OBJECTO NEGOCIAL
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
EXTINÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE SUBEMPREITADA
Sumário

I - O art.º 790.º do C.Civil consagra explicitamente o princípio de que a impossibilidade superveniente do objecto extingue a relação obrigacional, e o art.º 795.ºdo mesmo diploma, regendo especificamente para os contratos bilaterais, proclama que, no caso de uma das prestações se tornar impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação, mas só se a causa da impossibilidade não lhe for imputável (cf. n.ºs 1 e 2).
II - Considerando que a subempreitada é um contrato dependente da empreitada, a extinção desta por qualquer causa, nomeadamente a desistência do dono da obra (art.º 1229.ºC Civil), faz extinguir o contrato de subempreitada, aplicando-se quanto a esta o regime do art.º 1227.º C. Civil.

Texto Integral

Processo: 5321/21.6T8MAI.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Maia - Juiz 2

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I .RELATÓRIO

A..., S.A., com sede na Rua ..., na União de freguesias ... e ... - Vila Nova de Gaia, veio propor a presente acção declarativa, com forma de processo comum, contra B..., Lda., com sede na Rua ..., ..., no ... - Maia, pedindo que se condene a ré a pagar-lhe a quantia de Eur. 5.448,08, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde o dia 15 de Abril de 2021, até efetivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega a autora, em síntese, que:

No exercício da sua atividade, celebrou com a ré um contrato de subempreitada, datado de 11/12/2020, para fornecimento e aplicação de painel de compósito de alumínio na obra denominada “...”.

Nos termos de tal contrato, foi convencionado que o preço de Eur. 18.160,28 seria pago nos seguintes termos: 30% com a adjudicação e o remanescente por autos mensais.

Nos termos do contrato em apreço foi ainda convencionado que o início dos trabalhos se verificaria três semanas após a liquidação da adjudicação e que esses trabalhos se prolongariam por cerca de quatro semanas após o seu início.

Na sequência da celebração do referido acordo, pagou à ré a quantia de Eur. 5.448,08.

Os sucessivos atrasos na execução do projeto referenciado, não permitiram, até ao momento, a entrada em obra, sendo que o início da obra ainda não ocorreu por factos imputáveis ao dono de obra que tem vindo a recusar o equilíbrio financeiro da empreitada.

Transmitiu esse circunstancialismo à ré, quando esta lhe comunicou que não tinha condições de executar a obra e que tinha perdido o interesse na manutenção do contrato.

Solicitou a devolução da quantia paga a título de adiantamento.

A ré, ao recusar a devolução de tal quantia, agiu com manifesta má-fé, bem sabendo que não tinha direito a reter esse pagamento, atento o incumprimento das suas obrigações contratuais.

Verificam-se todos os pressupostos do enriquecimento sem causa.

Conclui conforme supra referido.

Pessoal e regularmente citada para os termos da presente acção, a ré veio apresentar a respectiva contestação, no âmbito da qual deduziu pedido reconvencional contra a autora.

Para fundamentar a sua pretensão, e após convite ao aperfeiçoamento, alega, em síntese, que:

Foi a autora que incumpriu o contrato celebrado entre ambas, causando-lhe inúmeros prejuízos.

Por acção exclusiva da autora, a obra só se iniciou em Maio de 2021.

Não obstante o atraso na adjudicação e no pagamento, esteve sempre a trabalhar na preparação da obra.

Em Maio de 2021, em vez de iniciar a obra, a autora solicitou-lhe uma alteração ao projecto, que deu origem a um orçamento extra e a uma nova factura.

No entanto, a autora continuou a não dar indicação para o início da empreitada.

Entretanto, a autora abandonou o local da obra.

Concedeu à autora um prazo para iniciar os trabalhos sob pena de perder o interesse na manutenção do contrato.

A autora não cumpriu o contrato, nem criou condições para a sua execução, nada lhe sendo exigível.

Teve prejuízos com o incumprimento imputável à autora.

Adquiriu materiais e despendeu tempo, dinheiro e funcionários na preparação da obra, sendo que os seus prejuízos ascendem à quantia de Eur. 15.550,00.

Conclui considerando que a presente acção deverá ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido, e que o pedido reconvencional deverá ser julgado procedente, condenando-se a autora a reconhecer que lhe deve a quantia de Eur. 19.048,74 (na sequência da ampliação do pedido deduzida).

A autora apresentou resposta à contestação, concluindo como na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Mediante despacho proferido nos autos, foi admitido o pedido reconvencional formulado pela ré.

Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância.


*

Procedeu-se à enunciação dos factos assentes e à elaboração dos temas da prova, sem que quanto aos mesmos tenha sido apresentada qualquer reclamação.

*

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com respeito pelo formalismo legal e foi proferida sentença pela qual o tribunal a quo decidiu julgar a acção principal improcedente e, em consequência, absolver a ré B..., Lda. do pedido contra si deduzido nestes autos pela autora A..., S.A.

E ainda decidiu julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido e, em consequência, condenar a reconvinda A..., S.A. a reconhecer que deve à reconvinte B..., Lda. o valor a determinar em incidente de liquidação, relativamente aos custos e despesas por esta suportados com a execução do acordo aludido em 2) da matéria de facto, designadamente com as situações mencionadas nos pontos 32) a 42) da matéria de facto, até ao limite de Eur. 19.048,74, sendo que ao valor apurado desse ser deduzida a quantia de Eur. 5.448,08.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação e no essencial, nas extensas conclusões recursórias, alega a falta de rigor e manifesta obscuridade sob os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 28 e 29, devendo ser corrigida, a contradição entre itens da decisão de facto que indica, impugna alguns itens dos fatos provados da decisão de facto, pede o aditamento de factualidade que indica e alega que o Tribunal não deveria ter condenado a Autora a reconhecer que deve à Ré o valor a determinar em incidente de liquidação, relativamente aos custos e despesas por esta suportados com a execução do acordo aludido em 2) da matéria de facto, designadamente com as situações mencionadas nos pontos 32) a 42) da matéria de facto, até ao limite de 19.048,74 €, porque, alega, esta não fez qualquer prova de tal factualidade.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

.Da Impugnação da decisão de Facto

Do Mérito da sentença recorrida.

III. FUNDAMENTAÇÃO.

3.1. No tribunal de comarca foram julgados provados e não provados.

Factos Provados.

1 – A autora “A..., S.A.” dedica-se à actividade industrial de empreitadas de construção civil e obras públicas, empreendimentos, aquisição de imóveis para revenda, actividades de arquitectura e engenharia, estudos e projectos.

2 - No exercício das suas actividades, a autora e a ré celebraram um acordo escrito denominado “contrato de subempreitada”, datado de 11 de Dezembro de 2020, referente ao fornecimento e aplicação de painel de compósito de alumínio na obra denominada “..., conforme documento junto a fls. 5-v a 9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

3 - Nos termos do acordo aludido em 2), a autora e a ré convencionaram que o preço referente às obras a executar ascenderia ao montante de Eur. 18.160,28, a ser pago nos seguintes termos:

- 30% com a adjudicação;

- o remanescente por autos mensais.

4 - Nos termos do acordo aludido em 2), a autora e a ré convencionaram que o início dos trabalhos se verificaria três semanas após a liquidação da adjudicação.

5 - Nos termos do acordo aludido em 2), a autora e a ré convencionaram que os trabalhos ali previstos seriam executados no prazo de quatro semanas após o seu início.

6 – Na sequência da celebração do acordo aludido em 2), em 15/4/2021, a autora entregou à autora a quantia de Eur. 5.448,08, conforme documento junto a fls. 11 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 13-v dos autos, datada de 23 de Setembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

8 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 14 dos autos, datada de 6 de Outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

9 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 14-v dos autos, datada de 11 de Outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

10 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 15-v dos autos, datada de 20 de Outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

11 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 16 dos autos, datada de 27 de Outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

12 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 17 dos autos, datada de 3 de Novembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

13 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 18 dos autos, datada de 12 de Novembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

14 – Na sequência da celebração do acordo aludido em 2), a autora foi solicitando à ré que aguardasse para emitir a factura referente à adjudicação dos trabalhos.

15 – Após comunicação da autora para esse efeito, no dia 26/2/2021, a ré emitiu a factura relativa à adjudicação dos serviços aludidos em 2).

16 – Sendo que a autora procedeu ao pagamento da factura aludida em 15) no dia 16 de Abril de 2021.

17 – Após a celebração do acordo aludido em 2), a ré começou a trabalhar na preparação da obra contratada, designadamente efectuando medições, protótipos, orçamentação e desenhos.

18 – Após a celebração do acordo aludido em 2), a ré contactou diversas vezes a autora, solicitando autorização para entrar em obra, sendo que nunca lhe foi permitido dar início aos trabalhos.

19 - Em Maio de 2021, a autora solicitou à ré uma alteração ao projecto referente aos trabalhos aludidos em 2), tendo esta elaborado um novo orçamento, com novas deslocações à obra, estudos, medições e desenhos, os quais foram aprovados pela autora em 8/6/2021.

20 – Nessas circunstâncias, a ré elaborou uma nova factura, com o n.º ..., no valor de Eur. 1.382,48.

21 – Nessas mesmas circunstâncias, a autora preparou um aditamento ao acordo aludido em 2), tendo sido previsto o início dos trabalhos em 5 de Julho de 2021.

22 – No decurso dos meses de Junho e de Julho de 2021, a ré foi questionando a autora quanto à data de início da obra, sendo que a autora nunca comunicou uma data para o efeito.

23 – Entretanto, a autora deixou de atender as chamadas da ré, não permitindo o estabelecimento de qualquer contacto.

24 – A ré comunicou à autora que pretendia iniciar a execução dos trabalhos aludidos em 2) na primeira semana de Setembro de 2021.

25 – Em 6 de Setembro de 2021, a ré deslocou uma equipa composta por um engenheiro e quatro operários para a obra.

26 – Nessas circunstâncias, a ré constatou que a autora tinha deixado a obra e esvaziado o estaleiro, ali permanecendo apenas um funcionário a guardar uma grua e outros equipamentos.

27 – Nessas circunstâncias, a ré tentou contactar a autora, mas ninguém atendia os telefonemas.

28 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 1, datada de 20 de Novembro de 2020, cujo ter se dá por reproduzido.

29 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 2, datada de 7 de Julho de 2021, cujo ter se dá por reproduzido.

30 – A Santa Casa da Misericórdia ... não aceitou o agravamento dos encargos previstos para a execução do acordo celebrado com a autora.

31 – A ré procedeu à anulação da factura aludida em 20), tendo essa anulação sido aceite pela autora.

32 – Na sequência da celebração do acordo aludido em 2), a ré adquiriu materiais para a execução dos trabalhos contratados, despendendo para o efeito quantia não concretamente determinada, mas não superior a Eur. 10.003,24.

33 – Pelo menos parte dos materiais aludidos em 32) estão armazenados nas instalações da autora, sendo que os mesmos, em função das suas medidas e cores foram adquiridos especificamente para a obra aludida em 2).

34 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré despendeu tempo do seu medidor orçamentista AA para proceder à verificação e medição de todos os pormenores da obra.

35 - Em Dezembro de 2021, o mencionado AA auferiu o salário ilíquido de Eur. 1.320,00.

36 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré despendeu tempo do seu desenhador BB a preparar a obra aludida em 2) no programa “autocad”.

37 - Em Dezembro de 2021, o mencionado BB auferiu o salario ilíquido de Eur. 2.110,00.

38 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré suportou custos administrativos com a preparação da obra, nomeadamente logística e planeamento, correspondente aos tempos que o pessoal administrativo despendeu com a elaboração do contrato, preparação e elaboração e encomendas a fornecedores, facturas, notas de crédito, abertura de crédito, transportes e manuseamento de mercadorias.

39 – Os custos aludidos em 38) ascenderam a um valor não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 1.000,00.

40 - No âmbito do acordo aludido em 2), a ré executou e aplicou um protótipo em obra, sendo que para o efeito suportou despesas e custos em montante não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 2.000,00.

41 – No âmbito do acordo aludido em 2), o encarregado da ré deslocou-se à obra um numero não determinado de vezes para proceder a medições e reuniões.

42 – Em virtude das deslocações aludidas em 41), a ré suportou custos de montante não concretamente determinado, mas não superior a Eur. 900,00.

43 - Os custos aludidos em 32) a 42) ascendem a quantia não concretamente determinada mas superior a Eur. 5.448,08.

44 - Mediante apresentação n.º 1, datada de 19/8/2021, mostra-se inscrita na certidão permanente referente à autora a cessação de funções de membros dos órgãos sociais, por renúncia, designadamente da presidente do conselho de administração CC e da vice-presidente do conselho de administração DD.

45 - Mediante apresentação n.º 2, datada de 19/8/2021, mostra-se inscrita na certidão permanente referente à autora a mudança de sede e a designação de membros de órgãos sociais, designadamente do presidente e do vice-presidente do conselho de administração.

46 - A Santa Casa da Misericórdia ... tomou posse administrativa da obra aludida em 2) em Dezembro de 2021, tendo contactado um novo empreiteiro para proceder à realização das mencionadas obras.

47 - A ré remeteu à autora, que a recebeu, a mensagem de correio electrónico junta com a contestação sob o n.º 1, datada de 17 de Março de 2021, cujo teor se dá por reproduzido.

Factos não provados:

48 - Os sucessivos atrasos na execução do projecto em que se incluem os trabalhos aludidos em 2) não tenham permitido a entrada da ré em obra.

49 - O início da obra aludida em 2) não tenha ocorrido por factos imputáveis à Santa Casa da Misericórdia ..., a qual recusou o equilíbrio financeiro da empreitada.

50 - A Santa Casa da Misericórdia ... tenha recusado o equilíbrio financeiro da empreitada sem invocar fundamentos para o efeito.

51 - A autora tenha solicitado à ré que iniciasse as obras na primeira semana de Setembro de 2021.

52 - O mencionado AA tenha despendido uma semana de trabalho a execução dos trabalhos aludidos em 34).

53 - O mencionado BB tenha despendido duas semanas de trabalho na execução dos trabalhos aludidos em 36).

54 - Os custos administrativos suportados pela ré na sequência da celebração do acordo aludido em 2) tenham ascendido a Eur. 1.000,00.

55 - Em virtude de os materiais adquiridos para a execução dos trabalhos aludidos em 2) se manterem nas suas instalações, a ré tenha um custo mensal de Eur. 50,00.

56 - A equipa aludida em 25) tenha ficado sem colocação durante uma ou duas semanas.

57 - A ré tenha recusado trabalhos de outros clientes para estar disponível para executar a obra mencionada em 2), tendo deixado de auferir um lucro de Eur. 1.500,00 por esse motivo.

3.2 Da impugnação da decisão de facto.

.Considerando que a impugnação da decisão de facto satisfaz minimamente os requisitos do art 640º do CPC admitimos a impugnação da decisão de facto.

A.Alega a recorrente que a decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 28 e 29 é obscura e incompleta, devendo ser corrigida, sugerindo a redação a dar a esses itens.

Nesta parte, lida a decisão de facto entendemos assistir razão à recorrente, porquanto, nesses itens o tribunal dá como reproduzido o teor de documentos para os quais remete.

Assim, os itens 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 28 e 29 dos fatos provados passam a ter as seguintes redacções:

1.1.1. PONTO 7 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 13-v dos autos, datada de 23 de setembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, e no qual consta, designadamente o seguinte:

«Considerando que até setembro de 2021 a obra não reunia condições para inicio dos nossos trabalhos, por causas a que somos totalmente alheios. (…)Somos a comunicar que se nos próximos 5 dias não nos comunicarem que poderemos avançar com a obra nos 5 dias seguintes, resolvemos o contrato, por não termos qualquer condição de executar a obra e porque não cumpriram a vossa parte e por perdermos totalmente o interesse na manutenção do contrato. Se não avançarmos para a obra dentro dos próximos 10 dias, sem manis nenhuma comunicação, damos o contrato por resolvido.

O valor que nos entregaram de sinal será imputado para pagamento de todos os nossos prejuízos, que o vosso incumprimento deu causa.»

1.1.2. PONTO 8 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 14 dos autos, datada de 6 de outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, e através da qual a Autora responde à carta que lhe foi remetida pela Ré, a que se reporta o facto dado como provado sob o nº 7, e na qual consta, designadamente o seguinte: «Em resposta à mesma, informamos que o inicio da obra ainda não ocorreu por factos não imputados à nossa empresa. Com efeito, tal deveu-se a problemas com o dono da obra que vem recusando o equilíbrio financeiro lhe foi proposto. Deste modo, por não ser de n/ culpa, não reconhecemos qualquer direito da v/ parte em revogar contrato, sendo certo que se o fizerem será entendido como incumprimento do mesmo pela v/ parte».

1.1.3. PONTO 9 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 14-v dos autos, datada de 11 de outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, designadamente de que a Ré comunicou à Autora que «atenta a carta que vos enviamos em 23/09/2021, em que vos concedemos um prazo de cinco dias para nos comunicarem para se poder avançar com a obra nos 5 dias seguintes e nada foi dito, pelo presente reiteramos a comunicação de se resolver o contrato, por não termos quaisquer condições de executar a obra e porque não cumpriram a vossa parte e por perdermos totalmente o interesse na manutenção do contrato».

1.1.4. PONTO 10 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 15-v dos autos, datada de 20 de outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, designadamente de que nela consta que «reiteramos o já transmitido na n/ anterior comunicação datada de 6.10.2021, ou seja, que o inicio da obra ainda não ocorreu por factos não imputáveis à nossa empresa, mas sim ao Dono da Obra que tem recusado o equilibro financeiro que lhe foi proposto. Deste modo por não ser de n/ culpa, não reconhecemos qualquer direito da v/ parte em revogar o contrato, sendo certo que se o fizerem será entendido como incumprimento do mesmo da v/ parte, com as consequências daí decorrente.(…)

Por último, atendendo ao valor significativo que já vos foi pago em adiantamento (€5.448,08) para o inicio dos trabalhos, gostaríamos de saber o ponto da situação da preparação dos mesmos, nomeadamente se o material em causa já foi adquirido».

1.1.5. PONTO 11 – A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 16 dos autos, datada de 27 de Outubro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, em que refere «somos a informar que já procedemos à resolução do contrato, conforme carta anterior, cujos fundamentos reiteramos. Pelo que nada mais há a informar».

1.1.6. PONTO 12 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 17 dos autos, datada de 3 de Novembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual a Autora comunica à Ré que «uma vez que dizem ter procedido à resolução do contrato, somos pela presente a solicitar a devolução dos valores pagos a titulo de adiantamento - €5.448,08 – já que não vão proceder aos trabalhos previstos e contratualizados. Reiteramos (…) que a revogação do contrato implica o incumprimento do mesmo pela v/ parte, com as consequências daí decorrentes. Pelo que, não cumprindo comas responsabilidades e obrigações estipuladas, tal como era exigível, tal acarretará prejuízos avultados para a A... que terão necessariamente que ser imputados à v/ empresa. E desta feita o mesmo sucederá caso o Dono da Obra decida prosseguir com penalidades contra a A..., as mesmas serão imputadas à v/ empresa, nos termos contratuais».

1.1.7. PONTO 13 – A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta junta a fls. 18 dos autos, datada de 12 de Novembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual interpela a Ré para proceder ao pagamento do valor de €5.448,08, relativos ao adiantamento pago.

1.1.8. PONTO 28 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 1, datada de 20 de Novembro de 2020, (note-se que foi antes da celebração do contrato de subempreitada celebrado entre a autora e a ré)cujo ter se dá por reproduzido, no âmbito da qual a Autora pede a prorrogação do prazo para a conclusão da empreitada, atenta a atual pandemia vivida, e estados de emergência e calamidade que se têm sucedido e alternado, e que implicou um vasto conjunto de adaptações às circunstancias decorrentes da crise epidémica COVI 19, com as consequentes implicações na vida dos cidadãos e das empresas. (…) As situações epidemiológicas podem ser enquadradas como casos de força maior por traduzirem um facto imprevisível e alheio à vontade das partes, que é o que sucede no caso concreto.

note-se que foi antes da celebração do contrato de subempreitada celebrado entre a autora e a ré o que revela que no dia 11.12.2020 a autora tinha condições para celebrar o contrato de subempreitada.

1.1.9. PONTO 29 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 2, datada de 7 de Julho de 2021, cujo ter se dá por reproduzido, e no âmbito da qual comunica aesta, nos termos do disposto no artigo 282º do CCP, pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada.

B.De seguida a recorrente pretende que este Tribunal adite aos factos da decisão sobre a matéria de facto, a factualidade alegada por ela na réplica e que entende ser relevante para a decisão da causa, concretamente:

1.2.1. Artigo 17º: Os atrasos da obra não se prenderam com a alegada falta de vontade da Autora mas sim com questões que lhe são alheias, como oportunamente informado à Ré;

1.2.2. Artigo 18º: Prova da vontade da Autora em executar a obra é o pedido de prorrogação de prazo, apresentado ao Dono de Obra, atenta a pandemia vivida, e Estados de Emergência e Calamidade que se sucederam e alternaram;

1.2.3. Artigo 19º: e que implicou um vasto conjunto de adaptações às circunstâncias decorrentes da crise epidémica COVID 19, com as consequentes implicações na vida dos cidadãos e das empresas.

1.2.4. Artigo 20º: Não obstante as várias condicionantes - redução no número de mão de obra, atrasos consideráveis na entrega de equipamentos e materiais – que causaram constrangimentos nos processos evolutivos da empreitada, a Autora tudo fez.

1.2.5. Artigo 21º: Assim, a situação de epidemia do coronavírus COVID-19, enquadrada como um caso de força maior, conduziu ao inevitável atraso da obra.

1.2.6. Artigo 22º Em data posterior à da celebração do contrato de empreitada, e por causa da pandemia, verificaram-se circunstâncias anormais, excecionais e extraordinárias, que são do conhecimento geral e notório,

1.2.7. Artigo 23º e a que a Autora foi totalmente alheia, que determinaram a necessidade desta de exercer o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada.

1.2.8. Artigo 24º: O agravamento nos encargos previstos para a execução do contrato, atendendo à contínua evolução dos preços, não mereceu aceitação por parte do Dono de Obra.

1.2.9. Artigo 25º: Foi assim, neste circunstancialismo, não imputável à Autora, e a que esta foi totalmente alheia, que a execução da obra em causa não prosseguiu.

1.2.10.Artigo 26º: Facto esse, sem culpa nenhuma da Autora, e que aliás nunca foi escondido da Ré, conforme espelhado em comunicações juntas aos autos.

Apreciando e decidindo:

A alegação constante dos artigos da réplica, atrás reproduzidos, corresponde no essencial a matéria conclusiva, uma vez que não foram alegados factos concretos, ocorrências materiais e concretas que revelem as vicissitudes concretas que decorreram entre a autora-recorrente, enquanto empreiteira geral da obra, e a dona da obra, entidade terceira que não foi demandada nesta ação.

Não se ignora que os dois contratos, o de empreitada e o de subempreitada, regulados, nos arts 1207 e ss e 1213º, todos do CCivil, respectivamente, prosseguem a mesma finalidade, concretamente, a realização do interesse do dono da obra, estando ligados por um vínculo funcional, dependência que se verifica na sua formação, como na sua execução.[1]

Todavia, como resulta da petição inicial a autora -recorrente apenas demandou nesta ação a ré, que contratou como subempreiteira, pelo que, extravasa o objecto dos autos a alegação contida na réplica relativa à alegada falta de culpa da autora no atraso da obra em geral.

A revelar que antes de instaurar a presente acção deveria a autora-recorrente ter discutido noutra ação anterior a esta a factualidade relevante para ser decidida a questão que aborda na réplica mas cuja apreciação e discussão extravasa o objecto deste processo, concretamente, apurar e decidir sobre se assiste à autora o direito de reaver o valor correspondente a 30% do valor dos trabalhos e que pagou à ré aquando da adjudicação daqueles trabalhos.

De resto, a autora-recorrente limita-se a usar o bordão da pandemia Covid-19, uma vez que ela foi transversal à sociedade, às pessoas e às empresas, são factos notórios quer a existência da pandemia Covid-19 quer a noção de que ela conduziu a períodos de confinamento e de encerramento de serviços e estabelecimentos abertos ao público.

Todavia, não teve, como era necessário, o cuidado de precisar os termos concretos em que a pandemia e as restrições respectivas (que assumiram distintas natureza) se repercutiram na sua actividade.

Como referido no Ac desta Relação do Porto de 09.11.2023, proferido nº 16989/22.6T8PRT-A.P1, “já não são factos notórios a medida, dimensão ou importância como a pandemia, os confinamentos e encerramentos, as alterações comportamentais das pessoas na frequência e aproveitamento dos espaços públicos, influenciaram negativamente as actividades comerciais dos vários ramos de comércio.

A pandemia não terá afectado todos por igual; nalguns casos afectou mais que noutros; nalguns casos pura e simplesmente não afectou e houve mesmo caso altamente beneficiados pela pandemia (v.g. aqueles que se ocuparam da produção da parafernália de bens e objectos que de repente todos passaram a usar, por vezes de forma totalmente irracional ou excessiva, ou aqueles que se ocuparam da realização de testes em massa ou que passaram a prestar serviços até aí pouco usados, os quais obtiveram verdadeiras fortunas com a pandemia).

É por isso que mesmo sendo do domínio comum que os estabelecimentos de restauração, cafetaria e hotelaria terão sido dos mais afectados, uma vez que as pessoas reduziram os seus contactos sociais e a presença em espaços que teriam de partilhar com outras pessoas, não basta invocar a pandemia para justificar a existência de uma alteração anormal das circunstâncias.

A pandemia é apenas a razão de saúde pública que explica e justifica as alterações, mas é necessário saber quais foram estas e quais as respectivas consequências para concluir que, sendo elas derivadas de uma causa alheia aos contraentes e por eles não prevista nem previsível no momento da contratação, assumem a dimensão da anormalidade, da perturbação significativa da economia do contrato, que preside ao instituto- mecanismo da alteração anormal das circunstâncias, previsto no art 437º do C.Civil que dispõe: “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”

A revelar que a autora-recorrente teria de ter alegado factos concretos localizados no tempo e no espaço por forma a revelar factos que justificariam o seu alegado atraso na execução da empreitada geral, o que, não fez.

Como se escreveu no citado acórdão:

“A necessidade dessa demonstração resulta da própria natureza do o instituto, (previsto no art 437ºm do CCivil), pelo qual, o legislador procura recuperar o equilíbrio das prestações que foi quebrado pela alteração superveniente das circunstâncias que presidiram à contratação, o que só é possível sabendo-se a medida da quebra causada pela alteração. Essa medida não tem, naturalmente, de ser determinada com exactidão e pormenor, mas também não pode ser aferida por mero palpite “ou presunção natural apoiada em facto nenhum, para além dos factos notórios acima indicados”

Assim, por não traduzir factos concretos nem revelar para discussão da causa decidimos não aditar à decisão de facto a factualidade genérica e conclusiva vertida nos referidos artigos da réplica.

C.Da alegada contradição entre os fatos provados vertidos nos pontos 24, 25, 26 e 27 e o fato vertido no item 7 dos fatos provados:

Vejamos:

O item 7 dos fatos provados refere:

.A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 13-v dos autos, datada de 23 de setembro de 2021, cujo teor se dá por reproduzido, e no qual consta, designadamente o seguinte:

«Considerando que até setembro de 2021 a obra não reunia condições para inicio dos nossos trabalhos, por causas a que somos totalmente alheios. (…)Somos a comunicar que se nos próximos 5 dias não nos comunicarem que poderemos avançar com a obra nos 5 dias seguintes, resolvemos o contrato, por não termos qualquer condição de executar a obra e porque não cumpriram a vossa parte e por perdermos totalmente o interesse na manutenção do contrato. Se não avançarmos para a obra dentro dos próximos 10 dias, sem manis nenhuma comunicação, damos o contrato por resolvido.

O valor que nos entregaram de sinal será imputado para pagamento de todos os nossos prejuízos, que o vosso incumprimento deu causa.»

E os itens 24 a 26 e 27 referem:

“24 – A ré comunicou à autora que pretendia iniciar a execução dos trabalhos aludidos em 2) na primeira semana de Setembro de 2021.

25 – Em 6 de Setembro de 2021, a ré deslocou uma equipa composta por um engenheiro e quatro operários para a obra.

26 – Nessas circunstâncias, a ré constatou que a autora tinha deixado a obra e esvaziado o estaleiro, ali permanecendo apenas um funcionário a guardar uma grua e outros equipamentos.

27 – Nessas circunstâncias, a ré tentou contactar a autora, mas ninguém atendia os telefonemas.”

Confrontando o teor das declarações vertidas na missiva de 23.09.2021, cuja autoria foi assumida pela ré, resulta que nessas declarações que estão datadas a ré comunica, no essencial à autora, que até setembro de 2021 a obra não reunia condições para inicio dos nossos trabalhos, por causas a que somos totalmente alheios e prossegue concedendo prazo para a autora comunicar se a ré poderia avançar e que nada for dito nesse prazo resolvia o contrato.

E o item 24 dos fatos provados apenas refere, sem localizar no tempo, que a ré comunicou à autora que pretendia iniciar a execução dos trabalhos aludidos em 2) na primeira semana de Setembro de 2021.

Posto isto, não vislumbramos que haja contradição entre os dois fatos.

D.Os itens 25, 26 e 27, dos fatos provados referem:

25 - Em 6 de Setembro de 2021, a ré deslocou uma equipa composta por um engenheiro e quatro operários para a obra.

26 – Nessas circunstâncias, a ré constatou que a autora tinha deixado a obra e esvaziado o estaleiro, ali permanecendo apenas um funcionário a guardar uma grua e outros equipamentos.

27 – Nessas circunstâncias, a ré tentou contactar a autora, mas ninguém atendia os telefonemas.”

Ora a missiva que a ré enviou à autora referida no item 7 dos fatos provados foi remetida a 23 de setembro de 2021.

Também aqui não vislumbramos que haja contradição entre os itens 24 a 26 dos fatos provados e o item 7 dos fatos provados.

E.Da alegada contradição entre os fatos provados vertidos nos pontos 32 a 43 dos fatos provados e o fato vertido no item 7 dos fatos provados.

Para tanto a autora alega que na carta de Setembro de 2021 que a ré lhe enviou esta já tinha liquidado todos os prejuízos sofridos em € 5.448,98 e que não obstante o tribunal recorrido julgou provados os prejuízos referidos nos itens 32 a 43 dos fatos provados que aqui se reproduzem:

“32 – Na sequência da celebração do acordo aludido em 2), a ré adquiriu materiais para a execução dos trabalhos contratados, despendendo para o efeito quantia não concretamente determinada, mas não superior a Eur. 10.003,24.

33 – Pelo menos parte dos materiais aludidos em 32) estão armazenados nas instalações da autora, sendo que os mesmos, em função das suas medidas e cores foram adquiridos especificamente para a obra aludida em 2).

34 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré despendeu tempo do seu medidor orçamentista AA para proceder à verificação e medição de todos os pormenores da obra.

35 - Em Dezembro de 2021, o mencionado AA auferiu o salário ilíquido de Eur. 1.320,00.

36 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré despendeu tempo do seu desenhador BB a preparar a obra aludida em 2) no programa “autocad”.

37 - Em Dezembro de 2021, o mencionado BB auferiu o salario ilíquido de Eur. 2.110,00.

38 – No âmbito do acordo aludido em 2), a ré suportou custos administrativos com a preparação da obra, nomeadamente logística e planeamento, correspondente aos tempos que o pessoal administrativo despendeu com a elaboração do contrato, preparação e elaboração e encomendas a fornecedores, facturas, notas de crédito, abertura de crédito, transportes e manuseamento de mercadorias.

39 – Os custos aludidos em 38) ascenderam a um valor não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 1.000,00.

40 - No âmbito do acordo aludido em 2), a ré executou e aplicou um protótipo em obra, sendo que para o efeito suportou despesas e custos em montante não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 2.000,00.

41 – No âmbito do acordo aludido em 2), o encarregado da ré deslocou-se à obra um numero não determinado de vezes para proceder a medições e reuniões.

42 – Em virtude das deslocações aludidas em 41), a ré suportou custos de montante não concretamente determinado, mas não superior a Eur. 900,00.

43 - Os custos aludidos em 32) a 42) ascendem a quantia não concretamente determinada mas superior a Eur. 5.448,08.”

Apreciando e decidindo:

Contrariamente ao afirmado pela recorrente na missiva de Setembro de 2021 a ré-recorrida não liquidou os prejuízos sofridos, mas apenas, comunicou que »O valor que nos entregaram de sinal será imputado para pagamento de todos os nossos prejuízos, que o vosso incumprimento deu causa.»

Destarte, sem necessidade de mais considerações, decidimos que entre o item 7 e os itens 32 a 43, todos dos fatos provados, não existe qualquer contradição.

Tão pouco verificamos qualquer violação do art 371º do Código Civil quando o tribunal a quo julga por um lado provado o fato vertido no ponto 7 e, por outro, julga provados os fatos vertidos nos pontos 32 a 43 desses fatos provados.

De resto, na medida em que o art 371º do CC se refere à força probatória dos documentos autênticos e porque a missiva aludida no ponto é um documento particular não vislumbramos a razão da convocação desta norma.

F.Da alegada contradição entre os itens 28 a 30 dos fatos provados com a decisão que julgou não provados os factos não provados vertidos nos itens 49 e 50.

Reproduzimos aqui esses factos:

Factos provados nºs 28 a 30:

“28 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 1, datada de 20 de Novembro de 2020, cujo ter se dá por reproduzido.

29 – A autora remeteu à Santa Casa da Misericórdia ..., que a recebeu, a carta junta com a réplica sob o n.º 2, datada de 7 de Julho de 2021, cujo ter se dá por reproduzido.

30 – A Santa Casa da Misericórdia ... não aceitou o agravamento dos encargos previstos para a execução do acordo celebrado com a autora.”

Factos não provados nºs 49 e 50:

“49 - O início da obra aludida em 2) não tenha ocorrido por factos imputáveis à Santa Casa da Misericórdia ..., a qual recusou o equilíbrio financeiro da empreitada.

50 - A Santa Casa da Misericórdia ... tenha recusado o equilíbrio financeiro da empreitada sem invocar fundamentos para o efeito.”

Apreciando e decidindo:

Analisados os itens 28 a 30 dos fatos provados e 49 e 50 dos fatos não provados verificamos que neles foi vertida alegação conclusiva feita pela autora -recorrente.

Assim, porque a decisão de facto apenas deve conter factos concretos, ocorrências da vida real concretamente delimitadas no tempo, no espaço, resulta manifesto que os referidos itens não relevam para a decisão da questão-de-facto.

Destarte, decidimos eliminar os itens 30 dos fatos provados e os itens 49 e 50 dos fatos não provados, ficando assim prejudicada a alegada contradição que a recorrente imputava à decisão da matéria de fato nesta parte.

G.. Da impugnação dos factos julgados

A Recorrente considera que não ficaram provados, ao contrário da decisão proferida, os seguintes factos: 18º, 22º a 27º, 32º, 33º, 34º,35º, 36º, 37º, 38º, 39º a 43º dos fatos provados.

Alega que o tribunal recorrido ignorou a prova produzida, fez uma motivação genérica e conclusiva e convoca meios de prova, alegando que os documentos juntos aos autos determinariam, por si, a prova contrária à que foi decida pelo Tribunal, concretamente:

“1.4.2.3.1. As declarações constantes das cartas a que se reportam os nºs 7 a 13 e 28 e 29 dos factos provados;

1.4.2.3.2. O email remetido pela Ré à Autora em 21 de junho de 2021, e respetivo anexo – documento nº 5 junto com a contestação -, no âmbito do qual remete um aditamento ao contrato. Do aditamento consta expressamente na cláusula 11º, o dia 5 de julho como data do inicio dos trabalhos;

1.4.2.3.3. O email remetido pela Ré à Autora em 10 de setembro de 2021 – documento nº 6 junto com a contestação -, no âmbito do qual refere que «passamos mais uma vez ontem na obra em assunto e verificamos que a mesma continua a não reunir as condições necessárias para o inicio dos trabalhos;

1.4.2.3.4. Carta a que se reporta o facto dado como provado sob o nº 7, neste caso junta pela própria Ré como documento nº 7 junto com a contestação;

1.4.2.3.5. Aceitação de pedido efetuado a 11 de maio de 2021, nele constando o prazo de 2 semanas para entrega, junto com a contestação sob o nº 8A e repetido sob o documento nº 14.

1.4.2.4. O depoimento prestado pelo legal representante da Ré, EE no dia 21/04/2023, cujos segmentos a recorrente transcreve.

Convoca ainda o depoimento da testemunha FF, prestado a 21.04.2023

Posto isto, procedemos à reapreciação dos documentos convocados e reproduzimos a gravação do depoimento prestado pelo legal representante da Ré, EE no dia 21/04/2023, cujos segmentos a recorrente transcreve e ainda reproduzimos o ficheiro áudio relativo ao depoimento da

testemunha FF.

O legal representante da ré, EE, empresário que revelou ser administrador da ré, e revelou ter conhecimento das vicissitudes ocorridas com o contrato de subempreitada dos autos, indicando preços, diligências a fazer.

Revelou que a sua empresa dedica-se à execução de fachadas ventiladas em alumínio compósito e que tem um gabinete com pessoal especializado, importa os materiais, fazem estudo da obra, fazem transformação de material. Referiu ter 12 trabalhadores dedicadas à preparação e execução de obras e outras 12 na parte administrativa. Que em Novembro de 2020 e em Dezembro assinaram o contrato que previa 3 semanas para preparar obra e 4 semanas para execução.

Referiu que a autora adiou o pagamento do valor previsto para a adjudicação.

Referiu que o que estava na obra não estava contemplado no projeto o que determinou a reformulação de solução prevista, o que deu origem a orçamento posterior . Todos os pormenores do orçamento extra, com reformulação total do projeto, foram feitos pela ré. E referiu que fizeram protótipo para revelar alterações o qual ficou em obra. Houve novo orçamento, nova factura de adjudicação que não foi paga. Mesmo assim queriam fazer obra. Em Julho a obra não reunia condições para a ré executar trabalhos. Referiu que a autora nunca deu explicações, que mudou várias vezes de engenheiro. Referiu-se ao cronograma semanal de trabalhos relativamente às obras que são encomendadas à ré, revelando que a ré tem rigor no escalonamento dos trabalhos .Que antes de irem de férias, antes de Agosto, comunicaram que iam entrar em obra em Setembro e foi então foram confrontados com a obra fechada, concretamente, tinham retirado os materiais com exceção da grua. Aí souberam que a autora tinha abandonado a obra tendo ordenado que funcionários deixassem o local, facto que foi confirmado pela dona da obra. Referiu que a autora nunca deu explicações, que mudou várias vezes de engenheiro.

Mais referiu que era insustentável para a ré estar à espera que a autora esclarecesse o que estava a acontecer, alegando que nos contratos outorgados estão previstas multas para eventuais atrasos, revelando que o comportamento da autora inviabilizou o cumprimento do contrato celebrado.

Revelou que tinha aprovisionado o material necessário para os trabalhos que tinha que executar, gastaram cerca de € 10 000 em material, foi confrontado e esclareceu as rubricas do documento nº14 junto com a contestação, com as facturas juntas com a contestação, referiu-se ao material que tinha mais peso na obra, referiu que os alumínios representavam cerca de 3 300 euros, referindo que adiantaram 5 mil euros.

Esclareceu que o material é muito sensível, risca com muita facilidade.

Referiu que após receber o sinal encomendou os materiais, os quais, no caso vieram do exterior.

Pronunciou-se quanto às consequências decorrentes da impossibilidade de execução dos trabalhos, concretamente, quanto aos custos suportados e quanto à margem de lucro que deixou de auferir.

Todavia, quanto aos valores concretos relativos aos prejuízos decorrentes da não execução dos trabalhos resultou para nós que o depoente foi incapaz de concretizar e quantificar os mesmos.

A testemunha FF, cujo depoimento foi prestado a 21.04.2023. reformado, a trabalhar ainda, relatou que fez fiscalização da obra em causa com ligação direta à dona da obra. Referiu que a autora abandonou a obra definitivamente a 21 ou 23 de Julho de 2021, últimos dias em que ainda existia material na obra da empreiteira e subempreiteira. Referiu que durante uns tempos a autora manteve lá um encarregado de obra e uma grua.

A dona da obra insistiu para que a autora acabasse os trabalhos, relatou os motivos subjacentes à falta de execução da obra pela autora, revelou que eram notórias as dificuldades, que a dona da obra colaborou para a boa execução da obra, tendo até auxiliado com material para a sua execução, referiu que a dona da obra aguardou o término do prazo geral e em Setembro de 2021 foi tomada a posse administrativa pela dona da obra.

Entretanto em Dezembro ocorreu a rescisão e a dona da obra tomou posse administrativa.

Referiu ignorar se a dona da obra coloca a hipótese de eventual responsabilização da autora.

Referiu que dona da obra desenvolveu novo concurso público e em final de Agosto de 2022 foi adjudicada nova empreitada relativa aos trabalhos que incumbiam à autora e /ou ré .

Referiu que a ré executou e instalou em obra um protótipo dos trabalhos a realizar, a revelar que a aparentemente a ré estava a preparar os trabalhos de que estava incumbida de executar.

Posto isto, feita a reapreciação destes dois depoimentos convocados em conjugação com a reapreciação dos documentos convocados pela recorrente e com os documentos juntos com a contestação, designadamente a encomenda de material a que alude o doc nº14, docs nºs 15, 16, este colectivo de juízes não retirou dessa reapreciação justificação para julgar não provados os fatos impugnados.

De resto, analisada a motivação da decisão de facto na parte em que refere factualidade relativa aos itens impugnados verificamos que a motivação da decisão de facto vertida na sentença abrange depoimentos de testemunhas que contribuíram para a formação da convicção criada no Mmo Juiz titular do processo na primeira instância relativamente aos factos impugnados, sendo que, estranhamente, a recorrente não se pronunciou sobre esses meios de prova que foram relevantes para o tribunal de comarca.

A revelar também por isso que a prova convocada para reapreciação com o fim de alterar a decisão de facto na parte impugnada não serve para alterar a factualidade julgada provada e que foi impugnada.

Nestes termos, concluímos pelo provimento parcial da impugnação da decisão de facto, a qual, no essencial, é por nós mantida.

3.3.Do Mérito da Sentença.

Como emerge do regime plasmado nos arts. 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nº 1, da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior como, sobretudo, na fixação do objeto do recurso, logo se compreendendo quão importantes elas são para o tribunal ad quem na definição dos seus poderes de cognição. Em suma: as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.

No caso, retira-se das conclusões do recurso, que a pretensão dos Recorrentes encontrava-se totalmente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto por si apresentada, que não veio a verificar-se, uma vez que a alteração feita reconduziu-se a rectificar a redação de alguns itens da decisão de facto que deram por reproduzido o teor essencial de documentos para os quais remetiam e que as partes aceitaram.

Assim não está posta em causa pelos Recorrentes a apreciação jurídica da causa feita na sentença proferida, mas antes e apenas a decisão de facto, a qual foi mantida por este tribunal da Relação.

Todavia, importa tecer as seguintes considerações.

A Autora intentou a presente ação pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 5.448,08 €, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde o dia 15 de abril.

Fundamentou tal pretensão na celebração com a Ré de um contrato de subempreitada, em 11 de dezembro de 2020, para fornecimento e aplicação de painel de compósito de alumínio na obra denominada “...”, cujo preço acordado havia sido de 18.160,28 €. O valor peticionado pela Autora refere-se à restituição dos 30% que havia pago à Ré com a adjudicação do contrato, uma vez que não foi o mesmo cumprido e foi resolvido. Sem prescindir, foi a restituição do referido valor e 5.448,08 € pedida com fundamento no enriquecimento sem causa.

Regularmente citada, a Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, no âmbito do qual pediu a improcedência da ação e o pedido de condenação da Autora a reconhecer dever à Ré a quantia de 15.550,00 €.

Para tanto, alegou factos para sustentar que foi a autora que não cumpriu o contrato de subempreitada celebrado com a ré, que resolveu o contrato, que teve prejuízos com o incumprimento imputável à autora, adquiriu materiais e despendeu tempo, dinheiro e funcionários na preparação da obra, sendo que os seus prejuízos ascendem à quantia de Eur. 15.550,00.

A Autora replicou, concluindo como na Petição Inicial e pela improcedência da reconvenção.

.Da pretensão da Autora.

Da factualidade provada resulta que no exercício das suas actividades, a autora e a ré celebraram um acordo escrito denominado “contrato de subempreitada”, datado de 11 de Dezembro de 2020, referente ao fornecimento e aplicação de painel de compósito de alumínio na obra denominada “..., conforme documento junto a fls. 5-v a 9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

Apurou-se igualmente que nos termos do acordo supra aludido, a autora e a ré convencionaram que o preço referente às obras a executar ascenderia ao montante de Eur. 18.160,28, a ser pago nos seguintes termos:

- 30% com a adjudicação;

- o remanescente por autos mensais.

À luz de tal factualidade, o acordo celebrado entre autor e ré é de qualificar como contrato de subempreitada, qualificação jurídica na qual as partes não dissentem.

Conforme resulta do disposto no art.º 1213.º do Código Civil, a subempreitada tem como pressuposto a pré-existência de um contrato de empreitada, na sequência do qual o empreiteiro, actuando nas vestes de dono da obra, contrata com um terceiro a realização de todos, ou de parte, dos trabalhos que se vinculou a realizar. Trata-se de um contrato subordinado ou subcontrato, mantendo todavia individualidade face ao contrato de empreitada.

A subempreitada é um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente. É uma empreitada de «segunda mão», que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um «empreiteiro do empreiteiro», também adstrito a uma obrigação de resultado.[2]

Os dois contratos, “prosseguem a mesma finalidade; isto é, apesar de serem contratos distintos, visam ambos a realização do interesse do dono da obra. A subempreitada enquadra-se no projecto geral, e é de toda a conveniência que esteja com ele harmonizada, de forma a que a sua realização não inutilize o resultado a obter por meio deste”. Contratos distintos embora, empreitada e subempreitada prosseguem, assim, uma finalidade comum, estando portanto ligados por um vínculo funcional. O contrato de subempreitada está necessariamente funcionalizado em relação ao contrato de empreitada, dependência que se verifica não só na sua formação, como na sua execução, pelo que as vicissitudes ocorridas num se reflectirão necessariamente no outro.[3]

Assim, não obstante não se ignorar a ligação funcional existente entre os contratos de empreitada e subempreitada, a resultar na aplicação a ambos do regime consagrado na lei para o primeiro, não pode olvidar-se que estamos em presença de vínculos contratuais distintos, e se o subempreiteiro substitui o empreiteiro na execução da obra, não se vincula perante o dono da obra, nem este perante o subempreiteiro, irrelevando para o caso, porque, não está em causa, fazer considerações sobre a possibilidade da acção directa do dono da obra, responsabilizando o subempreiteiro pelos defeitos da parte da obra por este executada. [4]

E perante as posições em confronto, afigura-se-nos, acolhendo a solução da sentença recorrida, que a pretensão da autora-recorrente não tem apoio legal.

Da factualidade apurada, resulta a extinção do contrato de empreitada que a autora celebrou com a dona da obra, deixando de produzir efeitos, irrelevando para o caso discutir o fundamento dessa extinção uma vez que a autora não fez preceder esta ação de uma outra a instaurar contra a dona da obra, nem tão pouco, demandou a dona da obra para esta ação.

Assim, de concreto temos que o contrato principal está extinto e que como decorrência da mencionada subordinação do contrato de subempreitada àquele extinguiu-se igualmente, por impossibilidade jurídica superveniente, a prestação de execução da obra a cargo do subempreiteiro, ficando agora a autora-recorrente, nas vestes de dona da obra, desobrigada de pagar o preço, operando deste modo, a extinção, por caducidade, do contrato de subempreitada[5]

Em idêntico sentido, defendendo que “Uma vez que a subempreitada é um contrato dependente da empreitada, a extinção desta por qualquer causa, nomeadamente a desistência do dono da obra (art.º 1229.º), faz extinguir o contrato de subempreitada, aplicando-se quanto a esta o regime do art.º 1227.º”, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol III, 4.ª edição, pág. 543.

Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/05/2012 Revista nº 399766/08.0YIPRT.P1.S1 - 2.ª Secção, de que se destaca o seguinte ponto do sumário “V. Extinguindo-se o contrato de empreitada, extingue-se também o contrato de subempreitada celebrado entre a ré e a autora, subsistindo o regime legal estabelecido no art. 1227º do CC”.

Ora, o art.º 790.º consagra explicitamente o princípio de que a impossibilidade superveniente do objecto extingue a relação obrigacional, e o art.º 795.º, regendo especificamente para os contratos bilaterais, proclama que, no caso de uma das prestações se tornar impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação, mas só se a causa da impossibilidade não lhe for imputável (cf. n.ºs 1 e 2).

No caso em apreço, mercê da extinção do contrato de empreitada, extinguiu-se a obrigação de prestação a que a ré-reconvinte se encontrava vinculada perante o dono da obra.

Decorrência da mencionada subordinação do contrato de subempreitada àquele, extinguiu-se igualmente, aqui por impossibilidade (jurídica) superveniente, a prestação de execução da obra a cargo do autor subempreiteiro, ficando a autora-reconvinda e recorrente, agora nas suas vestes de dona da obra, desobrigada de pagar o preço, deste modo operando a extinção, por caducidade, do contrato de subempreitada.

Neste sentido, ac TRCoimbra de 14.10.2014, proc nº241/13.0TBTMR.C1, cujas considerações a propósito da temática vimos seguindo.

Em idêntico sentido, defendendo que “Uma vez que a subempreitada é um contrato dependente da empreitada, a extinção desta por qualquer causa, nomeadamente a desistência do dono da obra (art.º 1229.º), faz extinguir o contrato de subempreitada, aplicando-se quanto a esta o regime do art.º 1227.º”, pode consultar -se Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol III, 4.ª edição, pág. 543, e também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/05/2012 Revista nº 399766/08.0YIPRT.P1.S1 - 2.ª Secção, de que se destaca o seguinte ponto do sumário “V. Extinguindo-se o contrato de empreitada, extingue-se também o contrato de subempreitada celebrado entre a ré e a autora, subsistindo o regime legal estabelecido no art. 1227º do CC”.

E assim concluímos por não ser possível extrair do acervo factual que a impossibilidade superveniente do contrato de subempreitada possa, de algum modo, ser imputável à ré -reconvinte, em termos de causalidade, há por isso lugar à aplicação do disposto no art.º 1227.º do C.Civil.

No âmbito dos contratos de empreitada (e também de subempreitada), e prevenindo para os casos em que a obra se iniciou, consagra o preceito ora convocado, na sua segunda parte, uma obrigação de compensação do empreiteiro, obrigando o comitente a indemnizá-lo pelo trabalho executado e despesas realizadas.

No âmbito da presente acção, a ré veio deduzir pedido reconvencional contra a autora, pedindo que esta seja condenada a reconhecer que lhe deve a quantia de Eur. 19.048,74.

Para fundamentar a sua pretensão alega ter sofrido prejuízos em decorrência do incumprimento contratual por parte da autora.

Ora, a este propósito, apurou-se que após a celebração do acordo aludido nos autos a ré começou a trabalhar na preparação da obra contratada, designadamente efectuando medições, protótipos, orçamentação e desenhos, sendo que em 6 de Setembro de 2021, a ré deslocou uma equipa composta por um engenheiro e quatro operários para a obra.

Mais se provou que na sequência da celebração do acordo aludido em 2), a ré adquiriu materiais para a execução dos trabalhos contratados, despendendo para o efeito quantia não concretamente determinada, mas não superior a Eur. 10.003,24.

Apurou-se igualmente que no âmbito do acordo supra aludido, a ré despendeu tempo do seu medidor orçamentista AA para proceder à verificação e medição de todos os pormenores da obra, sendo que em Dezembro de 2021, o mencionado AA auferiu o salário ilíquido de Eur. 1.320,00.

Resultou ainda comprovado que no âmbito do acordo acima aludido, a ré despendeu tempo do seu desenhador BB a preparar a obra no programa “autocad”, sendo que em Dezembro de 2021, o mencionado BB auferiu o salario ilíquido de Eur. 2.110,00.

Comprovou-se também que a ré suportou custos administrativos com a preparação da obra, nomeadamente logística e planeamento, correspondente aos tempos que o pessoal administrativo despendeu com a elaboração do contrato, preparação e elaboração e encomendas a fornecedores, facturas, notas de crédito, abertura de crédito, transportes e manuseamento de mercadorias, sendo que esses custos ascenderam a um valor não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 1.000,00.

Por outro lado, apurou-se que no âmbito do acordo acima aludido, a ré executou e aplicou um protótipo em obra, sendo que para o efeito suportou despesas e custos em montante não concretamente apurado, mas não superior a Eur. 2.000,00.

Provou-se também que no âmbito do acordo acima aludido, o encarregado da ré deslocou-se à obra um numero não determinado de vezes para proceder a medições e reuniões, sendo que em virtude dessas deslocações, a ré suportou custos de montante não concretamente determinado, mas não superior a Eur. 900,00.

Assim, provou-se que a ré teve custos que ascendem a quantia não concretamente determinada, mas superior a Eur. 5.448,08.

Nessa medida, deve a autora -recorrente pagar à ré -recorrida os custos suportados pela ré na execução do contrato.

Mais se provou que no caso concreto a ré sofreu efectivamente os prejuízos supra referidos, sem que tenha sido possível determinar a sua efectivo montante, a revelar que estão verificados danos sem que o tribunal disponha de elementos para fixar o seu valor, impondo-se assim, deve relegar essa fixação para o que se determinar em incidente de liquidação.

Assim, acolhemos a sentença recorrida quando refere.

“De acordo com o preceituado pelo artigo 566º n.º 3 do Cód. Civil se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar a causa equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Ora, da letra deste preceito parece resultar um conflito com o disposto no Cód. de Processo Civil que manda condenar no que se determinar em incidente de liquidação (cfr. artigo 609 n.º 2 do Cód. de Processo Civil) quando não existirem elementos para fixar o objecto dos danos ou a sua quantidade.

Mas tal conflito é apenas aparente. Impondo o artigo 566º n.º 3 do Cód. Civil que o tribunal julgue equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, obriga-o implicitamente a promover as diligências probatórias precisas para a formação desse juízo, nomeadamente a recorrer aos meios legais que lhe permitirem essa formação e a utilizar, para tal fim, todo o material do processo.

Nesta medida, o tribunal não deve poder recorrer a um juízo equitativo, fora dos casos em que a lei o estabelece como regra, de que constitui exemplo o artigo 494º do Cód. Civil, enquanto for possível uma fixação do montante da indemnização nos termos gerais.

Com efeito, a disposição do n.º 3 do artigo 566º funda-se no facto de ser impossível a fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, situação que não deve excluir a efectivação do direito à indemnização, a qual deve então ser fixada equitativamente em face das circunstâncias do caso concreto.

Nestes termos, o recurso a uma fixação equitativa constitui um meio de que o tribunal só pode valer-se quando não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o que não se verifica enquanto houver a possibilidade de fixar o valor exacto desses danos, através dos meios que lhe seja possível utilizar, ou de esse valor ser averiguado em incidente de liquidação.

De facto, o n.º 3 do artigo 566º do Cód. Civil só regula os casos em que existe uma impossibilidade de averiguar o valor exacto dos danos e não quando haja tão só falta de elemento para decidir, caso em que é aplicável a regra do artigo 609º n.º 2 do CPC.

Por outro lado, a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 609º do CPC, não depende de ter sido formulado um pedido genérico. Ainda que o Autor tenha formulado um pedido determinado, como sucedeu nos presentes autos, se o tribunal não puder averiguar o valor exacto dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para um posterior incidente de liquidação.

Assim, tendo ficado provado que a autora sofreu os danos supra citados, mas não qual o montante concreto desses danos, nesta parte, relega-se a sua determinação para um futuro incidente de liquidação, sendo que os mesmos não são superiores aos valores peticionados.

Acresce que ao valor que vier a ser apurado, deve ser deduzido o valor já recebido de Eur. 5.448,08, o qual se destinava precisamente a suportar os custos de execução do contrato.”

Não há assim motivo para a alteração da sentença proferida que se confirma.

Sumário.

………………………………

………………………………

………………………………

IV-DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela apelante, e, assim, confirmamos a sentença recorrida.

As custas deste recurso serão pagas pela recorrente.


Porto, 24.10.2024.
Francisca Mota Vieira
Isabel Peixoto Pereira
Aristides Rodrigues de Almeida
_________________
[1] Pedro Romano MartineZ, in “Direito das Obrigações, Parte Especial Contratos”, pág 402 a 404
[2] Pedro Romano Martinez In “Direito das Obrigações (parte especial) Contratos”, pág. 402.
[3] Pedro Romano Martinez In Direito das Obrigações (Parte Especial Contratos), 2ª ed. pág. 404 e João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, Almedina, 4.ª Edição, págs. 186 e 188.
[4] Respondendo positivamente, cf. Cura Mariano, obra citada, págs. 195-199.
[5] No sentido de que a impossibilidade de conclusão de obra já iniciada importa a extinção do contrato de empreitada por caducidade, Romano Martinez, “Da cessação do contrato”, 2.ª Ed., págs. 557-558.