícias, com as declarações de parte do Autor, com as declarações e depoimento de parte do seu filho, 1.º Réu, não resulta, de facto e de direito, que as assinaturas da procuração de 11/8/2015 e termo de autenticação (3 dos factos provados) e ratificação e termo de autenticação (6 dos factos provados) não tenham sido apostas pelos punhos dos Autores; Desde logo,
DAS PERÍCIAS À PROCURAÇÃO E TERMO DE AUTENTICAÇÃO DE 11/08/2015
X. Na 1.ª Perícia não foram obtidos resultados conclusivos e o 2.ª considerou como provável que as assinaturas “não sejam da autoria” dos Autores, sendo que esta obteve resultados diferentes atendendo a que não cumpriu os mesmos critérios da primeira porquanto incidiu sobre mais material de comparação, foi acrescentada escrita espontânea - que não é recolhida em auto, e que não havia sido considerado na primeira (cfr. esclarecimentos prestados pela Sra. Perita HH sessão de 07/09/2023, minutos 00:03:52);
XI. A 2.ª Perícia, que deveria ser uma repetição da primeira - art.º 487.º, n.º 3 do CPC, incidiu sobre um objecto diferente da primeira, o que constitui uma nova perícia, pelo que é nula e não podia ter sido considerada na decisão em recurso;
XII. Certo é que não permitiu dissipar as incertezas da primeira (cfr. esclarecimento Sra. Perita, sessão de 07/09/2023, minutos 00:06:51 e 00:07:01) e, assim, não afastou a dúvida quanto ao facto de terem sido os Autores a assinar a Procuração e o Termo de autenticação;
XIII. Considerando que os Srs. Peritos chegaram a resultados diferentes nas duas perícias, restaria ao Tribunal coadunar a sua apreciação com os restantes elementos do processo e com as outras provas produzidas; Sucede que,
DAS DECLARAÇÕES DE PARTE DO AUTOR, DECLARAÇÕES DE PARTE E DEPOIMENTO DE PARTE DO 1.º RÉU (filho do Autor)
XIV. A conjugação das perícias com as declarações e depoimento de parte do Autor, com as declarações de parte e o depoimento de parte do filho deste, 1.º Réu nos autos, é manifestamente insuficiente para julgar provado que as assinaturas apostas na Procuração e termo de autenticação não o foram pelo punho dos Autores; Desde logo,
XV. A prova por declarações de parte não tem suporte no direito substantivo probatório enunciado nos art.º 341.º a 396.º do Código Civil;
XVI. E, Segundo Lebre de Freitas “A apreciação que o Juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas (...)”, sendo que in casu o Autor limitou-se a afirmar que não havia assinado a procuração em causa, declarações que não clarificaram qualquer outra prova produzida; Ademais,
XVII. As declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova - Ac. RP de 26/6/2014, António José Ramos, 216/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 30/6/2014, António Ramos, 46/13 e Ac. RP de 17/12/2014, Pinto dos Santos, 8181/11. in www.dgsi.pt;
XVIII. Apesar de o Tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podia ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e direto interesse na acção, no processo, razão pela qual são declarações interessadas, parciais ou não isentas;
XIX. Decorre das regras da experiência comum e da lógica, que o Autor tem manifesto e directo interesse na acção e na sua procedência, e limitou-se a negar ter assinado as procurações e os termos de autenticação (Sessão de 07/09/2023, minutos 00:00:33 e 00:00:38);
XX. Na mesma linha, o seu filho, e 1.º Réu, que também tem interesse na causa, pelo menos nessa qualidade de filho, limitou-se a afirmar que tinha sido ele a assinar as procurações e os termos de autenticação (Sessão de 17/10/2023, minutos 00:00:05, 00:03:07, 00:04:12 e 00:05:12);
XXI. As declarações do Autor e do 1.º Réu, pai e filho, assentaram na mesma estratégia e complementaram-se, conseguindo, assim, reverter a compra e venda efectuada pelo 2.º Réu,
XXII. Sendo certo que este não tinha conhecimento da dita “falsidade” da procuração que serviu de base à outorga do documento de compra e venda (confirmado pelo 1.º Réu na Sessão de 17/10/2023, minutos 00:22:58 e 00:24:01);
XXIII. Considerando a nulidade da 2.ª Perícia, que as declarações de parte e depoimento de parte foram prestados por quem tem manifesto e directo interesse na causa e na procedência da acção, como decorre das regras da experiência comum e da lógica, que tais declarações e depoimento não vieram aos autos clarificar outras provas, nem deviam ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, não podia o Tribunal a quo julgar provado que os Autores não tinham aposto as suas assinaturas na Procuração e Termo de Autenticação;
XXIV. Os Autores não provaram, por isso, a falsidade das assinaturas e tinham esse ónus – art.º 342.º CC, pelo que os factos vertidos em 18, 19 e 20 dos factos provados não podem manter essa qualificação de “provados”;
Ainda que assim não se entenda,
XXV. Não resultando da conjugação das perícias com as declarações de parte e depoimento de parte do 1.º Réu, a prova inequívoca da falsidade das assinaturas apostas na Procuração e Termo de Autenticação, fica a dúvida quanto a esse mesmo facto;
XXVI. A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita – art.º 414.º do CPC, in casu contra os Autores, quadro legal que a decisão em recurso não teve, erradamente, em consideração;
SEM CONCEDER,
XXVII. Pode concluir-se do depoimento da testemunha Dr. GG, advogado que certificou a Procuração e Termo de Autenticação, que foram cumpridos todos os procedimentos relativos às assinaturas dos Autores apostas na procuração e no termo de autenticação, contrariando a versão apresentada pelo 1.º Réu em juízo que afirmou ter sido ele a assinar tais documentos (cfr. depoimento prestado na sessão de 07/12/2023, minutos 00:03:51, 00:04:00 00:05:02 00:05:56 00:05:59 00:07:00 00:07:04, 00:09:02, 00:09:57 00:13:51 00:14:57 00:15:56 00:16:56, 00:17:11, 00:18:00, 00:19:00, 00:21:58, 00:22:51, 00:23:41, 00:24:38, 00:25:00, 00:25:53, 00:26:00, 00:27:00, 00:27:58, 00:28:09, 00:29:41, 00:29:56, 00:31:00, 00:32:00);
XXVIII. Esta testemunha já havia prestado depoimento a 13 de Novembro de 2017 e a 12 de Dezembro de 2017, no âmbito dos autos de procedimento cautelar, Apenso A (apensos aos presentes), tendo já nessas datas afirmado tudo quando referiu na sessão de julgamento de 7/12/2023 (Sessão de 13/11/2017, minutos 00:00:58, 00:01:11, 00:01:58, 00:04:58, 00:05:56, 00:07:00, 00:10:53, 00:12:00, 00:12:58 e sessão de 12/12/2017, minutos 00:02:51, 00:03:00, 00:03:57, 00:05:00, 00:06:01, 00:07:09, 00:08:00, 00:08:49, 00:11:00 00:12:00, 00:13:00, 00:14:00);
XXIX. Pode ainda concluir-se dos depoimentos da testemunha que as assinaturas apostas na Procuração e no Termo de Autenticação foram feitas pelos punhos dos Autores (afastando, assim, a dúvida assinalada na segunda perícia) e que os Autores se deslocaram ao escritório do advogado (nenhuma prova do contrário consta dos autos); Não obstante,
XXX. A Sra. Juiz da Instância desconsiderou o seu depoimento valorando, pelo contrário, as declarações de parte do Autor e do seu filho!!!!
XXXI. Afastada a prova da falsidade das assinaturas apostas na Procuração e Termo de Autenticação e a prova, não absoluta, mas considerável, que foram os Autores que assinaram, pelo seu próprio punho, a Procuração e Termo de Autenticação, não pode o Tribunal deixar de atender a que há prova deste facto; Por outro lado,
XXXII. Os documentos autênticos, sejam eles autênticos em stricto sensu ou autenticados, fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo – artigos 363.º, 370.º, nºs. 1 e 2, 371.º 372.º todos do Código Civil, artigo 35.º do Código do Notariado e artigo 38.º, nºs. 1 e 2, do DL n.º 76-A/2006, de 29/03;
XXXIII. Existindo uma presunção de prova plena quanto aos factos praticados pela entidade equiparada ao notário, compete à parte que pretende ilidir tal presunção, o ónus da prova - artigo 344.º do Código Civil – cfr. Ac. TRG, de 09/11/2017, processo n.º 393/12.7TCGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.;
XXXIV. É inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos art.º 373.º a 379.º do CC – n.º 1 do art.º 394.º do Código Civil;
XXXV. No caso vertente, os Autores não conseguiram provar que não compareceram perante o referido advogado no dia 11/08/2015 para assinarem a Procuração e Termo de Autenticação (apesar de o terem alegado – art.º 32.º do articulado inicial),
XXXVI. E não conseguiram provar a falsidade das assinaturas apostas em tais documentos, ou seja, não lograram ilidir a presunção de prova plena conferida a tais documentos,
XXXVII. Pelo exposto, deve considerar-se os pontos 18 e 19 dos factos provados: Não Provados.
DA “RATIFICAÇÃO” E TERMO DE AUTENTICAÇÃO DA RATIFICAÇÃO (6 dos factos provados e doc. 7)
XXXVIII. Não consta dos autos qualquer prova científica que demonstre que as assinaturas apostas na Ratificação de 22 de Setembro de 2015 e Termo de Autenticação da mesma data não foram feitas pelos Autores;
XXXIX. A prova produzida sobre estes documentos circunscreveu-se às declarações de parte do Autor - que se limitou a negar ter assinado quaisquer documentos, e às declarações e depoimento de parte do seu filho – que afirmou ter sido ele a assinar todos os documentos (cfr. transcrições supra);
XL. Como supra alegado, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, não tendo incidido nenhuma outra prova sobre as assinaturas apostas pelos Autores nos documentos em causa, a valoração da Sra. Juiz à quo quanto às declarações de parte do Autor e do Réu não assumem uma clarificação de outro qualquer meio de prova – a este propósito Ac. RP de 15/9/2014, Proc. 216/11 e RL de 13/10/2016. Proc. 640/13, in www.dgsi.pt; Ademais, XLI. Para julgar provado que as assinaturas apostas na ratificação e termo de autenticação não foram apostas pelo punho dos Autores, é manifestamente insuficiente a “negação” do Autor e a “afirmação” do seu filho, depoentes que têm comprovadamente um interesse directo no desfecho da causa;
XLII. Inexistindo prova – para além das declarações e depoimento de parte que demonstre a veracidade dos factos constantes de 20 dos factos provados, tal como não existe prova, pelo menos, indiciária dessa veracidade que possa ser complementada por outros meios de prova ou por presunções judiciais, resta julgar tais factos não provados; Por outro lado,
XLIII. A decisão recorrida padece de um clamoroso erro de apreciação da prova ao considerar o resultado das perícias efectuadas nos autos e os esclarecimentos das Sra. Peritas atendendo a que nenhuma prova pericial consta dos autos com resultados concernentes às assinaturas apostas na ratificação e termo de autenticação;
XLIV. Pelo exposto, deve julgar-se o ponto 20 dos factos provados: Não Provado.
DAS HIPOTECAS - 23 DOS FACTOS PROVADOS
XLV. A Sra. Juiz a quo considerou, erradamente, que as hipotecas a que os autos aludem foram efectuadas tendo por base as procurações de 7 de Abril e 11 de Agosto de 2015 (referidas em 3 e 10 dos factos provados); Com efeito,
XLVI. As hipotecas não foram, nem podiam ter sido, constituídas com a procuração de 11 de Agosto de 2015 (sendo totalmente irrelevante a questão da aposição das assinaturas dos Autores nessa procurações) porquanto são anteriores à data em que foi outorgada a procuração e respectivo termo de autenticação, ou seja, foram constituídas e registadas em 02/12/2014 (AP ...); 21/03/2015 (AP ...); e 06/09/2014 (AP ...), [(8 dos factos provados, P) do despacho saneador e documentos 1, 2 e 3 juntos pelos Autores na petição inicial)]; Por outro lado,
XLVII. Não consta dos autos nenhum facto e/ou documento concernente à constituição das hipotecas, já que os Autores nada alegaram ou juntaram,
XLVIII. Nem formularam no articulado inicial qualquer pedido (nulidade, anulabilidade ou ineficácia) quanto às hipotecas que incidiam sobre os prédios “A” e “B” (identificados em 3 dos factos provados);
XLIX. Nenhum facto existindo nos autos em relação aos Autores terem, ou não, concedido poderes de representação ao 1.º Réu para constituir hipotecas voluntárias sobre os prédios “A” e “B” ou prova da sua constituição,
L. Deve julgar-se o ponto 23 dos factos provados: Não Provado
8 DOS FACTOS NÃO PROVADOS
LI. Está provado nos autos o pagamento efectuado pelo 2.º Réu aos credores hipotecários, matéria assente em P) do despacho saneador - os credores hipotecários cujas hipotecas se achavam registadas à data da transmissão para o 2.º Réu dos imóveis identificados em A) e B) descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ... e ... (14 de Setembro de 2015), munidos com os respectivos distrates declararam ter recebido as quantias indicadas em 8 dos factos provados (é nosso o negrito);
LII. Os credores hipotecários apenas entregaram os distrates porque receberam as quantias respeitantes às hipotecas constituídas anteriormente ao contrato de compra e venda de 14/9/2015, isto é, receberam os valores que lhes eram devidos, matéria confirmada pelo 1.ª Réu (resulta expressamente da sentença) e também pela testemunha Dr. II (sessão de 04/12/2023, minutos 00:10:52, 00:12:00 e 00:13:00);
LIII. Por isso, o 2.º Réu adquiriu os imóveis livres de ónus ou encargos, tendo pago, também, os respectivos impostos (7 dos factos provados);
LIV. O ponto 8 dos factos não provados é contraditório com o ponto 8 dos factos provados, que expressamente consigna que os credores declararam ter recebido – se receberam é porque o 2.º Réu pagou…..
LV. Da conjugação da matéria factual de 8 dos factos provados, com o declarado pelo 1.º Réu e o depoimento da testemunha II, deve o ponto 8 dos factos não provados ser julgado: Provado.
DO DIREITO
LVI. A compra e venda efectuada ao 2.º Réu dos prédios “A”, “B” foi declarada ineficaz (n.º 1 do artigo 268.º do Código Civil); Contudo,
LVII. Os Autores ratificaram o negócio através da “Ratificação” de 22 de Setembro de 2015 e respectivo termo de autenticação da mesma data (6 dos factos provados) – art.º 268.º, n.º CC; Com efeito,
LVIII. Como supra alegado, os Autores não lograram provar (o Recorrente entende que a Sra. Juiz a quo julgou erradamente o ponto 20 dos factos provados, matéria que, por isso, deve ser julgada Não Provada) que as assinaturas apostas na “Ratificação” de 22 de Setembro de 2015 e termo de autenticação da mesma data não foram apostas nestes documentos pelos seus punhos,
LIX. Atendendo a que são manifestamente insuficientes as declarações e depoimento de parte do Autor e seu filho – que têm comprovadamente um interesse directo no desfecho da causa, para julgar provado que as assinaturas apostas na ratificação e termo de autenticação não foram apostas pelo punho dos Autores; LX. Impõe-se concluir que o Contrato de Compra e Venda de 14 de Setembro de 2015 (4 dos factos provados) foi ratificado pelos Autores (doc. 7 da PI e ponto 6 dos factos provados), ficando, assim, sanada a ineficácia do negócio em causa (vide Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 652);
LXI. Os efeitos do negócio retroagem a 14 de Setembro de 2015 (n.º 2, 2.ª parte do art.º 268.º do CC e Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 653);
DA RECONVENÇÃO
LXII. Sobre os prédios “A” e “B”, adquiridos pelo 2.º Réu estavam registadas três hipotecas (cfr. documento 1 e 2 junto à petição inicial):
Sobre o prédio “A”:
AP ... de 2014/12/02, em nome de JJ, a quantia de € 36.140,00 (Trinta e seis mil, cento e quarenta euros);
AP ... de 2015/03/21, em nome de KK, a quantia de € 62.250,00 (Sessenta e dois mil e duzentos e cinquenta euros);
Sobre o prédio “B”:
AP ... de 2014/09/06, em nome de LL, a quantia de € 59.350,00 (Cinquenta e nove mil, trezentos e cinquenta euros)
LXIII. Considerando o ponto 8 dos factos provados da sentença recorrida,
LXIV. Que a constituição e registo das hipotecas é anterior à outorga da procuração em causa nos autos (11/8/2015),
LXV. Que o 2.º Réu pagou aos credores hipotecários (confirmado pelo 1.º Réu, cfr. expressamente referido na sentença e pela testemunha Dr. II - transcrições supra e Conclusões LVII a LVI);
LXVI. Que tais hipotecas, em consequência do pagamento, foram objecto de cancelamento (P dos factos assentes no despacho saneador e 8 dos factos provados - AP ... de 2014/12/02, pela AP. ... de 2015/09/14, AP ... de 2015/03/21, pela AP. ... de 2015/09/14 e AP ... de 2014/9/06, pela AP. ... de 2015/09/14);
LXVII. Que não consta dos autos, como, por quem e se as hipotecas foram constituídas com base em alguma procuração - os Autores não juntaram qualquer documento aos autos sobre esta matéria, e
LXVIII. Que os Autores não formularam no articulado inicial qualquer pedido (nulidade, anulabilidade ou ineficácia) quanto às hipotecas,
LXIX. É evidente que caso venham a ser restituídos à situação patrimonial que existiria caso não tivesse sido celebrado o contrato de compra e venda com o 2.º Réu, as referidas hipotecas manter-se-iam sobre os prédios e o direito de os credores hipotecários receberam as referidas quantias;
LXX. O 2.º Réu pagou € 157.740,00 aos credores hipotecários, pelo que os Autores/Reconvindos beneficiaram desse pagamento sem qualquer causa justificativa, que representa para aquele um dano efectivo, a ressarcir por estes;
LXXI. Isto é, os Autores obtiveram uma vantagem de € 157.740,00 à custa do património do 2.º Réu, diminuído na mesma proporção e sem qualquer causa que a justifique,
LXXII. Quadro factual que consubstancia um manifesto enriquecimento sem causa, na exacta medida em que os Autores beneficiaram do pagamento de quantias que aos mesmos competia efectuar,
LXXIII. Enriquecendo, injustificadamente, à custa do 2.º Réu;
LXXIV. Caso a decisão em recurso da instância venha a ser confirmada, deve a Reconvenção, por força do princípio do enriquecimento sem causa (art.º 473.º do Código Civil) ser julgada procedente e os Autores condenados a pagar ao 2.º Réu a quantia aí peticionada (€ 171.517,40), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde 20/11/2017 (art.º 805.º, n.º 2, al. b) Código Civil) até efectivo pagamento;
LXXV. Devendo, ainda, ser declarado o direito de retenção por parte do 2.º Réu sobre o prédio “B” enquanto não for paga esta quantia;
POSTO ISTO,
LXXVI. A douta sentença assenta em pressupostos factuais errados ou inexistentes e em errada interpretação da matéria factual;
LXXVII. O Tribunal recorrido, com o devido respeito que lhe é devido e merecido, procedeu a uma análise sumária, substantiva e meramente literal da questão que lhe foi submetida, negligenciou matéria factual, fez interpretações inadequadas e/ou conclusivas, alheou-se dos institutos jurídicos pertinentes para a boa decisão da causa, encontrando-se, assim, irremediavelmente afectada,
Deve, por isso, proferir-se Acórdão que, na procedência do recurso, julgue a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolva o 2.º Réu do pedido.
Contudo,
Na improcedência do recurso, logo, da procedência da acção nos termos constantes da sentença recorrida, deve a Reconvenção do 2.º Réu ser julgada procedente, condenando-se os Autores no pedido reconvencional, devendo, ainda declarar-se o direito de retenção do 2.ª Réu sobre o prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art.º ..., enquanto não lhe for paga a quantia peticionada na Reconvenção».
*
A 4.ª ré veio aderir a ambos os recursos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 634.º, n.ºs 2, 3 e parte inicial do n.º 4, do CPC.
*
A recorrida apresentou resposta às alegações dos recorrentes, pugnando pela total improcedência de ambos os recursos, e interpor recurso subordinado – mas apenas admitido relativamente ao recurso interposto pelo 2.º réu – formulando as seguintes conclusões:
«1. Não concordam os apelantes com a denegação de procedência ao pedido de devolução das rendas vencidas desde Maio de 2017 referentes aos imóveis “A” e “B” da petição inicial, pelos primeiro e segundo apelados:
2. Refere, em síntese, o tribunal a quo, que – por um lado – não foi demonstrado, que os apelados se encontrassem na posse ou detenção do imóvel, sendo assim inaplicável o disposto nos art 1270 e 1271 do CC
3. Por outro lado, e para que fosse subsidiariamente aplicável o instituto do enriquecimento sem causa, seria necessário que Ora, no caso vertente, não lograram os Autores demonstrar que apelantes tenham recebido quaisquer rendas atinentes aos prédios “A” (parte comercial) e “B”.
4. Data venia, discorda-se do decidido.
5. Dá-se aqui por integrado e reproduzido o referido supra, quanto à matéria dada por provada.
6. Resulta da referida prova que a compra dos imóveis “A” e “b” pelo apelado DD estava viciada, na medida em que as assinaturas atribuídas aos apelantes e apostas quer na procuração, quer na ratificação, não pertenciam àqueles: que a “parte comercial” do imóvel “A” da petição inicial se achava desde 2012 arrendada – pelos apelantes –à sogra e mãe dos segundos; que, a partir de Maio de 2017, os apelantes mais não receberam qualquer renda; e que as rendas do “rpédio A” totalizavam 500 euros mensais; e as do “prédio B” 700 € mensais.
7. Não há dúvida que a venda dos prédios “A” e “B” ao primeiro apelado, feitas com recurso a uma procuração cujas assinaturas não eram dos ora apelantes; posteriormente ratificado por instrumento que padecia de igual vício não produziu qualquer efeito quanto aso apelantes, sendo ineficaz – e, no que ora mais importa, não teve por condão a transferência da propriedade, sobre os imóveis, para a esfere jurídica do apelado DD.
8. O negócio ineficaz fica nuam situação de pendência, até que seja ratificado ou se extinga
9. No caso, o negócio jamais foi ratificado, pelo que jamais produziu qualquer efeito.
10. Do constituto possessório (artigo 1624º do CC) resulta a transmissão da posse, por mero efeito do contrato
11. O artigo 1057º do CC impõe a sobrevivência do vínculo do arrendamento, em caso de sucessão – mortis causa; inter vivos – do locador.
12. Decorre do artigo 1022º do CC que o direito do arrendatário é um emro direito pessoal de gozo – nada se transmite ou aliena.
13. A transmissão subsequente do imóvel “A” pelo apelado DD é irrelevante, tendo em conta a ineficácia da primitiva compra, e o princípio nemo plus juris
14. Ou seja, dada a ineficácia en cascade, nem o primeiro apelado; nem os segundos apelados alguma vez tiverem direito à percepção de qualquer renda, na medida em que jamais “ocuparam” a posição que os apelantes tinham, enquanto proprietários e senhoriso dos imóveis “A” e “B”
15. Resutla dos factos provados que os apelantes não receberam mais rendas, a partir de Maio de 2017
16. Não resulta de nenhum passo dos autos que os imóveis tenham deixado de estar arrendados. (artigo 1038º, alínea a) do CC), sendo o seu não pagmaento fundamento para resolução do contrato (artigo 1048º do CC)
17. Os imóveis estão, portanto, arrendados; sabe-se o montante das rendas; e sabe-se que o primeiro apelado invocou a compra ineficaz que fez dos imóveis “A” e “B” – chegando, inclusivamente, a revender um deles.
18. Tudo isto forma um quadro de engado, respaldado pela presunção derivada do registo predial, de que o primeiro apelado seria – num primeiro momento – proprietário dos préidos “A” e “B”; e, a partir de junho de 2017, teriam sido os segundos apelados a entrarem na titularidade do prédio A”
19. Não se pode senão concluir (por p resunção natural) que as rendas referentes aos prédios “A” e “B” foram paga: ao apelado DD, em relação ao prédio “A” em Maio e Junho de 2017; em relação ao prédio “B”, desde Maio de 2017; e ainda em relação do prédio “A”, aos segundos apelados – a partir de Julho de 2017 tendo em conta a cronologia que revela o registo predial.
20. Decidindo de forma diversa, incorre o tribunal a quo em error in judicando, violou os artigos 268, nº 1, 1024º, 1057º, 1270º, 1271º do CC.
21. Caso não se considere que têm aqui cabimento os mecanismos restitutórios previstos nos artigos 1270 e 1271 (já que, como resulta do supra explpendido, nenhum dos apleados teve jamais a posse dos imóveis), a douta sentença viola os artigos 473º e 474º do CC, na medida em que, na qualidade de pretensos senhorios, os primeiro e segundos apelados, injustamente e sem que a isso tivessem direito, se apoderaram das rendas que caberiam aos ora apelantes
22. os autos revelam a persistência dos contratos de arrendamento, os montantes, bem como a data em que os apelantes deixaram de receber as rendas.
23. A douta sentença poderia remter para incidente de liquidação o conreto montante das rendas que teriam de ser restituídas – pois que algum dos arrendatários poderia ter entrado em mora) – mas não poderia deixar de condenar os apelados na restituição das rendas com que injustamente de locupletaram.
24. Assim, deverá a douta sentença ser, quanto ao pedido ressarcitório de devolução de rendas ao apelantes pelos primeiros apeladso e segundos apelados ser modificada, condenando-se
- o primeiro apelado à devolução das rendas do prédio “A”, vencidas em Maio e Junho de 2017, bem como À devolução das rendas do prédio “B”, desde Maio de 2017 até à presente data:
- os segundos apelados À devolução das rendas do prédio “A” de Julho de 2017 até à presente data,
Sempre se relegando a fixação dos valores concretos para incidente de liquidação».
*
II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes as questões a decidir:
- O erro na apreciação da matéria de facto no que respeita aos pontos 18, 19, 20, 21 e 23 dos factos julgados provados e ao ponto 8 dos factos julgados não provados;
- A total improcedência da acção, tendo em conta a alteração da matéria de facto;
- A procedência do pedido reconvencional.
*
III. Fundamentação
A. Decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1- Os:
Prédio urbano sito no largo ..., ..., freguesia e concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia e concelho sob o artigo …, que teve origem no artigo ... da extinta freguesia ... (adiante designado como prédio “A”), esteve registado a favor dos Autores desde a AP ... de 1991/03/12 (cf. doc. junto como n.º 1 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
Prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia e concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia e concelho sob o artigo …, que teve origem no artigo ... da extinta freguesia ... (adiante designado como prédio “B”), esteve registado a favor dos Autores desde a AP. ... de 1986/10/08 (cf. doc. junto como n.º 2 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
Prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia e concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica daquela freguesia e concelho sob o artigo ..., que teve origem no artigo ... da extinta freguesia ... (adiante designado como prédio “C”), esteve registado a favor dos Autores desde a AP. ... de 1995/05/14 (cf. doc. junto como o n.º 3 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2- A 5 de Junho de 2013, os Autores conferiram ao 1.º Réu os poderes constantes da procuração assinada pelo punho de ambos e apresentada para fins de autenticação junto da solicitadora MM e da qual consta essencialmente que os Autores: “(…) constituem seu bastante procurador, seu filho, CC (…) a quem conferem poderes de representação para efectuar as diligências necessárias, sobre quaisquer assuntos, junto da Câmara Municipal e Tribunal de Penafiel de assuntos pendentes à tramitação legal dos processos, dos seguintes prédios:
- PRÉDIO URBANO sito no largo ..., ..., na freguesia e concelho de Penafiel, inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
- PRÉDIO URBANO sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
Conferem-lhe ainda poderes para junto da Conservatória do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo predial, cancelamentos ou averbamentos, para junto da repartição de finanças pagar quaisquer impostos ou contribuições ou pedir isenção dos mesmos e averbamentos de propriedade e ainda poderes para assinar tudo o que necessário for para os indicados fins.” (cf. doc. junto como n.º 4 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3- O 1.º Réu outorgou, arrogando-se poderes de representação dos Autores, seus pais, negócios de compra e venda dos imóveis melhor identificados supra sob a menção a “A” e “B”, os quais foram celebrados mediante a invocação duma procuração da qual constava que o 1.º Réu tinha poderes para “(…) vender ou prometer vender, transaccionar, hipotecar, contrair empréstimos, abrir ou movimentar contas junto de quaisquer entidades bancárias, financeiras, ou particulares, nos montantes, pelos prazos, juros e demais condições que entender ou forem acordados, receber as quantias mutuadas, e delas se confessar devedor, hipotecando para garantia de tais empréstimos, os prédios urbanos, sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho de Penafiel, inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., e o situado no largo ..., ..., da freguesia e concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ..., e o prédio rústico, sito no Lugar ..., da freguesia ..., e concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ..., e, assim, outorgar os respectivos contractos, as escrituras publicas e contractos promessas, receber preços, dar quitações, (…).” (cf. doc. junto como n.º 6 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, estando o original apenso por linha aos autos de procedimento cautelar apensos a este processo principal). Da mesma procuração resulta ter sido outorgada pelos Autores, a 11 agosto de 2015, perante o Dr. GG, advogado com escritório na comarca de Felgueiras e entregue a este naquele mesmo dia para fins de autenticação.
4- No dia 14 de setembro de 2015, o 1.º Réu celebrou com o 2.º Réu um contrato de compra e venda dos prédios urbanos “A” e “B” e nesse mesmo dia, 14 de setembro de 2015, estes Réus (1.º e 2.º) celebraram também entre si contrato-promessa de compra e venda dos mesmos prédios (cf. doc. junto como n.º 8 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5- Entre os 1.º e 2.º Réus, naquele mesmo dia 14 de setembro de 2015, foi outorgado o contrato de comodato junto sob o doc. n.º 10 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6- Dele constando as assinaturas apostas do nome dos Autores, datado de 22 de setembro de 2015, foi elaborada uma declaração denominada “ratificação”, quanto à qual foi ainda realizado, pelo mesmo Advogado, um termo de autenticação (cf. doc. junto como n.º 7 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, estando o original apenso por linha aos autos de procedimento cautelar apensos a este processo principal), pelo qual se declara que: ratificam o contrato celebrado a 14/09/2015 pelo filho com o 2.º Réu. 22 de Setembro de 2015
7- O 2.º Réu, no dia 14/9/2015, pagou de IMT € 11.375,81 e de Imposto Selo € 2.031,40 (cf. documentos anexos à escritura sob o doc. 8 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
8- Os credores hipotecários, cujas hipotecas se achavam registadas à data da transmissão daquele para o 2.º Réu, sobre os imóveis melhor identificados em 1.º e 2.º, descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob os n.ºs ... e ..., munidos dos respetivos distrates, declararam antes da outorga do negócio referido em 6.º ter recebido do 2.º Réu as seguintes quantias:
- quanto à AP ... de 2014/12/02, em nome de JJ, a quantia de € 36.140,00 (trinta e seis mil, cento e quarenta euros), hipoteca objeto de cancelamento pela AP. ... de 2015/09/14;
- quanto à AP ... de 2015/03/21, em nome de KK, a quantia de € 62.250,00 (sessenta e dois mil e duzentos e cinquenta euros), hipoteca objeto de cancelamento pela AP. ... de 2015/09/14;
- quanto à AP ... de 2014/9/06, em nome de LL, a quantia de € 59.350,00 (cinquenta e nove mil, trezentos e cinquenta euros), hipoteca objeto de cancelamento pela AP. ... de 2015/09/14.
9- No dia 30 de janeiro de 2017, o 1.º Réu, novamente em representação dos Autores, celebra contrato de compra e venda relativo ao prédio rústico “C”, desta feita com o 5.º Réu (cf. doc. junto como n.º 11 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10- Contrato que teve na base da justificação dos poderes representativos do 1.º Réu uma procuração, declaradamente outorgada pelos Autores em sete de abril de dois mil e quinze perante o Dr. GG, conferindo ao 1.º Réu, entre outros, poderes para “(…) vender ou prometer vender, transaccionar, hipotecar, contrair empréstimos, abrir ou movimentar contas junto de quaisquer entidades bancárias, financeiras, ou particulares, nos montantes, pelos prazos, juros e demais condições que entender ou forem acordados, receber as quantias mutuadas, e delas se confessar devedor, hipotecando para garantia de tais empréstimos o prédio rústico, sito no Lugar ..., da agora União de freguesias ..., do concelho de Penafiel, inscrito na matriz rústica, sob o artigo ..., e, assim, outorgar os respectivos contractos, as escrituras públicas e contractos promessas, receber preços, dar quitações (…)” (cf. doc. junto como n.º 12 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11- O 1.º Réu, naquele mesmo dia 30 de janeiro de 2017, prometeu comprar ao 5.º Réu o prédio “C” que tinha acabado de vender (cf. doc. junto como n.º 13 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12- A 20 de fevereiro de 2017, o 2.º Réu remeteu aos Autores uma carta de Resolução do Contrato de Comodato mencionado em 5.º.
13- Em 9 de junho de 2017, o 2.º Réu alienou o prédio “A” aos 3.ºs Réus (cf. doc. junto como n.º 1 à contestação dos 3.ºs Réus, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
14- Os 3.ºs Réus são filha e genro da arrendatária dos Autores das frações situadas no rés-do-chão do prédio “A”, local onde esta exercia (e exerce) a sua atividade comercial de florista (cf. doc. junto como n.º 16 à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15- Mercê de contrato escrito celebrado com os Autores, em 28/12/2012, (ut. doc. 15, junto com a petição inicial), a mãe e sogra dos 3.ºs Réus, NN, tomou de arrendamento o R/C do imóvel referido como “A”, para nele exercer o negócio de florista.
16- Os Autores não receberam os valores das rendas do prédio “A” (parte comercial) e do prédio “B” desde maio de 2017 até à presente data.
17- O prédio “A” proporcionava € 500,00 mensais de renda e o prédio “B” € 700,00 (uma renda de € 250,00 e outra de € 450,00) aos Autores.
18- Os Autores nunca assinaram qualquer documento a conferir ao 1.º Réu os poderes constantes da procuração junta como doc. 6 e referida em 3, desconhecendo a existência de tal procuração com tais ilimitados poderes.
19- As assinaturas apostas na procuração de 11 de agosto de 2015 e no termo de autenticação da procuração, referido em 3, atribuídas aos Autores, não foram apostas nesses documentos pelos seus punhos.
20- As assinaturas apostas no documento de 22 de setembro de 2015 denominado “ratificação” e no termo de autenticação da ratificação, referidos em 6.º, atribuídas aos Autores, não foram apostas nesses documentos pelos seus punhos.
21- Também quanto à procuração melhor identificada em 10:
- Os Autores nunca assinaram qualquer documento a conferir ao 1.º Réu os poderes ali aludidos;
- As assinaturas ali apostas na procuração e no termo de autenticação da procuração, atribuídos aos Autores, não foram apostas nesses documentos pelos seus punhos.
22- Os Autores nunca receberam o valor do preço que consta dos contratos de compra e venda identificados em 4.º e 9.º.
23- Os Autores jamais constituíram, nem também concederam poderes de representação ao 1.º Réu para constituir hipotecas voluntárias sobre os prédios “A” e “B”.
24- O Autor, antes da aquisição do prédio pelos 3.ª e 4.º Réus, agradeceu à 3.ª Ré e sua mãe por deixarem os Autores continuar a habitar a casa.
25- A filha dos Autores, OO, informou a 3.ª Ré EE que pretendia obter crédito bancário para adquirir os imóveis “A” e “B”, mas não o logrou.
26- Em junho de 2017, o 2.º Réu encontrou-se com o Autor e seu neto PP, e exibiu-lhes todos os documentos respeitantes à compra e venda, promessa de compra e venda e comodato.
*
O tribunal recorrido julgou não provada a seguinte factualidade:
1- A 5.ª Ré, logo após o negócio de aquisição do imóvel assente em 9, procedeu à limpeza e conservação do imóvel e publicitou as condições para a sua venda, à vista de toda a gente, nomeadamente dos Autores, que disso tomaram conhecimento;
2- A mãe da 3.ª Ré, arrendatária dos Autores, antes da aquisição pelos 3.ª e 4.º Réus, comunicou aos Autores a possibilidade que o comprador do imóvel DD lhe ofereceu de exercer a preferência na venda do mesmo, dando-lhes nota de que tinha intenção de optar na já realizada compra do dito prédio (A), pelo preço de € 94.000,00, esclarecendo-os de que o Sr. DD não se importava de o vender, diretamente, à sua filha (única) e genro, pelo mesmo preço, como se do exercício duma opção se tratasse, em vez de a arrendatária contrair, junto daqueles, o empréstimo da mesma quantia.
Mais lhes deu nota de que, dada a grande amizade que havia entre eles, os Autores ficariam sempre com reserva de habitação, num dos pisos do prédio;
3- Os Autores não se mostraram nada espantados, nem com a venda do prédio ao 2.º Réu, nem com o preço;
4- A carta referida em 12.º chegou ao conhecimento dos Autores;
5- Logo após a concretização do negócio em 14/9/2015, o solicitador Dr. QQ, a pedido de RR, marido da filha dos Autores (OO), entregou-lhe cópias do contrato de compra e venda e demais contratos (promessa de compra e venda e comodato);
6- O Autor, confrontado com os documentos respeitantes à compra e venda, promessa de compra e venda e comodato, sem qualquer manifestação de espanto, aceitou o teor dos mesmos não colocando qualquer questão ou obstáculo, mostrando ser conhecedor da venda dos imóveis;
7- A alegação da falsidade das assinaturas apostas na procuração e instrumento de ratificação referidos nos pontos 3.º, 6.º e 10.º dos factos assentes resulta do conluio familiar entre pais e filho, com o objetivo de verem os imóveis regressar à esfera jurídica dos Autores sem estar o identificado prédio “A” onerado com as hipotecas, já que integralmente pagas pelo 2.º Réu, gasto outrossim o remanescente do preço (satisfeito pelo adquirente 2.º Réu) e pago o preço pela 5.ª Ré;
8- Pese embora o declarado no ponto 8.º, o Reconvinte não procedeu ao pagamento de qualquer quantia aos credores hipotecários.
*
B. Impugnação da decisão da matéria de facto
1. Da alegada inadmissibilidade do depoimento de parte do 1.º réu
Na sua alegação, os recorrentes EE e FF começam por afirmar que o seu recurso é restrito à matéria de direito. Mas, logo de seguida, afirmam que o mesmo se prende com os factos provados sob os n.ºs 18 a 21 (cfr. ponto 3 da sua motivação), acabando por pedir que os mesmos sejam julgados não provados (cfr. ponto 19 da motivação e conclusões 5.ª e 9.ª). É, assim, claro que o recurso incide sobre a matéria de facto.
Analisado o teor da alegação, verifica-se que os recorrentes baseiam esta inequívoca impugnação dos pontos 18 a 21 da matéria de facto provada, pelo menos em parte, na inadmissibilidade legal de alguns dos meios de prova em que o tribunal fundamentou a sua decisão quanto a esses factos. E só a esta luz se compreende a afirmação – ainda assim pouco rigorosa – de que o recurso é restrito à matéria de direito, na medida em que apela às normas legais de direito probatório.
Neste conspecto, os referidos recorrentes alegam que o Tribunal a quo não devia ter autorizado o depoimento do 1.º réu, como oportunamente aduziram os advogados dos vários réus, pois aquele não contestou nem pagou taxa de justiça.
É, todavia, manifesta a intempestividade desta arguição da inadmissibilidade legal do depoimento de parte do 1.º réu.
Como resulta da acta da audiência prévia realizada em 01.03.2018, foi aí proferido despacho a admitir o depoimento de parte do 1.º réu, conforme requerido pela 5.ª ré, sobre a matéria dos artigos 1º a 8.º e 18.º dos temas da prova. Este despacho foi de imediato notificado a todos os presentes, entre os quais se encontrava o mandatário dos recorrentes EE e FF (bem como o recorrente DD e o respectivo mandatário).
Resulta, por sua vez, da acta da sessão da audiência de julgamento realizada no dia 07.09.2023 que foi aí proferido despacho a admitir as declarações de parte do 1.º réu. Também este despacho foi de imediato notificado a todos os presentes, entre os quais se encontravam os recorrentes EE e FF e o respectivo mandatário (bem como como o recorrente DD e o respectivo mandatário).
Não tendo sido impugnados por nenhuma das partes, estes despachos transitaram em julgado, pelo que o Tribunal ad quem já não pode sindicar as decisões ali proferidas, ainda que por via dos seus poderes de apreciação da sentença final.
Nos temos do artigo 628.º do CPC, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. Assim, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, p. 751), «[q]uando a decisão é susceptível de recurso ordinário, tal efeito consuma-se no momento em que se encontram esgotadas as possibilidades de interposição de recurso. Nas demais situações, ocorre no fim do prazo (que é o geral, de 10 dias – art. 149.º) para a eventual arguição de nulidades ou da reforma da sentença, nos termos dos artigos 615.º, n.º 4, e 616.º, n.º 3» do CPC.
No caso concreto, as decisões que admitiram o depoimento de parte e as declarações de parte do 1.º réu eram susceptíveis de recurso, nos termos previstos no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, atento o valor da acção. Acresce que aquelas decisões admitiam apelação autónoma, ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, onde se preceitua que cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova. Tal significa que aquelas decisões podiam ser imediata e isoladamente impugnadas por via de apelação – que, por essa razão, a lei adjectiva qualifica como autónoma –, não tendo essa impugnação de aguardar a prolação da decisão final, como sucede com as decisões a que se referem os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 644.º. O prazo para interpor recurso desses despachos era de 15 dias, contados desde a sua notificação, nos termos previstos no artigo 638.º do CPC, o qual se esgotou em ambos os casos muito antes da interposição do presente recurso de apelação e da própria prolação da sentença recorrida.
Não tendo sido interposto recurso dos despachos em causa, os mesmos transitaram em julgado, com os efeitos previstos no artigo 620.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Nestes termos, como começámos por dizer, a admissão do depoimento de parte e das declarações de parte do 1.º réu já foi definitivamente decidida, não podendo essas decisões ser sindicadas por via de recurso. Por conseguinte, nada obsta a que se aprecie o depoimento e as declarações em causa, concatenando-os com a demais prova produzida.
*
2. Da alegada inadmissibilidade da prova testemunhal
Também o recorrente DD impugnou a decisão sobre a matéria de facto, alegando, para além do mais, que é inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º do CC – n.º 1 do art.º 394.º do Código Civil.
Mas esta alegação revela-se totalmente inconsequente, desde logo porque o recorrente não esclarece que factos foram julgados pelo tribunal a quo com fundamento em prova testemunhal legalmente inadmissível, tal como não esclarece a que depoimentos testemunhais se está a referir.
Mas também porque nestes autos não está em causa a prova de qualquer convenção contrária ou adicional ao conteúdo de qualquer documento, designadamente das procurações ou autenticações em questão nos autos, mas antes a prova da falsidade das assinaturas apostas nestes documentos, enquanto forma de afastar a sua força probatória plena. Dito de outro modo, está apenas em causa o valor probatório formal dos referidos documentos, isto é, o seu conteúdo extrínseco, maxime a sua autoria, do qual depende a sua força probatória plena – cfr. artigos 376.º, n.º 1, e 377.º, do CC (para maiores desenvolvimentos sobre o alcance da força probatória plena dos documentos vide o ac. do TRP, de 07.02.2023, proc. n.º 1330/19.3T8PRT.P1).
Ora, nenhuma disposição legal proíbe o recurso à prova testemunhal para demonstrar aquela falsidade, ou seja, para abalar o valor probatório formal dos documentos e, por conseguinte, a sua força probatória plena. O que a lei proíbe é o recurso à prova testemunhal para contrariar o valor probatório material, isto é, o conteúdo intrínseco, maxime a veracidade das declarações constantes de um documento dotado de força probatória plena – cfr. artigo 393.º, n.º 2, do CC.
De acordo com o regime legal, a força probatória plena (no sentido de que cede apenas mediante a prova do contrário, nos termos previstos no artigo 347.º do CC, por contraposição à prova bastante, que cede mediante contraprova, nos termos previstos no artigo 346.º do mesmo código, e à prova pleníssima, que não cede sequer perante a prova do contrário) dos documentos particulares, consagrada no artigo 376.º, n.º 1, do CC, opera apenas quanto o seu conteúdo extrínseco, só podendo ser contrariada pela arguição e prova da falsidade do documento. Só depois de confirmada esta força probatória plena do documento, ou seja, depois de provada a materialidade das declarações constantes do documento particular, é que poderá ser aferida a eficácia dos factos aí mencionados, à luz do artigo 376.º, n.º 2, do CC, com as limitações probatórias previstas no artigo 393.º, n.º 2, do mesmo código. Mas, repetimos, o que se discute no caso dos autos é a questão prévia do valor probatório formal dos documentos, a sua falsidade, pelo que não está vedado o uso da prova testemunhal.
De resto, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, p. 343), a norma no artigo 394.º, n.º 1, do CC, aplica-se «apenas às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais, ou acessórias, como lhes chama o artigo 221.º», pois a «inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena, resulta dos artigos 371.º e 372.º; em relação aos documentos particulares, do artigo 376.º, conjugados num e noutro caso com o disposto no n.º 2 do artigo 393.º».
Pelo exposto, nada obsta a que se aprecie a prova testemunhal produzida, concatenando-o com a demais prova produzida, designadamente para se apreciarem os factos impugnados pelo recorrente DD.
*
3. Da alegada nulidade da 2.ª perícia
a. Os recorrentes EE e FF, embora sem questionar o despacho que admitiu a 2.ª perícia, alegam que o tribunal não podia basear nela a sua convicção, por ser nula, visto não versar sobre o mesmo objecto da primeira. Baseiam esta afirmação na circunstância de, na 2.ª perícia, «ter sido solicitado mais material de comparação, tendo sido acrescentada escrita espontânea (que não é a recolhida em Auto)», de onde extrai que «a 1.ª e 2.ª Perícias não versam sobre o mesmo objeto: as mesmas assinaturas, apostas nos mesmos documentos sobre que versou a primeira Perícia!».
De modo semelhante, o recorrente DD veio alegar que a 2.ª perícia não cumpriu os mesmos critérios da primeira, pois incidiu sobre mais material de comparação, ou seja, sobre um objecto diferente do daquela, pelo que é nula e, por isso, não podia ter sido considerada na decisão recorrida.
A argumentação assim sustentada pelos recorrentes mostra-se totalmente infundada.
Como decorre do artigo 475.º, n.º 1, do CPC, o objecto da perícia corresponde às questões de facto que se pretendem ver esclarecidas através da diligência. Ora, como veremos melhor infra, não foi fixado como objecto de nenhuma das perícias a falsidade das assinaturas apostas em algum dos documentos utilizados como material de comparação, cuja autoria, de resto, nunca foi posta em causa por nenhuma das partes e não integra o objecto desta causa.
O referido material de comparação mais não é do que um meio necessário ao bom desempenho da função dos peritos, que estes podem solicitar, como fizeram, ao abrigo do disposto no artigo 481.º, n.º 1, e 482.º do CPC (o que bem se compreende, à luz da preferência que este último artigo confere aos manuscritos/autógrafos constantes de escritos já existentes sobre os escritos/autógrafos recolhidos tendo em vista a realização da perícia).
O que vimos dizendo é corroborado pelo artigo 487.º, n.º 3, do CPC, quando preceitua que a 2.ª perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira, sem impor que esta repita os mesmos procedimentos ou se baseie nos mesmos meios.
Em todo o caso, mesmo que entendêssemos que o uso de mais material de comparação na 2.ª perícia configura uma irregularidade processual susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (cfr. artigo 195.º, n.º 1, do CPC), as partes já teriam perdido a oportunidade de a arguir.
Recorde-se que, não obstante terem sido notificadas do pedido de envio de mais assinaturas espontâneas dos autores, bem como dos novos documentos apresentados por estes em resposta àquele pedido, e apesar de ambos os relatórios discriminarem todo o material remetido para exame, inclusivamente todos os documentos enviados para comparação das assinaturas impugnadas, nunca alguma das partes, designadamente os ora recorrentes, arguiu alguma irregularidade que pudesse inquinar a validade ou a admissibilidade da 2.ª perícia assim realizada, sendo certo que apenas o podiam fazer no prazo previsto no artigo 199.º do CPC e perante o próprio tribunal a quo, o qual se esgotou muito antes da prolação da sentença recorrida.
*
b. Sem prejuízo do que ficou exposto, em face da alegação dos recorrentes, importa verificar qual foi o objecto de cada uma das perícias – tanto o objecto fixado pelo tribunal como o objecto efectivamente analisado nos relatórios periciais – e quais as consequências de uma eventual diversidade de objectos fixados pelo tribunal e/ou de uma eventual diversidade entre o que foi determinado e o que foi cumprido.
Para esse efeito, porque a tramitação processual da prova pericial se prolongou ao longo de vários anos e ficou marcada por diversas vicissitudes processuais, geradoras de entropias, importa fazer uma análise cuidada da mesma.
Compulsados os autos verifica-se o seguinte:
- Na petição inicial, os autores solicitaram a realização de perícia, nos seguintes moldes:
«Requer-se, nos termos dos arts.º 467.º e ss CPC, a realização de exame pericial às assinaturas apostas nos documentos juntos com os n.os 6, 7 e 12, (respetivamente, procuração e termo de autenticação, ratificação e termo de autenticação, procuração e termo de autenticação) a efetuar por organismo oficial (público ou privado), consubstanciando-se o objeto da perícia na resposta aos seguinte quesitos:
- As assinaturas apostas na procuração e termo de autenticação (doc.6) do dia 11 de agosto de 2015 forem feitas pelos punhos dos AA?
- As assinaturas apostas na ratificação e termo de autenticação (doc.7) do dia 22 de setembro de 2015 forem feitas pelos punhos dos AA?
- As assinaturas apostas nas procuração e termo de autenticação (doc. 12) de 7 de abril de 2015 forem feitas pelos punhos dos AA?»;
- Na audiência prévia realizada em 01.03.2018, os autores propuseram a ampliação do objecto da perícia por si requerida, nos seguintes termos:
«Requer-se nos termos dos art.ºs 467.º e seguintes do CPC a realização de exame pericial às assinaturas apostas nos (originais) dos documentos que serviram de título aos negócios que originaram as hipotecas registadas pela apresentação 309 de 02-12-2014, em nome de JJ e pela apresentação 40 de 21-03-2015, em nome de KK, hipotecas estas realizadas sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., documentos originais estes que os AA protestam juntar aos autos no prazo de vinte (20) dias, por forma a apurar se as assinaturas ali feitas o foram pelo punho dos autores»;
- Sobre estes requerimentos foi, na mesma audiência prévia, decidido o seguinte:
«C) Fique nos autos a prova documental já junta e, atenta a selecção dos temas da prova que antecede, com referência à defesa excepcional na réplica à matéria da reconvenção (quanto à não constituição pelos AA das hipotecas entretanto extintas, como facto impeditivo do enriquecimento sem causa convocado), concede-se aos autores o prazo de vinte (20) dias para junção aos autos dos originais dos documentos sobre os quais haverá de incidir a requerida perícia, sendo que, nessa parte, a determinação de exame, como requerida, aguardará o prazo de 10 dias para contraditório/pronúncia pelo 2º Réu, a quem importa.
D) Defere-se, por se constituir, de resto, o único meio prova directa da aduzida falsidade das mesmas a prova pericial requerida pelos autores na petição inicial e com o objecto ali proposto, sendo-o ao Laboratório de Polícia Científica.
A tomada/recolha de assinaturas aos autores aguardará a decisão sobre a ampliação do objecto da perícia a realizar a outros documentos, nos termos que antecedem».
Resulta do exposto que tribunal a quo admitiu a realização da perícia solicitada pelos autores, com o objecto por estes indicado na petição inicial, relegando para momento posterior a apreciação da ampliação deste objecto nos moldes propostos pelos autores na audiência prévia.
Prosseguindo a análise dos autos, verifica-se o seguinte:
- Por requerimento de 21.03.2018, os autores vieram juntar aos autos cópias certificadas dos contratos de mútuo com hipoteca que originaram as hipotecas acima referidas e, verificando que foi o 1.º réu que outorgou nesses contratos na qualidade de procurador dos autores, munido de procuração arquivada pelo Sr. Solicitador QQ, solicitou a notificação deste para remeter aos autos, a título devolutivo, os originais dessas procurações, outorgadas em 05.06.2013 e em 04.09.2014;
- Ordenada essa notificação, tais documentos foram juntos aos autos por aquele solicitador em 30.04.2018;
- Em 02.06.2018 os autores juntaram aos autos cópia do relatório da perícia efectuada no processo criminal n.º 102/16.1TRPRT, para fazer prova da falsidade do documento junto pelo Solicitador QQ, acrescentando que o mesmo foi obtido através de uma montagem realizada a partir da utilização das assinaturas manuscritas pelos AA. na procuração verdadeira, como resulta do ponto XVII.1. das conclusões do relatório pericial;
- Notificadas as partes para, em face deste relatório, esclarecerem se mantêm interesse na realização da perícia e com que amplitude, os autores vieram, por requerimento de 29.06.2018, reiterar o seu interesse na realização da perícia que requereram, uma vez que o exame pericial levada a cabo no processo criminal teve por objeto a determinação da autenticidade ou falsidade dos documentos, e não apurar a veracidade ou falsidade da letra ou assinatura dos autores, junto dos quais jamais houve qualquer recolha de autógrafos; mais alegaram que a procuração de 05.06.2013 junta pelo solicitador QQ é uma cópia certificada, e não o original; acrescentaram ainda o seguinte:
«E, assim, relativamente à:
- Procuração e termo de autenticação junto como doc. n.º 6 da p.i (original apenso por linha ao procedimento cautelar),
- Ratificação e termo de autenticação junto como doc. n.º 7 da p.i (original apenso por linha ao procedimento cautelar),
- Procuração e termo de autenticação junto como doc. n.º 12 da p.i (original apenso por linha aos presentes autos, por requerimento do solicitador n.º 4318645 de 16/03), e
- Procuração e termo de autenticação de 4 de setembro 2014 (original apenso por linha aos presentes autos, por requerimento do solicitador n.º 4427158 de 30/04):
Requer-se a realização de perícia consubstanciando-se o objeto da mesma na resposta ao seguinte quesito: As assinaturas apostas nas procurações, ratificação e termos de autenticação foram feitas pelos punhos dos AA.?
No que concerne à procuração de 5 de Junho de 2013, após a junção aos autos do original (dos autos apenas consta como já se referiu fotocópia certificada apensa por linha por requerimento do solicitador n.º 4427158 de 3/04), requer-se a realização de perícia consubstanciando-se o objeto da mesma na resposta ao seguintes quesitos: i) O documento é falso? ii) As assinaturas apostas no documento foram feitas pelos punhos dos AA.? iii) O documento resultou de uma montagem? iii) Em caso afirmativo, na montagem foi utilizado um fragmento de papel contendo a reprodução das assinaturas manuscritas pelos AA., o qual foi aposto sob uma folha com um corpo de texto já redigido afim de obter o documento pretendido?
Termos em que se requer a V. Exa que ordene a notificação do solicitador para juntar aos autos o original da procuração de 5 de junho e que ordene a realização da requerida perícia com a amplitude e objeto aludido supra»;
- Por despacho de 18.09.2018 foi solicitado ao processo criminal acima referido informação sobre se os originais dos documentos cuja junção foi novamente requerida pela autora se encontram naqueles autos e, em caso afirmativo, o envio dos mesmos, a título devolutivo, para instruir exame pericial;
- Não tendo sido satisfeito o solicitado, por estar agendado o início da audiência de julgamento e os elementos solicitados poderem revelar-se importantes na mesma, em 16.10.20218 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Aguardar-se-á a realização do julgamento, como informada, após o que se insistirá pelo envio dos documentos requerido, imprescindível à realização da perícia com o objecto fixado. Notifique, sendo-o as partes da resposta dos autos de processo comum, nos termos que antecedem».
Estes dois despachos (de 18.09.2018 e 16.10.2018) parecem ter implícito o deferimento da ampliação do objecto da perícia duas vezes formulado pelos autores, embora tal ampliação nunca tenha sido explicitamente deferida.
Seja como for, a definição do objecto da perícia acabou por ser condicionada pela tramitação posterior, a seguir descrita:
- Após diversas vicissitudes processuais e muitas tentativas de obter os originais pretendidos, foi decidido o seguinte por despacho de 15.02.2022:
«Verificados agora os documentos quanto aos quais foi efectivamente realizada nos autos de processo comum já id., a verificação pericial da autoria das assinaturas pelos AA de documentos, importa concluir que o exame pericial ali realizado apenas se debruçou sobre o artigo 4º dos temas da prova e por isso que apenas e só sob os documentos sob a alínea D) dos factos assentes. Nessa parte, pois e independentemente de alguns dos RR não terem tido intervenção na definição do objecto da perícia, sendo que esta tem exactamente aquele ordenado nestes autos e sempre foi realizada pela entidade oficial legalmente competente, cabe atender ao exame já realizado, que conclui pela falsidade das assinaturas naquela ratificação e termo de reconhecimento, restringindo-se o objecto da perícia nestes autos a levar a cabo, que, por desnecessária ou redundante, não abrangerá a verificação da autenticidade daquelas assinaturas.
No mais, inexistindo coincidência com os documentos quanto aos quais houve lugar naquele processo comum a exame (o que, lamentavelmente e por razões que nos são alheias demorou tempo a elucidar, sendo certo que sequer os AA terão alcançado a manifesta ausência de sincronismo quanto às procurações objecto de averiguação de autenticidade naqueles e nestes autos?!), cabe determinar a realização da prova pericial tal e qual já ordenada. Isto quanto à perícia ordenada com referência à petição inicial, conforme alínea D) da decisão sobre a instrução da causa em sede de audiência prévia/saneador.
É que, quanto agora à perícia referida sob a alínea C) da mesma decisão sobre os meios de prova, a que era a incidir sobre a autenticidade das assinaturas constantes das procurações que serviram/fundaram a outorga das hipotecas, a mesma está realizada/cumprida/executada, no sentido da respectiva falsidade, nos pontos XVII e XIX do relatório pericial levado a cabo no processo crime respectivo. Reitera-se a supra afirmada suficiência e atendibilidade neste processo e a inexistência de qualquer contraditório a salvaguardar que invalide a respectiva validade e consideração. Por isso que, também nessa parte inútil a realização de nova perícia, pela mesma entidade e com o mesmo objecto, sem que se anteveja qual a “intervenção” postergada a que apelam os RR que pugnam pela desconsideração da perícia levada a cabo no processo crime… Por isso que, concluindo, a perícia a realizar apenas terá por objecto a determinação da autoria pelos AA das assinaturas das procurações aludidas nas alíneas C) e H) da matéria assente»;
- O 2.º réu interpôs recurso deste despacho, o qual foi revogado por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, cujo dispositivo se transcreve:
«Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, determina-se que a prova pericial incida sobre as assinaturas os documentos referidos nas alíneas C), D) e H) da matéria assente, assim como sobre as assinaturas constantes dos originais das procurações que serviram de título aos negócios que originaram as hipotecas registadas pela apresentação 309 de 02-12-2014, tudo nos moldes requeridos pelos Autores»;
- Este acórdão, datado de 23.05.2022, transitou em julgado, tendo os autos de recurso em separado sido definitivamente devolvidos à primeira instância em 13.10.2022;
- Mas porque o recurso havia sido admitido com efeito meramente devolutivo, a 1.ª perícia prosseguiu conforme determinado no despacho de 15.02.2022, incidindo apenas sobre as assinaturas apostas nos documentos n.º 6 e 12 da petição inicial (as procurações de 07.04.2015 e 11.08.2015 e respectivos termos de autenticação, embora o respectivo relatório aluda apenas às procurações, nada referindo sobre os termos de autenticação);
- Notificadas as partes deste relatório pericial, em 07.10.2022 o 2.º réu veio pedir um esclarecimento e em 13.10.2022 os autores vieram pediram a realização de 2.ª perícia;
- Por despacho de 18.10.2022 foi indeferido aquele esclarecimento e deferida a realização da 2.ª perícia, «com o mesmo objecto da primeira, a realizar pelo mesmo Laboratório, ainda que acautelando-se a realização por Peritos distintos dos que realizaram a primeira».
Do exposto resulta que o Tribunal a quo restringiu o objecto da perícia à falsidade das assinaturas apostas nos documentos n.º 6 e 12 da petição inicial (as procurações de 11.08.2015 e 07.04.2015 e os respectivos termos de autenticação), mas o Tribunal da Relação alargou esse objecto às assinaturas apostas no documento n.º 7 da petição inicial (a ratificação de 22.09.2015 e respectivo termo de autenticação) e às assinaturas apostas nas procurações que serviram de título aos negócios que originaram as hipotecas registadas pela apresentação 309 de 02-12-2014.
Não obstante, a perícia foi realizada nos moldes determinados pelo tribunal a quo, não tendo sido alterada mesmo depois do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, fosse por iniciativa do Tribunal ou a requerimento das partes.
Dito de outro modo, perante a inércia do Tribunal e a passividade das partes, a 1.ª perícia não abarcou todo o objecto que lhe foi fixado por decisão transitada em julgado.
Prosseguindo a nossa análise dos autos, dos mesmos resulta ainda o seguinte:
- Depois de solicitada ao Laboratório da Polícia Científica (doravante LPC) a realização da 2.ª perícia, por ofício junto aos autos em 16.11.2022, este Laboratório solicitou o envio de assinaturas espontâneas dos autores, apostas em documentos originais e/ou fotocópias nítidas, tendo em vista a realização do exame pericial, o que foi notificado a todos os mandatários das partes na mesma data;
- Por requerimentos de 07.12.2022 e 15.12.2022, os autores juntaram aos autos originais e/ou fotocópias nítidas de documentos onde estão apostas as suas assinaturas (o que foi notificado aos restantes mandatários, nos termos previstos no artigo 221.º do CPC);
- Depois de remetidos estes elementos ao LPC, este apesentou em 16.02.2023 um primeiro relatório pericial, que incidiu sobre as procurações datadas de 07.04.2015 e 11.08.2015 (o qual foi notificado às partes, limitando-se o 2.º réu a solicitar a comparência dos peritos em audiência de julgamento, o que foi deferido);
- Por despacho de 08.03.2023, o tribunal a quo determinou o seguinte:
«Compulsados os autos, verifica-se estar em falta o exame às assinaturas dos dois termos de autenticação das procurações que foram já objecto de exame pericial, omissão que cumpre suprir, aquando da realização do exame a diligenciar logo que juntos os quatro documentos que cabe examinar ainda, nos termos do despacho seguinte. Notifique.
*
Atento o lapso de tempo já decorrido e, decisivamente, o facto de estar em causa nestes autos o apuramento da falsidade das assinaturas de documentos distintos daqueles versados directamente nos autos de processo crime já identificados, sendo certo que naqueles o exame pericial não incidiu sobre a autoria das assinaturas respectivas [Assim, como se anota no Acórdão da Relação do Porto sob o apenso D a estes: a Procuração de 5 de Junho de 2013 e Termo de Autenticação da mesma data pela solicitadora MM, constantes do Relatório do processo 102/16 nas alíneas 18 e 20 (a fls. 263 e 265 juntos aos autos por certidão de 19/01/2022, Ref. Citius 7647261) apenas constituem “material para comparação” e, por isso, nem sequer foram objecto de exame. O mesmo se presume suceder com a procuração de 04 de Setembro de 2014 e termo de autenticação do mesmo dia pelo Dr. GG, sendo que não emerge do relatório pericial cuja cópia consta dos autos terem sido objecto, sequer comparatístico, do processo crime 102/16], oficie, novamente, aos autos de processo crime, desta feita directamente ao Tribunal da Relação do Porto, onde se encontram, com cópia do teor dos documentos cujos originais se demanda, que são aqueles juntos por cópia a estes autos no requerimento de 30.04.2018, pelo Ex.mo Solicitador QQ, solicitando, com cópia integral deste despacho, o envio a estes daqueles originais, ali constantes, sem prejuízo, naturalmente, da superior avaliação do interesse ou relevo probatório no processo respectivo pelo M.mo Juiz Desembargador titular».
De forma clara, este despacho recorda que a perícia incide não apenas sobre as assinaturas apostas nas procurações, mas também nas autenticações a que respeitam os documentos n.º 6 e 12 da petição inicial.
De forma menos clara, o mesmo despacho parece determinar, atento o teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.05.2022, que a perícia incide ainda sobre as procurações e termos de autenticação de 05.06.2013 e 04.09.2014.
Isso mesmo foi entendido pelo LPC. Na verdade, resulta dos autos que:
- Tendo sido solicitados e juntos aos autos, por ofício de 22.03.2023, os elementos mencionados no despacho de 08.03.2023, os mesmos foram remetidos ao LPC, tendo este apresentado em 05.05.2023 novo relatório pericial, o qual incidiu sobre os termos de autenticação de 07.04.2015 e de 11.08.2015, mas também sobre as procurações e os termos de autenticação de 05.06.2013 e de 04.09.2014.
Do exposto resulta que esta 2.ª perícia também não abarcou todo o objecto que lhe foi fixado. Desde logo porque, tal como a primeira, não se debruçou sobre a falsidade das assinaturas apostas no documento n.º 7 da petição inicial (a ratificação e o termo de autenticação de 22.09.2015).
Sucede que tal prova foi expressamente determinada pelo acórdão do Tribunal da Relação de 23.05.2022, transitado em julgado, e destinava-se a fazer prova do facto que acabou por ser vertido no ponto 6 da matéria de facto julgada provada, que se revela inequívoca e absolutamente determinante da decisão da causa. Como é óbvio, a prova (ou a falta dela) da ratificação dos negócios celebrados pelo 1.º réu em representação dos autores pode conduzir à improcedência da acção (ou corroborar a sua procedência).
Nestes termos, não cremos que reste outra alternativa senão a determinar a conclusão da perícia, no que concerne ao documento de ratificação e a termo de autenticação de 22.09.2015.
Em contrapartida, vimos que a 2.ª perícia incidiu sobre as assinaturas apostas na procuração e no termo de autenticação de 05.06.2013, tendo o LPC concluído ser muito provável que as escritas suspeitas sejam da autoria dos autores, bem como sobre as assinaturas apostas na procuração e no termo de autenticação de 04.09.2014, tendo o LPC referido não ser possível obter resultados conclusivos quanto à sua autenticidade e/ou autoria, por se apresentarem reproduzidas mecanicamente, e, por isso, nada concluindo a seu respeito.
Contudo, no que concerne à procuração e ao termo de autenticação de 05.06.2013, afigura-se claro que os documentos efectivamente remetidos ao LPC – que foram juntos aos autos em 22.03.2023 – não correspondem integralmente aos que foram impugnados pelos autores – que foram juntos aos autos em 30.04.2018.
Tal correspondência existe no que concerne ao termo de autenticação datado de 05.06.2013. De resto, refira-se desde já, este corresponde ao termo de autenticação que integra o documento n.º 4 da petição inicial.
Mas é claro que a mesma correspondência não se verifica relativamente às procurações que acompanham estes termos em cada um dos requerimentos acima identificados: o teor da procuração junta aos autos em 22.03.2023, que foi submetida a perícia, revela que a mesma não conferia poderes ao 1.º réu para constituir hipotecas sobre quaisquer imóveis dos autores, ao contrário do que é revelado pelo teor da procuração junta aos autos em 30.94.2018.
Acresce que a procuração junta em 22.03.2023, sem data, corresponde à procuração que integra o documento n.º 4 da petição inicial. Isso significa que o material remetido ao LPC para ser submetido a perícia corresponde à totalidade do documento n.º 4 da petição inicial, referido no ponto 2 dos factos provados e não impugnado por nenhuma das partes. Aliás, os próprios autores confirmaram a autoria dessas assinaturas logo na petição inicial (cfr. artigo 7.º desse articulado), o que foi aceite por todos os réus e, por isso, foi dado como assente ainda em sede de despacho saneador. Deste modo, a autoria das assinaturas apostas nos referidos documentos nunca esteve controvertia e, por conseguinte, nunca deveria ser objecto da prova (cfr. artigo 410.º do CPC), pelo que o seu envio ao LPC apenas teria interesse como material de comparação. A perícia realizada a estes documentos revela-se, portanto, totalmente inútil.
Já a procuração junta em 30.04.2018, igualmente sem data, corresponde a uma das procurações que faz parte da certidão junta aos autos em 19.01.2022, mais concretamente a fls. 311 do suporte físico destes autos (e fls. 269 do suporte físico dos autos de processo crime de onde foi extraída a certidão).
De acordo com a alegação dos autores, terá sido esta procuração junta aos autos em 30.04.2018 (bem como a procuração datada de 04.09.2014) que o 1.º réu utilizou para constituir as hipotecas em discussão. Era, portanto, sobre aquela procuração que devia ter incidido a perícia.
Por outro lado, os próprios autores admitiram a possibilidade de as assinaturas apostas na procuração por si impugnada (repita-se, a procuração junta aos autos pelo solicitador QQ em 30.04.2018) serem suas, mas resultar esse documento de uma montagem. Coerentemente, solicitaram que a perícia a esse documento esclarecesse as seguintes questões: i) O documento é falso? ii) As assinaturas apostas no documento foram feitas pelos punhos dos AA.? iii) O documento resultou de uma montagem? iii) Em caso afirmativo, na montagem foi utilizado um fragmento de papel contendo a reprodução das assinaturas manuscritas pelos AA., o qual foi aposto sob uma folha com um corpo de texto já redigido afim de obter o documento pretendido?
Assim, só a perícia sobre o documento apresentado pelo solicitador QQ em 30.04.2018, com o objecto proposto pelos autores, inicialmente aceite pelo tribunal a quo e posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação, se poderá revelar útil (sem prejuízo da relevância jurídica do facto a cuja prova se destina, que não cabe neste momento apreciar), importando determinar tal diligência.
Contudo, embora o referido solicitador, no seu requerimento de 30.04.2018, afirme que a procuração de 05.06.2013 por si junta é o original, os autores, no seu requerimento de 29.06.2018, afirmam que se trata de uma mera cópia (e, por isso, solicitam se insista com aquele para juntar o original), o que é corroborado pela consulta do suporte físico dos autos, dos quais consta apenas uma fotocópia certificada de uma «PROCURAÇÃO celebrada em 5 de Junho de 2013, com Termo de Autenticação, registada com a conta ..., pela solicitadora MM, com a cédula profissional ...».
Deste modo, tendo em vista a realização da perícia, importa diligenciar previamente pela junção do documento original, designadamente junto do processo criminal, onde estará junta a fls. 269.
Atento o o objecto fixado à perícia e o teor da certidão junta em 19.01.2022, importa requerer ainda o que parece ser a mesma procuração, mas sem as assinaturas, junta a fls. 270 dos mesmos autos de processo criminal (cfr. fls. 312 dos presentes autos).
No que concerne à procuração e ao termo de autenticação de 04.09.2014, é inegável que a 2.ª perícia cumpriu o que lhe foi determinado.
Contudo, esse exame pericial incidiu sobre os documentos solicitados ao processo criminal e juntos a estes autos em 22.03.2023, tendo o LPC informado que não foi possível obter resultados conclusivos quanto à autenticidade e/ou autoria das respectivas assinaturas, por se apresentarem reproduzidas mecanicamente.
Cremos que o resultado poderia ter sido outro se, em vez de terem sido remetido para exame pericial os referidos documentos juntos em 22.03.2023, tivesse sido remetidos os documentos juntos pelo solicitador QQ em 30.04.2018, que, nesta parte, aparentam ser originais (o que foi corroborado pelo solicitador que os remeteu e pelos autores, no seu requerimento de 29.06.2018).
Deste modo, cremos que se impõe repetir esta parte da perícia, remetendo para exame a procuração e o termo de autenticação que foram juntos pelo referido solicitador em 30.04.2028.
Em suma, embora fosse o mesmo o objecto fixado à 1.ª e à 2.ª perícia, verifica-se que nenhuma delas cumpriu cabalmente o que foi definitivamente decidido a esse respeito, sem que o tribunal a quo tivesse determinado o suprimento das omissões acima assinaladas e sem que as partes as tivessem arguido oportunamente, fosse ao abrigo das normas que regem a realização da prova pericial, maxime do disposto no artigo 485.º do CPC, fosse ao abrigo das normas sobre nulidades processuais, estando há muito esgotado o prazo para o fazer.
Contudo, afigura-se inegável que o suprimento dessas omissões, ou seja, a conclusão da perícia de acordo com o obecto que lhe foi fixado, se revela determinante para a reapreciação dos factos impugnados.
Importa, assim, determinar a conclusão da perícia, mais concretamente:
- A apreciação da genuinidade/falsidade das assinaturas, imputadas aos autores, apostas no documento n.º 7 da petição inicial (ratificação e termo de autenticação de 22.09.2015);
- A apreciação da genuinidade/falsidade da procuração sem data que foi junta aos autos em 30.04.2018, respondendo-se às questões formuladas pelos autores a seu respeito no requerimento de 29.06.2018 (solicitando-se previamente o envio dos originais acima referidos);
- A apreciação da genuinidade/falsidade das assinaturas, imputadas aos autores, apostas na procuração e no termo de autenticação datados de 04.09.2014, juntos aos autos em 30.04.2018.
Ao contrário do que poderíamos ser levados a considerar, não cremos que a situação descrita se subsuma na previsão do artigo 662.º, n.º 2, al. b), nos termos do qual a Relação deve, mesmo oficiosamente, ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova. Na verdade, não estamos perante qualquer dúvida suscitada pela prova produzida, mas perante a omissão de diligências probatórias oportunamente solicitadas e admitidas.
Já dissemos que o prazo processualmente previsto para as partes arguirem tal omissão já se esgotou. Mas a verdade é que a mesma se repercutiu na sentença proferida. Não apenas na medida em que a decisão da matéria de facto aí proferida não pôde ter em consideração a prova que foi admitida mas não chegou a ser produzida, mas também na medida em que gerou incongruências na motivação daquela decisão, especificamente no que tange aos factos agora impugnados.
Diz-se o seguinte na referida motivação:
No que respeita aos factos n.ºs 18, 19, 20 e 21, foi tido em consideração o resultado das perícias efetuadas nos autos e os esclarecimentos prestados pelas Sras. Peritas, as declarações de parte do Autor; as declarações e depoimento de parte do 1.º Réu, e as acareações entre o Autor e o 1.º Réu e a testemunha Dr. GG.
Já vimos, porém, que as perícias não incidiram sobre as assinaturas apostas na ratificação e no termo de autenticação de 22.09.2015 – que o facto n.º 20 declara não terem sido feitas pelo punho dos autores –, pelo que a convicção do tribunal quanto a este facto não se terá baseado nas perícias, mas apenas nas declarações/depoimentos do autor e do 1.º réu, seu filho, e na falta de consistência do depoimento da testemunha GG.
Prossegue assim a motivação:
No Relatório de Exame Pericial n.º ..., elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, em 21/9/2022, que incidiu sobre o original das duas procurações com data de emissão de 07/04/2015 e 11/08/2015, concluiu a Sr.ª Perita que «Com base nas evidências observadas na comparação das amostras problema e de referência, e face aos resultados obtidos: A qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas apostas, em primeiro e segundo lugar, nas procurações (docs 1 e 2), respectivamente, com as dos autógrafos de AA e de BB, bem como as limitações referidas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos.»
Em sede de audiência de julgamento, a Sr.ª Perita SS, que assinou o aludido Relatório de Exame Pericial, esclareceu sobre o facto de não existirem semelhanças nem diferenças com valor significativo, para o Perito.
No Relatório de Exame Pericial n.º ..., elaborado pelo mesmo Laboratório, em 17/1/2023, que igualmente incidiu sobre os aludidos documentos, concluiu a Sr.ª Perita que «Com base nas evidências observadas na comparação das amostras problema e de referência, e face aos resultados obtidos: Conclui-se como provável que as escritas suspeitas das assinaturas referentes ao nome AA (docs 1 e 2) não sejam da autoria de AA. Conclui-se como provável que as escritas suspeitas das assinaturas referentes ao nome BB (docs 1 e 2) não sejam da autoria de BB.»
Em sede de audiência de julgamento, a Sr.ª Perita HH, que assinou o aludido Relatório de Exame Pericial, esclareceu sobre a razão de se ter passado, no aludido Relatório Pericial, para um patamar acima do inconclusivo, de “provável não”, que resultou do facto de ter sido solicitado mais material de comparação, tendo sido acrescentada escrita espontânea (que não é a recolhida em Auto) e da observação conjunta da escrita suspeita e da escrita de comparação.
Mais à frente, acrescenta-se o seguinte:
O facto n.º 23 foi dado como provado, porquanto resulta da prova produzida e acima elencada que as assinaturas atribuídas aos Autoras apostas nas procurações de 7 de abril e 11 de agosto de 2015 não foram apostas nesses documentos pelos seus punhos, e por ter sido confirmado pelo 1.º Réu, em sede de depoimento de parte, que os Autores jamais constituíram, ou concederem poderes de representação para constituir hipotecas voluntárias sobre os prédios “A”, “B” e “C”.
Neste ponto 23 julga-se provado que “os autores jamais constituíram, nem também concederam poderes de representação ao 1.º Réu para constituir hipotecas voluntárias sobre os prédios “A” e “B”, o que tem pressuposto a falsidade das procurações juntas aos autos com o requerimento de 30.04.2018 (de 05.06.2013 e 04.09.2014).
Mas não se esclarece na respectiva motivação como foi possível depreender a falsidade destas procurações a partir da falsidade das assinaturas apostas nas procurações de 07.04.2015 e de 11.08.2015. Não se esclarece, igualmente, por que razão não foi, sequer, sopesado o juízo técnico formulado no relatório da 2.ª perícia a respeito da procuração (e do termo de autenticação) de 05.06.2013, onde se afirma ser muito provável que as assinaturas aí apostas sejam da autoria dos autores (não se referindo, sequer, pois não terá sido detectado, que a procuração examinada não corresponde à que foi impugnada pelos autores).
Em suma, não se esclarece por que razão foi dada credibilidade ao relatório pericial no que concerne à autoria das assinaturas apostas nas procurações de 07.04.2015 e de 11.08.2015, mas já não no que concerne à autoria das assinaturas apostas na procuração de 05.06.2013, mas considera-se demonstrada a falsidade desta última procuração com base na falsidade das primeiras.
Nestes termos, a decisão proferida sobre estes factos, impugnados no presente recurso, revela-se obscura.
Afigura-se que só o Tribunal recorrido poderá explicitar o sentido e o alcance que conferiu à prova produzida, assim suprindo as apontadas deficiências da motivação da decisão da matéria de facto, mas deverá fazê-lo apenas depois de produzida a prova pericial nos moldes oportunamente definidos. Tal impõe o recurso ao poder cassatório previsto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, p. 357), não estando em causa a ampliação da matéria de facto, «a opção pela substituição ou pela cassação depende das concretas circunstâncias. Deparando-se a Relação com respostas que sejam de reputar deficientes, obscuras ou contraditórias, se a reapreciação dos meios de prova permitir sanar a deficiência, a obscuridade ou a contradição, a Relação fá-lo-á sem necessidade de reenviar o processo ao tribunal recorrido, após o que prosseguirá com a apreciação das demais questões que o recurso suscite. No caso inverso, cabe-lhe assinalar as referidas nulidades, determinar a anulação (parcial) do julgamento e ordenar que o tribunal a quo as supere».
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC, deverá anular-se a sentença proferida, determinar a reabertura da discussão da causa com produção da prova pericial em falta, nos termos antes descritos, seguindo-se a prolação de nova decisão que pondere toda a prova produzida.
Consequentemente, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas neste recurso.
Não estando definitivamente apreciados os recursos interpostos, as respectivas custas serão as fixadas na decisão final.
*
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
IV. Decisão
Pelo exposto, os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto anulam a sentença proferida e determinam a reabertura da discussão da causa, com produção da prova pericial em falta, nos termos acima descritos, seguindo-se a prolação de nova decisão que pondere toda a prova produzida.
Custas a fixar a final.
Registe e notifique.
*
Porto, 5 de Novembro de 2024
Artur Dionísio Oliveira
João Ramos Lopes
Raquel Correia de Lima