CONTRATO DE MEDIAÇÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÃO VALUTÁRIA
JUROS
Sumário

I - Configura um contrato inominado ou atípico de prestação de serviços (e não contrato de mediação ou contrato de agência) a actividade que envolve a realização da tarefa de encontrar um vendedor de determinada mercadoria, acertar com ele todas as condições negociais para realização da venda, recebendo do vendedor, como contrapartida, uma determinada comissão sobre as vendas efectuadas.
II - Nas obrigações valutárias (aquelas em que o pagamento da dívida é acordado em moeda estrangeira) a taxa de juro a aplicar é a vigente em Portugal.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

MANUEL..., casado, agente comercial, com domicílio na Rua..., nº .., ..., em..., Maia, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

FERNANDO... & E..., Ldª, sociedade comercial por quotas, com sede no Lugar..., ..., Caldas de Vizela,

pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de USD 9 781,96, somatório do capital em dívida e juros vencidos, ou o respectivo contravalor em escudos, acrescida de juros vincendos até efectivo pagamento.

Fundamenta, sinteticamente, esta sua pretensão na existência de um contrato que celebrou com a ré, e no valor das comissões, não pagas, dos negócios contratualizados encontra o montante peticionado.

Contesta a ré para, no essencial, opor que ainda não está constituída na obrigação de pagar as peticionadas comissões, porquanto elas só são devidas após o pagamento das mercadorias pelo cliente agenciado pelo autor, o que neste caso ainda não se verificou, além de que este garantiu a cobrança das quantias devidas por esse cliente e nada ainda pagou.


Saneado o processo e fixados os factos que se consideravam assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada totalmente improcedente e a ré absolvida do pedido.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o autor, defendendo a revogação da sentença e que a apelada seja condenada a pagar-lhe o valor das comissões peticionadas.

Contra-alegou a ré para defender a manutenção da sentença.


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo do recorrente radica no seguinte:

1. Durante vários anos e, pelo menos, até final de 1997 o recorrente fez várias encomendas de artigos têxteis à recorrida, os quais se destinavam a ser entregues e enviados à sua representada F... Manufacturing, empresa importadora, com sede nos USA.

2. Em finais de 1997 o recorrente contactou a recorrida, como era usual, para saber da sua disponibilidade em proceder ao fabrico de várias encomendas, destinadas à sua referida representada.

3. E, nos termos habituais entre eles, estabeleceram-se negociações preliminares, onde se discutiu a disponibilidade da recorrida e se acertaram os pormenores do negócio, isto é, as quantidades e qualidades a fabricar, o seu preço, prazo e modo de envio e se acordou, também, na comissão a pagar ao recorrente por este encarregar aquela de fabricar as encomendas.

4. Tendo, após tais negociações, a recorrida aceitado confeccionar as encomendas constantes das facturas identificadas no artigo 13º da p.i., e aceitado, também, logo nessa ocasião, pagar ao recorrente uma comissão de 2% sobre o valor de cada factura.

5. De seguida, a recorrida iniciou e de imediato o fabrico dos artigos encomendados, tendo-se assim o negócio dado por celebrado e concluído

6. O direito do recorrente às comissões acordadas surgiu, assim, logo no momento da celebração dos contratos, embora o seu pagamento só fosse devido depois da liquidação pela cliente americana do valor das facturas.

7. E foi este e não outro, como erradamente se decidiu na sentença recorrida, o quadro negocial em que decorreram as negociações entre ambos que determinou a recorrida a aceitar os contratos e a iniciar e fabricar as encomendas.

8. Fê-lo porque aceitou e concordou com as quantidades e qualidades a confeccionar, com o seu preço, com o seu modo de envio (por navio) e por que aceitou, também, pagar ao recorrente as referidas comissões.

9. Jamais se tendo discutido ou falado nessas negociações do problema do eventual débito pela cliente americana dos pretendidos USA 28.000 dólares, nem evidentemente do pagamento da diferença de fretes, nem tendo sido posta pela recorrida nessa altura qualquer exigência ou condição de o recorrente assumir a responsabilidade desses pagamentos ou de diligenciar pelos mesmos.

10. A recorrida aceitou e iniciou o fabrico das encomendas da forma habitual, após ter concordado com os pontos já referidos nas conclusões anteriores.

11. Nem tais condições de o recorrente se ter comprometido na altura da celebração dos contratos a efectuar tais diligências, foram sequer alegadas por ela na sua contestação e muito menos como tendo sido determinantes da sua vontade em aceitar os contratos e iniciar e executar a confecção das encomenda.

12. Antes a recorrida confessa expressamente nos artigos 1º a 5º da sua contestação e está provado na base instrutória e nas alíneas A a I dessa peça processual que estes foram os problemas únicos discutidos na base negocial dos contratos e o quadro negocial em que ela os aceitou.

13. Tudo, aliás, conforme o recorrente alegou nos artigos 1 a 10 da sua p.i.

14. O problema do comprometimento, ou seja, da imposição do recorrente diligenciar pelo pagamento dos tais USA 28.000 dólares e da diferença dos fretes só o pôs, aliás, ilicitamente a recorrida em dois momentos posteriores, quando as mercadorias já se encontravam confeccionadas.

15. Num primeiro momento quando, após se ter atrasado na confecção das encomendas, pretendeu exigir do recorrente o compromisso em causa e num segundo momento quando este solicitou o pagamento das comissões acordadas.

16. Não tendo tal compromisso sido acordado como condição da celebração dos contratos e muito menos como condição do pagamento das comissões.

17. Ora, os contratos legalmente celebrados devem ser pontualmente cumpridos (art. 405º Código Civil) pelo que a recorrida, uma vez que recebeu o pagamento do valor das facturas da cliente americana, deve ser obrigada a pagar ao recorrente as comissões acordadas com ele na altura da celebração e conclusão do negócio.

18. Não pode, por isso, vir agora excepcionar o não pagamento das comissões, com a pretendida imposição unilateral de novas condições contratuais, diversas das acordadas, isto é, procurando impor na fase final dos contratos, quando as encomendas já se encontravam acabadas, embora com um atraso culposo da sua parte, unilateralmente novas condições para pagar as comissões devidas.

19. Condições que seriam da assunção pelo recorrente do pagamento dos USA 28.000 dólares ou pelo menos da assunção de diligenciar junto da cliente americana por esse pagamento e pelo da diferença de valor dos fretes.

20. Ao pretender impor unilateralmente tais exigências está a recorrida e não o recorrente, como erradamente se decidiu na douta sentença em recurso, a violar grave e ostensivamente os seus deveres de boa-fé, laterais, acessórios, de conduta que integram o conceito de obrigação e que devem ser observados tanto nos preliminares dos contratos, como na celebração dos mesmos, como durante a sua execução e no seu cumprimento, deveres consagrados expressamente nos artigos 227, 334 e 762 nº 2 do C.Civil.

21. A imposição ao recorrente de tais exigências não acordadas representa, pois, um acto ilícito por parte da recorrida, não devendo, assim tais exigências serem consideradas legalmente válidas e, em consequência, tais excepções de não cumprimento deduzidas devem ser, também, julgadas nulas e improcedentes.

22. Acresce que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não existe qualquer relação de causalidade ou bilateralidade entre a obrigação da recorrida pagar as comissões em causa e as pretendidas exigências que a recorrida, veio, em momento posterior querer impor.

23. O direito às comissões nasceu e adquiriu-o o recorrente na altura da celebração dos contratos, como já se disse na conclusão nº 6, e por causa de ter entregue à recorrida o fabrico das encomendas (esta a sua obrigação acordada nesse acto e que ele é evidente cumpriu).

24. Não teve, pois, esse direito às comissões, como erradamente parece entender a douta sentença em recurso, a sua origem em momento posterior e na exigência imposta pela recorrida, na altura do envio das mercadorias, de ele assumir o encargo do pagamento das quantias em causa ou de diligenciar por esse pagamento.

25. Não existe, pois neste caso, qualquer relação de bilateralidade ou de causa e efeito entre o direito às comissões do recorrente e a ou obrigação da recorrida de as pagar, por um lado e a pretendida obrigação do recorrente diligenciar pelos pagamentos em causa, pois, tais deveres e obrigações são independentes e autónomos.

26. Não estamos, pois, aqui em presença de um contrato bilateral, nos termos previstos no artigo 428 nº 1 do Código Civil em que a obrigação da recorrente de pagar as comissões tenha tido a sua causa no eventual dever imposto (unilateralmente pela recorrida) de ele diligenciar pelos pagamentos em causa, como erradamente se decidiu na mui douta sentença em apreciação.

27. O quadro negocial em que se desenrolaram as negociações entre as partes foi aquele que já era habitual praticar há alguns anos e era usual entre eles, aliás, aceite expressamente pela recorrida na sua contestação.

28. Após acordarem sobre as quantidades, qualidades, preço e entrega das mercadorias e sobre as comissões a pagar ao recorrente, a recorrida iniciava a confecção das encomendas e os contratos tinham-se por concluídos. (Artigo 234 do Código Civil).

29. Sempre a conduta da recorrida e o seu comportamento em todo este processo negocial, quer nos preliminares, quer na aceitação das encomendas e mesmo durante a sua execução e controle do seu fabrico pelo recorrente foi o normal e usual entre eles, jamais, tendo, em qualquer dessas alturas a recorrida pretendido impor ao recorrente a exigência de assumir ou diligenciar pelo pagamento de qualquer débito da cliente americana e evidentemente, também, não pelo pagamento da diferença de fretes, apesar de o invocado débito de USA 28.000 ser muito anterior.

30. O recorrente confiou, pois, que a conduta e atitude da recorrida seriam os normais e usuais nas relações entre ambos e não tinha razões para não confiar que a conduta da recorrida viria a ser, afinal e posteriormente, bem diferente da já praticada entre eles há alguns anos.

31. Pretendendo, já na fase final dos contratos, com manifesta má-fé violando o acordado com ele e os seus deveres de conduta, de comportamento, laterais e acessórios da sua obrigação de pagar as comissões, introduzir novas condições diversas das acordadas para pagar as suas ao recorrente.

32. Por isso, mesmo que, por absurdo se considerasse como válidas e legais essas novas exigências da recorrida, sempre o comportamento dela ao procurar, com fundamento nessas novas exigências, ter o direito de recusar o pagamento das comissões acordadas constituirá uma ostensiva e irrefutável expressão do exercício ilegítimo do direito.

33. Exercício ilegítimo do direito que se traduz e concretiza num venire contra factum proprium (o comportamento anterior da recorrida em que o recorrente sempre confiou e julgava seria observado no presente caso) constituindo, pois, uma manifesta violação grave dos seus deveres de boa-fé.

34. Violação e excesso dos limites impostos pela boa-fé e pelos usos que obsta, paralisam o exercício do seu eventual direito, constante das excepções invocadas. (Artigo 334 do Código Civil).

B- Face às conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, são, no essencial, duas as questões a dilucidar:
1- qualificação da relação contratual estabelecida entre autor e ré
2- excepção de não cumprimento do contrato oposta pela ré
III. Fundamentação


A- Os factos

Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos e que se têm como assentes:

1. O Autor é um empresário em nome individual que exerce a actividade de agente comercial e representação de várias firmas estrangeiras, importadoras de artigos têxteis nos respectivos países.

2. A Ré é uma Sociedade comercial que é proprietária e explora uma fábrica de confecção de artigos têxteis denominada “Têxteis M...”.

3. As firmas estrangeiras que pretendiam fazer encomendas de artigos têxteis às fábricas portuguesas, encarregavam o autor de contactar aquelas, com as quais negociava, actuando assim como agente e representante dessas firmas.

4. Uma dessas firmas estrangeiras que o Autor representa é a Sociedade “F... Manufacturing, Inc.”, com sede em Metuchen, New Jersey, Estados Unidos da América.

5. Era o Autor que negociava com as empresas nacionais o preço da produção, os prazos de entrega e demais condições contratuais.

6. No âmbito das funções supra descritas, o Autor negociou com a Ré, tendo entre ambos sido acordado que o preço das mercadorias seria efectuado em dólares americanos, assim como que a Ré pagaria ao Autor, por cada encomenda, uma comissão de 2%.

7. A Ré forneceu e entregou ao Autor* as encomendas relativas às seguintes facturas:
- n°. 345, de 16/10/97, no valor de 15.603,20;
- n°. 375, de 28/10/97, no valor de 54.721,60;
- n°. 378, de 30/10/97, no valor de 46.478,40;
- n°. 380, de 31/10/97, no valor de 46.515,20;
- n°. 381, de 31/10/97, no valor de 46.552,00;
- n°. 383, de 31/10/97, no valor de 53.249,60;
- n°. 447, de 15/12/97, no valor de 51.972,82;
- n°. 456, de 18/12/97, no valor de 56.510,22.

*alterada esta redacção

8. A tais facturas correspondiam as seguintes comissões: 312, 06; 1.094,43; 929,57; 930,30; 931,04; 1.064,99; 1.039,46; e 1.130,20, respectivamente, num montante global de 7.432,05.

9. O Autor enviou à Ré o “fax” datado de 13/01/98, junto aos autos a fls. 11.

10. As comissões referidas sob o nº 8 não foram liquidadas pela Ré.

11.A empresa referida sob o nº.4 devia à Ré USD 28.000,00.

12. Tendo-se o Autor comprometido a diligenciar por tal pagamento, o que não sucedeu.

13. Excepcionalmente, as mercadorias das facturas 345, 375, 378, 380, 380 e 383 foram remetidas por avião.

14. A Ré só não exigiu o pagamento dos USD 28.000,00 e da diferença de preço entre o frete marítimo e o de avião antes dos fornecimentos referidos sob o nº 13, em virtude de o Autor se ter comprometido a diligenciar pelo pagamento dos mesmos junto da cliente americana.

15. O valor do frete marítimo era de USD 8.560,00.

16. E o do frete aéreo de USD 53.641,50.

17. Não tendo a diferença sido paga.


B- O direito

Sob o nº 7 dos factos apurados –correspondente à al. G) da matéria de facto assente- consignou-se que A Ré forneceu e entregou ao Autor as encomendas relativas às seguintes facturas...
Mas o que se alegou e foi expressamente aceite é que as encomendas foram fornecidas e entregues à representada do autor, que é precisamente a sociedade americana “F... Manufacturing, Inc.”. Basta atentar no alegado sob o art. 12º da petição, a posição assumida pela ré em sua contestação e o teor dos documentos juntos a fls. 23 a 41. Só por mero lapso é que se deu àquela alínea a redacção referida. Por isso, ficará a constar do ponto 7 dos factos provados supra elencados que “A Ré forneceu e entregou à representada do Autor as encomendas relativas às seguintes facturas...”.

1. qualificação da relação contratual estabelecida entre autor e ré

No que a esta questão diz respeito há a reter que o autor exerce a actividade de agente comercial e representação de várias firmas estrangeiras, importadoras de artigos têxteis; quando estas firmas pretendiam encomendar artigos desta natureza a fábricas portuguesas, incumbiam o autor de as contactar e com elas negociar. Na sua qualidade de representante da empresa americana “F... Manufacturing, Inc.”, o autor contactou a ré e com ela contratou a compra de artigos têxteis para aquela empresa, negociando o preço, prazos de entrega e demais condições contratuais, recebendo, em contrapartida, da ré uma percentagem de 2% por cada encomenda.

Nesta factualidade viu o Mmº Juiz um contrato de mediação, porquanto, justifica, a intermediação do autor se limitava à decisão ou escolha do fornecedor, nessa opção se consubstanciando a sua prestação.
Afigura-se, porém, que a actuação do autor não se esgotava nesta simples mediação entre importador e exportador. Era bem mais complexa. Na verdade, para além de escolher com plena liberdade a empresa fornecedora, era ele que negociava o preço da mercadoria, os prazos de entrega e todas as demais condições contratuais, condições estas onde têm forçosamente de se incluir as condições de fabrico, qualidade dos produtos a confeccionar, além de outras.
Vem-se definindo a mediação como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte [Cfr. Maria Helena Brito, in Contrato de Concessão Comercial, pág. 116; Carlos Lacerda Barata, in Sobre o Contrato de Agência, pág. 110; e ac. S.T.J., de 01/05/31, in C.J.,IX-2º, 108 (acs. S.T.J.)]. Há aqui a incumbência de se conseguir interessado para determinado negócio, aproximando os futuros contraentes. O mediador exerce uma actividade material e preparatória do futuro contrato, no qual não intervém, não estando ligado a nenhum dos contraentes, agindo em seu nome, mas no interesse de ambas as partes.
Na situação em apreço, falta desde logo a característica da neutralidade, própria da mediação. O autor age por conta da empresa americana, representando-a economicamente. Depois, é ele próprio que acerta todos os trâmites negociais com a ré. Toda a actividade de negociação e termos do contrato são acordados com o autor. Em suma, a actuação do autor não se circunscreve à intermediação, embora se vislumbrem nessa sua actuação algumas das características próprias deste contrato.

Também se não poderá caracterizar esta relação contratual como contrato de agência, como defende o recorrente.
É da essência deste tipo de contrato que uma das partes (o agente) se obrigue a promover por conta da outra (o principal) a celebração de contratos, numa zona, com autonomia e de modo estável, mediante retribuição.
O autor não actuava em vista da prospecção e desenvolvimento do mercado do principal; nem actuava por conta dele, antes entabulando as negociações em nome da sua representada. Antes, o autor, quando encetava negociações com a ré, fazia-o em representação da cliente americana, enquanto a ré actuava por si. Também não está demonstrado que o vínculo estabelecido tivesse carácter de estabilidade.

Se o autor de algum modo intermediava o negócio, também se obrigava, logo que acertados todos os requisitos exigidos para confecção do produto final, à celebração de acordos com a ré, mediante uma retribuição calculada sobre o montante das vendas feitas por esta.
Somos, por isso, de parecer que o desenvolvimento de uma actividade que envolve a realização da tarefa de encontrar um vendedor de determinada mercadoria, acertar com ele todas as condições negociais para realização da venda dessa mesma mercadoria, recebendo do vendedor, como contrapartida, uma determinada comissão sobre as vendas efectuadas, precisamente por lhe vender o produto que ele fabrica, configura um contrato inominado ou atípico de prestação de serviços –art. 1154º C.Civil.

A este tipo de contrato são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do mandato, em tudo o que se não encontre previsto no próprio clausulado -art. 1156º C.Civil.
Uma das obrigações do mandante é pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir –al. b) do art. 1167º C.Civil.
A retribuição que aqui é devida está prevista nos próprios termos do contrato, qual seja, a percentagem de 2% por cada encomenda feita pela representada do autor. Considerando-se, como bem se observa na sentença recorrida e que não foi posto em crise, que o valor da encomenda corresponde ao valor da factura, isto é, que a base de incidência da percentagem a que o autor tem direito é calculada sobre o valor de cada factura. Este parece ser o normal sentido do estipulado entre as partes quando acordaram que o autor receberia da ré uma percentagem de 2% por cada encomenda.

Devido à actividade desenvolvida pelo autor, a ré forneceu à representada deste mercadorias no valor facturado de USD 371 603,04. Fazendo incidir sobre este valor a percentagem de 2%, encontramos como retribuição do autor a importância total de USD 7.432, 05.
E esta quantia ainda a ré a não pagou ao autor, apesar deste a ter interpelado extra-judicialmente, para a liquidar, em 13 de Janeiro de 1998.


2. excepção de não cumprimento do contrato oposta pela ré

Não obstante se ter reconhecido, na sentença recorrida, que a ré estava em dívida para com o autor na importância supra aludida, acabou por se julgar legítima a recusa da ré em pagar com base na excepção do não cumprimento por ela invocada.

Prescreve o n° l do art. 428° do C. Civil que, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
As obrigações emergentes de contratos bilaterais devem, em princípio, ser cumpridas em simultâneo. É este uma emanação do sentimento de justiça comutativa e que radica no princípio de boa fé segundo o qual, quem não cumpre uma das obrigações do sinalagma, não pode exigir, sem que seja abusivo esse comportamento, o cumprimento da outra.
Ainda que naquele preceito legal se faça referência expressa às obrigações emergentes de contratos bilaterais, o funcionamento da exceptio non adimpleti contractus não se esgota nas puras obrigações sinalagmáticas. Há situações que também geram obrigações para ambas as partes contraentes, por força de um nexo da causalidade ou de correspectividade que as une, sem que estejam compreendidas no mesmo sinalagma. O que se exige é que essas obrigações estejam ligadas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência.
Explanados estes princípios, importa agora reter a seguinte factualidade para decisão desta questão:
A empresa americana, representada pelo autor, devia à ré USD 28 000,00 e o autor comprometeu-se a diligenciar pelo seu pagamento, o que não sucedeu. A mercadoria referente às seis primeiras facturas aludidas sob o nº 7 dos factos apurados foram remetidas àquela empresa por avião, frete mais caro que o efectuado por via marítima. A ré só não exigiu o pagamento daquela quantia de USD 28 000,00 e o da diferença do preço do transporte, antes do fornecimento da mercadoria referente às aludidas seis facturas devido ao autor se ter comprometido a diligenciar pelo pagamento dessas importâncias junto da cliente americana.

A remuneração (percentagem de 2% sobre o valor da factura) a que o autor tinha direito, quer à face da natureza e fins do contrato (prestação de serviços) quer ao estipulado entre autor e ré, vencia-se com a conclusão do contrato, ou seja, logo que as negociações chegavam a bom termo, não ficando dependente da sua execução ou cumprimento, que são coisas distintas.
Assim, é bom de ver que, além de não haver uma relação sinalagmática entre a remuneração devida ao autor e a dívida da sua representada à ré, também não existe claramente qualquer vínculo de reciprocidade ou interdependência entre estas duas obrigações.
O Mmº Juiz encontrou, porém, fundamento para a excepcio no facto do autor se ter comprometido a diligenciar pelo pagamento da dívida da sua representada à ré e nada ter feito nesse sentido. Compromisso que, atendendo às particulares circunstâncias em que actuou, gerou justificada confiança na ré e acabou por determiná-la a aceitar as condições do negócio e que de outro modo não aceitaria. Além de que, acrescenta, já não surgiria a hipótese de receber qualquer outra comissão se não assumisse aquele compromisso. Sendo ainda que, conclui, o princípio da boa fé lhe impunha esse dever de conduta.
Salvo o devido respeito, afigura-se-me que não tem razão.
Primeiro, o autor apenas se comprometeu a diligenciar pelo pagamento da dívida da sua representada à ré. Não assumiu a responsabilidade por esse pagamento, nem sequer garantiu que o mesmo seria feito. Comprometeu-se a empregar os meios ao seu dispor para que a dívida pudesse ser saldada. Apenas isso e nada mais que isso.
Depois, de modo algum está provado que esse compromisso tenha determinado a ré a aceitar as condições do negócio, tal como sentencia o Mmº Juiz. Tão só ficou provado que a ré só não exigiu o pagamento daquela dívida e o valor acrescido do frete antes dos fornecimentos, por o autor se ter comprometido a diligenciar pelo seu pagamento junto da cliente americana.
Não está provado que a ré alguma vez fizesse depender o envio da mercadoria a que se reportam as aludidas facturas do pagamento daquelas dívidas. O que se apurou é que, antes daquele envio, se dispunha a exigir o pagamento das quantias em dívida. E desconhece-se se o não acatamento da exigência determinaria o cancelamento da remessa da mercadoria ou se mesmo sem o pagamento da dívida a mercadoria seria na mesma enviada.
Na ausência de qualquer vínculo de reciprocidade ou interdependência entre estas duas obrigações, não pode funcionar a excepcio, sendo, por isso, ilegítima a recusa da ré em pagar a quantia a que o autor efectivamente tem direito.

Como já se deixou referido, a ré, na sequência da actividade desenvolvida pelo autor, forneceu à representada deste mercadorias no valor facturado de USD 371 603,04. Fazendo incidir sobre este valor a percentagem de 2%, encontramos como retribuição do autor a importância total de USD 7.432, 05.
E esta quantia ainda a ré a não pagou ao autor, apesar deste a ter interpelado extra-judicialmente, para a liquidar, em 13 de Janeiro de 1998.
Deve a ré ao autor, a título de remuneração pela actividade por este desenvolvida, a quantia de USD 7.432, 05.
Não tendo esta obrigação um prazo certo, já que nada se provou quanto à data de pagamento, a ré só ficou constituída em mora a partir de 13 de Janeiro de 1998, data em que o autor exigiu, extrajudicialmente, à ré a satisfação do seu crédito –nº 1 do art. 805º C.Civil.
Por força da constituição em mora, tem o autor direito aos juros a contar daquele dia 13 de Janeiro, em conformidade com o estatuído nos arts. 804º e 806º, nº 1 C.Civil.
Estando-se perante uma obrigação valutária, já que foi estipulado o pagamento da dívida em moeda americana, pode questionar-se se a taxa de juros a aplicar é a estabelecida pela lei portuguesa.
Não obstante no ac. S.T.J., de 00/05/25 [in C.J.,VIII-2º,75(acs. S.T.J.)] se tenha decidido que, nestas situações, a taxa legal aplicável seria a vigente no país a que respeitava a moeda do pagamento, propendemos antes para que a taxa aplicável seja a vigente em Portugal. Primeiro porque o art. 559º C.Civil não estabelece qualquer diferenciação entre dívida em escudos (agora euros) e dívida em qualquer outra moeda; Segundo, porque o contrato, fundamento da dívida, foi celebrado em Portugal e para esta obrigação acessória sempre seria competente o lugar da celebração da obrigação principal, em conformidade com o disposto nos arts. 41º e 42º C.Civil. Neste sentido o voto de vencido lavrado naquele acórdão e o ac. S.T.J., de 88/05/10 [in B.M.J., 377º-482].
Assim sendo, a taxa de juros será de 15% até 12 de Abril de 1999 (Portaria 1. 167/95, de 23/9) e de 12% a partir de então (Portaria 262/99, de 16/4).


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se nos seguintes termos:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida
b) condenar a ré F... & E...o, Ldª a pagar ao autor Manuel... a quantia de USD 7 432,06, acrescida dos juros vencidos, a partir de 98/01/13, à taxa legal de 15% até 12 de Abril de 1999 e de 12% a partir de então e até efectivo pagamento, ou
c) o correspondente valor em euros
d) custas pela apelada


Porto, 13 de Janeiro de 2004
Alberto de Jesus Sobrinho
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz