I - O requerente do apoio judiciário que quer aproveitar da interrupção do prazo encontra-se indirectamente onerado pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 com um dever de diligência na junção do comprovativo no decurso do prazo para contestar.
II - Se, no decurso do prazo em curso para contestar, ele não fizer essa comprovação no tribunal onde pende a acção, e o tribunal não aceder de outra forma à comprovação documental do pedido formulado na segurança social, recairão sobre ele os efeitos da omissão do acto processual previsto na norma.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
AA, titular do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 03/04/2028, com o NIF ..., residente na Rua ..., ..., ... Maia, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, com o NIF ..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., residente na Alameda ..., ..., 2.º Esquerdo, ... ..., peticionando:
- A declaração de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes;
- A condenação da ré a desocupar o local arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens à autora;
- A condenação da ré a pagar à autora a quantia de 4.320,00 Euros, dos quais, 3.600,00 Euros, a título de rendas vencidas e não pagas e 720,00 Euros, a título de indemnização de 20%, acrescido das rendas vincendas até à data da entrega efetiva do locado, acrescidos dos juros de mora;
- A condenação da ré a entregar o locado nas mesmas condições em que se encontrava aquando da celebração do contrato de arrendamento;
- A condenação da ré a pagar à autora, no caso de mora na restituição do locado, uma indemnização igual ao dobro das rendas mensais devidas, por todo o tempo que decorrer, desde o início da mora, até à sua efetiva entrega;
- A condenação da ré ao pagamento das custas e demais encargos.
Alegou para o efeito e, em síntese, o não pagamento integral por parte da ré das rendas convencionadas desde Agosto de 2021, devidas por força do contrato de arrendamento celebrado entre a ré e a autora, referente ao 2.º andar esquerdo, n.º ..., do prédio urbano sito na Alameda ..., freguesia ..., mesmo depois de ter sido interpelada para o efeito, na quantia global de 3.600,00 Euros.
Regularmente citada no dia 15.12.2023 a ré não contestou, nem constituiu mandatário nos autos.
E no dia 09.02.2024 o tribunal recorrido ao abrigo do artigo 567.º n.º 1 do Código de Processo Civil, proferiu despacho julgando confessados os factos alegados pela autora na petição inicial com fundamento na falta de contestação no prazo legal após a citação.
No dia 18.03 2024 foi junto aos autos email enviado pela Segurança Social informando o tribunal que na sequência do deferimento de apoio judiciário solicitado pela ré foi deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa parcial do pagamento de taxa de justiça e nomeado patrono.
E no dia 20.03.2024, o tribunal proferiu sentença, a qual, julgou a presente ação parcialmente procedente, reproduzindo-se aqui o dispositivo:
1. Declara-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré referente ao 2.º andar esquerdo, n.º ..., do prédio urbano sito na Alameda ..., freguesia ....
2. Condena-se a ré BB a desocupar o imóvel locado e a restituí-lo à autora, AA, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da presente decisão, livre de pessoas e bens e no estado em que o recebeu.
3. Condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 4.250,00 Euros (quatro mil duzentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas e não pagas.
4. Condena-se a ré a pagar à autora as rendas mensais vincendas, no valor de 650,00 (seiscentos e cinquenta) Euros mensais, desde a data da propositura da ação até ao termo do prazo fixado no ponto 2 para restituição do locado.
5. Condena-se a ré a pagar à autora as rendas mensais vincendas, no valor de 1.300,00 (mil e trezentos) Euros mensais, desde o termo do prazo fixado no ponto 2 para restituição do locado até efetiva entrega do locado.
6. Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados pela autora, absolvendo-se a ré dos mesmos.
7. Condenam-se a autora e a ré no pagamento das custas processuais na proporção dos respetivos decaimentos, fixando-se em 2% a responsabilidade da autora e em 98% a responsabilidade da ré.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos seguintes:
1. Com efeito, o processo judicial ora recorrido, enferma de uma violação dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados. Isto porque,
2. A desatenção ao Princípio da Igualdade, previsto no artigo 13º,e do Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva“A todos é assegurado o acessoao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência económica”, nos termos do artigo 20º, ambos da Constituição da República Portuguesa, fere os direitos fundamentais dos Réus, ora Recorrentes.
3. A Apelante diligenciou quando se dirigiu à Segurança Social para solicitar apoio judiciário para o mesmo.
4. De salientar que a Apelante foi colocada equivocadamente numa situação de espera de nomeação de advogado, que culminou numa inacção por parte dela relativamente ao referido processo, ou seja, somente após a prolação da sentença.
E mais,
5. Foi surpreendida pela notificação da sentença, quando, ao invés, esperava a nomeação de advogado que iria defender os seus interesses, contestando a ação em causa.
6. Visto o exposto e salvo melhor opinião, foi impedida da possibilidade de exercer o contraditório, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Civil.
7. Com o devido respeito e sendo certo que se não tivesse sido ferido o Princípio do Contraditório, a douta sentença consideraria a caução expressa em contrato, bem como, os comprovantes bancários com os depósitos vencidos durante a demanda.
Pelo exposto,requer aVossa Excelênciaque o presente recurso de apelação:
1) seja recebido no seu duplo efeito: devolutivo e suspensivo;
2) seja julgado procedente para reconhecer os pagamentos efetuados pela Apelante, conforme consta nesta peça exordial; ou em alternativa,
3) seja declarada nula a sentença prolatada por ausência de oportunidade de resposta/contestação e seja o processo remetido ao Tribunal de Primeira Instância para o exercício legítimo de sua defesa.
A recorrente juntou ao recurso interposto documentos que consubstanciam extratos bancários para alegadamente comprovar os pagamentos das rendas.
Foi apresentada resposta.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, a relatora determinou por despacho proferido a 16.09.2024 cujo teor se reproduz.
“Compulsados os autos constato que no dia 18.03 2024 foi junto aos autos oficio enviado pela Segurança Social informando o tribunal que na sequência do deferimento de apoio judiciário solicitado pela ré foi deferido no dia 16.03.2024 o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa parcial do pagamento de taxa de justiça e nomeado patrono.
A sentença recorrida foi proferida no dia 20.03.2024 e não se pronunciou sobre a realidade trazida aos autos por aquele email.
Dessa forma passou a estar colocada no processo a questão da possibilidade de os documentos juntos pela ré produzirem o efeito interruptivo do prazo para contestar, ainda que a ré nada tenha requerido.
Todavia, antes de mais, impõe-se oficiar à Segurança Social para em 5 dias informar em que data foi apresentado o pedido de apoio judiciário apresentado pela Ré, o que, se determina., enviando copia do ofício de 18.03.2024 e do email de 17.05.2024.”
A autora pronunciou-se.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Da Nulidade da Sentença prolatada por alegada ausência de oportunidade de contestação.
. Da omissão pela sentença recorrida da caução prestada pela recorrente aquando da assinatura do contrato de arrendamnento, conforme consta no item 3.1 da cláusula quarta.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1 Na sentença recorrida e face à confissão dos factos alegados pelo autor na petição inicial, foram julgados provados os seguintes factos:
1.A 01/08/2021, autora e ré subscreveram um documento denominado “minuta de contrato de arrendamento para habitação”, no qual estipularam:
«(…) Cláusula Primeira (Objeto)
O primeiro outorgante é proprietário e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra k, correspondente ao 2.º andar Esq, n.º 170 do prédio urbano sito em Alameda ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito pela Câmara Municipal ....
Cláusula Segunda (Finalidade)
O Primeiro Outorgante dá de arrendamento ao Segundo Outorgante que por sua vez toma de arrendamento a habitação descrita na Cláusula Primeira, com a finalidade de habitação própria do Segundo Outorgante, não lhe podendo ser dado nenhuma outra finalidade, sob pena de resolução contratual, e no estado de conservação em que a habitação se encontra, constante lista de inventário em anexo, que constitui parte integrante do presente contrato, o qual é do conhecimento do Segundo Outorgante.
Cláusula Terceira (Prazo)
1. O presente contrato é celebrado pelo prazo de 1 ano, com início em 1 de Agosto de 2021.
2. O presente contrato renova-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de 1 ano, caso nenhuma das partes se oponha à renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes.
Ou
2. O presente contrato não se renovará por períodos seguintes, a menos que as duas partes assim o acorde.
Cláusula Quarta (Renda)
1. A renda mensal é de Seiscentos e cinquenta Euros, a ser paga pelo Segundo Outorgante ao Primeiro Outorgante no dia de cada mês durante o período de contrato.
2. A renda mensal deverá ser paga por transferência bancária para o NIB a indicar pelo Primeiro Outorgante.
(…)».
2.Na data da assinatura do acordo, a ré entregou à autora o valor de 1.300,00 Euros, “correspondente a caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações do presente contrato”.
3.Desde agosto de 2021, a ré transferiu para a autora os seguintes valores:
- 600,00 Euros, em agosto de 2021;
- 50,00 Euros, em outubro de 2021;
- 200,00 Euros, em novembro de 2021;
- 450,00 Euros, em dezembro de 2021;
- 300,00 Euros, em janeiro de 2022.
4.A autora solicitou, por diversas vezes, à ré a entrega do valor em atraso, quer por carta registada com aviso de receção, quer através de mensagens.
3.2. Da Nulidade da Sentença
A recorrente alega que apesar de ter requerido apoio judiciário “não houve suspensão do processo em razão do pedido de apoio”, porque, a Apelante, pessoa de parcos conhecimentos, desconhecia o seu dever de comunicar o juízo de seu pedido de apoio judiciário para fazer jus a suspensão do processo até ser nomeado representante oficioso.
Conclui pela violação aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados: Princípio da Igualdade, Princípio do Contraditório e Princípio do cesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva.
Assim, requer que seja declarada nula a sentença prolatada por ausência de oportunidade de contestação.
Quid iuris?
O fundamento da nulidade invocada não preenche, em nosso entendimento, nenhuma das hipóteses típicas da nulidade da sentença prevista no artigo 615.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Por outro lado, mesmo que aí se pretenda conceber uma nulidade processual sujeita ao regime do artigo 195.º do Código de Processo Civil, a mesma não foi suscitada tempestivamente perante o Tribunal a quo.
Todavia, da consulta dos autos e com referência à tramitação ocorrida, verificamos que no dia 18.03 2024 foi junto aos autos email enviado pela Segurança Social informando o tribunal a quo sobre o deferimento parcial do pedido de apoio judiciário solicitado pela ré na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e nomeado patrono, sendo que a decisão foi no sentido de pagamento faseado da compensação de patrono e pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos.
A sentença recorrida foi proferida no dia 20.03.2024 e não se pronunciou sobre a realidade trazida aos autos por aquele email.
Dessa forma, está colocada no processo a questão da possibilidade da informação junta aos autos pela Segurança Social produzirem o efeito interruptivo do prazo para contestar, ainda que a ré nada tenha requerido nesse sentido.
Posto isto, afigura-se-nos que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia porquanto o tribunal a quo proferiu a sentença recorrida no dia 20.03.2024 logo após ter sido junto aos autos, no dia 18.03.2024, informação da Segurança Social dando nota que tinha sido concedido apoio judiciário à ré por decisão da Segurança Social de 16.03.2016.
Concretizando, seguindo a argumentação do recente acórdão desta Relação do Porto de 23.05.2024, proferido no processo nº 4833/23.1T8MTS.P1:
A ré foi citada para contestar com força de citação pessoal. No decurso do respectivo prazo legal a ré não apresentou contestação e não teve qualquer outra intervenção no processo, designadamente suscitando qualquer questão que interferisse com o início ou a contagem daquele prazo.
Decorrido aquele prazo, o tribunal a quo tinha de verificar se a citação tinha sido regularmente feita e a ré se encontrava em situação de revelia absoluta. Verificados esses pressupostos, o tribunal devia observar o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, fazendo o processo passar para a fase do julgamento, o que fez.
Até esse momento o tribunal não tinha sido confrontado com qualquer requerimento ou acto que nos termos da lei alterasse o pressuposto da aplicação do disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil e sobre o qual houvesse que se pronunciar.
Porém, entre esse momento e o momento em que foi proferida sentença, concretamente no dia 18.03.2024, foi junto aos autos email contendo informação de que a ré apresentou na Segurança Social pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, e de ter sido notificada por ofício de 16.03.2024 da decisão da Segurança Social de concessão da protecção requerida.
E posteriormente, após a remessa dos autos a este Tribunal da Relação do Porto, foi junto aos autos ofício da Segurança Social dando nota que a ré apresentou na Segurança Social o pedido de apoio judiciário no dia 27.12.2023, logo, dentro do prazo para contestar.
É certo que nos termos do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a interrupção do prazo para a ré contestar dependia da junção aos autos, no decurso desse prazo, do documento comprovativo da apresentação do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, junção que confessadamente, não foi feita.
Assim, do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, resulta que a interrupção do prazo para a ré contestar dependia da junção aos autos, no decurso desse prazo, do documento comprovativo da apresentação do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, junção que confessadamente, não foi feita.
Porém, apesar dos autos na data da prolação da sentença recorrida não conterem informação sobre a data em que a ré requereu o pedido de apoio judiciário, designadamente, se foi dentro do prazo para contestar, o que releva para efeitos do disposto do citado art 24º nº4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a informação aportada aos autos no dia 18.03.2024 no sentido de ter sido concedido à ré -recorrente apoio judiciário nas citadas modalidades faziam surgir de imediato a questão de saber se a ré se encontrava de facto em situação de revelia absoluta, rectius, se o prazo para contestar havia ou não sido interrompido pelo pedido de normação de patrono, uma vez que existe controvérsia jurídica sobre a referida norma, inclusivamente de natureza constitucional.
Dessa forma passou a estar colocada no processo a questão da possibilidade daquela informação escrita produzirem o efeito interruptivo do prazo para contestar, ainda que a ré nada tenha requerido.
Ora como é só na sentença proferida ao abrigo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 657.º do Código de Processo Civil que o juiz afirma a situação de revelia absoluta da ré e julga os factos alegados pelo autor confessados por falta de contestação (o despacho que ordena o cumprimento do n.º 2 é meramente ordinatório ou disciplinador da tramitação), ele não podia deixar de se pronunciar sobre os factos revelados por aquela informação, pedindo também informação sobre a data em que foi formulado o pedido de apoio judiciário na Segurança Social.
Por conseguinte, a sentença recorrida é nula por ter omitido pronúncia sobre uma questão que estava obrigada a apreciar.
Nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não obstante essa nulidade, esta Relação tem de se pronunciar sobre o objecto do recurso que consiste precisamente na questão cuja não decisão está na origem da nulidade.
3.3
Prosseguindo, assinalamos de novo, convocando o recente acórdão desta Relação do Porto de 23.05.2024, proferido no processo nº 4833/23.1T8MTS.P1, que a questão colocada pela recorrente consiste em saber se apesar de não ter sido junto os autos, no decurso do prazo para contestar, o comprovativo da apresentação na Segurança Social do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, se deve considerar que aquele prazo se interrompeu na mesma, sendo certo que os auto revelam que a ré apresentou esse pedido no decurso do prazo e o pedido foi deferido, tendo o tribunal recorrido recebido informação relativamente à apresentação desse pedido e do respectivo deferimento antes de proferir sentença.
A questão prende-se com o disposto no artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, cuja redacção, na parte que interessa, é a seguinte:
«[…] 4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
A Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, regula a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, dispondo, entre outras coisas, sobre os efeitos do pedido de apoio judiciário quando o requerente pretende a nomeação de patrono - alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 16.º - para o representar numa acção judicial pendente.
De acordo com o n.º 4 do artigo 24.º, esse pedido determina (como não podia deixar de ser, pelo menos nos casos em que o patrocínio judiciário é obrigatório) a interrupção do prazo judicial que estiver em curso, o qual se reiniciará nas condições previstas no n.º 5: se o pedido for deferido, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação - alínea a) -; se o pedido for indeferido, com a respectiva notificação ao requerente - alínea b) -.
O n.º 4 estabelece as condições de que depende a interrupção do prazo processual já iniciado na acção, fazendo depender essa interrupção da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.
De acordo com a sua estatuição, a interrupção do prazo iniciado constitui um efeito da formulação do pedido de apoio judiciário que se produz no processo se e quando for junto aos autos o documento comprovativo da apresentação do respectivo requerimento nos competentes serviços da segurança social.
Se essa junção não for feita até ao termo final do prazo em curso, este esgotar-se-á sem antes ter sido interrompido, com as inerentes consequências para o demandado que requereu o apoio judiciário atenta a natureza peremptória e preclusiva do prazo para a apresentação da contestação.
E se é certo que a norma estabelece que o requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário em causa judicial pendente tem o ónus acrescido de comprovar no tribunal, no decurso do prazo em curso, que formulou esse pedido nos serviços da segurança social, afigura-se-nos correcto, após análise da jurisprudência que versou sobre a questão,[1]por ser conforme ao espírito da norma e à respectiva finalidade socio-normativa, entender que o efeito interruptivo se produz se o tribunal tiver conhecimento do pedido de nomeação de patrono por outra via, como, por exemplo, por informação da segurança social, de outro interveniente no processo ou até de pessoa estranha à lide, ou por conhecimento funcional do tribunal, desde que a comunicação e a comprovação cheguem ao processo antes de completado o prazo em curso.
De resto, o Tribunal Constitucional foi por diversas vezes chamado a fiscalizar a constitucionalidade desta norma legal e tem decidido sempre no sentido da sua conformidade à Constituição da República Portuguesa – cf. Acórdãos n.ºs 285/2005, 350/2016, 585/2016 e 859/2022, todos in https://www.tribunalconstitucional.pt -.
No último desses arestos, na linha de toda a jurisprudência anterior do tribunal, escreveu-se que:
«Enquanto garantia da possibilidade de realização dos demais direitos fundamentais, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva encontra-se consagrado no artigo 20.º da Constituição em termos abrangentes e compreensivos. A par do direito de acção propriamente dito, a garantia da via judiciária ínsita no artigo 20.º inclui outras dimensões, designadamente o princípio do processo equitativo (n.º 4), do qual decorre que este, uma vez iniciado, deverá desenvolver-se em termos funcionalmente orientados para o asseguramento de uma tutela jurisdicional efectiva (v. o Acórdão n.º 632/1999), no respeito pelos princípios da igualdade de armas e do contraditório, onde se inclui a proibição da indefesa. Assim, ainda que o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, os regimes adjectivos previstos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proibição do excesso, não podendo os ónus impostos «impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a actuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida» (Acórdão n.º 96/2016). Daí que, quando se trate de aferir a conformidade ao artigo 20.º da Constituição de normas que imponham ónus processuais às partes, o Tribunal Constitucional venha reconduzindo o controlo de constitucionalidade baseado no princípio da proibição do excesso «à consideração de três vectores essenciais: a justificação da exigência processual em causa; a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cf., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07)» (idem).
[...] ... a exigência de comprovação no processo judicial pendente do pedido de apoio judiciário na modalidade da nomeação de patrono decorre do facto de o procedimento em que este é apreciado correr termos na segurança social. Dado que o procedimento de concessão do apoio judiciário não constitui um incidente do processo judicial a que o pedido se destina, nem corre termos no tribunal da causa, torna-se necessário exigir a comprovação daquele pedido na acção judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição e contagem dos prazos processuais, tendo em conta o efeito interruptivo associado à sua apresentação. Tal comprovação é ainda necessária para impedir que o tribunal onde pende a causa se mantenha durante um período indefinido de tempo no desconhecimento de que foi formulado pela parte demandada na acção um pedido de nomeação de patrono, com todos os riscos de incerteza procedimental e de desenvolvimento de actividade processual inútil que daí derivariam.
[...] ... é razoável que o ónus dessa comprovação recaia, directa ou indirectamente, sobre o principal interessado na interrupção do prazo, que será, por princípio, a pessoa que diligenciará o mais rapidamente possível nesse sentido junto do tribunal onde pende o processo judicial, tendo em conta o efeito preclusivo resultante de uma eventual omissão.
[...]... não é excessivo subordinar a interrupção do prazo em curso na acção para intervenção na qual foi solicitada a nomeação de patrono da junção de cópia do requerimento de apoio judiciário apresentado nos serviços de segurança social, porque este é um acto que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e, portanto que a parte pode praticar por si só, observando aquele mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica. Acautela-se a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus desproporcionado.
[...] Apesar dos efeitos preclusivos decorrentes do esgotamento do prazo em curso em consequência da sua não interrupção, o certo é que o ónus de comprovação do pedido imposto ao requerente ... tem natureza material, não convocando conhecimentos técnicos mais especializados ou diferenciados do que aqueles que são pressupostos pelo próprio ónus de requerer o apoio judiciário, que também implica a apresentação de um conjunto de documentação junto dos serviços da segurança social - documentação que, diga-se ainda, carece de ser preenchida, ao contrário do que sucede com a simples comprovação do pedido perante o tribunal. Claro que assim não seria se o requerente do apoio judiciário não fosse previamente esclarecido do conteúdo dessa sua obrigação e/ou não dispusesse da possibilidade de discutir incidentalmente no processo as vicissitudes que possam ter condicionado ou impedido o cumprimento do ónus. Encontrando-se ambas as circunstâncias acauteladas - é o que resulta dos autos e o objecto do recurso não contraria -, não se detecta na relação entre o meio e o fim o desequilíbrio que seria necessário para a formulação de um juízo positivo de inconstitucionalidade.»
De todo o modo, como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de 23.05.2024, já citado: “o requerente do apoio judiciário que quer aproveitar da interrupção do prazo encontra-se indirectamente onerado pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 com um dever de diligência na junção do comprovativo. Se, no decurso do prazo em curso, ele não fizer essa comprovação no tribunal onde pende a acção, e o tribunal não aceder de outra forma à comprovação documental do pedido formulado na segurança social, recairão sobre ele os efeitos da omissão do acto processual previsto na norma, razão pela qual este acto acaba por ser um encargo dele.”
3.4.
Feitas estas considerações, reportando-nos agora ao caso dos autos, importa ainda referir que no caso dos autos a nota de citação incluiu um texto com a seguinte advertência:
«O pedido de apoio judiciário pode interromper o prazo. Se pedir um/uma advogado/a à Segurança Social e nos informar disso, o prazo para responder a esta carta é interrompido. Note que o prazo só se interrompe se nos informar de que pediu o apoio. Não basta pedi-lo.
Quando tiver uma resposta ao seu pedido, o prazo começa a contar novamente do início, ou seja, volta a ter 30 dias para responder a esta carta.
- Se o seu pedido for recusado, o prazo recomeça a contar do início a partir da data em que receber a resposta da Segurança Social.
- Se o seu pedido for aceite, o prazo recomeça a contar do início a partir da data em que a Ordem dos Advogados lhe indicar quem é o/a seu/sua advogado/a.»
Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social beneficio de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário».
O formulário do requerimento do pedido de protecção jurídica também contém, imediatamente antes do local destinado à assinatura da requerente, a seguinte advertência: «Do requerente: Tomei conhecimento de que devo: - comunicar qualquer alteração da informação prestada até ao mês seguinte ao da sua verificação; - entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que me foi fixado na citação/notificação».
A revelar que a ré foi, por isso, expressamente alertada, por escrito, por duas vezes, da necessidade de juntar o comprovativo do pedido no tribunal no prazo da contestação. Tendo recebido e lido a citação, entendido que tinha necessidade de advogado e compreendido que tinha de se deslocar à Segurança Social para pedir a nomeação de patrono, a ré, tal como se deslocou à Segurança Social com essa finalidade e diligenciou pelo preenchimento e assinatura do formulário respectivo, tinha, em principio, condições para compreender tais advertências e actuar em conformidade com as mesmas, sendo certo que nada foi alegado em contrário.[2]
Prosseguindo, afigura-se-nos, tendo em consideração a tramitação processual entretanto ocorrida após a prolação da sentença da qual resulta que a ré-recorrente não juntou qualquer contestação, apesar de ter interposto da sentença proferida, que o seu desfecho está traçado à partida por uma vicissitude processual.
É que a ré, se queria acautelar a eficácia de uma eventual procedência do recurso (cujo objecto se traduzisse em apreciar de saber se o prazo para contestar se interrompeu e não havia ainda começado a contar de novo quando a ré foi notificada da sentença, arguindo o erro in iudicando de nesta se terem considerado confessados os factos alegados na petição inicial por falta de contestação) não podia deixar, igualmente, de apresentar (contando o prazo legal com a interrupção que defende) a contestação que considerava ainda estar em prazo para apresentar.
E vindo a reconhecer-se que se deu a interrupção do prazo para contestar e, consequentemente, que não estava criada a situação de revelia absoluta pressuposta para considerar confessados os factos e ser proferida sentença ao abrigo do artigo 567.º do Código de Processo Civil, a consequência seria apenas a de o prazo para a contestação ser afinal outro que não o calculado inicialmente.
Tal determinaria que fosse aceite a contestação apresentada até ao termo do prazo contado com atenção à interrupção e ao momento do reinício da respectiva contagem, desde, naturalmente, que esta tivesse sido apresentada!
Revogando a sentença, o tribunal ad quem ordenaria ao tribunal a quo que tramitasse o processo em conformidade com a apresentação do articulado, regressando os autos à fase dos articulados. Não haveria lugar à anulação da citação porque esta não enferma de qualquer vício que pudesse gerar essa anulação (nem tal vem alegado, como é óbvio).
Logo, também não se abriria novo prazo para contestar. Esse prazo iniciou-se com a citação efectuada de forma válida e eficaz, ter-se-ia interrompido e depois reiniciado em resultado dos actos que o determinaram, razão pela qual se esgotou na data que o conjunto desses factores determinou.
Sucede que a ré, defendendo a interrupção do prazo e demonstrando igualmente a ocorrência do factor determinante do seu reinício (a notificação da nomeação de patrono que decorre da simples circunstância de o patrono nomeado se apresentar a praticar actos no processo em representação da ré), deixou esgotar o prazo (contado da forma que pretende) sem apresentar a contestação para cuja apresentação dispunha desse prazo.
Em resultado disso, deixou precludir pelo decurso do respectivo prazo peremptório o direito processual de contestar a acção (artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), ou seja, consolidou-se (porventura mais tarde) a situação de revelia que determina a confissão (ficta) dos factos alegados pelo autor e a passagem do processo à fase da sentença, tal como foi feito nos autos.
Nesta conformidade, tanto basta para concluir que, independentemente da posição que viesse a ser tomada por este Tribunal da Relação relativamente à questão da possibilidade daquela informação escrita de 18.03.202024 (no sentido de ter sido deferido o pedido de apoio judiciário apresentado pela ré) produzir o efeito interruptivo do prazo para contestar, ainda que a ré nada tenha requerido, o recurso, na parte em que a recorrente defende a interrupção do prazo para contestar com a demonstração nos autos da ré ter apresentado o pedido de apoio judiciário dentro do prazo para contestar e o reinício desse prazo com demonstração nos autos da data da notificação da nomeação de patrono, está condenado a improceder, uma vez que a revogação da sentença (que nesse caso não era ilegal, era apenas extemporânea) seria agora um acto inútil já que apenas determinaria a prolação de uma nova sentença, nas mesmas condições e pressupostos.
A ré-recorrente deixou precludir pelo decurso do respectivo prazo peremptório o direito processual de contestar a acção (artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), ou seja, consolidou-se (porventura mais tarde) a situação de revelia que determina a confissão (ficta) dos factos alegados pelo autor e a passagem do processo à fase da sentença, tal como foi feito nos autos.
3.5. Da Junção de Documentos.
Aqui chegados, entendemos que só agora se revela para nós oportuno e adequado apreciar e decidir da requerida junção aos autos dos documentos apresentados pela recorrente com o recurso.
Conforme é jurisprudência maioritária dos Nossos Tribunais Superiores:
Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que “[a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” E continuam: “[n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
.Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.
Posto isto, atentemos no caso dos autos:
Ora, como já referimos, não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.
É, justamente, o caso dos documentos que a ré-recorrente pretende juntar com o recurso interosto.
Tais documentos reportam-se a cópias de extratos bancários com os quais a ré pretendia fazer prova do alegado pagamento de rendas.
Todavia, tais documentos deveriam ter sido apresentados com a contestação se e na medida em que este articulado tivesse sido apresentado dentro do prazo legal.
Ora, como vimos a ré não apresentou contestação e está consolidada nos autos a sua situação de revelia.
Consequentemente, não pode agora a ré aproveitar o recurso interposto para juntar aos autos a prova que deveria ter apresentado com a contestação que não apresentou.
Documentos estes que a Recorrida não teve oportunidade de refutar, não sendo nesta instância o meio próprio para tal.
Assim, porque tais documentos não têm qualquer carácter de excepcionalidade (artigo 651º, nº 1 do CPC), não admitimos esses documentos, determinando o seu oportuno desentranhamento, quer obviamente, do processo eletrónico, quer do suporte físico que o acompanha.
3.6
Não obstante, apesar de estar consolidada nos autos a situação de revelia que determina a confissão (ficta) dos factos alegados pelo autor e a passagem do processo à fase da sentença, tal como foi feito nos autos, afigura-se-nos que a sentença recorrida, sempre terá de ser alterada, porquanto, a sentença recorrida não considerou que resulta dos factos provados que na data da assinatura do contrato de arrendamento, a arrendatária pagou à senhoria, o valor de €1.300,00 (mil e trezentos euros), correspondente a uma caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações do contrato.
Quanto ao mais que foi decidido na sentença recorrida, acolhemos, a fundamentação jurídica desenvolvida na sentença recorrida no tocante à qualificação do contrato celebrado entre as partes, ao afirmado incumprimento pela ré-recorrente do contrato de arrendamento e consequente procedência do o pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelo autor, com o consequente despejo da ré do locado, bem como o pedido de condenação da ré ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, reproduzindo-se aqui, porque releva esses segmentos da sentença:
“No caso em apreço, tendo ficado demonstrado que a ré não pagou as rendas vencidas, de forma pontual, desde Agosto de 2021, tendo liquidado tão só a quantia de 1.650,00 Euros entre Agosto de 2021 e Janeiro de 2022 e tendo deixou de liquidar o valor da renda convencionada entre Setembro e Novembro de 2023, é manifesto que a mesma se encontra em mora no pagamento de múltiplas rendas, bem assim é ostensivo que há muito que decorreu o prazo de oito dias a que se refere o n.º 2 do artigo 1041.º do Código Civil, para sanar essa mora.
Incorreu, por conseguinte, a ré em incumprimento das obrigações contratuais decorrentes do contrato de arrendamento em causa, encontrando-se a mesma em mora quanto à obrigação do pagamento do preço (rendas).
Consequentemente, encontra-se verificado o fundamento da resolução do contrato de arrendamento.
Assim sendo, e com fundamento em tudo quanto se expôs, é de proceder totalmente o pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelo autor, com o consequente despejo da ré do locado, bem como o pedido de condenação da ré ao pagamento das rendas vencidas e não pagas.
Tal valor ascende ao total peticionado de 2.300,00 Euros, atendendo que o valor convencionado das rendas era de 650,00 Euros e, ainda, que, entre Agosto de 2021 e Janeiro de 2022, a ré apenas liquidou 1.600,00 Euros.
A este valor acrescem as rendas vencidas entre Setembro e Novembro de 2023, no valor de (650,00 Euros x 3 meses =) 1.950,00 Euros.
Apura-se, assim, um valor global de 4.250,00 Euros, devido a título de rendas vencidas não pagas (2.300,00 Euros + 1.950,00 Euros), valor esse que, pese embora os valores parcelares peticionados, para efeitos do disposto no artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil, ainda se contém nos limites peticionados.
Quanto às rendas vincendas, as mesmas são também devidas, nos termos do artigo 1045.º n.º 1 do Código Civil, ao que acresce que, nos termos do n.º 3 do artigo 14.º do NRAU, “na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”.
Assim, a ré é também devedora das rendas vincendas desde a data da interposição da presente ação até à efetiva entrega do locado à autora.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil, o valor das rendas vincendas elevar-se-á para o dobro, isto é, para 1.300,00 Euros mensais, desde a constituição em mora da obrigação de restituição do locado, o que se verificará no termo do mês concedido para o efeito, contado da notificação da presente decisão (artigo 1087.º do Código Civil)
Quanto à desocupação e restituição do locado à autora, como supra se disse, dispõe o artigo 1087.º do Código Civil que “a desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes”.
Assim, deverá a ré proceder à desocupação do locado e à respetiva entrega ao autor, mediante entrega das chaves, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da presente ação.
Em conformidade com o anteriormente expendido, improcede o pedido indemnizatório correspondente a 20% do valor das rendas vencidas em dívida, bem como o pedido condenatório da obrigação de juros moratórios.”
Todavia, como já antecipamos, na medida em que na sentença recorrida, no segmento da fundamentação e no dispositivo, o tribunal a quo não determinou que aí fosse descontado o valor de € 1.300 pago pela ré à autora na data da assinatura do acordo, “correspondente a caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações do presente contrato”, conforme item 2 dos fatos provados, impõe-se revogar-alterar nessa parte a sentença recorrida e determinar que no ponto 3 do dispositivo final, na parte em que o tribunal decidiu “3.Condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 4.250,00 Euros (quatro mil duzentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas e não pagas”, se ordene também que seja descontado nesta parte, o valor de € 1 300 pago pela ré à autora na data da assinatura do acordo, correspondente a caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações do presente contrato.
Nesta conformidade, o recurso procede parcialmente.
Sumário.
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IV.DELIBERAÇÃO:
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em revogar parcialmente a sentença recorrida, determinando, relativamente ao ponto 3 do dispositivo final, na parte em que o tribunal decidiu condenar a ré a pagar à autora a quantia de 4.250,00 Euros (quatro mil duzentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas e não pagas, o desconto nesta parte, do valor de € 1.300 pago pela ré à autora na data da assinatura do acordo, “correspondente a caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações do presente contrato”.
Mais condenamos a recorrente nas custas do incidente pela não admissão de documentos apresentados, fixando a taxa de justiça em 1 Uc- 27º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais
Custas do recurso a cargo da recorrente e da recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedi à ré.
Porto, 24.10.2024
Francisca Mota Vieira
Manuela Machado
Paulo Dias da Silva
_________________
[1] Ac Relação do Porto de 23.05.2024, que já acima convocamos e Acórdão da Relação do Porto de 07-02-2022, proc. n.º 3756/20.0T8MAI.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, reproduzindo-se aqui o respectivo sumário: a falta de junção do comprovativo do pedido formulado, por parte do requerente, pode considerar-se suprida quando, no prazo para a prática do acto, já consta do processo a informação - prestada pela Segurança Social ou pela Ordem dos Advogados - de que esse pedido foi formulado e deferido, na modalidade de nomeação de patrono, devendo, portanto, com base nesta informação considerar-se interrompido o prazo que estava em curso».
[2] Neste sentido, veja-se o referido Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 23.05.2024.