INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DOS BENS DA MASSA INSOLVENTE
LEILÃO
ENCERRAMENTO
Sumário

I – Tendo o leilão eletrónico promovido e realizado pelo AI nos autos de forma regular sido encerrado com a aceitação da proposta de maior valor apresentada dentro dos valores estabelecidos, é inaceitável qualquer outra proposta, mesmo de valor superior, feita, assim, fora da plataforma de leilões e, para além das demais condições previstas no art.º 7.º Anexo ao Despacho Ministerial n.º 12624/2015, de 9.11.
II – Estando encerrado o dito leilão eletrónico não há lugar ao procedimento previsto no n.º 5 do art.º 161.º do CIRE.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 505/14.6T8AMT-F.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4
Recorrente – AA
Recorrido – BB
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Alexandra Pelayo
Desemb. Márcia Portela

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Por apenso aos autos de insolvência onde, por sentença de 4.12.2014, devidamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA, o Sr. AI procedeu, além do mais, à apreensão do bem imóvel designado como verba 4.
Posteriormente, também no respetivo apenso de liquidação da massa insolvente, o Sr. AI promoveu diligências para a liquidação do ativo, através da venda daquele bem na modalidade de leilão eletrónico.
No âmbito do dito leilão, foi apresentada pelo proponente BB a proposta de maior valor, ou seja, de €200.000,00. Pelo que o Sr. AI conferiu aos credores o prazo de 8 dias para se pronunciarem acerca desta proposta, com a advertência de que, findo o mencionado prazo sem que nenhuma oposição fosse deduzida, a mesma seria aceite.
Após o decurso integral do prazo, uma vez que os credores não se pronunciaram, o Sr. AI aceitou a referida proposta, facto do qual deu conhecimento aos credores no dia 29.11.2023.

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No dia 05.12.2023 o proponente BB pagou 20% do preço, ou seja, €40.000,00. O proponente BB pagou ainda à leiloeira a quantia de €12.300,00, a título de comissões inerentes à atividade por aquela desenvolvida.
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No dia 05.12.2023, o Sr. AI foi informado da existência de uma outra proposta de aquisição da verba 4, pelo valor de €210.000,00 e, nessa conformidade, o insolvente requereu, ao abrigo do disposto no art.º 161.º, n.º 5, do CIRE, que se sobrestasse na venda decorrente do leilão eletrónico, caso o Sr. AI não aceitasse a concretização do negócio pelo valor de €210.000,00. Veio ainda o insolvente esclarecer quais os termos do negócio para esta proposta alternativa, do seguinte modo: pagamento de €40.000,00 de sinal de imediato a transferir para a conta da massa insolvente; pagamento de €12.300,00 à leiloeira, também de imediato, contra o envio de fatura; pagamento de €170.000,00 na data da realização da escritura a marcar pelo Sr. AI.
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O credor hipotecário acompanhou a posição do insolvente.
O Sr. AI manifestou a sua oposição ao requerido pelo insolvente.
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Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 161.º, n.º 5, do CIRE, face à existência de uma proposta de aquisição do bem imóvel que integra a massa insolvente por valor superior ao que foi aceite na venda anunciada através de leilão, foi convocada a realização da assembleia de credores e, a fim de melhor sopesar os interesses em jogo, o Tribunal decidiu mandar sobrestar na venda em curso.
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Através de requerimento dirigido aos autos em 27.03.2024, o credor hipotecário Banco 1..., SA, reiterou a sua posição no sentido de dever ser aceite a proposta de valor mais elevado.
Por via de requerimento dirigido aos autos em 03.04.2024, a credora Banco 2..., Sucursal em Portugal da SA francesa Banco 2..., manifestou a sua posição no sentido de dever ser aceite a proposta de valor mais elevado.
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No dia 10.04.2024, realizou-se a assembleia de credores preconizada no art.º 161.º, n.º 5, do CIRE, no âmbito da qual os credores presentes se pronunciaram, nos termos que constam da respetiva ata: ou seja, e em síntese, os insolventes e os credores CC e DD disseram concordar com a venda de acordo com a proposta de maior valor apresentada pelo proponente A..., Unipessoal, Ld.ª; o credor B..., declarou abster-se de tomar posição; o credor Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público, declarou não se opor à proposta que melhor salvaguarde os interesses da massa insolvente.
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De seguida, o Ilustre Mandatário dos insolventes requereu o prazo de 10 dias para juntar aos autos o resultado de eventual contacto que procuraria estabelecer com o proponente vencedor do leilão eletrónico e com o proponente A..., Unipessoal, Ld.ª, o que foi deferido.
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Porém, decorrido aquele prazo, nada sobreveio aos autos que indicasse que tais contactos, no sentido da obtenção de uma solução consensual, tivessem sido encetados.

Pelo que foi proferido despacho de onde consta: Cumpre, pois, recusar provimento à pretensão dos Insolventes, atenta a improcedência dos seus fundamentos, o que se determina.
Termos em que, considerando o exposto, se decide indeferir o requerido, determinando-se o prosseguimento das diligências de venda ao primeiro proponente BB.
Notifique”.

Inconformado com esta decisão, dela veio o insolvente recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que que determine o prosseguimento das diligências de venda conforme deliberado pela assembleia de credores.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido de recusar provimento à pretensão dos insolventes (sobrestar a venda e convocar a assembleia de credores) viola o caso julgado porquanto tal pretensão já havia sido deferida por despacho de 12.03.2024, já transitado em julgado.
2. Os requisitos constantes do artigo 161.º n.º 4 do CIRE, designadamente a demonstração da plausibilidade de qua a alienação a outro interessado seria mais vantajosa para a massa insolvente, são condições que a lei impõe para o Tribunal deferir a pretensão de sobrestar a venda e marcar a assembleia de credores.
3. Após a sustação da venda e marcação da assembleia de credores a questão da demonstração da plausibilidade da vantagem da alienação a outro interessado é uma questão ultrapassada.
4. No caso sub iudice o requerente demonstrou antes da realização da assembleia de credores que a nova proposta era mais vantajosa porquanto tem um valor €10.000 acima do registo de oferta do anterior proponente para além de assegurar a totalidade dos custos da massa insolvente, que neste caso seriam apenas e só o valor de €40.000 e a comissão da leiloeira.
5. Isto porque nas condições de venda aceites pelo proponente consta expressamente na cláusula 6.3 que: “Se a adjudicação/venda vier a ser anulada, dada sem efeito ou declarada nula por quem de direito, todas as quantias entregues à massa insolvente serão devolvidas em singelo ao arrematante, não podendo este último reclamar qualquer compensação ou indemnização, seja a que título for, tudo conforme documento 2 junto com requerimento do insolvente em 02.05.2024.
6. Os credores - no uso da faculdade expressamente prevista no 161.º n.º 5 do CIRE - decidiram em assembleia de credores não consentir na venda projetada pelo Sr. A.I., deliberando no sentido da venda ao proponente A....
7. A deliberação da assembleia de credores não foi objeto de qualquer impugnação, reclamação ou pedido de nulidade por nenhum dos intervenientes processuais.
8. O Tribunal não pode ignorar a decisão da assembleia e determinar o prosseguimento das diligências de venda ao primeiro proponente BB contra uma deliberação da assembleia de credores sobre a qual não incidiu qualquer reclamação, sob pena de praticar um ato que a lei não permite, o que equivale à nulidade desse despacho.
9. 84% da totalidade dos créditos reconhecidos concordou expressamente com a deliberação da assembleia de credores, sendo que nenhum credor votou contra, ou se opôs à mesma de qualquer outra forma.
10. O douto despacho recorrido violou o artigo 178.º do CIRE e os artigos 580.º e 581.º do CPC

O proponente BB/apelado juntou aos autos suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do insolvente/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Saber qual a proposta a julgar “in casu” válida e eficaz.

A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação: “O processo especial de insolvência visa a satisfação dos direitos dos credores pela forma mais eficiente possível.
Tal desiderato esteve na base das alterações legislativas que conduziram à desjudicialização do processo, reduzindo a intervenção do juiz ao que estritamente releva do exercício da função jurisdicional, atribuindo a competência, para tudo o que não colida com esta função, aos demais sujeitos processuais.
Nesta conformidade, o artigo 164.º, do CIRE, estabelece que cabe ao administrador da insolvência a competência exclusiva para escolher a modalidade da alienação dos bens, ouvindo o credor com garantia real sobre o bem a alienar, quanto à modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.
Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior.
Porém, esta proposta só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10/prct. do montante da proposta, o que não se verificou na situação sub judice.
O devedor, bem como um ou mais credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados, têm legitimidade para requerer ao juiz que mande sobrestar na alienação de bens que integram a massa e convoque a assembleia de credores para prestar o seu consentimento à venda.
Nesse âmbito, o requerente terá de alegar e comprovar a plausibilidade de que a alienação a outro interessado seria mais vantajosa para a massa insolvente.
«Na ponderação de plausibilidade de vantagem para a massa insolvente na alienação a outro interessado, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 161.º do CIRE, não basta a apresentação de uma proposta de aquisição por preço superior, sendo necessário ter alguma garantia de que não se vai substituir uma proposta firme, aceite e caucionada, por uma proposta desacompanhada de qualquer garantia de cumprimento que, em caso de eventual incumprimento deixaria a massa numa situação de obrigação de devolução da caução, ressarcimento dos prejuízos do projetado comprador e reinício do processo de venda» – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 24272/17.2T8LSB-F.L1-1, Relator: Fátima Reis Silva, de 12.10.2021.
(…)
Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, na medida em que a tanto não se oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia ou, em caso de dispensa da sua realização, como sucedeu, a pronúncia dos credores acerca do relatório a que se refere o artigo 155.º, do CIRE.
Deste modo, o Administrador da Insolvência detinha já autorização dos credores da insolvência para a alienação dos bens apreendidos, a qual torna dispensável a autorização subsequente para a celebração em concreto de um dado negócio de alienação, quer pela comissão de credores, quer pela assembleia de credores, na falta daquela.
O dever de informação perante a comissão de credores previsto no artigo 161.º, n.º 4, do CIRE não implica que seja exigível a sua autorização para o concreto ato de alienação.
A decisão final pertence ao Sr. Administrador da Insolvência, a quem cabe a promoção das diligências de liquidação do ativo (cf. artigos 158.º, n.º 1 e 164.º, n.º 1, do CIRE), independentemente da imposição de observância dos deveres de informação e de audição (cf. artigos 161.º, n.º 4 e 164.º, n.º 2, do CIRE).
E o administrador deve cumprir as obrigações emergentes para a massa de atos já praticados.
Todos os credores, incluindo evidentemente o credor com garantia real sobre o bem que o Sr. Administrador está a diligenciar vender foram ouvidos e informados do preço da alienação projetada assim como da identidade do adquirente.
Face ao exposto, não merece qualquer censura a prática, pelo Sr. Administrador, dos atos tendentes à venda do bem identificado sob a verba 4 do auto de apreensão.
Nos termos e para os fins referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 164.º, do CIRE, o credor com garantia real beneficia de uma posição privilegiada para fazer valer os seus direitos, designadamente o de apresentar uma proposta de aquisição, para si ou para terceiro, mais elevada que a que foi obtida pelo administrador da insolvência, o qual, se a não aceitasse, ficaria responsável pela diferença, nos termos definidos pelo n.º 2 do art.º 164.º, do CIRE.
Não obstante, tal privilégio está condicionado ao preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 164.º, n.º 4, do CIRE: a proposta apresentada nos termos dos n.ºs 2 e 3, daquele preceito legal só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10/prct. do montante da proposta, o que não se verificou na situação sub judice.
De realçar que, para além da venda dever ser feita “com prontidão”, nos termos exigidos pelo n.º 1 do art.º 158.º, é possível que o decurso do tempo possa redundar em ganhos, através da obtenção de propostas de maior valor.
Mas também pode acontecer que os primeiros proponentes se deixem desmotivar pela demora, retirem a oferta que apresentaram e peticionem indemnizações cujo ressarcimento procederá da massa insolvente, causando assim, com grande probabilidade, maiores prejuízos do que vantagens para os credores.
Os requerentes não demonstraram a plausibilidade de que a alienação a outro interessado seria mais vantajosa para a massa insolvente.
Fica, assim, por comprovar a razoabilidade/plausibilidade, por ser mais vantajosa para a massa, da alienação a outro interessado que, de resto, não prestou quaisquer garantias nos autos, pelo preço de €210.000,00”.
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Vejamos.
Segundo o que se dispõe no n.º1 do art.º 158.º do CIRE, “Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar”.
Efetivamente nos autos, estamos em fase de liquidação da massa insolvente, afim de posteriormente se proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, após a liquidação das dívidas da própria massa insolvente, cfr. art.ºs 172.º e 173.º do CIRE.
Ora, preceitua o n.º 1 do art.º 164.º do CIRE que: “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
Sobre este poder do AI referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 616, que resulta do n.º1 do art.º 162.º do CIRE que a decisão quanto à escolha da modalidade de alienação dos bens integrantes da massa insolvente “é cometida, em exclusivo, ao administrador da insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores”, sendo certo que tal “decisão não ser censurável, através de qualquer tipo de impugnação, perante outros órgãos ou perante o juiz”. Sem olvidar que o AI tem o dever de ouvir o credor com garantia real sobre a modalidade da venda e o ónus de informá-lo do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.
À venda em leilão eletrónico reporta-se o art.º 837.º do C.P.Civil, aplicável ao caso presente “ex vi” do art.º 17.º do CIRE. Ora, dispõe o n.º1 do art.º 837.º do C.P.Civil que a venda em leilão eletrónico é realizada nos termos a definir por Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça. Tal Portaria é a n.º 282/2013, de 29.08, resultando do seu art.º 20.º que: “Entende-se por «leilão eletrónico» a modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”.
E preceitua o seu art.º 23.º que:
“1 - As ofertas de licitação para aquisição dos bens em leilão são introduzidas na plataforma a que se refere o artigo 20.º, entre o momento de abertura do leilão e o dia e hora designados na plataforma eletrónica referida no artigo anterior para o seu termo.
2 - Só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda.
3 - As ofertas, uma vez introduzidas no sistema, não podem ser retiradas”.
E resulta do seu art.º 24.º que o resultado do leilão eletrónico é disponibilizado no sítio da Internet de acesso público a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, acrescentando o art.º 26.º que: “Compete ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens”.
Relevante é ainda para o cabal entendimento do funcionamento do leilão eletrónico o teor do Despacho n.º 12624/2015, de 9.11 da Ministra da Justiça, que define como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologa as regras do sistema aprovadas por essa entidade e onde na al. g) do n.º1 do art.º 2 do seu Anexo se define «Leilão eletrónico» a modalidade de venda que utiliza meios informáticos para a licitação de determinado bem ou conjunto de bens que integram um lote, à melhor oferta de preço durante um período limitado de tempo”
In casu”, está provado nos autos que o leilão eletrónico promovido pelo Sr. AI para a venda da verba n.º 4 do auto de apreensão de bens para a massa insolvente, realizou-se, tendo o proponente BB apresentado a proposta de maior valor, ou seja, de €200.000,00, que o Sr. AI aceitou, por nada ter sido oposto por qualquer credor, como foi aos mesmos comunicado no 29.11.2023. Consequentemente, o dito proponente no dia 5.12.2023, pagou 20% do preço - €40.000,00 - e ainda a quantia devida à leiloeira, pelo trabalho por esta desenvolvido para o ato.
Sendo que, por força do disposto no n.º8 do art.º 8º do Anexo do Despacho da Ministra da Justiça n.º12624/15 e no art.º 24.º da Portaria n.º 282/13, o encerramento do leilão é validado eletronicamente pelo agente de execução, ou AI, que a ele presidiu, indicando o número da proposta de valor mais elevado e o respetivo valor, sendo o resultado disponibilizado em www.e-leiloes.pt.
Ora, como resulta do teor do n.º 10 do art.º 8.º do anexo ao supra referido Despacho Ministerial, após a conclusão/encerramento do leilão eletrónico e da aceitação da proposta que reunir as melhores condições, o AI tem o prazo de 10 dias para dar execução às operações necessárias à adjudicação do bem a vender, ou seja, para realizar as diligências necessárias para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente.
Pois que, na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do AI, esta deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada – emissão pelo AI de título de transmissão a favor do proponente/adjudicatário. Ou seja, na venda por leilão, a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respetivo título de transmissão, o instrumento de venda, ou como refere Lebre de Freitas, reportando-se à venda executiva, o que é aplicável ao caso em apreço “ex vi” do art.º 17.º do CIRE, in “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. 3.º, pág. 582: “Com a aceitação da proposta, o ato da venda não fica concluído. (…) só depois de integralmente pago o preço (art.º 897-2) é que os bens são adjudicados (art.º 900-1) e é efetuado o registo da venda (art.º 900-2). O depósito do preço não constitui uma simples conditio juris (condição de eficácia dum negócio já perfeito, mas um elemento constitutivo da venda executiva por proposta em carta fechada.”
E, como se viu, “in casu”, o Sr. AI realizou tais diligências, acabando por aceitar a proposta de BB, a que se seguiria a adjudicação do bem, já que como resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do Anexo ao supra citado Despacho Ministerial “«Adjudicação» (é) a decisão tomada no âmbito do processo de execução pelo agente de execução, que decida a venda de um bem ou conjunto de bens integrados num lote, a um utente que apresentou a licitação mais elevada, depois de ter depositado o preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais”.
E depois de tudo o que deixámos consignado, manifesto é concluir que encerrado o leilão eletrónico, é de todo inaceitável qualquer outra proposta, mesmo como “in casu”, com um valor de mais €10.000,00, feita fora da plataforma de leilões em causa e, para além das demais condições previstas no art.º 7.º Anexo ao referido Despacho Ministerial.
É certo que preceitua o n.º5 do art.º 161.º do CIRE que “O juiz manda sobrestar na alienação e convoca a assembleia de credores para prestar o seu consentimento à operação, se isso lhe for requerido pelo devedor ou por um credor ou grupo de credores cujos créditos representem, na estimativa do juiz, pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados, e o requerente demonstrar a plausibilidade de que a alienação a outro interessado seria mais vantajosa para a massa insolvente”. Mas, como é evidente tal apenas poderá suceder enquanto estiver a ocorrer, ou antes de começar a ocorrer a venda, mas que esteja já aprazada.
Pelo que, salvo o devido respeito, as diligências levadas a cabo pela 1.ª instância no sentido do constante do referido n.º 5 do art.º 161.º do CIRE, após o requerimento apresentado pelo insolvente, foram absolutamente intempestivas e mesmo inúteis, uma vez que o leilão eletrónico realizado nos autos de forma regular estava já, à data, encerrado, ou seja, nada havia a sobrestar.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões do apelante, havendo de ser confirmar a decisão recorrida, embora por fundamentação diferente.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, embora por fundamentação diferente.
Custas pelo apelante.

Porto, 2024.11.05
Anabela Dias da Silva
Alexandra Pelayo
Márcia Portela