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IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DEVER DE VIGIAR COISA MÓVEL OU IMÓVEL
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
I - A não observância, pelo recorrente, dos ónus fixados nas als. a) e b) do nº 1 e al. a) do nº 2, ambos do art. 640º do CPC, determina a rejeição do recurso na parte em que aquele pretendia impugnar factualidade dada como provada e não provada na decisão recorrida. II - No nº 1 do art. 493º do CCiv. – que estabelece casos de presunção de culpa [ilidível] - estão em causa danos provocados, naturalisticamente, por coisas móveis ou imóveis ou por animais e não danos causados por pessoas com o emprego de coisas ou animais, exigindo-se que aqueles [coisas ou animais] estejam sob o poder de quem está obrigado [por lei ou negócio jurídico] a vigiá-los. III - No nº 2 do mesmo preceito – que também consagra uma presunção de culpa – estão em questão danos causados no exercício de uma atividade perigosa, podendo esta perigosidade ser inerente à natureza da atividade ou resultar da natureza dos meios utilizados. IV - O caso dos autos – em que está em causa a abertura, em três ocasiões, de buracos nas fachadas de um edifício ao nível da fração pertencente à ré - não é enquadrável na previsão do art. 493º do CCiv.; não se reconduz ao nº 1 por não estarem em causa danos causados naturalisticamente pela fração de que a ré é proprietária, decorrentes de falta de vigilância desta, mas sim danos resultantes da ação/atuação de alguém [que na sentença recorrida não se apurou «quem», mas que em sentença penal absolutória anterior, transitada em julgado (na qual a ré foi arguida), ficou provado que foram feitos pelo então companheiro desta]; e o nº 2 não tem aqui aplicação porque os factos apurados não permitem concluir que a abertura dos ditos buracos seja, em si, uma atividade perigosa ou que na sua execução tivessem sido utilizados meios/instrumentos perigosos. V - Mesmo que a abertura dos referidos buracos pudesse ser enquadrada na previsão do nº 1 do art. 493º do CCiv. [o que não acontece], ainda assim não poderia a ação ser julgada procedente por força do que resulta do disposto no art. 624º nºs 1 e 2 do CPC, pois, tendo a absolvição da ré, na sentença penal absolutória indicada nos factos provados [aquela era arguida nos respetivos autos], radicado em prova positiva e não em prova negativa [não foi absolvida dos crimes de que estava acusada com base em qualquer dúvida quanto à autoria dos factos que os integravam, mas sim por ter ficado provado que não foi ela, mas antes o seu então companheiro, entretanto falecido, que procedeu à abertura dos buracos], daí resultaria, por um lado, que, presumidamente [presunção ilidível por prova em contrário – parte final do nº 1], teria de considerar-se que não foi a ré que procedeu à abertura dos referidos buracos [presunção de inocência] e, por outro, que, no confronto de tal presunção com a do nº 1 do art. 493º do CCiv., teria de ser aquela a prevalecer [porque funciona ao nível da ilicitude, ao passo que esta última só funciona em sede de culpa], o que implicaria, que o autor, para obter a condenação da ré nesta ação, teria que provar que foi ela que (re)abriu, nas ditas ocasiões, os referidos buracos ou, pelo menos, que quem os (re)abriu o fez com autorização ou consentimento dela, pois só assim ficaria ilidida a presunção de inocência de que a mesma beneficia.
Texto Integral
Apelação nº 358/22.0T8SJM.P2 – 2ª Secção
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
O Condomínio sito na Rua ..., ..., em ... [devidamente representado pelas administradoras com poderes conferidos pela assembleia de condomínio] instaurou a presente ação comum contra AA, residente no ... andar-..., do prédio sito na Rua ..., ..., em ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 33.740,00€ (trinta e três mil, setecentos e quarenta euros) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, bem como o valor adicional que viesse a apurar-se em liquidação posterior à sentença.
Radica o seu petitório na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por a ré, segundo ele, ter, em diversas ocasiões, sem autorização do autor e dos demais condóminos, aberto vários buracos nas partes comuns do edifício, ao nível da fração de que é proprietária, danificando essas partes comuns que haviam sido objeto de obras de conservação e requalificação aprovadas em assembleia geral de condóminos, na qual a ré esteve presente e aprovou a realização das mesmas, tendo, assim causado danos de natureza patrimonial no valor de 30.740,00€, a que acrescenta 3.000,00€ de honorários e custas judiciais.
A ré, devidamente citada, contestou a ação por impugnação, invocando, ainda, que a decisão penal absolutória, cuja certidão foi junta com a p. i., constitui presunção da inexistência dos factos constitutivos do direito do autor, nos termos estabelecidos no art. 624º do CPC.
Concluiu pugnando pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.
Os autos prosseguiram os seus termos e, após realização de audiência prévia, elaboração do saneador, com indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, e realização de perícia, realizou-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido [tendo, ainda, condenado o autor nas custas da ação].
Inconformado com esta decisão, interpôs o autor o presente recurso de apelação [que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo; no mesmo despacho de admissão, o tribunal a quo pronunciou-se, nos termos do art. 641º nº 1 do CPC, sobre as nulidades de sentença arguidas pelo recorrente, considerando-as inexistentes], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: “1- O presente recurso incide sobre a sentença que «Nos termos supra expostos julga-se não provada e improcedente a presente ação e absolve-se a Ré AA do pedido». 2- O Recorrente pretende ver sindicada não só a decisão e fundamentação da matéria de facto, mas também a decisão e fundamentação da matéria de direito. 3- A decisão recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1 alíneas b), d) e e) do Código de Processo Civil. 4- A decisão recorrida deveria ter tirado as ilações que a R. é responsável civil pelos danos causados. 5- O Tribunal a quo violou a estatuição do art. 607.º n.º 4 e n.º 5 do Código de Processo Civil. 6- O tribunal a quo devia ter considerado que existia um dever de vigilância por parte da R.. 7- Merece censura o facto do tribunal ter ignorado todos os meios de prova, nomeadamente a prova pericial e a prova testemunhal. 8- O artigo 493º do Código Civil estabelece uma presunção, a qual não foi ilidida pela R.. 9- Entende-se que a R. deverá ser condenada no valor de 14045 euros. Nestes termos e nos melhores de direito, (…), deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.”
A ré contra-alegouconcluindo assim: “1. As alegações do Recorrente são vagas e genéricas, não apresentando uma conexão clara com os factos em discussão, nomeadamente no que toca à invocação do artigo 493.º do Código Civil. 2. A sentença do Tribunal a quo está devidamente fundamentada, de facto e de direito, cumprindo integralmente o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, não existindo qualquer nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 3. O Recorrente não apresentou uma impugnação válida da matéria de facto, falhando no cumprimento do ónus previsto no artigo 640.º do CPC, o que deverá implicar a rejeição do recurso nessa parte. 4. O Tribunal não pode decidir com base em causas de pedir não invocadas pelas partes, sendo correta a decisão ao não aplicar o artigo 493.º do Código Civil. 5. Não assiste qualquer razão ao recorrente no recurso interposto da sentença recorrida. 6. A sentença recorrida, devidamente fundamentada de facto e de direito, não merece qualquer reparo. Termos porque deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser mantida a decisão recorrida, na íntegra, por ser justa e conforme ao direito aplicável, assim se fazendo Justiça!”
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2. Questões a decidir:
Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC] -, as questões a decidir são as seguintes:
- A decisão recorrida é nula por violação do disposto nas als. b), d) e e) do nº 1 do art. 615º do CPC?
- O recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto provada e/ou não provada? E observa os ónus fixados no art. 640º do CPC?
- A pretensão do autor deve proceder ao abrigo do que dispõe o art. 493º do CCiv.?
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3. Fundamentação fáctica:
A- Na sentença foram dados como provados os seguintes factos: 1º Por sentença transitada em julgado no processo 550/20.2T9SJM que correu termos no Juízo de Competência Genérica -J1 de ... foi decretado o seguinte: «O ofendido Condomínio constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização pedindo a condenação dos arguidos a pagarem a quantia de 34.440,00 € a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, com as demais consequências legais. Fundamenta o pedido nos danos patrimoniais sofridos em consequência dos ilícitos praticados pelos arguidos. Indicou como meios de prova além dos constantes nos autos, seis testemunhas. A arguida apresentou contestação na qual em síntese sustenta não ter praticado os ilícitos e pugna pela sua absolvição. Indicou testemunhas. No decurso da audiência foi junta cópia de um orçamento solicitado pela arguida com valores propostos para a reparação bastante inferiores aos alegados pelo demandante. Constatou-se estar em causa não apenas a reparação dos “buracos”, mas também a pintura e uniformização das fachadas do prédio e a manutenção da garantia. Seria assim necessário produzir prova sobre o custo da reparação, necessidade da pintura da fachada ou fachadas inteiras do prédio e respetivo custo e ainda do necessário para se manter a garantia. Para precisar o valor necessário conclui-se que seria necessário proceder a uma perícia ou mais perícias. As questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizam pois uma decisão rigorosa e são suscetíveis de gerar incidentes que iriam retardar intoleravelmente o processo penal. Pelo exposto, e nos termos previstos no artigo 82º/3 do Código de Processo Penal, remetem-se as partes para os tribunais civis. Cfr. Docs. 1 e 2 [aceite pela Ré na Contestação] 2º Nesta Sentença foi dado como provado, nomeadamente: 1) A arguida AA e BB residiam no edifício habitacional sito na Rua ..., sendo aquela proprietária da fração ..., em ..., onde ambos habitam. 2) O edifício habitacional é gerido pelo condomínio de todos os proprietários de todas as frações, sendo representado, no ano 2020, por CC e DD, as quais são suas administradoras. 3) No dia 03 de junho de 2019, realizou-se uma assembleia de condóminos, ali tendo sido deliberado que o edifício habitacional referido em 1º), seria sujeito a obras de conservação e de requalificação nas partes comuns do prédio, nomeadamente nas suas fachadas. 4) A arguida, enquanto proprietária da fração identificada em 1º), votou favoravelmente no sentido de serem aprovadas as obras a serem realizadas. 5) Nessa medida, decidiu o condomínio adjudicar a empreitada de obras à empresa “A...”, sita em .... 6) Os trabalhos tiveram assim o seu início em abril de 2020. 7) Conforme consta do respetivo plano de obras de requalificação e conservação, todos os buracos existentes na fachada que não fossem obrigatórios por Lei, iriam ser tapados e revestidos com o respetivo produto. 8) Àquela data, a fração onde residia a arguida tinha sete buracos abertos para o exterior, os quais não eram obrigatórios por Lei, tendo os mesmos sido abertos à revelia da administração do condomínio, inexistindo qualquer deliberação válida que autorizasse tal abertura dos buracos. 9) Assim, a empresa encarregue de efetuar as mencionadas obras na fachada do prédio, em 27 de maio de 2020, colocou cimento nos buracos ali existentes e que, nomeadamente, se encontravam na fração onde residia a arguida e BB. 10) Porém, no dia 27 de Maio de 2020, pelas 13h00m, BB com o propósito de estragar a fachada do prédio onde residia com a arguida, através do interior da sua habitação e, por meio de objeto que não se logrou apurar, efetuou novamente a abertura dos buracos que haviam sido cobertos com cimento pela empresa encarregue das obras. 11) Ao aperceberem-se do sucedido, as administradoras do condomínio avisaram a arguida e BB para assim não agirem, pois, a abertura dos buracos iria implicar custos acrescidos à empreitada, sendo que tal iria colocar em causa toda a obra e danificar a fachada, assim colocando em risco frações de outros condóminos devido a eventuais infiltrações que se pudessem vir a verificar. 12) A empresa encarregue das obras, em 29 de maio de 2020, voltou a colocar cimento e uma rede na zona onde BB tinha feito os buracos. 13) Porém, nesse próprio dia, pelas 13h00m, BB através do interior da sua habitação e, por meio de objeto que não se logrou apurar, efetuou novamente a abertura dos buracos que haviam sido cobertos com cimento pela empresa encarregue das obras. 14) Em face do exposto, as administradoras do condomínio informaram a arguida que iriam recorrer às vias judiciais, mais tendo sido convocada, de forma urgente, uma assembleia extraordinária de condomínio. 15) Tal assembleia de condomínio teve lugar a 29 de maio de 2020, pelas 21h00m, ali tendo estado presente a arguida. 16) Assim, ali foi deliberado que os buracos existentes na fachada do edifício e que correspondiam à fração onde residia a arguida e BB, seriam para serem fechados, tendo a arguida, no momento da votação, se abstido. 17) No dia 09 de junho de 2020, a empresa encarregue das obras procedeu à cobertura dos buracos, assim tapando os buracos da fachada da fração da arguida. 18) Contudo, nesse dia, pelas 10h00m, BB, através do interior da sua habitação e, por meio de objeto que não se logrou apurar, efetuou novamente a abertura dos buracos que haviam sido cobertos com cimento pela empresa encarregue das obras. 19) Em dia que não se logrou apurar, mas situado após aquela data e até ao dia 13 de julho de 2020, senão mesmo neste dia, a empresa encarregue das obras procedeu à cobertura dos buracos, assim tapando os buracos da fachada da fração dos arguidos. (enunciação dos factos dados como provados na referida Sentença). 3º A A. é o condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., em ..., NIPC ...98 é representado por CC NIF ...15 e DD NIF ...30, conforme deliberação da assembleia-geral de condóminos. (cfr. Doc nº 3- facto reconhecido pela Ré). 4º Por sua vez, a R. é proprietária da fração autónoma designada por “AB” no Condomínio ..., registado na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o nº ...28 (facto reconhecido pela Ré). 5º Por assembleia geral de condóminos realizada no dia 03-06-2019 foi deliberado validamente que o prédio onde a fração mencionada em 4º se situa iria ser sujeito a obras de conservação e requalificação nas partes comuns do edifício, nomeadamente nas fachadas do edifício. (cfr. novamente Doc. nº 1). 6º A R., enquanto proprietária da fração autónoma aprovou a realização das obras sem qualquer observação. 7º Neste seguimento, o denunciante adjudicou a empreitada à empresa A..., sita em .... 8º Assim sendo, a empresa iniciou os trabalhos em abril de 2020. 9º No referido plano de obras de requalificação e conservação ficou também deliberado que todos os buracos existentes na fachada que não fossem obrigatórios por lei iriam ser tapados e revestidos com o respetivo produto. 10º A fração (de) que a R. é proprietária tem 7 buracos abertos para o exterior que não são obrigatórios por lei, sendo que estes buracos foram abertos pela proprietária R. ou alguém a seu mando á revelia da administração do condomínio, não tendo sido objeto de qualquer deliberação valida e eficaz que autorizasse a abertura dos buracos em causa. 11º A aludida empresa a quem a obra foi adjudicada iniciou o fecho dos buracos com o respetivo cimento na fachada do edifício (nomeadamente na fração que a R. é proprietária). 12º Assim, em 27 de maio de 2020 a empresa procedeu ao fecho dos mencionados buracos que se encontram na fachada do edifício (nomeadamente na fração propriedade da R.), com o respetivo revestimento em cimento. (cfr. Doc. nº 4). 13º Não obstante, no dia 27-05-2020 cerca das 13h, alguém procedeu à abertura dos buracos, não dando qualquer satisfação ao A.. (cfr. Doc. nº 4). 14º Neste seguimento, o A. na pessoa das administradoras do condomínio, advertiram verbalmente a R. que a abertura dos buracos iria ter custos acrescidos e que a abertura dos buracos estaria a colocar em causa toda a obra e a danificar a fachada, colocando em risco inclusive frações de outros condóminos por causa de possíveis infiltrações. 15º Após a advertência, o A. (novamente na pessoa das administradoras do condomínio) deu autorização á empresa para que procedesse novamente ao fecho dos buracos da fachada do edifício (nomeadamente na fração propriedade da R.) com o respetivo revestimento de cimento e colocação de uma rede, o que veio a acontecer em 29 de maio de 2020. (cfr. Doc. nº 4). 16º No dia 29-05-2020, cerca das 13h, alguém voltou a abrir os buracos por iniciativa própria, sem dar qualquer satisfação ao A.. 17º Assim sendo, face ao comportamento reiterado e a intenção em danificar a fachada, o A., por carta registada com aviso de receção em 01-06-2020 informou a 1ª denunciada que iria recorrer às vias legais. 18º Mais ainda, o A., através das representantes, viu-se obrigado a convocar no próprio dia (em 29-05-2020) uma assembleia extraordinária de condomínio cuja ordem de trabalhos era única e exclusivamente o ponto da situação das obras no condomínio. 19º A R. esteve presente na assembleia geral de condóminos mencionada em 18º. 20º Na aludida assembleia de condóminos mencionado em 18º, foi deliberado que os buracos existentes na fachada do edifício da fração da R. seriam para fechar novamente. (cfr. Doc. nº 5). 21º A R. absteve-se e não votou contra. 22º Deste modo, a empresa, em 09-06-2020 procedeu novamente á cobertura dos buracos existentes na fachada do edifício, nomeadamente na fração propriedade da R.. (cfr. Doc. nº 4). 23º Em 09-06-2020, pelas 10h, alguém procedeu novamente à abertura dos buracos existentes na fachada do edifício. (cfr. Doc. nº 4). 24º Atualmente, encontra-se em débito a Fatura sob a referência FAT A/6571 no que concerne ao revestimento da fachada sul e nascente no local onde se encontram os buracos abertos (nomeadamente a fração onde a R. habita e é proprietária) no total de 3445 euros. (cfr. Doc. nº 6). 25º Conforme orçamento recebido, a reparação ficaria no valor de 27.295,00€ (vinte e sete mil, duzentos e noventa e cinco euros). (cfr. Doc. 7 – contudo pela perícia realizada e aceite pelas partes a reparação ficará por 10.600,00 €).
B- E foram considerados não provados os seguintes factos: - Que dos buracos decorra um elevado grau de probabilidade de infiltração. - Que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando que no dia 27.5.2020 procede(u) à abertura dos buracos ou que tal ocorresse através do interior da fração. - Que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando quem no dia 29.5.2020, cerca das 13 h voltou a abrir os buracos. - Que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando que em 9.6.2020 procede(u) novamente à abertura dos buracos através do interior da fração da Ré. - Que tivesse sido a ré que provocou danos na fachada do edifício com a abertura unilateral dos buracos, bem sabendo que não o podia fazer. - Que tenha sido o comportamento adotado pela R. que provocou um risco acrescido no que concerne a possíveis infiltrações, nomeadamente no inverno, altura em que chove com bastante intensidade que é impossível agora calcular. - Que a Ré sabe(saiba) que provocou danos na fachada do prédio onde habita, os quais prejudica(m) os demais condóminos que ali habitam.»
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4. Apreciação do objeto do recurso:
4.1. Indicados os factos que vêm dados como provados e não provados, apreciemos então o objeto do recurso.
A 1ª questão a decidir consiste em saber se a decisão recorrida padece das nulidades invocadas pelo recorrente, por violação do disposto nas als. b), d) e e) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Vejamos [fá-lo-emos sucintamente, face à evidência da falta de razão do recorrente e à simplicidade da questão].
Dispõe o art. 615º do CPC que: “1 - É nula a sentença quando: a) (…); b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) (…); d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Sem curar de saber [por ser questão meramente académica, sem relevância para a solução do recurso] se nos casos das als. b) a e) estamos perante verdadeiras nulidades de sentença ou se apenas face a situações geradoras de anulabilidade [no caso da al. a), que aqui não está em questão, há unanimidade de que se trata de verdadeira nulidade], importa começar por dizer que a deficiência da al. b) diz respeito à estrutura da sentença, ao passo que as das als. d) e e) se reportam aos limites da sentença, na primeira por omissão ou excesso de pronúncia e na última por pronúncia ultra petitum.
Tem-se entendido unanimemente [doutrina e jurisprudência], no que concerne à al. b), que só existe nulidade de sentença quando nesta falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito; não já quando uns e/ou os outros sejam meramente deficientes.
No caso, a sentença recorrida contém, sob as als. A) e B) do ponto II [com a epígrafe “Fundamentação de Facto”], a indicação, respetivamente, dos factos provados e não provados [pgs. 2 a 7 daquela], na al. C) do mesmo ponto [sob a menção “Motivação de Facto”] é apresentada a motivação/análise crítica da prova [pgs. 7 a 12] e do ponto III [epígrafe: “Do Direito e sua aplicação aos factos”] consta a fundamentação jurídica – subsunção dos factos às normas jurídicas tidas por aplicáveis ao caso [pgs. 12 a 14], a que se segue, por fim, o segmento decisório que integra o ponto V [“Decisão”].
Tanto basta para afastar a existência da nulidade prevista naquela al. b) que, repete-se, exige que se esteja perante uma falta absoluta de fundamentação de facto e/ou de direito, o que, manifestamente, não acontece in casu. Na al. d) exige-se que o juiz tenha deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar [omissão de pronúncia] ou tenha conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento [excesso de pronúncia].
O juiz, na sentença, deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, pois, não o fazendo e não estando o conhecimento de algum deles prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, incorre na nulidade prevista na referida alínea. Como contraponto, o juiz não pode “conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes (…)”, sendo “nula a sentença em que o faça” [Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pg. 670, anotação ao antigo art. 668º do CPC, cuja al. d) do nº 1 era, em tudo, igual à al. d) do nº 1 do atual art. 615º].
No caso, o autor, ora recorrente, pediu a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 33.740,00€, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo pagamento, bem como o valor adicional que vier a apurar-se em sede de liquidação posterior à sentença.
Estribou tal pretensão no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, imputando à demandada a abertura de diversos buracos, em três ocasiões, nas fachadas do edifício em que se situa a fração de que é proprietária, feitos a partir do interior dessa fração, sem autorização do condomínio e dos demais condóminos, contrariando deliberações da respetiva assembleia, nas quais esteve presente e delas não dissentiu, o que obrigou o autor à realização de obras, que teve que pagar, para a eliminação/tapagem dos mesmos.
Estes o pedido e a causa de pedir.
A sentença recorrida apreciou a pretensão do demandante ao abrigo daquele instituto – responsabilidade aquiliana – e concluiu pela não verificação dos respetivos pressupostos, previstos nos arts. 483º, 562º e 563º do CCiv., tendo, por via disso, julgado a ação improcedente e absolvido a ré do pedido.
Desta breve excursão pela p. i. e pela sentença resulta, sem margem para dúvidas, que a decisão recorrida não incorre na nulidade enunciada na dita al. d), já que não deixou de se pronunciar sobre as questões que tinha que apreciar, nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. Quanto à al. e), a sua não verificação também é evidente: a decisão recorrida não condenou em quantidade superior à peticionada [foi, até, absolutória, como já se disse], nem em objeto diverso do pedido. Neste segmento, o recurso tem que improceder, não padecendo a sentença de nenhum dos vícios da previsão do citado art. 615º que o recorrente lhe aponta.
4.2. Passando à 2ª questão: o recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto provada e/ou não provada e observa os ónus fixados no art. 640º do CPC?
Da leitura das conclusões 2 e 7 e das alegações propriamente ditas, resulta que o recorrente discorda da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto dada como provada e não provada.
Tal discordância é visível nos seguintes excertos das alegações: - “Com efeito, perante a conjugação de todos os depoimentos e dos factos dados como provados o tribunal devia ter decidido que os buracos foram abertos com a concordância da R.. Aliás, em algum lado consta que a R. tenha feito qualquer tipo de oposição à abertura dos buracos.” [pg. 3 das alegações] - (…) Mais a sentença declarou como não provados os seguintes factos: Não se provou que dos buracos decorra um elevado grau de probabilidade de infiltração. Não se provou que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando que no dia 27.5.2020 procede à abertura dos buracos ou que tal ocorresse através do interior da fração. Não se provou que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando quem no dia 29.5.2020, cerca das 13 h voltou a abrir os buracos. Não se provou que tivesse sido a Ré ou alguém a seu mando que em 9.6.2020 procede novamente à abertura dos buracos através do interior da fração da Ré. Não se provou que tivesse sido a ré que provocou danos na fachada do edifício com a abertura unilateral dos buracos, bem sabendo que não o podia fazer. Não se provou que tenha sido o comportamento adotado pela R. que provocou um risco acrescido no que concerne a possíveis infiltrações, nomeadamente no inverno, altura em que chove com bastante intensidade que é impossível agora calcular. Não se provou que a Ré sabe que provocou danos na fachada do prédio onde habita, os quais prejudica os demais condóminos que ali habitam. Salvo o devido respeito por opinião contrária, também aqui a decisão recorrida merece censura. (…) Com efeito, se o Tribunal a quo tivesse respeitado o preceituado no artigo 607º nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, teria dado como provados os factos acima mencionados.” [idem, pg. 3 das alegações]
Sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto rege o art. 640º do CPC, que dispõe: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 – (…).”
Comparando este normativo com o art. 712º do CPC de 1961 [Código que precedeu o ora vigente], escreve Abrantes Geraldes [in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualizada, 2022, pgs. 194-195] que “A comparação que pode fazer-se entre a primitiva redação do art. 712º do CPC de 1962 e o atual art. 662º [agora, 640º] revela que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, além, era indicada a título excecional, é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra. Nesta operação foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissão de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.”
Continua, ainda, o mesmo ilustre Conselheiro: “(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos. d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.” [obr. cit., pgs. 197-198]
E conclui depois: “A rejeiçãototal ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto, como instrumento de realização da justiça.” [pgs. 200-202; consigna-se que todas as expressões sublinhadas estão em itálico na obra]
Com recurso aos princípios gerais da proporcionalidade e razoabilidade que funcionam como espécie de filtro de segurança do sistema, é este o entendimento que uniformemente vem sendo seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a apreciar recursos sobre a impugnação da matéria de facto e a interpretação do que estabelece o art. 640º do CPC [a título de exemplo e chamando à colação apenas alguns dos mais recentes, vejam-se os acórdãos do STJ de 17.09.2024 (proc. 4667/20.5T8VIS.C1.S1), 19.03.2024 (proc. 150/19.0T8PVZ.P1.S1), 14.03.2024 (proc. 8176/21.7TSLSB.L1.S1), 27.02.2024 (proc. 2351/21.1T8PDL.L1.S1), 31.01.2024 (proc. 7341/19.1T8ALM.L1.S1) e 16.01.2024 (proc. 818/18.8T8STB.E1.S1), todos disponíveis in dgsi.pt/jstj].
Feito este introito, vejamos então se o recorrente observou os ónus de impugnação impostos pelas alíneas dos nºs 1 e 2 do referido art. 640º.
Ora, desde logo e tendo em conta a transcrição das conclusões das alegações atrás efetuada, constata-se que as mesmas [as conclusões] não contêm qualquer indicação dos concretos pontos de facto provados e/ou não provados que o recorrente considera incorretamente julgados; tal menção apenas é feita, superficialmente, na motivação [corpo das alegações], de onde resulta que a sua discordância se reporta ao facto de o tribunal a quo não ter dado como provado que a ré é proprietária do imóvel [terá querido dizer da fração] onde os buracos foram abertos, que a abertura destes teve a sua [da ré] concordância e que os factos não provados deviam ter sido dados como provados.
Não existindo a necessária concretização destes pontos de facto nas conclusões – que, como já se disse, fixam o thema decidendum do recurso – e não estando esta omissão suprida pela indicação feita na motivação, fácil é concluir que o recorrente não cumpriu o ónus imposto na al. a) do nº 1 do citado art. 640º.
Além disso, não consta da motivação [nem das conclusões, sendo certo que bastava que constassem daquela] nenhuma referência a concretos meios de prova que possam sustentar a discordância do recorrente relativamente à decisão de facto da 1ª instância, pois, em parte alguma alude a concretos documentos, a concreta prova pericial [relatórios] e/ou a concretos depoimentos [nomeadamente de testemunhas] que possam fundamentar a impugnação da matéria de facto. Nem indica, quanto a estes últimos, as passagens da gravação dos depoimentos em que se funda.
De onde resulta que também não observou o estatuído nas als. b) do nº 1 e a) do nº 2 do aludido preceito processual.
Assim sendo, por o recorrente não ter dado cumprimento aos ónus de impugnação previstos nos citados números e alíneas do art. 640º do CPC, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem de ser rejeitada [é praticamente unânime, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que o convite ao aperfeiçoamento que se encontra previsto no nº 3 do art. 639º do CPC para o recurso da matéria de direito, não tem aplicação na impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 199 e alguns dos arestos do STJ atrás mencionados)], não se procedendo, por isso, à apreciação do recurso em tal segmento.
4.3. Resta a 3ª questão: se a pretensão do autor é enquadrável na previsão do art. 493º do CCiv.e se, com base nele, o pedido devia ter sido julgado procedente, pelo menos no valor que o recorrente indica na conclusão 9 das alegações.
Embora com argumentação algo confusa [cfr. pgs. 4 a 7 das alegações], o recorrente entende que a sua pretensão devia ter sido apreciada à luz do que dispõe o art. 493º do CCiv. e que, se o tivesse sido, a ação teria que proceder, pelo menos condenando-se a ré a pagar-lhe, a título indemnizatório, a quantia de 14.045,00€.
Vejamos.
A sentença recorrida, considerando – corretamente – que o autor, ora apelante, fundamentou o pedido no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, começou por aferir, no seu ponto III [com a epígrafe “Do Direito e sua aplicação aos factos”], se a factologia dada como provada preenche os pressupostos previstos nos arts. 483º, 487º, 562º e 563º, todos do CCiv., tendo constatado que “No caso dos autos não se apurou que tenha sido a autora [quis referir-se à ré, havendo aqui manifesto lapso de escrita] que praticou os atos que integram o ilícito, nem que os mesmos tivessem sido praticados a seu mando ou com a sua concordância” e, bem assim, que “Não foi também alegado e não se provou que a ré estivesse sequer de acordo ou que teve um comportamento omissivo por de alguma forma ainda mais do que se opor a que o marido «que mandaria em casa» continuasse a abrir os buracos, o impedisse de fazer”, tendo concluído que “(…) verifica-se que não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que a presente ação irá improceder” [pg. 14 da sentença].
Sendo elemento chave desta modalidade da responsabilidade civil a existência de um facto voluntário e ilícito imputável ao lesante, praticado por ação ou por omissão [neste caso, quando aquele tinha, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido], como decorre da 1ª parte do nº 1 do art. 483º e do art. 486º, ambos do CCiv. [cfr. A. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo III, ed. 2010, pgs. 435 a 453 e Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pgs. 545 a 551], e não tendo ficado provado que nas três ocasiões alegadas pelo autor e dadas como provadas [27.05.2020, 29.05.2020 e 09.06.2020] tivesse sido a ré a proceder à (re)abertura dos buracos nas fachadas do edifício em que se situa a fração de que é proprietária [logo após a autora, respaldada em assembleia geral de condóminos, ter procedido, através de empresa contratada para o efeito, à tapagem, em cada uma das vezes, dos buracos existentes], nem tão-pouco que tais (re)aberturas tivessem sido feitas por outrem a seu mando ou com o seu conhecimento ou assentimento [vejam-se os correspondentes factos dados como não provados na sentença] – prova que, de acordo com o disposto no art. 342º nº 1 do CCiv., competia ao autor –, não restava outra saída que não fosse considerar não verificados tais pressupostos da responsabilidade aquiliana ou delitual, com a consequente improcedência da pretensão deduzida na petição inicial, tanto mais que esta, acrescenta-se, nem sequer poderia ser considerada à luz da responsabilidade pelo risco, por inexistência de norma legal em que a situação fáctica apurada pudesse ancorar-se.
Mas será que o caso era subsumível à previsão do art. 493º do CCiv., como pretende, agora, o recorrente?
Antes de avançarmos importa dizer que mesmo não tendo sido invocado pelo autor na petição inicial, o tribunal a quo não estava impedido de, na sentença, indagar da aplicação deste preceito ao caso concreto e, se fosse caso disso, aplicar o regime nele previsto, extraindo as legais consequências, já que, como proclama o nº 3 do art. 5º do CPC, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Dispõe o art. 493º, sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou atividades”, que: “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. 2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
No ensinamento de Antunes Varela [obra e volume citados, pgs. 615-616], este preceito configura situações de presunção de culpa [com a consequente inversão do ónus da prova] e trata “dos danos provocados pelas coisas ou pelos animais e não dos danos causados pelo agente com o emprego das coisas ou dos animais, visto nenhuma razão haver para excluir estes do regime geral da responsabilidade civil”, acrescentando que “O artigo 493º (…) deslocou o eixo da responsabilidade do simples domínio para a detenção da coisa ou do animal, com o dever de os vigiar. Com efeito, se a responsabilidade assenta, no caso presente, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, a presunção recai em cheio sobre a pessoa que detém a coisa (armas, explosivos, depósito de combustíveis, substâncias radioativas ou insalubres, agulhas, agulhas médicas, lâminas, instrumentos cortantes, caldeira, paiol de pólvora, etc.) ou o animal, com o dever de os vigiar. Essa pessoa será, por via de regra, o proprietário, mas muitas vezes o não será, podendo tratar-se do comodatário, do depositário, do credor pignoratício, etc.” [as expressões sublinhadas estão em itálico na obra]. E no que diz respeito ao nº 2, esclarece que: “Porém, quanto aos danos causados no exercício de atividades perigosas (fabrico de explosivos, tratamento de rádio, transporte de combustíveis, navegação marítima ou aérea, etc.), o lesante só poderá exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indireta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências” [no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. rev. e atual., pgs. 495-496 e A. Menezes Cordeiro, obra e vol. citados, pgs. 582-587, acrescentando este último que no nº 1 “a «presunção de culpa» é uma presunção de ilicitude, isto é: perante os danos, postula-se ter havido inobservância do dever de vigiar” e, ainda, que “As «coisas e animais» só podem causar danos em sentido naturalístico”, pelo que “Devemos (…) subentender um tipo de causalidade natural, ligada aos especiais riscos que envolvam”].
Na jurisprudência, o acórdão do STJ de 13.04.2023 [proc. 23707/19.4T8LSB.L1.S1, disponível in dgsi.pt/jstj] refere que “Estabelece-se neste artigo a presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, ou exerce uma atividade perigosa pela sua própria natureza, ou pela natureza dos meios utilizados (nº2), pelos danos que a coisa ou os animais causarem. Esta responsabilidade civil especial, designadamente quanto aos danos causados por coisas, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder coisa, com o dever de a vigiar. Ao atribuir a responsabilidade a quem tiver a guarda (da) coisa, o legislador admitiu a presunção daquele que guarda a coisa ter culpa no facto causador do dano, quer por ter o dever de providenciar que tal não venha a verificar-se, quer também por estar em melhor posição para fazer a prova da culpa, pois estando à sua disposição deve saber se realmente foi cauteloso na sua guarda (Vaz Serra BMJ, nº 101, pag. 130 e sgs.). O dever que tem o proprietário de vigiar o estado de conservação do imóvel que é sua propriedade de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos, sob pena de incorrer na obrigação de indemnizar os danos causados pelo mau estado de conservação do imóvel, tem sido afirmada em múltiplos arestos do STJ”.
E no acórdão do STJ de 28.10.2021 [proc. 652/18.5T8GMR.G2.S1, também disponível in dgsi.pt/jstj], fazendo a distinção entre os campos de aplicação dos arts. 492º e 493º do CCiv., diz-se o seguinte: “Em nenhum destes normativos se consagra uma responsabilidade objetiva, antes se estabelece presunção de culpa que implica uma inversão do ónus da prova, mas é ilidível mediante prova em contrário (art. 350º nº 1 do Código Civil). No art. 492º nº 1 a presunção de culpa do proprietário ou do possuidor só funciona se houver ruína total ou parcial do edifício ou da obra tiver sido causada por vício de construção ou defeito de conservação, competindo-lhe provar então que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. No art. 493º o funcionamento da presunção de culpa não tem como pressuposto qualquer vício de construção ou defeito de conservação, mas tão só o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar. No campo de aplicação de cada um destes preceitos atende-se a que a previsão do primeiro (do 492) comporta apenas os casos de ruína – vd. ac. do STJ de 15/11/2007 (CJ XV, 3º, 156) e Pires de Lima/Antunes Varela CC anotado. O art. 492º do C.C. consagra “o dever de conservação do prédio, para que ruindo, não cause danos a outrem, enquanto o art. 493º consagra o dever de prevenção do dano por parte de quem exerce atividade perigosa” - cfr. Antunes Varela, in RLJ 114, 79 - sendo que a perigosidade não pode ser apreciada apenas em função da natureza da coisa, mas também, em função dos meios utilizados ou até do próprio resultado, existindo, no entanto, diferenciação entre a aplicabilidade do n.º 1 e n.º 2 deste artigo, pressupondo o n.º 1 um dever de vigilância da parte do imputado responsável, enquanto no n.º 2 é o carácter perigoso da atividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce”.
Temos, por conseguinte, que:
- Em ambos os números do art. 493º do CCiv. se está perante casos de presunção de culpa que implicam a inversão do ónus da prova;
- No nº 1 estão em causa danos provocados, naturalisticamente, por coisas móveis ou imóveis ou por animaise não danos causados por pessoas com o emprego de coisas ou animais, exigindo-se que aqueles [coisas ou animais] estejam sob o poder de quem está obrigado [por lei ou negócio jurídico] a vigiá-los;
- No nº 2 estão em questão danos causados no exercício de uma atividade perigosa, podendo esta perigosidade ser inerente à natureza da atividade ou resultar da natureza dos meios utilizados;
- Na previsão do nº 1, a responsabilidade só fica excluída se o presumido responsável provar que nenhuma culpa houve da sua parteou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua;
- Na previsão do nº 2, o agente só fica ilibado de responsabilidade se demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Balizados, assim, os campos de aplicação dos nºs 1 e 2 do aludido preceito legal, reportemo-nos então ao caso em apreço.
Em causa está, repete-se, a abertura de sete buracos [melhor, a reabertura, na medida em que os buracos já existiam anteriormente e foram mandados tapar pelo autor na sequência de deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido – cfr. factos provados nºs 2º-3) a 8), 9º e 10º] ao nível da fração de que a ré é proprietária e que afetavam as fachadas do edifício administrado pelo condomínio autor. Por três vezes [nos dias 27.05.2020, 29.05.2020 e 09.06.2020] esses buracos foram tapados pela empresa contratada para o efeito e noutras tantas [nos mesmos dias] os mesmos foram (re)abertos por alguém que não deu satisfação ao autor e à revelia deste, daí resultando um custo acrescido [dano patrimonial] para o autor, de que pretende ser ressarcido.
Sendo esta a factualidade pertinente, logo se vê que o caso dos autos não se reconduz à previsão de nenhum dos números do referido art. 493º. O nº 1 não tem aqui aplicação porque não estão em causa danos causados naturalisticamente pela fração de que a ré é proprietária, decorrentes de falta de vigilância desta, mas sim danos resultantes, diretamente, da ação/atuação de alguém [que na sentença recorrida não se apurou de quem – cfr. pontos 2º, 3º, 4º e 5º dos factos não provados –, mas que na sentença penal, transitada em julgado, que a antecedeu, proferida no processo 550/20.2T9SJM do mesmo Juízo de Competência Genérica de S. João da Madeira – Juiz 1 (que apreciou a responsabilidade penal da aqui ré-recorrida pela prática dos mesmos factos em causa nesta ação, ou seja, a (re)abertura dos ditos buracos nas indicadas ocasiões – diga-se que naquele processo crime estava ainda em questão uma outra (re)abertura, ocorrida no dia 13.07.2020, conforme factos provados nºs 19) e 20 daquela sentença penal), ficou provado que quem (re)abriu os buracos, nas três ocasiões, foi BB, que residia então com a demandada (e que, do que decorre da motivação da matéria de facto constante de pgs. 7 a 12 da sentença recorrida, era companheiro da ré)] que, com a utilização de objeto(s) que se desconhece(m), procedeu à (re)abertura daqueles buracos, depois de os mesmos terem sido legitimamente tapados a mando do autor.
E também não tem aqui aplicação o nº 2 porque os factos apurados não permitem concluir que a (re)abertura dos ditos buracos seja, em si, uma atividade perigosaou que na sua execução tivessem sido utilizados meios/instrumentos perigosos, prova que, de acordo com o estabelecido no nº 1 do art. 342º do CPC, competia ao autor fazer.
Aliás, mesmo que a (re)abertura dos referidos buracos nas fachadas do dito edifício [e na fração propriedade da ré] pudesse ser enquadrada na previsão dos nºs 1 ou 2 do art. 493º do CCiv. – particularmente no seu nº 1 [o que, repete-se, não acontece] –, ainda assim não poderia a ação ser julgada procedente por força do que resulta do disposto no art. 624º nºs 1 e 2 do CPC.
Passamos a explicar porquê.
Segundo este artigo [que tem como epígrafe “Eficácia da decisão penal absolutória]: “1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil”.
Interpretando-o [embora reportado ao seu antecessor, o art. 674º-B, na redação dada pelo DL 329-A/95, de 12.12, em tudo igual ao atual art. 624º], escreve Carlos Lopes do Rego [in Comentários do Código de Processo Civil, vol. II, Almedina, em anotação aquele art. 674º-B] que “(…) a «presunção de inocência», estabelecida no nº 1, só tem cabimento quando a absolvição penal haja assentado na conclusão de que o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados. Pelo contrário, se a decisão penal absolutória assentou na verificação de que o arguido praticou certos factos (embora, porventura, insuficientes para ditarem a sua condenação, v.g., por preencherem insuficientemente todos os elementos do tipo legal ou por ocorrer uma causa de exclusão da culpa penal), é evidente que não se verifica a presunção estabelecida nesta norma, devendo valer inteiramente as regras gerais sobre o ónus da prova na ação em causa. (…)”. [sublinhado nosso]
Por sua vez, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa [in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Almedina, pg. 805], em anotação aquele art. 624º, ensinam que: “O preceito não abarca toda e qualquer sentença absolutória, designadamente aquela em que a absolvição emerge do princípio «in dubio pro reo», mas apenas aquela em que seja demonstrado, pela positiva, que o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados e que servem de sustentação a pretensão de natureza cível deduzida autonomamente. É essa sentença que integra uma presunção legal ilidível mediante prova do contrário, (…)”. [sublinhado nosso]
E Rui Pinto [in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pgs. 398-400] dá conta de que os arts. 623º e 624º “estatuem que a sentença penal, seja condenatória, seja absolutória, tem força probatória plena quanto a certos factos, em resultado da atribuição de valor de presunção legal ilidível ao que nela foi decidido a esse respeito. Recorde-se que o art. 350º CC dita que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz», mas que «as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário». Trata-se, agora, de fazer uso dos factos assim presumidos em ações civis”. E acrescenta, ainda, que “No caso da sentença penal absolutória importa distinguir se a absolvição foi fundada em prova positiva ou em prova negativa: o preceito apenas se aplica à absolvição fundada na prova positiva. Se a absolvição penal tiver por fundamento a falta de prova dos factos imputados ao arguido – a chamada absolvição pela prova negativa (com base no princípio in dubio pro reo) – o arguido não foi «absolvido (…) com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados» como exige o art. 624º. (…), não dispensando, por isso, aquele que invoca os factos em que se alicerçou a acusação no processo-crime do ónus de os demonstrar na ação civil se deles quiser tirar proveito (…). Diversamente, se a absolvição teve lugar com fundamento em prova de que o arguido não praticou os factos de que estava acusado – a chamada absolvição pela prova positiva – tem-se por adquirido (rectius, presumido) que ele atuou corretamente, de modo diligente, nos termos desse art. 624º. E concluiu: “Por isso, irá recair, nas ações de natureza civil, sobre a parte que não tem a seu favor a presunção o ónus da prova do contrário”. [sublinhado nosso]
Temos então como certo que o art. 624º do CPC:
- Estabelece, no nº 1, uma verdadeira presunção de inocência para os casos em que a absolvição penal assentou na conclusão de que o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados no processo penal [integradores do crime por que aí foi julgado].
- Presunção que, porém, já não funciona quando a absolvição penal tenha radicado no princípio in dubio pro reoou noutros motivos que não a certeza [de inocência] referida na conclusão anterior.
- Na situação indicada na primeira conclusão, ex vi do prescrito no nº 2, por se estar perante uma presunção de inocência [ou seja, de que o arguido não cometeu o ilícito de que estava acusado], tal presunção prevalece sobre qualquer presunção de culpa [porque, precisamente, esta só funciona no âmbito da culpa, que é pressuposto que só se coloca depois de se constatar a existência de um facto ilícito imputável pelo agente] prevista na lei civil.
Tendo por base estes ensinamentos, voltemos ao caso dos autos.
Resulta do ponto 2º dos factos provados que na sentença penal absolutória [transitada em julgado, como consta do ponto 1º] proferida no processo [comum singular] nº 550/20.2T9SJM, do Juiz 1 do ..., no qual a aqui ré era arguida [item 1) daquele ponto 2º (o outro arguido era o companheiro dela, BB, relativamente ao qual o procedimento criminal foi extinto por, entretanto, ter falecido, como expressamente refere aquela sentença, cuja certidão constitui o documento 2 junto com a p. i., com a referência 12995411; da mesma resulta, ainda, que ambos estavam acusados da prática, em coautoria e em concurso real, de quatro crimes de dano qualificado – eram 4 crimes porque, além da abertura dos buracos nos 3 dias mencionados nos factos provados da sentença recorrida, era, ainda, imputado aos arguidos a (re)abertura dos buracos no dia 13.07.2020, conforme se afere dos factos provados nºs 19) e 20) da sentença penal)], foi dado como provado, além do mais, que os buracos aqui em apreço, feitos [por meio de objeto que não se logrou apurar] nas fachadas do edifício em que está situada a fração pertencente à demandada [e nesta mesma fração], foram efetuados, nas três referidas ocasiões [dias 27.05.2020, 29.05.2020 e 09.06.2020], pelo então companheiro da aqui ré, BB e não por ela [por se ter provado ali que quem procedeu à abertura dos buracos foi o dito companheiro da aqui ré e não ela própria é que ela foi absolvida dos crimes de que estava acusada].
Significa isto que a absolvição da aqui demandada no referido processo crime assentou em prova positivae não em prova negativa; não foi absolvida dos crimes de que estava acusada com base em qualquer dúvida quanto à autoria dos factos que os integravam [por aplicação do princípio in dubio pro reo], mas sim por ter ficado provado que não foi ela, mas antes o seu então companheiro [entretanto falecido] que, nas datas indicadas, procedeu à (re)abertura dos apontados buracos.
Como tal, sempre teria plena aplicação o que se encontra previsto nos nºs 1 e 2 do citado art. 624º, ou seja, por um lado, que, presumidamente [presunção ilidível por prova em contrário – parte final do nº 1], teria de considerar-se, nesta ação cível, que não foi a ré que procedeu à abertura dos referidos buracos e, por outro, que no confronto de tal presunção com a dos nºs 1 e 2 do art. 493º do CCiv. teria de ser a daquele art. 624º a prevalecer, o que implicaria, logicamente, que o autor, para obter a condenação da ré nesta ação, sempre, teria que provar que foi ela que (re)abriu, nas ditas ocasiões, os referidos buracosou, pelo menos, que quem os (re)abriu o fez com autorização ou consentimento dela, pois só assim ficaria ilidida a presunção de inocência de que a mesma beneficia, prova que, claramente, o autor não logrou conseguir, como decorre do elenco dos factos dados como não provados.
Por conseguinte, não assistindo razão ao recorrente quanto à aplicação ao caso do que dispõe o art. 493º do CCiv., tem a apelação que improceder, mantendo-se a absolvição da ré do pedido, tal como foi declarado na sentença recorrida.
4.4. Pelo decaimento no recurso, incorre o autor recorrente nas respetivas custas – arts. 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC.
Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º.Rejeitar o recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto decidida/fixada na sentença recorrida, por inobservância, pelo recorrente, dos ónus previstos nas als. a) e b) do nº 1 e al. a) do nº 2, ambos do art. 640º do CPC.
2º.Julgar, no mais, improcedente o recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
3º.Condenar o recorrente, pelo decaimento, nas custas deste recurso.
Porto, 5/11/2024.
Pinto dos Santos
João Diogo Rodrigues
Márcia Portela