INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
PRESSUPOSTOS
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE
Sumário

I- A intervenção principal provocada é admissível: i) no caso de litisconsórcio necessário, em que qualquer das partes pode chamar o interessado seja como seu associado seja como associado da parte contrária; ii) no caso de litisconsórcio voluntário em que o autor pode provocar a intervenção de litisconsorte do réu ou de um terceiro contra quem pretende deduzir o pedido (art.39.º) e o réu pode – mas terá que invocar interesse atendível - chamar outros litisconsortes voluntários, que intervirão do lado passivo. (n.º3 al. a) do art.316.º).
II- O incidente é ainda admissível para provocar uma modificação subjetiva (apenas) do lado activo, quando o réu pretende a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (art.316.º n.º3 b) do CPC).
 III- Em ação de divisão de coisa comum não é admissível a intervenção principal provocada para chamar a pessoa que ocupa uma parcela especifica e delimitada do prédio, da qual, ambas as partes aceitam que é dona, porque essa pessoa não pode ser considerada comproprietária a par de autores e ré.
IV-O direito de compropriedade sobre um prédio não é compatível com o direito de propriedade singular e exclusiva de uma parcela desse prédio, pelo que, em tal caso, o direito de propriedade em comum não abrange a parcela ocupada cuja propriedade é atribuída à pessoa cuja intervenção principal se pretendia.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
Na ação de divisão coisa de comum que F e mulher M, instauraram contra L., esta ré deduziu, na contestação, incidente de intervenção principal provocada de EE, alegando para o efeito que os autores na petição inicial invocaram que parte do prédio objeto de divisão está ocupado e é propriedade daquela EE.., pelo que, a mesma terá que ser parte nos autos porque a divisão também a afeta.
Os autores da referida ação nada disseram a respeito do incidente embora notificados para o efeito.
*
O tribunal a quo decidiu o incidente de intervenção provocada nos seguintes termos:
“A requerida L… veio requerer a intervenção provocada de EE…, ao abrigo do disposto nos artigos 316º e seguintes, porquanto os requerentes alegam que aquela ocupa e é reconhecida pelos vizinhos e populares como proprietária de uma parcela do prédio objeto dos autos.
Os requerentes nada disseram.
Cumpre apreciar.
Prevê o artigo 316º do CPC:
1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3. O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários,sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Conforme resulta do referido preceito legal, a intervenção provocada é circunscrita à figura do litisconsórcio. Prevendo o nº 1 a possibilidade de o R. fazer intervir o interessado com legitimidade para intervir (litisconsórcio necessário), e o nº 3 prevê o chamamento de terceiros para a lide, pelo R., em duas situações, quando haja outros sujeitos passivos da relação material controvertida, em regime de litisconsórcio voluntário, e quando o autor não seja o único titular da pretensão deduzida em juízo e o réu pretende que estejam em juízo os demais contitulares a fim de se associarem ao autor, o que sucede nos casos de litisconsórcio voluntário ativo. No caso em apreço, estamos no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum que tem por objeto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº … , freguesia de…...
A legitimidade para a ação de divisão de coisa comum, face ao disposto no artigo 925º, nº 1 do CPC, e atenta a natureza da relação jurídica, configura uma situação de litisconsórcio necessário de todos os contitulares, pois a divisão da coisa apenas pode ocorrer, de modo definitivo, quando todos os comproprietários estiverem presentes na ação, por forma a que a decisão seja a mesma para todos os interessados.
Foi junta aos autos certidão da Conservatória do Registo Predial do prédio descrito sob o nº …, objeto dos autos, da qual resulta que o prédio está inscrito, na proporção de 1/3, a favor de L…, casada com J…, no regime de separação de bens, e de …, viúva; na proporção de ½, a favor de F…, casado com …, no regime de comunhão de adquiridos; e na proporção de 1/6 a favor de ….e …, casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos. Não existe qualquer elemento documental nos autos de onde resulte que EE…é comproprietária do prédio em causa, o prédio não está registado a seu favor, nem foi junto qualquer título aquisitivo do prédio pela referida EE, sendo que os requerentes apenas referem que aquela ocupa a parcela e é reconhecida pelos vizinhos como proprietária da parcela, desconhecendo-se, portanto, a que título ocupa a parcela.
Pelo exposto, não estando demonstrado que EE é comproprietária do prédio cuja divisão é peticionada, não estamos face qualquer situação de litisconsórcio, pelo que, importa indeferir o requerido, por falta de fundamento legal.
Custas do incidente a cargo da R. L que se fixam em 1 UC (artigo 539º, nº 1 do CPC).”
*
É deste despacho que vem interposto pela Ré o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões:
I. O Douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo contraria o disposto nos artigos 30.º, 316.º, n.º 3, alíneas a) e b), e 318.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil, os princípios da justa composição do litígio e da economia processual, bem como a posição da Doutrina e da Jurisprudência dominantes.
II. Os Recorridos alegam que parte do prédio misto que é objecto da presente acção de divisão de coisa comum se encontra “ocupado e é reconhecida pelos vizinhos e populares do lugar, como proprietária de tal parcela a Sra. EE…”, e que a mesma, segundo eles, Recorridos, “adquiriu tal parcela de terreno”.
III. Tal factualidade não foi objecto de impugnação por parte da Recorrente.
IV. Alegando os Recorridos que parte do prédio misto em comum, cuja divisão requerem, pertence à referida EE, a mesma terá que ser parte nos presentes autos, pois a divisão ora requerida também afecta o seu património.
V. Por essa razão, veio a Recorrente requerer a intervenção principal provocada da mesma, nos termos do disposto nos artigos 316.º, n.º 3, alíneas a) e b), e 318.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.
VI. Os Recorridos alegam e reconhecem que EE adquiriu a uma parcela do prédio e é reconhecida como proprietária dessa parcela.
VII. A Recorrente não impugnou essa alegação.
VIII. O facto de a referida EE não constar, alegadamente, do documento de registo predial junto pelos Recorridos não pode fazer presumir ou concluir que a mesma não é proprietária da referida parcela.
IX. O artigo 316.º do Código de Processo Civil não faz depender o chamamento da parte em questão da menção da mesma no registo predial do imóvel objecto da lide.
X. Nos termos do disposto no n.º 3, alínea b), do referido artigo, pode ser provocada a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
XI. De tal preceito não resulta, portanto, que tenha que ser provada por documento a posição de contitular do direito da parte cuja intervenção se provoca.
XII. Basta a mera possibilidade de a parte ser contitular do direito invocado pelo autor, neste caso, pelos Recorridos.
XIII. A referida EE é sujeita passiva da relação material controvertida, tal como é configurada pelos Recorridos na petição inicial, na medida em que são os mesmos que alegam que ela é detentora de uma das parcelas do prédio sub judice.
XIV. A referida EE tem igual interesse ao dos Recorridos e da Recorrente na presente acção, na divisão ou indivisão do prédio, interesse esse que deve ser acautelado, sob pena de atropelo do mesmo pelas pretensões dos Recorridos.
XV. O não chamamento de EE aos presentes autos pode ter como consequência a lesão dos interesses da mesma, até porque a mesma tem na referida parcela a sua casa de morada de família.
XVI. A acção de divisão de coisa comum deve ser proposta, sob pena de ilegitimidade dos réus, contra todos os comproprietários, sendo um caso típico de litisconsórcio necessário passivo, imposto pela própria natureza da relação jurídica.
XVII. A posição de comproprietário não tem que resultar expressamente do documento junto pelos Recorridos, bastando que os mesmos a aleguem na sua petição inicial e a Recorrente não a impugne, como sucedeu in casu.
XVIII. Nos termos do disposto no artigo 30.º do Código de Processo Civil, “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
XIX. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
XX. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
XXI. In casu, a referida EE tem interesse directo em contradizer, pelo prejuízo que a procedência da divisão do prédio poderá ter no seu património, sendo, como se referiu já, sujeita passiva da relação material controvertida, tal como é configurada pelos Recorridos na petição inicial, na medida em que são os mesmos que alegam que ela é detentora de uma das parcelas do prédio sub judice, cuja divisão peticionam na presente acção.
XXII. Assim, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser proferido Acórdão que revogue o despacho recorrido e admita intervenção principal provocada de EE….., residente na Rua…., lugar da…., devendo a mesma ser chamada aos autos a fim de vir dizer o que considerar conveniente, assumindo nestes autos a posição de parte passiva, nos termos do disposto nos artigos 316.º, n.º 3, alíneas a) e b), e 318.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.
*
Os autores não alegaram no recurso.
*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
*
Objecto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso a seguinte questão a decidir: 
- saber se deve ser admitida a intervenção principal requerida, o que passa por saber se a pretendida interveniente é comproprietária do prédio a dividir em face da relação material controvertida;
**
II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório supra e, ainda, os seguintes:
1- Os autores alegaram na petição inicial da ação de divisão de coisa comum, que:
“AA. e R. são comproprietários, na proporção de 4/6 avos indivisos para os A.A. e de 1/3 indiviso para a R., do prédio misto, situado no casal da…., na freguesia de …., descrito na Conservatória do Registo Predial de ….sob o nº …., com a área de 7757 m2 e confrontado a norte com F…., a sul com X…., a nascente com estrada pública e a poente com os herdeiros de Y…., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …. da secção…, pendente de reclamação cadastral. (Vide Doc. 1 a 4 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos) Contudo;”
“E embora conste da Conservatória do Registo Predial e da caderneta rústica que o imóvel possui 7757 m2, na verdade a parcela 5 e parte da parcela 4 da caderneta predial rústica, conforme assinalado a verde na planta cadastral de tal artigo, que se anexa encontra-se ocupado e é reconhecida pelos vizinhos e populares do lugar, como proprietária de tal parcela a Sra EE, natural da Freguesia de…, Concelho de…., residente em Rua dos…, número …, Lugar de…., União de Freguesias do…., Concelho de…... (Vide Doc. 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido)
 “Não constando tal Senhora como comproprietária, desconhecendo-se a que título e como a dita Sra. adquiriu tal parcela de terreno;”
“Acresce;
Que já se encontra cedido ao domínio público uma área de 122 m2, que corresponde à actual Rua dos….;
Vale isto por dizer;
Que o imóvel não tem uma área de 7757 m2, calculando-se que terá na realidade uma área que rondará os 7.000 m2;”
2- Da certidão do registo predial relativa ao prédio objecto de divisão, descrito sob o n.º …./20041203, junta na ação, constam os seguintes registos:
· AP, 22…de 2011/09/19 15:46:50 UTC - Aquisição
Registado no Sistema em: 2011/09/19 15:46:50 UTC
CAUSA : Dissolução da Comunhão Conjugal e Sucessão Hereditária
QUOTA ADQUIRIDA: 1/3
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** LL ……
Casado/a com JJ …..no regime de Separação de bens
Morada: Rua Principal…..,
** ….
Viúvo (a)
Morada: Rua Principal…..,
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** AD…
Casado/a com MM …..no regime de Comunhão geral
Morada: Rua Principal da …..
EM COMUM E SEM DETERMINAÇÃO DE PARTE OU DIREITO
· AP. 23… de 2014/08/28 15:35:51 UTC - Aquisição
Registado no Sistema em: 2014/08/28 15:35:51 UTC
CAUSA : Partilha da Herança
QUOTA ADQUIRIDA: 1/2
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** F…
Casado/a com … no regime de Comunhão de adquiridos
Morada: Rua dos ….
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
**JJ ….
· AP 27… de 2017/01/20   UTC - Aquisição
Registado no Sistema em: 2017/01/20
CAUSA : Usucapião
QUOTA ADQUIRIDA: 1/6
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** F….
Casado/a com …..no regime de Comunhão de adquiridos
Morada: Rua dos …..
** …..
Casado/a com F… no regime de Comunhão de adquiridos
2.2-Fundamentação de direito:
Tal como já ficou equacionada, impõe-se decidir no recurso se deve ser admitida a intervenção principal provocada, em face do alegado na ação de divisão de coisa comum pelos autores e admitido pela ré, ou seja, as alegações acima transcritas constantes da petição inicial que são os factos invocados pela ré para justificar o chamamento.
Vejamos:
O artigo 316.º do CPC estipula que:
1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3. O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários,
sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Como resulta do artigo supra transcrito, a intervenção principal provocada é admissível no caso de preterição de litisconsórcio necessário (n.º1), caso em que qualquer das partes pode chamar o interessado seja como seu associado seja como associado da parte contrária, pelo que, o incidente pode ser deduzido por qualquer das partes e para provocar uma modificação subjetiva, (cfr. art.261.º do CPC) quer seja do lado ativo quer do lado passivo.
No caso de litisconsórcio voluntário a lei prevê a admissibilidade do incidente para o autor provocar a intervenção de litisconsorte do réu ou de um terceiro contra quem pretende deduzir o pedido (art.39.º), pelo que, nesse caso, o incidente pode ser deduzido pelo autor para provocar uma modificação subjetiva no lado passivo (n.º2 do art.316.º). E pode, também o réu – mas terá que invocar interesse atendível - chamar outros litisconsortes voluntários, que intervirão do lado passivo. (n.º3 al. a) do art.316.º).
Finalmente prevê a lei, ainda, a admissibilidade do incidente para o réu provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor, ou seja, para provocar uma modificação subjetiva do lado activo, posto que se visa a intervenção de contitulares do direito invocado pelo autor donde tal intervenção não pode ocorrer do lado passivo. (art.316.º n.º3 b).
No caso concreto pretende a ré/recorrente que seja admitida a intervenção de pessoa que, como alegado pelos autores e por si admitido, ocupa uma parcela especifica do prédio, da qual, ambos aceitam, é dona, apesar de nenhuma das partes invocar como e a que título a adquiriu, o que, contudo, não impede, antes reclama, que se tenha como adquirido tal pressuposto na resolução da questão que nos ocupa.
Em conformidade, impõe-se saber se, face à relação controvertida tal como configurada pelos autos, a pessoa cuja intervenção vem pedida pode ser considerada comproprietária do prédio cuja divisão se pede. De facto, a ação de divisão de coisa comum tem que ser instaurada, sob pena de preterição de litisconsórcio, contra todos os comproprietários, como resulta do art.925.º do CPC onde se dispõe “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.” e já resultaria da regra geral do art.33.º do CPC, porquanto, sempre seria necessária a intervenção de todos os interessados pela própria natureza da relação jurídica e para que a decisão a obter produzisse o seu efeito útil normal.
Por outro lado, o art.318.º do CPC, relativamente à oportunidade do chamamento, determina:
1 - O chamamento para intervenção só pode ser requerido:
a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º;

b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados;
c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito.
Resulta da conclusão 13.ª do recurso que a recorrente pretende a intervenção de EE do lado passivo, pois aí invoca que “XIII. A referida EE é sujeita passiva da relação material controvertida, tal como é configurada pelos Recorridos na petição inicial, na medida em que são os mesmos que alegam que ela é detentora de uma das parcelas do prédio sub judice.”, ou seja, que a mencionada pessoa é comproprietária juntamente com os autores e a ré. Vejamos se é assim.
O art.1403.º do Código Civil, que encabeça a regulação legal relativa à compropriedade, sob epígrafe “Noção”, diz que:
1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultâneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.”;
Por seu turno, estabelece-se no art.1405.º que:
 “1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes. 2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.”
E, nos termos do art.1406.º do C.C:
“1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.”
Sendo ainda relevante, para a caraterização do direito, o disposto no art.1408.º do mesmo código:
“1. O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum.
2. A disposição ou oneração de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia.
3. A disposição da quota está sujeita à forma exigida para a disposição da coisa.”
Tendo em conta a referida regulação legal, há que concluir que a compropriedade ou propriedade em comum, corresponde à situação em que duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, tendo cada um dos consortes um direito qualitativamente igual aos demais, ainda que as quotas possam ser diferentes; os consortes exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, sendo que o art.1305.º do C.C. nos diz que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Por outro lado, cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro, ou seja, pode reivindica-la por inteiro, e se não estiver acordado o uso, cada consorte pode também usá-la na totalidade, contanto que não a use para fim diferente e não prive os demais do uso a que igualmente têm direito, ou seja, se nada de diferente estiver acordado, qualquer um dos comproprietários pode usar a coisa na sua totalidade e todos podem usar a coisa na sua totalidade, mas o uso da coisa por um dos consortes não lhe confere posse exclusiva, o que, salvo havendo inversão do titulo da posse, não permite a aquisição de direitos sobre a coisa com base na posse. E de particular relevância, também para o caso dos autos, é de reter que o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum, donde cada consorte pode v.g. vender a sua quota, mas já não, sem autorização, v.g. vender uma parte demarcada, identificada e delimitada da coisa comum, e se tal ocorrer estamos em presença de venda de coisa alheia e por isso nula (art.892.º do CC), (por exemplo, num prédio de vários andares em compropriedade não pode ser vendido ou onerado o andar A ou o Andar B, a garagem, ou qualquer outra parte especificada do prédio, por um dos consortes, sem autorização dos demais). Daqui decorre que o comproprietário não tem, pois, um direito que seja referenciado a parte da coisa, nem a parte especifica dela, nem sozinho tem um direito absoluto tal qual o mesmo é configurado ao proprietário singular, daí que não seja unívoca a discussão sobre a natureza jurídica do direito de compropriedade.
Escrevem os professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, 2.ª edição revista, pag. 344 e segs., a respeito do direito ora em análise, que “O conceito de compropriedade como um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum afasta duas das concepções mais divulgadas entre os autores acerca da natureza jurídica do direito do comproprietário. Segundo a doutrina tradicional cada comproprietário é titular de um direito (pleno e absoluto) de propriedade sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa. (…). Esta concepção tem sido justamente repudiada por muitos autores modernos. (…). A outra tese, que o principio legal da unicidade do direito de propriedade também afasta de modo inequívoco, é a que concebe a compropriedade como uma pluralidade de direitos iguais sobre toda a coisa. (…). Não se concebe, logicamente, que com o direito de propriedade, cuja vocação tende a garantir ao titular todas as utilidades que a coisa possa prestar concorram sobre a mesma coisa outro ou outros direitos da mesma natureza (…). Com a propriedade, por virtude de uma característica desse direito que é a sua elasticidade ou compreensibilidade, poderão sem dúvida concorrer, em relação à mesma coisa, outros direitos reias limitados como o usufruto, as servidões ou direitos reias de garantia. (…) o que já se não compreende é que a concorrência da propriedade se dê com a propriedade, atenta a natureza absoluta e exclusiva de tal direito. (…) Observe-se ainda que o direito de propriedade se traduz sempre num poder autónomo sobre uma coisa: desde que respeite as limitações que o oneram, o proprietário exerce os seus poderes de modo soberano, com total independência. Na compropriedade, porém, os contitulares perdem quase por completo a autonomia que caracteriza o domínio. Com excepção do poder de uso (e mesmo este tem que conformar-se com o disposto no n.1 do art1406.º) todos os demais poderes compreendidos no direito de propriedade só podem ser exercidos com a colaboração dos demais consortes, nos termos fixados na lei. (…).”
Vista a compropriedade como um único direito atribuído a vários titulares e não uma pluralidade de direitos, tal como, afigura-se-nos, decorre da noção do art.1403.º - são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – atentemos na configuração que é possível extrair do eventual direito da pretendida interveniente em confronto com o direito dos autores e réus. E avancemos, antecipadamente, que a solução não pode ser encontrada apenas por não constar do registo relativo à descrição predial do prédio a aquisição a favor dessa pessoa de qualquer direito sobre o dito prédio, reclamando considerações de natureza mais substantiva, concedendo-se, neste particular, como diz a recorrente, que a lei não exige que tenha que ser, antecipadamente, provada por documento a posição de contitular do direito da parte cuja intervenção se provoca.
 Resulta da alegação dos autores que a referida EE ocupa uma parcela específica, delimitada e concreta do prédio, pelo que, o alegado direito desta incide sobre parte especificada da coisa ou, noutra perspetiva, nenhum direito comporta sobre a restante parte do prédio sobre a qual nenhuma pretensão tem. O que vem alegado é que a mesma é proprietária da parcela que ocupa, donde, em sintonia, sobre tal parcela também os autores não invocam qualquer direito em comum com ela e com a ré. Ao invés, resulta da alegação dos autores que a pretendida divisão do prédio não abarca a parcela ocupada por EE e, tanto assim é, que excluem essa parcela da área que entendem que o prédio a dividir tem atualmente, a qual não corresponde à área da descrição predial, mas a área inferior, que indicam, justamente porque já não faz parte do prédio a área correspondente à parcela de EE, nem a área que foi cedida ao domínio público correspondente à Rua dos…. Em decorrência o prédio a dividir, na sua configuração física, e com a área indicada pelos autores e que corresponde àquela que é comum com a ré, não incide sobre a parcela de EE, porquanto, desta parcela é ela a proprietária singular exclusiva, e, como se viu acima, a compropriedade não pode concorrer com a propriedade exclusiva de terceiro sobre a mesma coisa. Sobre a coisa (ou sobre parte especifica dela) não pode incidir em simultâneo um direito de compropriedade na titularidade de várias pessoas e um direito de propriedade titulado por outra pessoa (ou até, por um dos consortes que v.g. se arrogue titular único dessa parte). Por isso, contrariamente ao que a recorrente alega, nesta configuração da relação material controvertida dada pelos autores – e neste particular aceite pela ré -, da divisão da coisa nenhum direito da referida EE pode ser afetado, posto que da coisa física a dividir não faz parte a área ocupada pela pretendida interveniente.
Naturalmente, que o pedido de divisão comporta in casu a fixação de uma área diferente daquela que consta da descrição predial, mas quanto a nós nenhum óbice se coloca porque a presunção da existência do direito que resulta do registo não abrange as áreas do prédio, como é pacificamente aceite. Nesse sentido, entre outros, Ac. TRC de 3.12.2013 (José Avelino Gonçalves) – “IV - As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). V - A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa.”; Ac. STJ de 7.3.2023 (Tibério Nunes da Silva) - “IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante na afirmação de que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos.”. Por conseguinte, mesmo que inicialmente o dito prédio pudesse ter abrangido a parcela ora ocupada e alegadamente pertença de EE, tendo, eventualmente, por isso a área indicada no registo (ou padecendo esta de erro), se, essa área não tem agora correspondência na realidade física a dividir, haverá de ser conformado o pedido, por forma a que a coisa a dividir entre os consortes corresponda à coisa com as suas caraterísticas físicas, incluído a sua área real, sobre a qual, repete-se, a pretendida interveniente nenhum direito tem, nem nenhum direito se arroga, face ao que foi alegado na petição.
Em conclusão, a situação de compropriedade que suporta o pedido de divisão da coisa comum, circunscreve-se à área do prédio na titularidade comum de autores e ré – em conformidade com a titularidade destes que resulta do registo - e não abrange a área ocupada pela chamada, área que é aceite por autores e ré como sendo da exclusiva pertença dessa chamada, o que exclui, necessariamente, a qualidade de comproprietária dessa chamada sobre a coisa comum objeto da divisão e, por isso, inexiste litisconsórcio necessário que sustente o pedido de intervenção principal dessa pessoa. Por consequência, não pode ser deferido o chamamento à luz do n.º1 do art.316.º do CPC, e, porque o que a recorrente visa, é a intervenção do lado passivo, também, não tem aplicação no caso – pese embora se não verifiquem, de igual modo, os seus pressupostos materiais porque a interveniente, por tanto quanto se disse, não é contitular do direito invocado pelos autores  – a intervenção a coberto do n.º3 alínea b) do art.316.º do CPC. Assim, o despacho recorrido não violou as normas legais invocadas, e deve ser mantido.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam na 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7.11.2024
Fátima Viegas
Octávio dos Santos Moutinho Diogo
Vítor Manuel Leitão Ribeiro