SOCIEDADE IRREGULAR
Sumário

I - Não há necessidade de prosseguimento da ação para produção de prova se a questão a apreciar – ainda que exista matéria de facto alegada controvertida – se cinge à subsunção jurídica dos factos alegados (quer estejam provados, quer estejam ainda carecidos de prova), de molde a permitir a imediata decisão da ação, designadamente, no sentido da sua improcedência (por a matéria de facto ainda controvertida não permitir, ainda que provada ficasse, outra decisão).
II - A afirmação da existência de uma sociedade irregular pressupõe um acordo societário mínimo, de onde resulte a verificação dos três elementos essenciais - elemento pessoal e plural (duas ou mais pessoas), o elemento patrimonial (obrigação de contribuir com bens e serviços) e o elemento teleológico (o exercício em comum de certa atividade económica que não seja de mera fruição a fim de repartirem o lucro) -, e ainda que resulte do acordo efetuado a vontade de constituição de uma nova entidade ou organização autónoma que exerça a visada atividade económica com vista à obtenção de lucro.
III - Um acordo no qual se definem os termos em que os seus outorgantes se obrigam a intervir na licitação de 3 verbas que integram uma herança ilíquida e indivisa da qual, juntamente com terceiros alheios a esse acordo, são herdeiros, bem como as consequências decorrentes do sucesso da licitação por qualquer deles relativamente às referidas verbas, é insuscetível de integrar a constituição e existência de uma sociedade irregular.

Texto Integral

Processo 1045/22.5T8PVZ.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 1
Recorrente(s) AA e BB e CC, habilitados por óbito do autor falecido DD

Recorrido(a/s) EE e marido FF, GG, HH, II e JJ

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Sumário
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

DD e mulher AA instauraram ação declarativa, com processo comum, contra EE e marido FF, GG, HH, II e JJ, peticionando que seja declarada a nulidade da sociedade irregular existente entre Autores e Réus, determinando-se na sentença a entrada em liquidação da sociedade irregular.
Para tanto, alegaram que na pendência de partilha extrajudicial da herança aberta por óbito dos progenitores do autor CC, os autores e réus outorgaram acordo, titulado por documento escrito e assinado que juntam – denominado “Ajuste Contratual” –, pelo qual se associaram para, no âmbito da partilha em que, além das partes outorgantes do acordo, intervinham outros herdeiros, licitarem certos bens em condições mais favoráveis “que lhes permitissem juntar mais meios financeiros para alavancar a licitação e no futuro vendê-los no mercado por melhor preço, repartindo entre si os lucros resultantes desta sociedade”.
Na partilha efetuada foram licitados e adjudicados dois dos bens referidos no aludido ‘Ajuste Contratual” a cada uma das rés GG e HH.
Ulteriormente foi feita uma alteração à cláusula do “Ajuste Contratual” que previa as consequências de uma efetivação da prevista licitação e adjudicação de verbas a um dos intervenientes no acordo, mantendo-se a estipulação de que as mesmas “serão tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arrematado”, “ainda que os mesmos venham a ser escriturados em favor apenas do licitante”, mas alterando-se a proporção da aludida participação dos outorgantes: a redação inicial de que as verbas adjudicadas “serão tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arrematado na proporção de cada um dos quinhões respetivos” foi alterada para “serão as mesmas tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arrematado na proporção de 33,33% para o Outorgante identificado em A), 33,33% para a Outorgante identificada em C) e 33,33% para o conjunto das Outorgantes identificadas em E), F), G) e H) sendo esta parte dividida equitativamente, entre estas”.
Alegam que foi outorgada, por todos os herdeiros, Escritura de Partilha Extrajudicial dos bens da herança, que juntam, mas que o teor da referida escritura não corresponde à verdade quanto aos valores das tornas pagas aos herdeiros a quem eram devidas – sendo tais tornas de valor superior ao constante da escritura, por acordo entre todos os herdeiros –, nem quanto às declarações dos intervenientes no “Ajuste Contratual” de recebimento das tornas, uma vez que as não receberam.
Alegam ainda que os pagamentos de tornas aos herdeiros não intervenientes no acordo foram efetuados de molde a ocultar àqueles terem sido os réus EE e FF a efetuarem tais pagamentos. Tal pagamento por parte destes réus foi feito em execução de acordo escrito, denominado “Declaração Conjunta”, que juntam.
Subsumem os autores os alegados acordos entre autores e réus, reduzidos a escrito nos termos dos documentos juntos pelos autores com a petição inicial, acima referidos, nos quadros de um ‘acordo societário’, qualificando os pagamentos de tornas efetuados com dinheiro dos 1.os réus, a adjudicação a cada uma das rés GG e HH de uma de duas verbas referidas no “Ajuste Contratual”, o não recebimento de tornas e acordo quanto a ulterior ajuste face ao referido pagamento de tornas pelos 1.ºs réus, como integrando “o aporte de bens à sociedade” que as partes quiseram constituir para a atividade comercial consistente na aquisição das referidas duas verbas adjudicadas às rés GG e HH e ulterior venda das mesmas no mercado, para ulterior divisão do resultado obtido nas proporções acordadas na alteração ao “Ajuste Contratual”.
Alegam ainda que para tal fim, acordaram na celebração, pelas referidas rés a favor de quem se encontra inscrita no registo predial a aquisição das verbas que lhes foram adjudicadas, de contratos de mediação imobiliária (outorgados por estas mas sendo do conhecimento da imobiliária a existência dos demais interessados no negócio) para a venda das aludidas frações, tendo ulteriormente sido apresentada proposta de aquisição de uma das verbas pelo advogado que prestou toda a assistência às partes na realização dos acordos escritos outorgados, que foi aceite pelos réus, com a oposição dos autores, face ao que foi efetuada a venda dessa verba, pelo valor declarado de € 230.000,00, recebido pela ré HH, permanecendo a outra verba, de maior valor, com registo de aquisição a favor da ré GG, por vender.
Mais alegam que as frações que integram essa verba estavam e estão arrendadas e que as rendas recebidas pela ré GG ascenderão pelo menos a € 37.200,00, defendendo que essas rendas “integram o ativo societário”.
Defendem que de tal factualidade resulta que entre autores e réus foi constituída uma sociedade tendo por objeto a aquisição dos dois imóveis para futura venda e repartição dos lucros, a qual não foi constituída formalmente, bastando-se as partes com a «(…) assinatura do “Ajuste Contratual”, sua “Alteração” e “Declaração Conjunta”, embora tenham desenvolvido o seu negócio nos termos acordados, com mediadores e representantes em comum. (…)»; que padecendo a mesma de vício de forma, «(…) por falta de escritura pública ou documento particular autenticado, pela natureza dos bens (imóveis) com que os sócios entraram para a sociedade, do seu registo do título constitutivo e da respetiva matrícula e publicações estatutárias. Cfr. Arts. 7º, nº 1 do CSC e 22º, alínea d) do DL 116/2008, de 4 de julho (…)», se aplica o regime das sociedades civis nas relações entre os sócios – art. 36.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais –, e a «(…) aplicação do regime de invalidade por declaração de nulidade do contrato de sociedade, com o efeito de determinação da entrada da sociedade em liquidação; devendo este efeito ser mencionado na sentença. Cfr. Arts. 52º, nº 1 do e art. 165º do CSC. (…)».

Citados, os réus contestaram, impugnando parcialmente os factos e, embora não impugnando a celebração dos acordos escritos juntos com a petição inicial, invocando que do acordado em tais documentos não emerge qualquer declaração obrigacional de constituição de uma sociedade comercial, ainda que irregular, não se preenchendo os elementos típicos essenciais para a qualificação jurídica do acordo como a constituição, ainda que irregular, por falta de forma, de um ente societário, sendo o acordo celebrado totalmente omisso quando ao mínimo exigido para a definição do objeto social da futura sociedade, quanto à previsão de obtenção e distribuição de lucro e quanto à vontade das partes se associarem para desenvolverem uma atividade comum, com repartição de funções e finalidade lucrativa. Pelo contrário, o que resulta claramente do texto do Ajuste Contratual outorgado é a pretensão dos outorgantes de “reunirem-se em regime de compropriedade quanto aos bens adjudicados, e não associarem-se em regime societário” – tendo, de resto, as partes previsto expressamente no acordo escrito celebrado a consequência prevista para o seu incumprimento, o que afasta a alegada intenção de constituição de uma sociedade.
Mais alegam a inadmissibilidade de afastamento do acordo emergente da escritura pública de partilha pelos acordos paralelos alegados, estando em causa não qualquer constituição de sociedade irregular, mas antes a nulidade/invalidade/ineficácia das declarações negociais anteriores à outorga da escritura de partilhas – que invocam relativamente ao denominado “Ajuste Contratual”, por ser nulo por vício de forma dada a exigência de instrumento público para a estipulação do regime de compropriedade para as verbas (imóveis) aí referidas.
Concluem pela improcedência da ação.

Foi facultado e exercido pelos autores o contraditório quanto às exceções invocadas, no sentido da sua improcedência.
Foi facultado às partes o exercício do contraditório quanto à possibilidade de conhecimento imediato do mérito (despacho de 10-01-2023; ref. 443902845), tendo os réus manifestado a sua condordância (requerimento de 12-01-2023, ref. 34407342).
Face ao óbito do autor, ocorrido em 3 de janeiro de 2023, foi suspensa a instância até habilitação dos sucessores.
No apenso de habilitação de herdeiros n.º 1045/22.5T8PVZ-A foi proferida, em 15-09-2023 (ref. 451644957) sentença de habilitação dos filhos do autor falecido, BB e CC, como sucessores do autor falecido, para com os mesmos prosseguir termos a causa.
Por requerimento de 17-10-2023 (ref. 36974980), a autora e os herdeiros habilitados como sucessores do autor falecido manifestaram a sua discordância quanto à possibilidade de conhecimento imediato do mérito da ação, defendendo existirem factos alegados e impugnados que carecem de produção de prova, essenciais para a determinação da vontade das partes, defendendo ser prematura quer a conclusão da inexistência de uma sociedade irregular, quer da possibilidade de conhecimento imediato do mérito, sem ser dada aos autores a possibilidade de produzirem prova sobre toda a matéria levada à petição inicial.

Marcada audiência prévia, veio subsequentemente, na fase intermédia da ação (art. 595.º do Cód. Proc. Civil), a ser proferida pelo tribunal a quo despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou ser manifesta a improcedência da ação, absolvendo os réus dos pedidos contra si deduzidos.

Inconformados, os autores AA e filhos BB e CC, habilitados por óbito do falecido DD, apelaram desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:
a) A Sentença é nula por omissão de pronúncia sobre a verificação dos pressupostos que permitiram o conhecimento imediato do mérito da causa no Despacho saneador, sem necessidade da produção de prova oferecida, i.e., omissão de pronúncia sobre questão que devesse apreciar, dando cumprimento à verificação dos pressupostos de aplicação do art. 595º, nº 1. Nulidade prevista no artº 615º/1, al. d) do CPC.
b) A sentença é também nula por não fixar os factos provados e não provados que suportam a decisão improcedência da acção. A não especificação da fundamentação de facto que justifique a decisão, nomeadamente, por não declarar os factos que julga provados e não provados, configura a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, b), por referência aos requisitos previstos no art.º 607º, nº 4, ambos do CPC.
c) A sentença conclui que os factos alegados não suportam os elementos constitutivos da verificação de uma sociedade irregular, mas não levou à sentença que concretos factos articulados na petição possa ter analisado e pelos quais haja concluído da respectiva inidoneidade para, se provados, serem subsumíveis à existência de uma sociedade irregular.
d) A sentença não procedeu à análise dos meios probatórios oferecidos, nem dos requeridos; tampouco ponderou o respectivo alcance quanto à possível determinação e revelação da vontade real das partes.
e) A sentença recorrida afirma que o acordo denominado de “Ajuste Contratual”, de 16.09.2016, não consubstancia a constituição de uma sociedade irregular com o objeto de aquisição de dois imóveis, verbas nº 1 e 2, para futura venda e repartição de lucros, procedendo apenas à leitura da letra do “Ajuste Contratual” e atendo-se assim apenas à respetiva literalidade.
f) A sentença desconsidera em absoluto que na petição inicial articulou-se expressamente que durante 4 anos, Recorrentes e Recorridos, (i) se associaram, (ii) gizaram e puseram em prática um plano de aquisição de imóveis de herança em que eram interessados, (iii) aportaram meios financeiros próprios ou prescindiram de receber valores, para viabilizar a aquisição dos 2 imóveis em condições mais favoráveis; (iv) que para poderem manter o negócio nessas condições cada um dos imóveis seria, como foi, escriturado apenas em nome de 2 das sócias, por sinal aquelas que tinham menor direito na herança e que para o efeito (v) os outros sócios financiaram essa aquisição, para (vi) futuramente, como sucedeu, colocarem em agência de mediação imobiliária e venda esses mesmos imóveis por melhor preço e (vii) repartirem entre si os lucros resultantes desta actividade comercial.
g) Assim, sobre os temas da génese, vontade societária (affectio societatis), fins desejados pelas partes na elaboração do documento “Ajuste Contratual”, onde se inclui o acordo quanto à finalidade dos bens a licitar, foram articulados na pi e em absoluto desconsiderados na sentença os artigos 19 a 25, 27 28, 30, 36 e 37.
h) Sobre a execução do “Ajuste Contratual”, os aportes financeiros das partes para viabilizarem a aquisição do património imobiliário adquirido em consequência das licitações, onde se inclui o acordo quanto às funções e desempenho financeiro de cada interveniente, foram articulados e desconsiderados os artigos 54 a 61.
i) Sobre os factos relativos aos actos e diligências respeitantes ao investimento do património imobiliário adquirido, onde se inclui o acordo quanto à atividade comercial prosseguida para o investimento do património social, foram articulados e desconsiderados os artigos 62 a 72, 74, 75 e 79 a 81.
j) Todos estes temas, constituem elementos da causa de pedir, por referência aos requisitos de verificação de uma sociedade irregular, tal com prevista no art. 980º do C. Civil e na construção jurisprudencial na determinação, entre outros, do elemento “affectio societatis” e da vontade real das partes.
k) A respeito das matérias referidas nas conclusões g, h, i, e j), a sentença omite igualmente qualquer menção, análise ou ponderação quanto aos documentos 23 a 33, respeitantes aos processos de venda e mediação imobiliária, propostas negociais e troca de correspondência entre os sócios.
l) Tal como em relação aos cheques bancários juntos na pi como docs. 13 a 17, e mediante os quais os co-herdeiros não outorgantes do “Ajuste Contratual”, receberam efetivamente tornas, mas não através dos cheques nominativos identificados como meios de pagamento na escritura pública de 17.12.2018.
m) Acresce que para a determinação da vontade real das partes, foi requerida a prova por confissão de todos os RR., forma arroladas 6 testemunhas e requerida prova documental em poder da parte contrária
n) Lê-se na decisão recorrida que não há qualquer acordo quanto à finalidade dos bens a licitar; nem quanto à atividade ou objeto social a prosseguir pela eventual sociedade; nem qualquer acordo quanto às funções que cabiam a cada interveniente; nem quando a quem caberia a eventual gerência ou fiscalização da atividade”.
o) A matéria articulada desmente abundantemente tal afirmação, porque precisamente elenca a finalidade dos bens a licitar; elenca como, de que forma, por quem e com que meios financeiros seriam adquiridos os imóveis; elenca as funções de cada um dos sócios, desde quem e como licitaria e adquiria; quem aportava meios financeiros; quem deles prescindia; quem colocava no mercado; quem tinha uma palavra ou voto, sobre o destino e preço dos imóveis a comercializar.
p) Se provados a estes factos, ficará, smj., demonstrada a existência de affectio societatis, ou seja, intenção de cada um dos sócios de se associarem uns com os outros, assumindo direitos e obrigações comuns, formando-se uma actividade comercial e uma entidade colectiva distinta, à qual se afectou a criação de um fundo composto, no caso concreto, por dois imóveis que os sócios acordaram em adquirir, por licitação, conjunta ou individual, mas em qualquer caso afectado-os aos fins da sociedade. Imóveis que assim acordaram adquirir para futura venda no mercado, em condições mais favoráveis.
q) Para efeitos de tal aquisição e afectação conjunta, cada um dos sócios aportou à sociedade o seu quinhão hereditário, bem como o valor de tornas nunca recebidas, bem como o adiantamento de quantias para pagamento de tornas efectivas aos herdeiros estranhos a este acordo societário.
r) Repartindo o resultado que viesse a ser obtido, não nos termos do direito sucessório de cada um dos associados, mas do que resultou dos termos acordados: 33,33%, para o Autor; 33,33% para os 1ºs RR.; 33,33% a dividir em partes iguais entre as 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Rés.
s) Assim, entre Autores e Réus foi constituída sociedade, ainda que irregular, tendo por objecto a aquisição dos dois imóveis para futura venda e repartição dos lucros.
t) Os sócios nunca chegaram a constituir formalmente uma sociedade comercial para a exploração regular deste negócio, bastando-se com a assinatura do “Ajuste Contratual”, da sua “Alteração” e da “Declaração Conjunta”, da entrega para mediação imobiliária, de reuniões e trocas de email onde todos emitiram opinião sobre venda dos imóveis, mesmo não sendo os proprietários inscritos.
u) O “Ajuste Contratual”, a sua “Alteração” e a “Declaração Conjunta”, são documentos particulares sem reconhecimento notarial; tendo sido alegado não corresponderem à vontade real das partes as declarações neles constantes, torna-se essencial a produção da prova requerida, para que o Tribunal possa aplicar as normas jurídicas relativas à interpretação das declarações negociais. Cfr. artigos 236º/2 e 238º/2 do C. Civil.
Normas violadas arts. 980º, 236º e 238º, 376º a contrario todos do Código Civil. 595º, nº 1 b), 606, nº 4, ambos do CPC.

Peticionam a revogação da decisão apelada, com a determinação do prosseguimento dos autos para prolação de novo despacho saneador, com delimitação do objeto do litígio, enunciação dos temas da prova e admissão dos meios de prova.
Excetuando a ré II, os demais réus apresentaram resposta às alegações de recurso dos apelantes, suscitando como questão prévia a rejeição do recurso, por incumprimento do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, imposto pelo art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, e pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questão prévia:

Sustentaram os apelados, na resposta ao recurso, a rejeição deste por os apelantes pretenderem que seja analisada a prova que apresentaram e que alegam ser constituída por “100 factos”, além de “prova documental”, sem terem indicado, especificadamente, cada um dos 100 factos que alegam terem trazido aos autos e não indicaram, para cada um deles, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
É desprovida de fundamento a invocação da violação do art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, como fundamento para a rejeição do recurso, uma vez que este não tem por objeto – diferentemente do que afirmam os apelados – qualquer impugnação da decisão sobre a matéria de facto considerada na decisão recorrida.
O fundamento do recurso é antes a invocação de erro da decisão recorrida, por haver matéria de facto impugnada e carecida de prova, não considerada na decisão apelada, cuja apreciação é necessária para a apreciação do mérito.
Concluímos, assim, pela improcedência da pretendida rejeição do recurso.

III – Objeto do recurso:

Atentas as conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir:
– Nulidade da sentença:
a) Por omissão de pronúncia sobre a verificação dos pressupostos justificativos do conhecimento do mérito sem necessidade de produção de prova – art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC
b) Por falta de fixação dos factos provados e não provados que suportem a decisão de improcedência – art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
– Mérito da decisão: erro de julgamento quanto à possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa; (in)admissibilidade da qualificação da factualidade alegada como constituição de uma sociedade irregular.
Acresce a decisão sobre a responsabilidade pelas custas.
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IV – Fundamentação:

Factos considerados na decisão recorrida

O tribunal a quo considerou encontrar-se já assente – por documento com força probatória plena ou admitidos por acordo –, com relevância para a decisão proferida, a seguinte matéria de facto:

1 – O Autor é filho de KK, falecida a 17.04.2011, e de LL, falecido a 21.04.2013.
2 – O Autor faleceu em 3.01.2023, tendo sido julgados habilitados como herdeiros, para além da Autora, os filhos BB e CC, filhos de ambos – apenso A.
3 – Sucederam-lhes como herdeiros de KK e de LL os seus quatro filhos, o entretanto falecido, DD, MM, EE e LL.
4 – E ainda as cinco netas, GG, HH, II, JJ e NN, filhas do pré-falecido OO, filho daqueles KK e LL.
5 – Em 16.01.2016, Autores e Réus celebraram um contrato-promessa de partilha, pelo qual fixaram e identificaram os bens imobiliários que integravam a herança, dos falecidos KK e LL, conforme Doc nº3 junto com a pi, cujo teor se dá por reproduzido.
6 – Em tal contrato acordaram que a verba nº 4 ficasse adjudicada à 1ª Ré EE, pelo valor da avaliação, que foi de 445.000,00€.
7 – Em 16.09.2016 foi outorgado entre Autores e Réus, um acordo denominado “Ajuste Contratual”, Doc 8, junto com a pi, cujo teor se dá por reproduzido, em que os outorgantes se obrigavam reciprocamente à licitação de alguns dos bens imoveis, em concreto das verbas nºs 1, 2 e 9.
8 – Conforme clausula 2ª foram estabelecidos limites máximos para efeitos de licitação.
9 – Conforme cláusula 7ª de tal acordo referido em 7), as demais verbas que compõem o acervo hereditário a partilhar seriam licitadas individualmente sujeitando-se os outorgantes às regras normais da licitação, da eventual adjudicação e consequências daí advenientes.
10 – Em 19.10.2016, os outorgantes do aludido “Ajuste Contratual”, acordaram na alteração da redação da clausula 3ª, nº1, em documento denominado “Ajuste Contratual (Alteração)”, conforme Doc nº10, junto com a pi, cujo teor se dá por reproduzido.
11 – Em 17.12.2018 foi realizada escritura pública de partilha da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos referidos KK e marido LL.
12 – No âmbito de tal escritura pública, foi adjudicada à Ré GG a verba nº1, aí melhor descrita, pelo valor aí descrito, e à Ré HH, foi adjudicada a verba nº2, aí melhor descrita, pelo valor aí descrito – cfr. Escritura pública junta com a pi, como Doc nº12, cujo teor se dá por reproduzido.
13 – Com a mesma data da escritura pública, as partes realizaram documento intitulado “Declaração Conjunta”, junto como Doc nº18, junto com a pi, cujo teor se dá por reproduzido, em que as partes salvaguardam o reembolso do adiantamento para tornas a efetuar pela herdeira EE e marido, no montante de €204.284,80, nada sendo referido quanto às verbas nº1 e nº2.

Arguição de nulidades (vícios processuais)

Fundamentam os apelantes a pretendida nulidade da sentença na alegação de que:
a) – houve omissão de pronúncia sobre a verificação dos pressupostos que permitiram o conhecimento imediato do mérito da causa no despacho saneador, sem necessidade de produção da prova oferecida – o que integra a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Civil;
b) – não são fixados os factos provados e não provados que fundamentam a decisão – o que integra a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, b), por referência aos requisitos previstos no art. 607.º, nº 4, ambos do Cód. Proc. Civil.

Dispõe o art. 615.º (Causas de nulidade da sentença), no seu n.º 1, nos seguintes termos:
1 - É nula a sentença quando:
a) (…);
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) (…);
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) (…).

As nulidades previstas neste n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil respeitam à estrutura da sentença.
Quanto à arguida omissão de pronúncia sobre a verificação dos pressupostos que permitiram o conhecimento do mérito da causa, não colhe a invocada nulidade desde logo porque – diferentemente do que os apelantes alegam –, houve expressa pronúncia sobre a razão pela qual o tribunal considerou que podia conhecer imediatamente do mérito da ação, sem necessidade de produção de mais prova.
Na decisão apelada foi dito que, «Conforme despacho proferido a 10.01.2023, o tribunal considera-se apto a conhecer do mérito da causa.», porque « analisada a causa de pedir, verificados os factos em que os AA fazem assentar as pretensões deduzidas e confrontados aqueles com estas, concluímos, nesta fase, que a pretensão dos AA é manifestamente improcedente, porquanto os aludidos factos não suportam a pretendida solução de direito.»
Está afirmada e fundamentada a razão pela qual o tribunal a quo entende poder conhecer do mérito da causa sem necessidade de produção de mais meios de prova: da consideração, efetuada pelo tribunal recorrido, de que os factos alegados pelos autores na petição inicial são insuscetíveis de determinar a procedência da ação, face aos pedidos deduzidos, resulta a consequente desnecessidade de produção de prova quanto a matéria de facto alegada na petição inicial ainda controvertida.
Não se impõe ao tribunal a necessidade de produção dos meios probatórios oferecidos se considera que, perante os factos alegados carecidos de prova, a ação sempre seria improcedente.

No que concerne à arguição da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, também é manifesta a sua improcedência, uma vez que, contrariamente ao que os apelantes alegam, foram indicados os factos com fundamento nos quais foi apreciada e decidida a manifesta improcedência da ação.
Tal resulta com absoluta clareza do elenco de factos numerados de 1 a 13. considerados na decisão apelada, acima transcritos neste acórdão como Factos considerados na decisão recorrida.

Concluímos, por conseguinte, pela inexistência das arguidas nulidades da decisão recorrida, com a sua consequente improcedência.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito a abordar:
1. Prematuridade do conhecimento de mérito
2. Viabilidade da ação
2.1. Factualidade alegada pelos autores na petição inicial
2.2. Prosseguimento da ação para determinação da vontade real das partes
2.3. Prosseguimento da ação para interpretação do acordo celebrado entre as partes
2.4. Subsunção jurídica da factualidade alegada
3. Responsabilidade pelas custas

1. Prematuridade do conhecimento de mérito

Discordam os apelantes da decisão apelada alegando que o tribunal a quo se ateve à literalidade do “Ajuste Contratual”, devendo a ação prosseguir para se apurarem os factos alegados na petição inicial quanto à «(…) possível determinação e revelação da vontade real das partes. (…)».
Alegam que a decisão apelada desconsiderou em absoluto o que se alegou na petição inicial quanto à existência da “vontade societária” (artigos 19 a 25, 27 28, 30, 36 e 37), quanto à forma de execução do “Ajuste Contratual” (artigos 54 a 61); quanto aos atos e diligências respeitantes ao investimento do património imobiliário adquirido (artigos 62 a 72, 74, 75 e 79 a 81).
Defendem os apelantes, em suma, que não estavam reunidos os elementos necessários para conhecer do mérito da causa porque existem factos alegados pelos autores na petição inicial carecidos de produção de prova dos quais pode resultar a determinação da vontade real das partes – que defendem estar alegada na petição inicial – que suporta a pretensão da afirmação da existência de uma sociedade irregular, nula por vício de forma – falta de escritura pública ou documento particular autenticado – e de determinação da sua entrada em liquidação. Tal configura a arguição de existência de um erro de julgamento do tribunal a quo quanto à possibilidade de conhecimento do mérito da ação, por existir matéria de facto alegada e controvertida, cuja prova pode determinar a procedência dos pedidos por si deduzidos.

2. Viabilidade da ação

A procedência do recurso pressupõe, deste modo, a afirmação da necessidade e pertinência para a decisão da ação do pretendido conhecimento da ‘vontade real das partes’ subjacente aos documentos que a decisão recorrida considerou e valorou na fundamentação do juízo de manifesta improcedência da ação, por considerar que os termos do acordo deles emergente é insuscetível de integrar a figura jurídica da constituição e existência de uma sociedade irregular invocada pelos apelantes.
Tais documentos são o “Ajuste Contratual”, a sua “Alteração” e a “Declaração Conjunta” – tendo a decisão recorrida considerado ainda na análise jurídica a factualidade emergente de outros dois documentos: o contrato-promessa de partilha outorgado em 16-01-2016 e a escritura pública de partilha outorgada em 17-12-2018.
Só se pode afirmar a necessidade de prosseguimento da ação se se concluir que a factualidade alegada e carecida de prova se mostra relevante para a prolação de uma decisão distinta da decisão de manifesta improcedência da ação proferida pelo tribunal a quo.

2.1. Factualidade alegada pelos autores na petição inicial

O que os autores alegaram na petição inicial foi que, sendo autores e réus alguns dos herdeiros da herança aberta por óbito dos progenitores do autor CC, que integrava diversos bens imóveis e que se encontrava a ser objeto de partilha extrajudicial, decidiram «(…) conjuntamente associar-se para licitar [as] verbas nºs 1, 2 e 9 [correspondentes a 3 imóveis que faziam parte do património imobiliário dessa herança], em condições mais favoráveis e que lhes permitissem juntar mais meios financeiros para alavancar a licitação e no futuro vendê-los no mercado por melhor preço, repartindo entre si os lucros resultantes desta sociedade (…)», tendo para o efeito subscrito documento denominado “Ajuste Contratual”, que juntam com a petição inicial, descrevendo o teor das cláusulas constantes do aludido acordo aí plasmado.
Alegaram ainda que, ulteriormente, no âmbito da licitação entre todos os herdeiros do acervo hereditário da referida herança, realizada em 16-09-2016, as verbas n.º 1 e n.º 2 referidas no aludido “Ajuste Contratual” (ao qual os herdeiros não outorgantes do mesmo eram alheios) foram, em execução do aí previsto e dentro dos limites dos valores acordados naquele “Ajuste Contratual”, licitadas e adjudicadas, respetivamente, à ré GG e à ré HH.
Mais alegaram que as referidas partes na ação, outorgantes do “Ajuste Contratual”, acordaram em 19-10-2016 na alteração da sua Cláusula 3.ª, n.º 1, alterando a proporção da respetiva ‘quota-parte’ de participação no valor pelo qual as referidas verbas foram arrematadas e adjudicadas, deixando de ser «(…) na proporção de cada um dos quinhões respetivos (…)» para passar a ser «(…) na proporção de 33,33% para o Outorgante identificado em A), 33,33% para a Outorgante identificada em C) e 33,33% para o conjunto das Outorgantes identificadas em E), F), G) e H) sendo esta parte dividida equitativamente, entre estas (…)».
Alegaram ainda que veio a ser realizada a Escritura Pública de partilha da herança indivisa, entre todos os herdeiros, tendo sido adjudicados os bens e aí declarado o valor das tornas e o seu pagamento e recebimento pelos credores de tornas – sem correspondência com a verdade quanto aos valores das tornas, a despeito do declarado (por haver um outro acordo quanto aos valores das tornas, entre todos os herdeiros, distinto do que foi feito constar da escritura) –, tendo o pagamento aos herdeiros não outorgantes do documento “Ajuste Contratual” sido efetuado com dinheiro dos réus EE e FF, mas por cheques bancários para que tais herdeiros que não intervieram no “Ajuste Contratual” disso não se apercebessem, e não tendo os autores CC e mulher, nem os demais réus credores de tornas, recebido estas, não obstante a declaração de recebimento das referidas tornas constante da aludida Escritura Pública de Partilha.
A descrita situação de pagamento das tornas com dinheiro dos réus EE e FF foi documentada com a outorga e subscrição do documento denominado “Declaração Conjunta”, cuja cópia os autores juntaram com a petição inicial.
Do alegado na petição inicial resulta que tal decisão dos autores e réus de se associarem “para licitar [as] verbas nºs 1, 2 e 9 [correspondentes a 3 imóveis que faziam parte do património imobiliário dessa herança], em condições mais favoráveis e que lhes permitissem juntar mais meios financeiros para alavancar a licitação e no futuro vendê-los no mercado por melhor preço, repartindo entre si os lucros resultantes desta sociedade” foi materializada na outorga do acordo escrito denominado “Ajuste Contratual”, datado de 16-09-2016, seguido de uma alteração efetuada pelo documento denominado “Ajuste Contratual (Alteração)”, datado de 19-10-2016, tendo ainda sido subscrito, para regular as relações entre as partes no que concerne ao pagamento pelos réus EE e FF das tornas recebidas pelos herdeiros não outorgantes do “Ajuste Contratual”, o documento denominado “Declaração Conjunta”, datado de 17-12-2018.
Ora, matéria de facto alegada na petição inicial é que o acordo a que as partes chegaram e que reduziram a escrito é o denominado “Ajuste Contratual”. Já a qualificação do referido acordo a que as partes chegaram, reduzido a escrito, nos moldes, termos e cláusulas dos referidos documentos, como ‘acordo societário’ não é matéria de facto; é a interpretação/qualificação da factualidade emergente de tal documento (e dos demais documentos) efetuada pelos autores.
O prosseguimento da ação para produção de prova apenas faz sentido relativamente a matéria de facto controvertida que seja relevante para a decisão a proferir. Não há necessidade de prosseguimento da ação para produção de prova se a questão a apreciar – ainda que exista matéria de facto alegada controvertida – se cinge à subsunção jurídica dos factos alegados (quer estejam provados, quer estejam ainda carecidos de prova), de molde a permitir a imediata decisão da ação, designadamente, no sentido da sua improcedência (por a matéria de facto ainda controvertida não permitir, ainda que provada ficasse, outra decisão).

2.2. Prosseguimento da ação para determinação da vontade real das partes

Defendem os apelantes, na Conclusão U) das alegações de recurso, a necessidade de prosseguimento da ação por os documentos “Ajuste Contratual”, a sua “Alteração” e a “Declaração Conjunta” serem documentos particulares sem reconhecimento notarial, invocando que «(…) tendo sido alegado não corresponderem à vontade real das partes as declarações neles constantes, torna-se essencial a produção da prova requerida, para que o Tribunal possa aplicar as normas jurídicas relativas à interpretação das declarações negociais. Cfr. artigos 236º/2 e 238º/2 do C. Civil. (…)».
Não subsistem dúvidas, nos termos já acima referidos em 2.1., que os autores alegam na petição inicial, de forma clara e inequívoca, que são os referidos documentos os únicos que titulam o acordo a que as partes chegaram e que reduziram a escrito, acordo esse que é invocado como fundamento constitutivo da causa de pedir da ação. Tal resulta do teor dos arts. 20.º e 21.º da PI – «(…) 20. “Ajuste Contratual” que teve por objecto acordo pelo qual os outorgantes se obrigavam reciprocamente à licitação de alguns dos bens imóveis,d concretamente as verbas nºs 1, 2 e 9 tal como descritos na Cláusula Primeira do referido Contrato Promessa de Partilha de 16.01.2016 [Doc. 8].; 21. É que, os outorgantes deste “Ajuste Contratual” decidiram conjuntamente associar-se para licitar aquelas verbas nºs 1, 2 e 9, em condições mais favoráveis e que lhes permitissem juntar mais meios financeiros para alavancar a licitação e no futuro vendê-los no mercado por melhor preço, repartindo entre si os lucros resultantes desta sociedade. (…)»; art. 54.º da PI – «(…) Ou seja, no âmbito do cumprimento do acordo societário que Autor e Réus denominaram “Ajuste Contratual”, respetiva “alteração” e "Declaração conjunta” (…)»; art. 98.º da PI – «(…) Formalmente, os sócios nunca chegaram constituir formalmente uma sociedade comercial para a exploração regular deste negócio, bastando-se com a assinatura do “Ajuste Contratual”, sua “Alteração” e “Declaração Conjunta” (…)».
E também não subsistem dúvidas que em nenhum lado da petição inicial é alegada a existência de qualquer desconformidade entre a vontade declarada nos referidos documentos particulares subscritos pelos autores e pelos réus e a vontade real: o que os autores alegam na petição inicial é que a sua decisão de se associarem foi materializada nos termos do acordo escrito e outorgado pelas partes denominado de “Ajuste Contratual”.
A alegação de divergência entre a vontade declarada e a vontade real apenas é feita relativamente à Escritura Pública de Partilha outorgada em 17-12-2018, mas não quanto aos documentos particulares outorgados pelas partes.
Ora, atento o pedido deduzido na ação – que seja declarada a nulidade da sociedade irregular existente entre Autores e Réus, determinando-se na sentença a entrada em liquidação da sociedade irregular –, é manifesta a impertinência da invocada divergência quanto ao declarado naquele documento autêntico (Escritura Pública de Partilha outorgada em 17-12-2018) para o deferimento do pedido deduzido na ação (sendo certo que sempre estaria aqui afastada a aplicação das regras de interpretação e integração dos arts. 236.º, n.º 2, e 238.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil, invocadas pelos apelantes na referida conclusão U), para afastar o valor probatório emergente da referida Escritura Pública, uma vez que está em causa um documento autêntico – arts. 238.º, 371.º, 393.º e 394.º do Cód. Civil).
Soçobra, por conseguinte, a arguida necessidade de prosseguimento da ação com os fundamentos invocados na Conclusão U) das alegações de recurso – prosseguimento da ação para apurar qualquer ‘desconformidade’ entre a vontade declarada nos documentos particulares “Ajuste Contratual”, sua “Alteração” e a “Declaração Conjunta” e uma ‘divergente’ vontade real que não foi alegado existir (tal alegação de divergência entre a vontade declarada nos documentos particulares e a vontade real apenas surge, e de forma conclusiva – sem qualquer factualidade subjacente – nas alegações de recurso).

2.3. Prosseguimento da ação para interpretação do acordo celebrado entre as partes

Defendem os apelantes que é necessário o prosseguimento da ação para a interpretação do sentido e alcance das declarações constantes do “Ajuste Contratual” porque a sentença recorrida se limitou à interpretação literal do acordo denominado de “Ajuste Contratual”.
Não se nos afigura que esteja aqui em causa a fixação do sentido e alcance das declarações constantes do documento “Ajuste Contratual” ou de qualquer outro desses documentos – que, aliás, não é colocado em causa na alegação efetuada na petição inicial. Os autores alegam os termos do “Ajuste Contratual” tal como foi celebrado, bem como da subsequente alteração à Cláusula Terceira desse “Ajuste Contratual”.
O que os autores defendem é que a factualidade alegada, ou seja, o acordo denominado “Ajuste Contratual” celebrado entre as partes e a subsequente alteração, integra/configura a constituição de uma sociedade entre as partes (autores e réus) com vista à aquisição de dois imóveis – as verbas 1 e 2 da relação de bens da herança ilíquida e indivisa – e sua ulterior venda, mediante a repartição dos lucros de tal atividade económica, para a repartição dos lucros na proporção de 33,33%, para o Autor; 33,33% para os 1.os RR.; 33,33% a dividir em partes iguais entre as 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Rés (arts. 21.º, 34.º, 37.º, 54.º a 61.º da PI).
A decisão recorrida considerou que a factualidade alegada – nomeadamente, atendendo ao teor do acordo celebrado entre as partes consistente no “Ajuste Contratual” – é insuscetível de configurar a constituição de qualquer sociedade irregular.
Considerou a decisão recorrida, neste âmbito, o seguinte:
«(…) Analisado o acordo escrito celebrado, que conforme referido, é claro nos seus termos, não decorre, minimamente, que os aí declarantes, ora partes, pretendessem constituir qualquer sociedade, em que restava apenas a sua regularização formal.
O que daí decorre, de forma clara, repete-se é que os declarantes assumiam uma posição concertada para a licitação de bens imóveis específicos da herança a partilhar e que, considerando essa posição concertada, se consideravam mutuamente comproprietários dos imóveis que fossem licitados nas circunstâncias por si definidas.
Com efeito, foram estes os termos do acordo e deste não resulta a constituição de qualquer sociedade irregular.
Como ensina o Professor A. Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, XI, Contratos em Especial (1.ª Parte), Almedina, 2019, pág. 515), com a exigência do exercício em comum de uma atividade económica que não seja de mera fruição pretendeu o legislador (citado artigo 980.º do CC) «delimitar a sociedade de meras situações de compropriedade de coisas».
Ora, não contém o acordo celebrado, efetivamente, qualquer declaração obrigacional de constituição de uma sociedade.
Não há, pois, qualquer manifestação de vontade de as partes criarem um novo ente coletivo, distinto de cada um dos intervenientes, com uma atividade especifica própria.
Não há desde logo:
- qualquer acordo quanto à finalidade dos bens a licitar;
- qualquer acordo quanto à atividade ou objeto social a prosseguir pela eventual sociedade;
- qualquer acordo quanto às funções que cabiam a cada interveniente;
- qualquer acordo quanto a quem caberia a eventual gerência ou fiscalização da atividade – nesse sentido de que não há qualquer organização societária, vide Ac. do TRP de 14.11.2022, in www.dgsi.pt.
É evidente, assim, que, dos termos do acordo celebrado não resulta a constituição de qualquer sociedade, ainda que irregular.
Assim sendo, não pode o Tribunal liquidar o património de uma sociedade que nunca existiu.
Aliás, conforme já se fez constar no despacho inicial, o acordo escrito prevê as consequências do seu incumprimento e estas nada têm a ver com qualquer liquidação.
Com efeito, efetivamente, no nº2 do artigo 3º do referido acordo, as partes convencionaram as consequências para o incumprimento do acordo, através da fixação de uma clausula penal para a eventualidade de não constituição do regime de compropriedade sobre as verbas nºs 1 e 2.
Afastando, por tal, a possibilidade de recurso a outros mecanismos para determinação dos direitos da eventual parte afetada pelo incumprimento das obrigações estipuladas no ajuste contratual.
O que se nos afigura pretenderem os AA é que se conheça da eventual invalidade das declarações negociais anteriores à outorga da escritura de 17.12.2018, e as consequências que daí possam advir para as partes, pois entendem terem ficado prejudicados financeiramente com a partilha realizada.
À luz do exposto, teremos que concluir que, os factos concretamente alegados não suportam a solução jurídica preconizada pelos AA e refletida no pedido deduzido, pois é pedida a declaração de nulidade de sociedade irregular existente entre AA e RR e a liquidação do património de tal sociedade irregular, quando, dos termos do acordo celebrado entre as partes não resulta a constituição de qualquer sociedade, ainda que irregular, pelo que não pode o Tribunal liquidar o património de uma sociedade que nunca existiu.
Os factos concretos invocados, ainda que resultem demonstrados, não permitem o reconhecimento do alegado direito dos AA, sendo que não estamos perante uma simples insuficiência de alegação de factos, pois os factos concretamente alegados não suportam a solução jurídica preconizada pelos AA e refletida no pedido deduzido, circunstância que, não sendo passível de aperfeiçoamento, impõe que se reconheça a manifesta improcedência da ação proposta. (…)».

A apreciação do mérito de tal decisão pressupõe a compreensão do que é um contrato de sociedade e do que se entende constituir uma “sociedade irregular”.

2.4. Subsunção jurídica da factualidade alegada

O artigo 980.º do Código Civil define o contrato de sociedade como aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade.
A constituição e existência de uma sociedade, nos termos desta disposição legal, exige a verificação de três elementos essenciais: o elemento pessoal e plural (duas ou mais pessoas), o elemento patrimonial (obrigação de contribuir com bens e serviços) e o elemento teleológico (o exercício em comum de certa atividade económica que não seja de mera fruição a fim de repartirem o lucro). A estes elementos foi adicionado, pela doutrina, um quarto elemento: a affectio societatis, elemento subjetivo consistente na vontade dos sócios de criação de uma nova entidade ou organização autónoma com uma atividade própria – cfr. Ac. do STJ de 24-01-2019, proc. 1668/15.9T8PVZ.P1.S1.

É essencial à afirmação da existência de uma sociedade que a vontade das partes que se associam seja a constituição de uma nova entidade ou organização autónoma que exerça a visada atividade económica com vista à obtenção de lucro e que tal resulte do acordo efetuado.

Sabido que a constituição de uma sociedade comercial não é um ato instantâneo, carecendo de observar o processo constitutivo legalmente previsto – arts. 7.º a 19.º do Cód. das Sociedades Comerciais –, pode definir-se uma sociedade (comercial) irregular como a sociedade constituída para a prática de um ou mais atos de comércio, mas em cuja constituição se não observaram algumas das formalidades essenciais do respetivo negócio jurídico – cfr. Prof. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Universidade de Coimbra, 1973, p. 159.
O Cód. das Sociedades Comerciais regula estas situações nos seus arts. 36.º a 52.º, efetuando uma distinção entre dois grupos de sociedades diferentes: as sociedades com processo constitutivo incompleto, em que os sócios começaram a praticar os atos constitutivos mas ainda não completaram o processo – tratado nos arts. 36.º a 40.º do Cód. das Sociedades Comerciais – e as sociedades com um processo constitutivo viciado, em que os sócios praticaram os atos constitutivos, mas sem respeitar alguns pressupostos ou requisitos – tratado nos arts. 41.º a 52.º. – cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2.º volume – Sociedades Comerciais, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993, págs. 182 e ss..

Mas, conforme é referido no Ac. do STJ de 21-04-2016, proc. 12700/09.5TBVNG.P1, para “(…) se poder falar de sociedade irregular é necessário que exista um contrato destinado a constituir uma sociedade comercial, nos termos em que o art.º 1º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais a define, ou seja, que exista um acordo societário mínimo. (…)”.
Ora, no caso em apreciação, os autores defendem que do acordo escrito denominado “Ajuste Contratual”, juntamente com a “Alteração” e “Declaração Conjunta” resulta a constituição de uma sociedade, embora sem a observância da forma legalmente prescrita – vejam-se os arts. 54.º a 60.º da PI.

É o seguinte o teor do acordo celebrado entre as partes:

*AJUSTE CONTRATUAL*

I – Considerando que se encontra na fase de partilha o acervo hereditário imóvel deixado por óbito da Exma. Sr. KK (…) E DO Ex.mo Sr. LL, (…).
II – Considerando que são herdeiros legitimários doas acima identificados os seguintes:
Os filhos:
A) DD, casado com AA sob o regime de comunhão geral de bens (…);
B) MM, viúva (…);
C) EE, casado com FF sob o regime de comunhão geral de bens (…);
D) LL, divorciado (…).
As netas, filhas do filho já falecido OO:
E) GG, casada com (…).
F) II, solteira (…).
G) JJ, casada com (…).
H) HH, casada com (…).
I) NN, casada com (…).
III – Considerando que por Contrato Promessa de Partilha outorgado em 16 de janeiro de 2016 por todos os herdeiros ficaram definidos os termos das partilhas dos bens imóveis da herança global, nomeadamente, que na falta de aquisição por outra via importaria a sua licitação entre aqueles.
IV – Considerando que a licitação dos bens imóveis se concretizará no dia 16 de setembro de 2016 (ou noutro dia que venha a ser designado por acordo) em Assembleia de Herdeiros convocada para o efeito e cujas regras foram estabelecidas previamente em 5 de setembro de 2016 no denominado Anexo I ao Contrato Promessa de Partilha.
V – Considerando que os bens imóveis a licitar se encontram descritos na Cláusula Primeira do já referido Contrato Promessa de Partilha e foram avaliados em relatório de 22 de abril de 2014 aceite por todos os herdeiros.-----------------------------------------------
Os herdeiros já acima identificados DD e AA (Primeiros Outorgantes), EE e FF (Segundos Outorgantes), II (Terceira Outorgante), JJ (Quarta Outorgante), GG (Quinta Outorgante) e HH (Sexta Outorgante), por comum acordo, tendo em consideração a licitação dos bens imóveis das heranças já descritas definem o seguinte de boa-fé que subscrevem na íntegra e sem reservas:
Artigo 1.º
1. Todos os Outorgantes aceitam licitar os bens compreendidos nas Verbas nºs 1 (Um), 2 (Dois) e 9 (Nove) de forma conjunta (com as consequências que abaixo se explicitarão) ainda que a licitação possa ser individualmente assumida por qualquer daqueles e, portanto, sem que qualquer um possa representar os outros;
2. Os Outorgantes, não obstante o exposto no número anterior e sem prejuízo do n.º 1 do artigo 4.º, não podem apresentar lances para as mencionadas Verbas que cubram outros dos aqui Outorgantes.
Artigo 2.º
Todos os Outorgantes assumem que licitam nos moldes do artigo precedente até aos seguintes limites máximos:
a) Verba n.º 1: € 600.000,00 (…);
b) Verba nº 2: € 200.000,00 (…);
c) Verba nº 9: € 400.000,00 (…).
Artigo 3.º
1. Tendo qualquer dos aqui Outorgantes licitado alguma das verbas previstas neste ajuste contratual em lhe sendo adjudicadas serão as mesmas tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arremata na proporção de cada um dos quinhões respetivos ainda que, por qualquer motivo excepcional, os mesmos venham a ser escriturados em favor apenas do licitante;
2. No caso de se verificar o estipulado na parte final do número 1 deste artigo todos os Outorgantes comprometem-se a aceitar os direitos e deveres que resultam do regime da compropriedade estabelecido nos artigos 1403º a 1413º do Código Civil sob cominação de, não o fazendo, responderem nos termos definidos na Cláusula Décima do Contrato Promessa de Partilha, ou caso o valor dos danos patrimoniais decorrentes, sejam superiores à quantia aí subsumida, no apurado.
Artigo 4.º
1. Ultrapassados os limites máximos estabelecidos para cada uma das verbas aqui identificadas qualquer dos Outorgantes é livre de continuar a licitar, oferecendo os lances que entender para além daqueles;
2. Verificando-se o definido na segunda parte do número antecede é inaplicável o aqui acordado pelo que o licitante, nessa circunstância, ficará com o bem para si.
Artigo 5.º
A verba n.º 9 será licitada nos exatos termos deste documento apenas e tão-só se tiverem sido adjudicadas as verbas n.os 1 e 2 nos moldes configurados pelo presente acordo.
Artigo 6.º
Todos os Outorgantes assumem as responsabilidades patrimoniais que decorram do cumprimento ou incumprimento do ora estabelecido.
Artigo 7.º
As demais verbas que compõem o acervo hereditário a partilhar serão licitadas individualmente sujeitando-se os Outorgantes às regras normais da licitação, da eventual adjudicação e consequências daí advenientes.
Artigo 8.º
Todos os Contraentes abdicam do reconhecimento presencial das assinaturas não o podendo invocar no futuro, bem assim qualquer vício formal sob pena de configurar Abuso de Direito nos termos previstos pelo artigo 334.º do Código Civil.

Vila do Conde, aos 16 de setembro de 2016

Seguem-se as assinaturas dos Primeiros e Segundos Outorgantes e das Terceira, Quarta, Quinta e Sexta Outorgantes.

Efetivamente, como é referido na decisão apelada, não há, na factualidade alegada na petição inicial, factos de onde se possa retirar mais que os termos do acordo celebrado entre as partes, reduzido a escrito no documento denominado “Ajuste Contratual”, acima integralmente transcrito. O que resulta desse acordo é, apenas, a assunção, pelos outorgantes, das obrigações aí referidas quanto aos moldes em que intervirão na licitação relativamente às verbas 1, 2 e 9:
– que a licitação individual por qualquer deles vale como licitação conjunta de todos;
– a assunção da obrigação de não apresentar lances para cobrir o valor de lances apresentados por qualquer dos outorgantes;
– que tal acordo vale se a licitação não ultrapassar os valores máximos estabelecidos para cada uma das verbas;
– que a serem licitadas e adjudicadas, nas referidas condições, alguma das verbas a algum dos outorgantes que nela licite, tais verbas são “tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arrematado na proporção de cada um dos quinhões respetivos ainda que, por qualquer motivo excepcional, os mesmos venham a ser escriturados em favor apenas do licitante”.
­– que o incumprimento da aceitação dos direitos e deveres que resultam do regime de compropriedade estabelecido nos artigos 1403.º a 1413.º do Cód. Civil tem como consequência a responsabilidade do incumpridor “nos termos definidos na Cláusula Décima do Contrato Promessa de Partilha, ou caso o valor dos danos patrimoniais decorrentes, sejam superiores à quantia aí subsumida, no apurado.”
Dispõe esta Cláusula Décima, na parte para a qual é feita a remissão, nos seguintes termos: “o incumprimento (…) obrigará o eventual relapso ao pagamento da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a favor do acervo hereditário podendo esse pagamento ser efetuado ou descontado aquando do recebimento do respetivo quinhão hereditário.”
Por força da alteração acordada à Cláusula Terceira do “Ajuste Contratual”, ficou o seu n.º 1. a ter o seguinte teor:
1. Tendo qualquer dos aqui Outorgantes licitado alguma das verbas previstas neste ajuste contratual e em lhe sendo adjudicadas serão as mesmas tidas como em compropriedade entre todos pelo valor arrematado na proporção de 33,33% para o Outorgante identificado em A), 33,33% para a Outorgante identificada em C) e 33,33% para o conjunto das Outorgantes identificadas em E), F), G) e H) sendo esta parte dividida equitativamente, entre estas ainda que, por qualquer motivo excepcional, os mesmos venham a ser escriturados em favor apenas do licitante.

A ‘associação’ entre os outorgantes do “Ajuste Contratual” apenas visa a definição dos termos em que os seus outorgantes se obrigam a intervir na licitação de 3 verbas que integram a herança ilíquida e indivisa de que todos são herdeiros e o estabelecimento das consequências decorrentes do sucesso da licitação por qualquer deles relativamente às referidas verbas – considerar as mesma como que ‘em regime de compropriedade’, fixando os mesmos a proporção da participação de cada um deles no valor da adjudicação do bem decorrente da licitação efetuada nos termos do acordo celebrado.
E tão só.
Ainda que se admitisse a interpretação feita pelos autores, nos artigos 54.º a 60.º da PI, de que dos referidos documentos subscritos resulta que os seus outorgantes se obrigaram a contribuir com os valores de tornas de que prescindiram e com o dinheiro usado para pagar tornas aos não outorgantes e as licitantes a quem as verbas 1 e 2 foram adjudicadas com os referidos bens imóveis, a factualidade alegada é insuscetível de permitir afirmar que as partes visaram criar uma nova entidade ou organização autónoma – e distinta dos outorgantes dos documentos escritos – para exercer uma atividade económica destinada à obtenção e repartição de lucros.
Veja-se que os referidos documentos são absolutamente omissos quanto à alegada finalidade de aquisição das verbas para revenda, com lucro, no mercado, como atividade económica a desenvolver por uma entidade distinta dos outorgantes do acordo.
A alegação – essa sim, factual – efetuada pelos autores de que após a Escritura de Partilhas celebrada (com a adjudicação as verbas 1 e 2 às rés GG e HH), todos os sócios contratam uma agência imobiliária para promover a venda pelo máximo valor possível e que, não tendo logrado efetuar tal venda pela imobiliária, acordaram em vender a verba n.º 2 a terceiro identificado, com a oposição do autor CC, não integra o acordo efetuado nos documentos outorgados; antes constitui a alegação da ulterior atuação das partes, subsequente à aquisição das verbas 1 e 2 pelas rés licitantes.

Estamos aqui perante uma situação em que o acordo ou associação efetuada entre os outorgantes do “Ajuste Contratual”, mesmo considerando o restante alegado para além do que resulta dos documentos – que, nas palavras dos próprios autores (art. 54.º da PI), constituem o “(…) acordo societário que Autor e Réus denominaram “Ajuste Contratual” respetiva “alteração” e "Declaração conjunta” (…)” – é insuscetível de integrar a constituição de uma sociedade irregular.
Tal como foi referido no Ac. do TRP de 14-11-2022, proc. 159/20.0T8VLC.P1, também aqui «(…) Não há nenhuma realidade nova, diversa das pessoas de autores e réus; (…) não se vislumbra aqui a criação de «um ente novo com uma actividade específica própria (…)». O que aqui se revela é uma associação entre os outorgantes do “Ajuste Contratual”, para os efeitos e finalidades declaradas nos referidos documentos, que não se confundem nem são passíveis de integrar a constituição de uma sociedade para o exercício de uma atividade económica destinada a obter lucros a repartir entre os sócios; ainda que se provasse que as partes acordaram na venda das verbas 1 e 2 e repartição dos lucros dessa venda (só isso, de factual, é que foi alegado) – acordo esse que não consta dos documentos que constituem, na alegação dos autores, o “acordo societário” celebrado –, a prova de tal matéria em nada alteraria o raciocínio exposto quanto à falta de verificação dos pressupostos para a subsunção da situação sub judice nos quadros da constituição e existência de uma sociedade irregular.

Concluímos, deste modo, pela improcedência do recurso.

3. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais).
A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe aos apelantes, por terem ficado vencidos (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

V – Dispositivo:

Pelo exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
*
Notifique.
***
Porto, 7/11/2024
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Paulo Duarte Teixeira
António Paulo Vasconcelos