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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
VALOR
CRITÉRIO DA AVALIAÇÃO
Sumário
I - Na expropriação de uma parcela classificada como solo apto para construção, a utilização do método fiscal ou comparativo, para determinação do valor indemnizatório devido pela expropriação, não é uma opção alternativa, nem é dependente da pretensão de qualquer das partes, ou de um juízo de oportunidade do tribunal. II - O legislador prefere a aplicação do método comparativo, só admitindo o recurso ao critério de valor, referido ao custo da construção possível na parcela, caso se torne impossível operar aquele outro (quando a informação prestada pelo Serviço de Finanças não for útil, por exemplo por não haver um número de negócios imobiliários significativo e esclarecedor sobre os preços praticados, por os preços apurados estarem em claro desfasamento para com uma realidade evidenciada por outra via, pondo justificadamente em dúvida a sua fiabilidade, ou quando não se conseguirem apurar características dos imóveis anteriormente negociados e a sua similitude com o prédio expropriado). III - É inadmissível que se rejeite liminarmente a aplicação da solução pretendida pelo legislador – o método comparativo - sem que tenha havido qualquer tentativa de aquisição de qualquer informação, como exigido no nº 2 do art. 26º do CE, ou sem a conclusão de que os elementos recolhidos são inaptos para esse efeito, apenas com fundamento na alegação de que a experiência dos peritos ditava que tais diligências haveriam de ser inócuas. IV - Em tais circunstâncias, a sentença tem de ser anulada, para ampliação da decisão da matéria de facto.
Texto Integral
PROC. N.º 3561/22.0T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4
REL. N.º 913
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargadora: Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
2º Adjunto: Juíza Desembargadora: Maria Eiró
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1. RELATÓRIO
Nos presentes autos de expropriação que tem como expropriante o Município ... e expropriada A... S.A. foi decretada a expropriação por utilidade pública de uma parcela de terreno designada pelo nº 1, com a área total de 174,48m², necessária à concretização do “Plano de Urbanização de ..., entre a Rua ... e a Avenida ...”, e à execução da obra “Arruamento: Plano de Urbanização de ..., entre a Rua ... e a Avenida ...”.
A parcela é destacada de um prédio sito na União de Freguesias ... e de ..., concelho ..., distrito ..., à face da Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...48 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos com o n.º ...97/20091106.
A respectiva declaração de utilidade pública com carácter de urgência foi publicada no DR-II Série, n.º 104 de 28 de Maio de 2021 sob o Aviso n.º 10153/2021, ulteriormente rectificada através da Declaração de Rectificação n.º451/2021, publicada no Diário da República, 2ª Série, n.º119, de 22 de Junho de 2021
Em 29 de julho de 2021 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam.
Como documento 10 do processo, consta o auto de posse administrativa, de 22/9/2021.
Como documento 17. está junto o acórdão arbitral, onde um dos árbitros se pronunciou, quanto ao valor da indemnização devida, pelo montante de 3.280,42€ e os outros dois pelo valor de 15.624,31€.
Foi proferido o despacho de adjudicação, em 19/7/2022.
A 20/9/2022, a expropriada interpôs recurso, requerendo produção de prova pericial e arrolando uma testemunha, acabando a concluir que a indemnização deveria ascender a €51.371,93.
Alegou que não se justificava a inobservância do critério indemnizatório previsto no nº 2 do art. 26º do C.E., referente aos valores de transacção de outros prédios na mesma área. Mais defendeu que o valor médio das construções encontrado pelos árbitros de €1.925,00/m, aplicado ao índice de ocupação de 0,70, como previsto no PDM ..., em relação a uma área de 174,48m2, proporcionaria um valor de construção de €235.111,80. Sucessivamente, alegou que os factores previstos nos nºs 6 e 7 do art. 26 resultam na aplicação da percentagem de 23%, para cálculo do valor do solo, a deduzir em 5% por inexistência de esforço construtivo.
Em momento seguinte, a expropriada A... veio formular requerimento tendente a que fosse decretada a expropriação total do prédio de onde foi destacada a parcela acima identificada.
O recurso foi admitido e a expropriada respondeu, em 29/10/2022. Pronunciou-se pela confirmação da decisão arbitral e pelo indeferimento da pretensão de expropriação total.
Designados os peritos, veio a expropriada A..., em 22/3/2023, arguir o impedimento do perito indicado pela expropriada, por ser funcionário do próprio Município.
A expropriante pronunciou-se contra tal pretensão, alegando que a relação funcional em causa não constitui impedimento para a intervenção da pessoa indicada, como perito.
O tribunal apreciou a questão, afirmando que os impedimentos previstos no art. 16º do D.L. 125/2002 de 10/5, a que se refere o nº 3 do art. 62º do C.E. apenas se aplicam aos peritos nomeados pelo tribunal, indeferindo o requerido.
A 31/5/2023 foi junto o relatório pericial.
Neste, os peritos nomeados pelo tribunal e o indicado pela expropriante pronunciaram-se no sentido de ascender a 9.842,42€ (174,48 m² x 56,41€/m2) o valor da indemnização a atribuir à expropriada. O perito indicado pela expropriada calculou esse valor em 47.751,69€ (174,48 m² x 273,68 €/m²).
Foi realizada audiência de julgamento, com tomada de esclarecimentos aos peritos e audição das testemunhas arroladas.
O expropriante e a expropriado alegaram, por escrito, nos termos do disposto no artº. 64º., nº. 1 do Código das Expropriações, sendo que, no termo do seu articulado, a expropriada declarou desistir do pedido de expropriação total que antes formulara.
Foi, então, proferida sentença que, além de declarar improcedente o pedido de expropriação total, julgou parcialmente procedente o recurso interposto da decisão arbitral pela entidade expropriada e, fixou em €9.842,42 o montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante “Município ...” à expropriada A..., S.A.
Foi requerida, pela expropriada, a rectificação da sentença quanto à apreciação do pedido relativo à expropriação total, o que veio a ser indeferido.
Daquela sentença a expropriada interpôr o presente recurso, que terminou formulando as seguintes conclusões
“A) Vem o presente recurso interposto:
i) do despacho datado de 23.03.2023 que julgou não verificado o impedimento invocado pela expropriada relativo ao perito indicado pela expropriante;
ii) da decisão que determinou fixar, em €9.842,42, o valor da indemnização, a pagar pela entidade expropriante, pela expropriação da área de 174,48m identificada como Parcela 1, no âmbito da execução do Plano de Urbanização de ..., entre a Rua ... e a Avenida ..., ....
B) O valor da avaliação fixado na arbitragem foi de €8.671,66.
C) A expropriada apresentou recurso da referida decisão e defendeu que o valor da justa indemnização fosse fixado em €51.371,93.
D) Tendo chegado ao conhecimento da expropriada que o perito indicado pela expropriante era seu funcionário foi suscitado, por aquela, o impedimento do mesmo na avaliação, o qual erradamente não veio a ser atendido.
E) Resultou da perícia o seguinte: os peritos indicados pelo Tribunal e o perito da entidade expropriante avaliaram o valor da parcela em €9.842,42 e o perito indicado pela expropriada o valor de €47.751,69.
F) Quanto ao despacho datado de 23.03.2023 que julgou não verificado o impedimento invocado pela expropriada relativo ao perito indicado pela expropriante não se conforma a entidade expropriada com o mesmo.
G) O perito indicado pela expropriante é funcionário da entidade expropriante (dirigente).
H) Ora, tendo em conta que, nos termos do previsto na alínea g) do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 125/2002 de 10 de Maio, que regula as condições de exercício das funções de perito e árbitro no âmbito dos procedimentos e processos de expropriação, se encontra previsto que: “Para além dos impedimentos genericamente aplicáveis aos peritos previstos no Código de Processo Civil, os peritos avaliadores, integrem ou não as listas referidas no artigo 2.º, não podem intervir em processos de expropriação litigiosa como árbitros ou peritos nos seguintes casos: (..) g) Quando seja parte a sua entidade empregadora ou equiparada.”, o perito nomeado encontra-se impedido de intervir na perícia ordenada.
I) O tribunal a quo considerou que tais impedimentos apenas se aplicam aos peritos nomeados pelo Tribunal e não aos indicados pelas partes.
J) Conforme muito bem referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.04.2009 (Proc. 353/08.2TBPVZ-A.P1): “ (…) um funcionário da entidade Expropriante não pode ser por esta indicado como Perito, pois que as razões que impõem os impedimentos aos peritos nomeados pelo Tribunal são as mesmas quanto aos peritos indicados pelas partes aplicando-se a todos os Peritos o regime de impedimentos previstos no DL nº 125/2002, de 10 de Maio.”
K) Pelo exposto deverá o despacho de 23.03.2023 ser revogado e substituído por outro que verifique o impedimento do perito indicado pela entidade expropriante, anulando-se todo o processado daí em diante.
L) Quanto à sentença refira-se que da factualidade (cfr. Pontos 23 e ss.) dada como provada e que consta da sentença objeto do presente recurso, a mesma enferma de vícios graves.
M) Com efeito, na parte final desse segmento constam pontos que não se reportam a matéria de facto, nem sequer é matéria que se encontra dada como assente.
N) Não constituem factos (no máximo conclusões ou mesmo decisões) e, nessa medida, devem ser expurgados da factualidade provada.
O) Pelo exposto, a sentença viola o disposto no artigo 607º, n.º 4 do CPC.
P) Quanto ao cálculo do valor da indemnização, o Tribunal aderiu ao laudo pericial subscrito pela maioria dos peritos, sem grandes surpresas, porquanto é, apesar de incorreto, recorrente tal posição em processo de natureza expropriativa.
Q) Ora, parece-nos evidente, sem necessidade de grandes conhecimentos técnicos ou especiais, que o valor de €49,70/m2 alcançado na arbitragem e o valor de €56,41/m2 defendido pela maioria dos peritos não consubstancia um valor de mercado.
R) Recorde-se que a parcela de terreno se localiza em ..., numa zona residencial e de serviços, extremamente bem servida em termos de infraestruturas e acesso e a escassos metros da praia.
S) Acresce que a aquisição da parcela em causa se reporta a uma data anterior à data do plano de urbanização existente na área e, por esse motivo, as condicionantes que advêm desse plano não poderão ser consideradas para efeitos do cálculo do valor do solo.
T) Desde logo se refira que quer os Senhores Peritos, quer o Tribunal a quo não aplicaram o critério previsto n.º 2 do artigo 26º do CE para calcular o valor do solo apto para construção.
U) Ora, não se encontrando os técnicos munidos da informação que se revelasse necessária para efeitos de determinação do valor do solo, então antes de proferirem o acórdão/laudo deveriam ter solicitado a informação em falta, não se podendo escudar no argumento que não foram apresentadas as listas de aquisições ou avaliações fiscais.
V) O facto de os Peritos terem manifestado, em sede de esclarecimentos, que as referidas listas dificilmente são possíveis de utilizar por não conterem todos os elementos necessários a uma avaliação não deve conduzir a uma decisão antecipatória de não os utilizar.
W) Com efeito, os referidos peritos reconheceram que, já há vários anos, não solicitavam essas listas.
X) Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que a decisão de utilizar ou não as referidas listas para efeitos de cálculo do valor do solo apenas deve ser tomada após a documentação ser solicitada, analisada e considerada como insuficiente.
Y) O Tribunal a quo mal andou ao considerar que: “revela à saciedade a inocuidade de diligenciar, improficuamente, pela obtenção de tais listagens, o que apenas retardaria o andamento da lide (cuja pendência em juízo está prestes a completar dois anos), com a prática de atos cuja experiência profissional e processual tem mostrado serem inúteis, e para os quais o Tribunal está vedado de diligenciar (cfr. art. 130º do Código de Processo Civil).”, pois ainda que a informação que viesse a ser disponibilizada pela AT não contivesse os elementos suficientes para o cálculo do valor do solo, considera-se que os peritos a deveriam ter solicitado e apenas, posteriormente, se a considerassem insuficiente é que poderiam não a ter utilizado, ou apenas tê-la como referencial.
Z) Ou seja, os Senhores Peritos manifestamente decidiram desaplicar a lei, e o tribunal a quo ao decidir não diligenciar pela obtenção das referidas listas cometeu igual ilegalidade.
AA) Admitindo que o cálculo do valor médio das construções possa ser alcançado através do recurso ao cálculo do valor do solo, por aplicação do custo de construção, nos termos que os números 4 e ss. do artigo 26º do CE preveem, então refira-se que o referencial que consta da Portaria 353/2013 de 4 de dezembro, para vigorar no ano de 2014, e que fixa os preços da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada encontra-se totalmente desatualizado tendo em conta o atual preço da construção.
BB) A atualização do valor aí constante recorrendo aos coeficientes de atualização publicados pelo INE, resultando numa atualização de €41,45 (€842,51-€801,06) o que não permite uma atualização de um custo que aumentou exponencialmente.
CC) Ou seja, não se pode aceitar de maneira alguma o valor utilizado pelos Senhores Peritos e ao qual o Tribunal aderiu, tamanho é o desfasamento com a realidade.
DD) Ademais, o normativo legal refere que tais valores são referenciais, ou seja, podem ser tidos como ponto de partida, mas deve ser aplicado um fator de correção tendo em conta o local onde se situa o solo.
EE) Aplicando o valor da portaria e atualização anual do INE, dados esses públicos e ao alcance do tribunal seria um exercício simples encontrar o valor do solo, tendo por base o custo da construção.
FF) A utilização dos valores constantes na referida portaria importa a redução do valor indemnizatório à expropriada, porquanto não corresponde ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal.
GG) Nessa medida, considera-se que a utilização do valor de €758,26/m2 se revela inadequada ao cálculo da indemnização em causa, tratando-se de uma expropriação, cuja DUP data de 2021.
HH) Por sua vez, quanto à ocupação do solo, considera-se que o índice utilizado adotado é desprovido de qualquer justificação e vai contra o que o artigo 26º, n.º 12 do CE pretende acautelar.
II) Não se aceita que esse índice seja de 0,31 m2/m2, ao qual o tribunal aderiu, isto porque, o índice de ocupação utilizado teve por base as condicionantes previstas no Plano de Urbanização, plano esse que veio criar condicionantes na zona envolvente à área da parcela expropriada.
JJ) Isto porque, o n.º 12 do artigo 26º do CE determina que: “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”
KK) O acima referido preceito pretende salvaguardar a classificação do solo como tendo aptidão construtiva, apesar da sua exclusão como tal por aplicação dos instrumentos de gestão territorial em vigor.
LL) A aplicação do disposto no artigo 26º, nº 12 do CE permite precisamente colocar o proprietário cujo prédio foi sujeito a classificação de zona verde, de lazer ou para a instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território (como é o caso da expropriada), numa situação de igualdade com proprietários de parcelas na zona envolvente, quer tenham ou não sido objeto de expropriação.
MM) Ora, voltando ao caso, para o apuramento do índice de construção da zona envolvente, recorreu-se à área construída e área não construída e o índice de construção para a parcela objeto da avaliação foi determinado tendo por base o que se encontrava já construído e o que o plano de urbanização ainda admitiria construir.
NN) Salvo o devido respeito, o n.º 12 do artigo 26º do CE não pretende introduzir restrições no apuramento do índice de construção, mas tão somente obrigar a que um terreno para onde esteja previsto um plano de ordenamento, com a consequente diminuição edificativa, seja avaliado, como se tal diminuição não existisse.
OO) O que aconteceu, em sede pericial e ao qual o tribunal a quo aderiu foi exatamente o contrário.
PP) Com efeito, os Senhores Peritos decidiram aplicar um índice de construção inferior ao que existe para as construções existentes na envolvente, por existir para a zona um plano de urbanização com determinadas condicionantes na sua implementação.
QQ) Ou seja, acabam por diminuir o valor da avaliação do terreno em causa por terem em conta as condicionantes do plano de urbanização.
RR) Nessa medida, o critério previsto no n.º 12 do artigo 26º do CE não foi devidamente aplicado, pois efetivamente não se encontra apresentado o valor médio das construções existentes na envolvente, tal como o preceito exige.
SS) Ora, tratando-se a perícia de um meio de prova obrigatório no âmbito dos processos de expropriação, mas não vinculativo, cabia ao Tribunal a quo tomar em consideração os aspetos trazidos aos autos e livremente fixar o valor indemnizatório para a parcela aqui em causa.
TT) Assim, nada impede o Tribunal, aliás antes se impõe, de adotar os valores e critérios que considera adequados e justos à fixação da indemnização, apresentando a respetiva fundamentação.
UU) Os critérios adotados pelo Tribunal são ilegais e não asseguram o princípio constitucional da justa indemnização.
VV) O valor fixado na sentença de €9.842,42 não reflete o valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efetivo numa utilização económica normal.
WW) Pelo exposto, o valor do quantum indemnizatório, por força da expropriação da parcela em causa, não poderá ser inferior a €51.371,93, conforme defendido no recurso do acórdão arbitral (€1.925,00 x 0,7 = €235.111,80 x 0.23%= €54.075,71 x 0.05 = €51.371,93).
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vª. Exas. doutamente suprirão deverá o despacho datado de 23.03.2023 ser revogado e substituído por outro que verifique o impedimento do perito indicado pela entidade expropriante, ou caso assim não se entenda, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que fixe o valor da Justa Indemnização em €51.371,93 (cinquenta e um mil, trezentos e setenta e um euros e noventa e três cêntimos.
A expropriante ofereceu resposta ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida e, quanto ao impedimento do perito por si indicado, afirmou que o mesmo não corria e defendeu e improcedência das razões do recorrente.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprio autos e efeito devolutivo. Foi recebido nesta Relação e tido por devidamente admitido e sob o efeito devido.
Cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
É perante as conclusões da alegação do recurso que se define o respectivo objecto, isto é, os elementos da decisão recorrida que devem ser reapreciados, não podendo ser apreciadas outras matérias, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
No presente recurso, identificam-se as seguintes questões a decidir:
- Admissibilidade do recurso quanto ao impedimento do perito designado pela expropriante;
- Se existe matéria enunciada entre os factos provados que dali deva ser expurgada, designadamente a constante do pronto 23º e ss., por ser meramente conclusiva;
- Se o valor do m2 adoptado, de €56,41/m2, não corresponde ao valor de mercado;
- Se não se justifica a inobservância do critério previsto no nº 2 do art. 26º do CE, por alegada dificuldade de obtenção das informações aí previstas; (média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas característica);
- Se o valor do custo de construção usado pelos peritos (€758,26/m2) está desactualizado, devendo ser usado o de 1.925,00€;
- Se o índice de ocupação do solo usado, de 0,31m2/m2 teve por base as condicionantes previstas no Plano de Urbanização, plano esse que veio criar condicionantes na zona envolvente à área da parcela expropriada, que não existiam ao tempo da aquisição da parcela;
- Se, nessa hipótese, o índice de ocupação do solo deve ser de o,7m2/m2, tudo resultando no valor indemnizatório de €51.371,93 (€1.925,00 x 0,7 = €235.111,80 x 0.23%= €54.075,71 x 0.05 = €51.371,93).
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A apreciação das questões enunciadas importa que se tenham presentes os factos dados por provados na sentença recorrida, que são os seguintes:
1. Por deliberação de 12 de abril de 2021 da Assembleia Municipal, publicada em Diário da República, 2ª Série, n.º 104 de 28 de maio de 2021 sob o Aviso n.º 10153/2021, e proposta da Câmara Municipal ... de 26.01.2021, foi proferida a declaração de utilidade pública e a autorização de tomada de posse administrativa com caráter de urgência da parcela de terreno, necessária à concretização do “Plano de Urbanização de ..., entre a Rua ... e a Avenida ...”, e à execução da obra “Arruamento: Plano de Urbanização de ..., entre a Rua ... e a Avenida ...”.
2. A declaração de utilidade pública (doravante DUP) foi retificada através da Declaração de retificação n.º451/2021, publicada no Diário da República, 2ª Série, n.º119, de 22 de junho de 2021, tendo sido publicado o mapa de expropriações em falta no texto da declaração.
3. Em 29 de julho de 2021 foi realizada a vistoria «ad perpetuam rei memoriam» à parcela expropriada.
4. À parcela em causa nos presentes autos foi atribuído o n.º1.
5. A parcela expropriada tem a área total de 174,48m², situa-se na União de Freguesias ... e de ..., concelho ..., distrito ..., à face da Rua ....
6. O prédio ao qual pertence a parcela expropriada e a destacar encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...48 e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos com o n.º ...97/20091106.
7. O prédio possui uma forma alongada e confronta a norte com Rua ... numa extensão de cerca 164m, variando a sua profundidade entre o 4,0m na extrema nascente e 19,0m junto à extrema poente.
8. Trata-se de uma expropriação parcial.
9. A parcela a expropriar localiza-se aproximadamente a meio do prédio, apresentando uma parcela sobrante, a poente, com 1.288,72m², e outra, a nascente, com 583,78m².
10. O prédio apresenta as seguintes confrontações: a. Norte: Rua ...; b. Sul: Herdeiros de AA; c. Nascente: A..., S.A.; d. Poente: A..., S.A;
11. As confrontações da parcela expropriada são as seguintes: a. Norte: Rua ...; b. Sul: Herdeiros de AA; c. Nascente: Parcela sobrante; d. Poente: Parcela sobrante.
12. O prédio está ocupado com vegetação resultante de regeneração natural e não possui benfeitorias.
13. As parcelas sobrantes, a nascente e poente, possuem as mesmas características físicas da parcela expropriada, sendo solo agrícola e formas aproximadamente triangular.
14. A parcela a expropriar encontra-se inserida numa área de transição entre uma zona habitacional a sul – caracterizada pela existência de prédios de habitação multifamiliar, moradias, comércio e serviços e o cemitério de ... - e o complexo industrial da A..., S.A. a norte – caracterizado por reservatórios de combustíveis de grande dimensão.
15. A volumetria das construções é de 1, 4, 5 e de 6 pisos acima da cota de soleira.
16. A parcela dista a 2km do acesso à A28, 1,2km da praia e a 4,5km do centro da cidade ....
17. A parcela expropriada dispõe de acesso rodoviário e rede de abastecimento de água, energia elétrica e saneamento.
18. À data da DUP, encontrava-se em vigor o Plano Geral de Urbanização de ... aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º105/2002 e publicado no Diário da República n.º192. 1ª série B, de 21 de agosto de 2002, e com a alteração entre a Rua ... e Avenida ..., conforme aviso n.º11955/2012 publicado no Diário da República n.º173, 2ª série, de 6 de setembro de 2012.
19. De acordo com a Planta de Zonamento daquele documento de gestão urbanística, a parcela insere-se em “espaço destinado a espaços públicos de aparcamento automóveis e arruamento”.
20. A parcela encontra-se, ainda, segundo a Planta de Condicionantes, em Zona de Servidão Aeronáutica, e segundo a Planta de Perigosidade de Incêndio e Áreas Percorridas por Incêndios, na Classe de Perigosidade de Incêndio Nível 3 – Perigosidade Média.
21. Não está abrangida por “área de reserva agrícola nacional” e “área de reserva ecológica nacional”.
22. Na Planta de Ordenamento do PDM ... – “Classificação e Qualificação do Solo”, a parcela n.º1 está inserida na categoria de “espaços centrais”, de classe de solo urbano.
23. Se não houvesse expropriação, a parcela expropriada não reunia condições para qualquer aproveitamento económico autónomo, seja para edificação, seja para qualquer outro fim.
24. O índice médio ponderado o índice médio ponderado é de 0,31 m2/m2 de área bruta de construção por m2 de terreno.
25. Para parte das parcelas situadas na área envolvente e cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada foi aprovada uma operação de loteamento e emitido, em 2023, o correspondente alvará de obras de loteamento e de urbanização n.º1/23, correspondendo a área do terreno a lotear a 14.143m², e a área máxima de construção acima do solo a 5.540,25m², sendo o índice de construção deste loteamento é de 0,39m²/m².
26. Em face da sua área e configuração, as parcelas sobrantes asseguram os mesmo cómodos que oferecia todo o prédio.
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A primeira questão enunciada refere-se à impugnação da decisão do tribunal recorrido, sobre o arguido impedimento do perito designado pela expropriante.
Em 22/3/2023, decidiu o tribunal, a esse propósito: “Aos peritos indicados pelas partes apenas se aplicam os impedimentos gerais previstos no Código de Processo Civil, nomeadamente no art. 115.º, aplicável por via do art. 470.º do mesmo diploma legal. Pelo exposto, julga-se não se verificar o impedimento invocado pela expropriada relativo ao perito indicado pela expropriante.”
Nas conclusões D a K do seu recurso, a expropriada justifica a sua discordância para com tal decisão, peticionando a sua revogação.
Não chega, contudo, a ser útil discutir a tempestividade desta impugnação, face ao disposto no art. 644º, nº 2, al. d) do CPC. E isso porquanto o recurso, neste segmento, é simplesmente inadmissível. É essa a regra constante do art. 471º, nº 3 do CPC: “Das decisões proferidas sobre impedimentos, suspeições ou escusas não cabe recurso.” Tal regra reproduz a que já constava do nº 3 do art. 572º do anterior CPC.
Consequentemente, sobre a referida questão, prevalece necessariamente a decisão anteriormente proferida pelo tribunal recorrido, que se tornou inatacável, nesta sede, depois de proferida.
Rejeita-se, pois, a apreciação do recurso, neste segmento.
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Sucessivamente, alega o apelante que a matéria inseridas nos pontos 23º e ss. deve retirar-se da sentença, por não ter natureza factual.
No corpo das alegações, tal matéria é especificada como a integrante dos pontos 23º a 26º, a saber: “23. Se não houvesse expropriação, a parcela expropriada não reunia condições para qualquer aproveitamento económico autónomo, seja para edificação, seja para qualquer outro fim. 24. O índice médio ponderado é de 0,31 m2/m2 de área bruta de construção por m2 de terreno. 25. Para parte das parcelas situadas na área envolvente e cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada foi aprovada uma operação de loteamento e emitido, em 2023, o correspondente alvará de obras de loteamento e de urbanização n.º1/23, correspondendo a área do terreno a lotear a 14.143m², e a área máxima de construção acima do solo a 5.540,25m², sendo o índice de construção deste loteamento é de 0,39m²/m². 26. Em face da sua área e configuração, as parcelas sobrantes asseguram os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.”
A matéria constante do item 26 é irrelevante na economia deste recurso, pois que respeitava à pretensão deduzida, mas entretanto abandonada, de expropriação total do prédio de onde foi destacada a parcela expropriada. Inútil se torna, por isso, decidir a impugnação oferecida quanto à presença de tal matéria, pois que já não constituiu premissa da sentença recorrida. Iremos, consequentemente, abster-nos de a apreciar, prevenindo a prática de um acto inútil.
A matéria constante do ponto 25º tem natureza claramente factual, de cariz histórico: refere-se aí uma realidade fundada num facto historicamente anterior, designadamente a aprovação de um loteamento com determinadas características. Pode-se impugnar a realidade do facto descrito, mas não a sua natureza factual.
Nesta parte, pois, carece igualmente de razão o apelante.
A matéria constante do ponto 24º tem efectivamente uma dimensão conclusiva, ao admitir como aplicável à parcela expropriada um índice construtivo determinado. No entanto, essa é uma consequência de a discussão dessa matéria se colocar antes da própria sentença, pois que sobre ela se desenvolve a imprescindível actividade instrutória a cargo dos peritos. Apesar de conclusiva, tal matéria mantém uma dimensão puramente fáctica.
Nessa medida, e sem prejuízo da consciência de que a afirmação em causa acolhe na sua essência um juízo dos peritos intervenientes, juízo esse eventualmente discutido na mesma sede, desde logo em função do confronto com um juízo divergente de um ou mais peritos, não é de excluir a sua inclusão entre o substrato factual da decisão, desde que se salvaguarde a possibilidade da sua discussão ulterior, designadamente em sede de recurso.
Com efeito, apesar dessa dimensão conclusiva, a afirmação em causa, quantificando o índice construtivo da parcela, não se alarga a qualquer operação de subsunção jurídica da qual resulte, sem mais, o resultado da discussão. É, em rigor, um juízo; mas um juízo que não ultrapassa a concatenação de elementos factuais, resultando, por isso, numa afirmação de teor exclusivamente factual.
Concorda-se, assim, com o constante do Ac. deste TRP, de 13-09-2023 (proc. nº 7695/19.0T9PRT.P1), quando afirma: “I - Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos – ou transitarem para a fundamentação em matéria de direito - se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum.”
No mesmo sentido, mas com maior latitude, veja-se também o Ac. do TRG de 02-03-2023, (proc. nº 189/20.2T8ALJ.G1, em dgsi.pt), citando Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 637-638; e Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312. (proc. nº 189/20.2T8ALJ.G1, em dgsi.pt): “… II- Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. III - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). IV- A doutrina vem expressiva e veementemente exortando a jurisprudência para que atenda ao novo e adequado modelo de retratar a realidade a ponderar no concreto litígio que é chamada a dirimir – atenuando o espartilho tradicional, assente na clássica e, por vezes, esotérica divisão entre matéria de facto/matéria de direito (ou matéria conclusiva), não negando a inadmissibilidade da assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou a impossibilidade de, através de afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto. V- A exigência está, actualmente, centrada na fluência e harmonia descritiva da matéria de facto, em detrimento da sua apresentação sincopada, tal qual a que resultava da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas restritivas ou explicativas que usualmente preenchiam os pontos da base instrutória – e assim que optando-se por proposições de carácter mais abrangente ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio.”
Por todo o exposto, resta concluir que não deve ser excluída, de entre a descrição dos factos provados, a matéria constante do ponto 24º.
O que acaba de se referir é aplicável nos mesmos termos à impugnação oferecida em relação ao teor do ponto 23º. Considerando a dimensão factual da afirmação aí enunciada, não obstante o seu pendor conclusivo, não deve ela ser excluída da matéria que constituirá a premissa menor da decisão, sem prejuízo da possibilidade de discussão da realidade subjacente, desde que tal questão tenha sido também colocada.
Em qualquer caso, a discussão da factualidade subjacente a tal afirmação perde qualquer interesse perante a opção unânime dos peritos – e que continua como incontroversa – quanto à classificação do solo da parcela como terreno apto para construção. Com efeito, a matéria descrita no ponto 23º consta do próprio relatório pericial. Porém, logo de seguida os peritos afirmam que isso não impede a classificação da parcela, afirmando a sua aptidão para construção, com isso esvaziando qualquer controvérsia sobre a questão.
Improcede, pelo exposto, a apelação nesta parte.
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As restantes questões referem-se já à avaliação da parcela expropriada.
Entre estas, a que precede logicamente as demais refere-se à expressa rejeição do critério previsto no nº 2 do art. 26º do CE, para determinação do valor da parcela.
Dispõe essa norma, nos respectivos nºs 2 e 3:
“2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
3 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.”
Os peritos, no entanto, afirmaram não dispor da informação a que alude este preceito, pelo que, nos termos do nº 4 da mesma norma, concluíram pela necessidade de determinação do valor do solo em função do custo da construção que ali poderia ser executada, em condições normais de mercado, sob aplicação dos factores sucessivamente previstos no diploma.
Referiram, sobre a questão: “Não foram apresentados aos Peritos quaisquer listas de aquisições, ou avaliações fiscais relativas a prédios com “idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial"pelo que não será possível a aplicação do critério estabelecido no n.º 2 do art.º 26 do Código das Expropriações”.
Esta questão, de resto, já fora suscitada no recurso da decisão arbitral, onde a expropriada acabara por requerer “…seja a entidade expropriante notificada para vir juntar aos autos a referida lista de transações e das avaliações fiscais.”
Foi, por isso, no desenvolvimento dessa argumentação que, após a apresentação do laudo dos peritos, a expropriada invocou quer que ele omitia o necessário recurso a tal método de avaliação, quer que ela própria havia junto prova documental (cópia de escritura de compra e venda) demonstrativa de que, no âmbito de uma transação em que interviera, no ano de 2019, o valor unitário de m2 praticado numa outra parcela de terreno, a escassos 200m da parcela expropriada, foi de €309,00/m2, pretendendo ser esclarecida sobre se os peritos ponderaram tal elemento.
Esta pretensão mereceu decisão de indeferimento no despacho de 2/10/2023, do qual se extrai o seguinte segmento: “Relativamente ao esclarecimento solicitado pela expropriada, atinente a saber se a expropriante disponibilizou informação a propósito das transações/aquisições ou avaliações, e bem assim se foi considerada cópia da escritura de compra e venda de um prédio localizado na mesma área da parcela expropriada em que foi interveniente a expropriada, decorre do relatório pericial a menção expressa de que «não foram apresentados aos Peritos quaisquer listas de aquisições, ou avaliações fiscais relativas a prédios com “idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial" pelo que não será possível a aplicação do critério estabelecido no n.º 2 do art.º 26 do Código das Expropriações e, em consequência, a avaliação seguiu o previsto no n.º 4 e seguintes do referido art.º 26, ou seja, o valor do solo será calculado em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.», não se vislumbrando qual a deficiência, obscuridade ou contradição em causa que a expropriada pretende ver esclarecida.”
Em qualquer caso, estando a questão pendente de apreciação, o tribunal, na sentença recorrida, não deixou de se lhe referir, decidindo: “Sucede que, de forma unânime, esclareceram os Srs. Peritos que, nas listagens facultadas pela administração tributária nesta matéria apenas são fornecidos os dados referentes aos artigos dos imóveis, à data da transação e ao valor desta. Ora tais dados, acrescentaram os Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pela Expropriante, são manifestamente exíguos e inócuos para efetuar o juízo comparativo pressuposto no critério previsto no n.º2 do art. 26º do C.E., pois que não facultam a informação quanto às «idênticas características [dos prédios], atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.» Pelo que, a solicitação desta informação em nada contribuiria para a aferição da justa indemnização. (…) Daí que, sempre com ressalva do respeito que nos merece opinião diversa, a pormenorizada explicitação do valor e alcance que podem ser atribuídos aos elementos eventualmente fornecidos pelos Serviços de Finanças, feita por técnicos habilitados e com larga experiência na matéria, cujos conhecimentos e credibilidade estão acima de qualquer suspeição (referimo-nos aos Srs. Peritos), revela à saciedade a inocuidade de diligenciar, improficuamente, pela obtenção de tais listagens, o que apenas retardaria o andamento da lide (cuja pendência em juízo está prestes a completar dois anos), com a prática de atos cuja experiência profissional e processual tem mostrado serem inúteis, e para os quais o Tribunal está vedado de diligenciar (cfr. art. 130º do Código de Processo Civil).”
É, portanto, num tal quadro de circunstâncias que cumpre discutir o mérito da solução decretada pelo tribunal a quo, que acolheu o pressuposto apontado pelos peritos quanto à indisponibilidade e inutilidade de procura dos elementos em causa.
Atentando no regime legal citado supra, não oferece dúvida que a adopção do método fiscal ou comparativo, previsto no nº 2, é a solução pretendida pelo legislador, assumindo uma natureza inequivocamente subsidiária o recurso ao critério referido ao custo da construção possível, previsto no nº 4.
Com efeito, dispõe esta norma: “Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
Constata-se, assim, que a opção por cada um dos referidos métodos, para determinação do valor indemnizatório devido pela expropriação, não é alternativa, dependente da pretensão de qualquer das partes, ou de um juízo de oportunidade do tribunal competente. Diferentemente, o legislador pretende a aplicação do método comparativo, só admitindo o recurso a outro caso se torne impossível operar aquele. Isto mesmo vem sendo assinalado pela jurisprudência, como enunciaram o Ac. do TRE de 31/5/2077, proc. nº 2317/06-2, sumariado em dgsi.pt; e o Ac, do TRL de 06-11-2012, proc. nº 5138/07.0TBSXL.L1, também em dgsi.pt.
No mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do STJ de 02-07-2009 (proc. nº 15/05.2TBSVV.C1.S1, disponível em “A expropriação na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - Sumários de Acórdãos de 1996 a Março de 2022”, disponível em stj.pt. “II - O actual Código das Expropriações prescreve um novo critério, para cálculo do valor do solo, segundo o qual o valor dos solos deve ser calculado de acordo com a média aritmética entre os preços unitários aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, na mesma freguesia e freguesias limítrofes, nos três anos de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica (art. 27.º, n.º 1). III - Para tal devem os serviços competentes do Ministério das Finanças fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuados na zona e respectivos valores. IV - Trata-se de método fiscal ou comparativo, com o qual se pretendeu solucionar a questão relacionada com o estabelecimento de um limite ao quantum indemnizatur. V - Só em caso de impossibilidade deste critério, a qual deverá ser fundamentada e esclarecida, por falta de elementos ou pelo facto de da sua aplicação não resultar um montante indemnizatório que corresponda ao valor real e corrente do bem, é que se aplicará um outro, supletivo.”
O método comparativo mostra-se descrito sem qualquer complexidade: o Serviço de Finanças haverá de informar os preços unitários de todas as aquisições de imóveis, na mesma freguesia e freguesias limítrofes, nos últimos cinco anos, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica. Caso os preços declarados tenham sido corrigidos por avaliação fiscal, informará dos valores desta correcção.
Calculado a média aritmética dos preços identificados em cada um desses cinco anos, usar-se-ão os valores dos três melhores anos para determinar, por média aritmética, o valor do solo da parcela expropriada.
Admite-se, todavia, que a utilização deste método se torne complexa na sua primeira fase: a da recolha da informação a utilizar. Haverá, com efeito, não apenas de reunir a informação quanto ao valor das transacções ocorridas, com correcção pela administração fiscal ou não, mas também de identificar se os prédios transaccionados têm idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica, sob pena de o respectivo preço não dever ser considerado.
Apesar de tal dificuldade, que o legislador não terá deixado de considerar (como é forçoso admitir em face do disposto no nº 3 do art. 9º do C. Civil), a sua opção é inequívoca. Assim, só quando a informação colhida não for útil, por exemplo por não haver um número de negócios imobiliários significativo e esclarecedor sobre os preços praticados, por os preços apurados estarem em claro desfasamento para com uma realidade evidenciada por outra via, pondo justificadamente em dúvida a sua fiabilidade, ou quando não se conseguirem apurar características dos imóveis anteriormente negociados e a sua similitude com o prédio expropriado, de modo a tornar inoperável o método comparativo, é que, justificando-o, se pode abandonar o uso desse método comparativo e aplicar o método do valor ou do rendimento. É isso que se afirma na jurisprudência acima assinalada.
É certo que na grande maioria dos processos de recurso de expropriação a questão não chega a ser colocada, pois as próprias partes, ou por o entenderem preferível, ou por com isso se conformarem, nenhum apelo fazem ao uso do método comparativo, limitando-se a discutir os diversos elementos relevantes para a operação do método do valor ou rendimento, depois de discutida ou estabelecida a classificação do solo. Assim, em geral, discute-se o valor do custo de construção, por m2 a edificar, o valor proporcional do solo nesse custo em função dos valores percentuais previstos nos nºs 6 e 7 do art. 26º do CE, o valor do factor correctivo inerente ao risco e esforço da actividade construtiva (nº 8), ao valor de benfeitorias, etc.
Nessas situações, a aplicação do critério em questão é descartada com a enunciação de uma fórmula genérica sobre não ter sido disponibilizada a informação necessária, o que as partes se abstêm de discutir.
Tal circunstância, que – repete-se – se verifica na maioria dos recursos de expropriação, prejudica ab initio a aplicação do método comparativo ou fiscal, pois que nenhuma questão acaba por ser suscitada a esse respeito.
Porém, maxime numa situação em que uma das partes, logo desde a apreciação do acórdão arbitral, vem invocando a sua pretensão de utilização desse método e a necessidade de serem recolhidos os elementos informativos necessários para o efeito, não pode descartar-se, com a mesma abstracção, a utilização do critério preferencialmente fixado pelo legislador para a determinação da indemnização pela expropriação.
Vejam-se, em concreto, as razões invocadas pelos peritos e acolhidas pelo tribunal recorrido:
- (Relatório pericial) Não foram apresentados aos Peritos quaisquer listas de aquisições, ou avaliações fiscais relativas a prédios com «idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial»pelo que não será possível a aplicação do critério estabelecido no n.º 2 do art.º 26 do Código das Expropriações. - (Despacho de 2/10/2023) … decorre do relatório pericial a menção expressa de que «não foram apresentados aos Peritos quaisquer listas de aquisições, ou avaliações fiscais relativas a prédios com “idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial" pelo que não será possível a aplicação do critério estabelecido no n.º 2 do art.º 26 do Código das Expropriações; - (Na sentença) … nas listagens facultadas pela administração tributária nesta matéria apenas são fornecidos os dados referentes aos artigos dos imóveis, à data da transação e ao valor desta. Ora tais dados, acrescentaram os Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pela Expropriante, são manifestamente exíguos e inócuos para efetuar o juízo comparativo pressuposto no critério previsto no n.º2 do art. 26º do C.E., pois que não facultam a informação quanto às «idênticas características [dos prédios], atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial,….» Pelo que, a solicitação desta informação em nada contribuiria para a aferição da justa indemnização
- (Na sentença), … a pormenorizada explicitação do valor e alcance que podem ser atribuídos aos elementos eventualmente fornecidos pelos Serviços de Finanças, feita por técnicos habilitados e com larga experiência na matéria, cujos conhecimentos e credibilidade estão acima de qualquer suspeição (referimo-nos aos Srs. Peritos), revela à saciedade a inocuidade de diligenciar, improficuamente, pela obtenção de tais listagens, o que apenas retardaria o andamento da lide (cuja pendência em juízo está prestes a completar dois anos), com a prática de atos cuja experiência profissional e processual tem mostrado serem inúteis, e para os quais o Tribunal está vedado de diligenciar.
Em suma, considerou o tribunal que as razões alegadas pelos peritos, puramente em abstracto e com apelo à sua experiência profissional, quanto à ineficácia da informação que eventualmente viesse a ser fornecida pela administração tributária, tornariam a recolha dessa informação uma actividade inócua, não profícua e apta a retardar o andamento da lide.
É evidente que estas razões não podem ser tidas por válidas, em face do regime legal acima descrito.
A matéria da celeridade da decisão não pode ser invocada como fundamento para a omissão da produção de meios de prova que, no caso, até prejudicam a via fixada preferencialmente pelo legislador, para a decisão do litígio. Ao que acresce que é a parte que, pelo menos em tese, é a mais prejudicada pelo retardamento da decisão – o expropriado – a requerer a observância do regime procedimental apontado como mais demorado.
Por sua vez, as razões referentes a uma invocada experiência profissional, genéricas e de forma alguma referidas à concreta situação do prédio expropriado e às suas condicionantes, em ordem ao afastamento da solução legal, por antecipação da improficuidade das diligências impostas na lei, consubstanciam simplesmente uma justificação abstracta para o incumprimento do regime legal aplicável.
Com efeito, só em concreto, depois de ensaiada a recolha de informação pertinente, se pode concluir que essa mesma informação não é quantitativamente suficiente ou esclarecedora, ou que é inábil para permitir concluir que, nos melhores três anos, de entre os últimos cinco, a média dos preços dos terrenos idênticos, isto é, passíveis de idêntica classificação e, no caso, com idêntica aptidão. E, sucessivamente, sendo caso disso, se poderá concluir em concreto e justificadamente que haverá de ser utilizado o método do valor, por ser inadequado o método comparativo.
Pelo contrário, em face do regime legal descrito, é inadmissível que se rejeite liminarmente a aplicação da solução pretendida pelo legislador, em abstracto, sem o apuramento de qualquer elemento ou sem a conclusão de que os elementos recolhidos são inaptos para esse efeito. Com efeito, nem a expropriante providenciou pela obtenção da referida informação, nem o tribunal lhe determinou que o fizesse, nem tratou de, por si mesmo, garantir o acesso a elementos que, depois de analisados pelos peritos, haveriam de propiciar – ou não, mas então de forma verificada – um substrato factual mais amplo e necessário à observância do regime indemnizatório estabelecido no citado art. 26º do CE.
Deveria o tribunal, logo após esse requerimento ter sido feito pela expropriada na sequência do conhecimento do relatório de arbitragem, ter interpelado a expropriante para os fornecer. Ou, sucessivamente, a garantir que o Serviço de Finanças disponibilizava a informação para que os peritos lhe tivessem acesso e a pudessem usar ou justificar a sua irrelevância. Não é admissível antecipar, com base num pré-juízo abstracto, isto é, desprovido de qualquer elemento factual e concreto, a impossibilidade de utilização dos dados que pudessem vir a ser assim obtidos.
A invocação do disposto no art. 130º do CPC (prevenção da prática de actos inúteis) não pode servir para obviar à produção de actos que meramente se presume, e em abstracto, que poderão ser infrutíferos ou ineficazes, mas que nas concretas circunstâncias da situação jurídica em apreciação, nenhum elemento concreto evidencia que não possam propiciar os elementos necessários ao cumprimento do regime legal estabelecido. Uma pretensão de celeridade no encerramento do processo não é um motivo relevante para afastar uma solução estabelecida pelo legislador, em função da provável maior demora da tramitação desta.
Por todo o exposto, em observância do disposto no art. 662º, nº 2, al. c) do CPC, tem de anular-se a sentença recorrida, a fim de que, regressando os autos à primeira instância, aí se providencie pela ampliação da decisão sobre matéria de facto, em ordem a possibilitar a avaliação do solo expropriado tendo por base, antes de mais, a comparação com os dados da lista a ser fornecida pelos serviços competentes do Ministério das Finanças, nos termos previstos no cit. art.º 26º, n.º 2, do Cód. das Expropriações. Só no caso de efectiva e concretamente se apurar, em relação à parcela expropriada e em função daqueles dados ou da impossibilidade de os obter, a inadequação do uso desse critério comparativo, preferencialmente estabelecido como regra para o cálculo do valor do solo para construção, se haverá de se proceder a esse cálculo com base no método alternativo do custo da construção.
Procederá, nestes termos, a apelação, ficando, pelo menos por agora, prejudicada a apreciação das restantes questões que vinham suscitadas.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento à presente apelação, por efeito do que decretam a anulação da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662º, nº 2, al. c) do CPC, a fim de que, regressando os autos à primeira instância, aí se providencie pela ampliação da decisão sobre matéria de facto, em ordem a possibilitar a avaliação do solo expropriado tendo por base, antes de mais, a comparação com os dados da lista a ser fornecida pelos serviços competentes do Ministério das Finanças, nos termos previstos no cit. art.º 26º, n.º 3, do Cód. das Expropriações. Só no caso de efectiva e concretamente se apurar, em relação à parcela expropriada e em função daqueles dados ou da impossibilidade de os obter, a inadequação do uso desse critério comparativo, se haverá de proceder a esse cálculo com base no método alternativo do custo da construção.
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Custas pelo apelado.
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Porto, 5/11/2024
Rui Moreira
Maria da Luz Seabra
Maria Eiró