ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NATUREZA E REGIME DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS
SUJEIÇÃO OS RESPETIVOS REGULAMENTOS
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE
REGIME DA NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Sumário

I - A reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento pressupondo, por isso, que a recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, apontando com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da proferida em 1ª instância e indique a resposta alternativa que pretende obter, em cumprimento dos ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do mesmo código, sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
II – A inobservância, pela recorrente, daqueles ónus a que alude o art. 640º, nº 1 e 2, importa que se rejeite o recurso, na parte, em que se impugna a decisão de facto.
III – Ou seja, o recurso sobre a matéria de facto deve ser rejeitado pela Relação por incumprimento dos ónus estabelecidos naquele art. 640º, quando a recorrente se limita a fazer uma indicação genérica e, apenas, em parte da prova que na sua perspectiva justificaria uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal recorrido, em relação aos factos impugnados.
IV - A exigência da especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no nº 1 do art. 662º.
V - As instituições de ensino superior públicas são pessoas coletivas de direito público, embora possam também revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (RJIES), que regula o respetivo regime, incluindo a respetiva constituição, atribuições e organização, bem como o seu funcionamento e a competência dos seus órgãos, além da tutela e fiscalização pública do Estado.
VI - Gozando de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza, embora estejam sujeitas à tutela governamental, no que se refere especificamente às fundações, quanto ao respetivo regime jurídico, resulta do RJIES que as mesmas se regem pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, com as ressalvas aí estabelecidas.
VII - Estando em causa fundação pública, com regime de direito privado, está também sujeita aos respetivos estatutos e Regulamentos, atendendo ao que resulte, nomeadamente, de regulamento que defina e regule o regime de carreiras, retribuições e contratação de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
VIII - Nas circunstâncias referidas em VII), a menção, constante de regulamento, de que a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, não permite ter como aplicável o que resultava do n.º 7 do art.º 38.º, da LGTFP, quando seja de se concluir que naquele regulamento, incluindo seus anexos, se pretendeu regulamentar, de modo expresso, toda a matéria relacionada com os montantes pecuniários correspondentes a cada um dos níveis retributivos, esses a aplicar também de acordo com tabela de posições e níveis retributivos das carreiras aí inserida, e, ainda, por referência ao que aí se fez constar sobre caracterização das carreiras em regime de contrato de trabalho.
IX - O referido em VIII) não viola o princípio constitucional da igualdade, pois que só podem ser censuradas, com fundamento em lesão desse princípio, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem.
X - No caso de se reconhecer ter vigorado contrato de trabalho subordinado num determinado período mas ser o mesmo nulo, quantos aos efeitos daí decorrentes, há que ter presente a especificidade do contrato de trabalho, já que os efeitos da nulidade previstos no art.º 289º do Código Civil não têm possibilidade de aplicação prática: a retribuição poderia ser devolvida, mas a prestação de trabalho não é apagada; perante este paradoxo, o legislador determinou que a eficácia do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado não será afetada durante a execução do contrato (art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho), afastando assim o regime contido no art.º 289º, nº 1 do Código Civil, havendo proteção da “relação contratual de facto”, ficcionando que os contratos vigoraram (e como contratos de trabalho), conforme o disposto no art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho.

(Da Responsabilidade da Relatora -( nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC) em parte, seguindo de perto o sumário do acórdão de 30.09.2024, Proc. nº 2189/23.1T8AVR.P1, que supra se transcreveu em parte.)

Texto Integral

Proc. Nº 1922/23.6T8AVR.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo do Trabalho ... - Juiz 1




Recorrentes: AA e Universidade ...
Recorridas: Universidade ... e AA






Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
A A., AA, contribuinte fiscal n.º ...80, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a Ré, Universidade ..., pessoa coletiva n.º ...08, com sede no ..., ... ..., na qual pede que, “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) Ser a R. condenada a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a A. com efeitos reportados a 0 6 de setembro de 2010;
b) Ser a R. condenada a reconhecer que a antiguidade da A. se reporta a 06 de setembro de 2010;
c) Ser a R. condenada a integrar a A., pelo menos, na 2.ª posição remuneratória com efeitos a 03 de março de 2014 e, a partir de 2021, devido à alteração da posição remuneratória por opção gestionária, ser integrada na 3.ª posição remuneratória;
d) Ser a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base mensal que pagou à A. entre 2014 até à presente data e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que se quantifica em €22.697,41;
e) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante global de €7.928,93, a título de subsídio de férias e natal referente aos anos 2010 a 2022;
f) Tudo isto, acrescido dos respetivos juros legais.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que no dia 6 de Setembro de 2010, celebrou com a R. um contrato de prestação de serviços, data em que iniciou funções na Universidade. Posteriormente, em 14 de Março de 2011, entre A. e R. foi celebrado um novo contrato de prestação de serviços, por igual período de 6 meses.
Com excepção do período entre Agosto e Dezembro de 2012, no qual gozou uma licença parental, até 2 de Março de 2014, a A. celebrou com a R. sucessivos contratos de prestação de serviços.
De modo a formalizar a relação contratual que vinham mantendo até então, em 3 de Março de 2014, na sequência do processo de selecção e recrutamento, celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, pelo qual lhe foi atribuída a categoria de Técnica Superior, na 1.ª posição remuneratória, correspondente ao 11.º nível retributivo. Contrato esse que foi sendo ininterrupta e sucessivamente renovado, até 3 de Março de 2014, data em que foi convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Em 2021, por opção gestionária, passou para a 2.ª posição remuneratória, correspondente ao 15.º nível remuneratório, com uma retribuição mensal de € 1.205,08. A retribuição foi sofrendo alterações, consoante as modificações aos valores previamente tipificados nas Tabelas Únicas Remuneratórias, sendo que, no ano de 2022, se fixou em € 1.215,93 e no ano de 2023, em € 1.269,04.
Alega, também, que desde 6 de Setembro de 2010 até ao presente, exerceu de forma ininterrupta as suas funções nas instalações da R., utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à R., dentro de um horário de trabalho fixado pela R., mediante o pagamento de uma retribuição mensal, reportando o seu trabalho a um superior hierárquico, a cuja autorização estava sujeito o gozo de férias e a quem comunicava as faltas, que tinha que justificar. Pelo que a relação laboral estabelecida entre as partes teve o seu início em 6 de Setembro de 2010.
Mais, alega que, os contratos de trabalho foram celebrados ao abrigo do Código do Trabalho e do Regulamento de Carreiras, Retribuições e Contratação do Pessoal Técnico, Administrativo e de Gestão da Universidade .... Porém, por força do estabelecido nos arts. 134º n.º 2 do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, 28º n.º 5 do Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho da Universidade ... e 23º n.º 1 e 31º do Código do Trabalho, deve ser aplicado o regime constante da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, mormente o artigo 38.º, n.º 7, de onde resulta que para um lugar da carreira de Técnico Superior, quando são exigidas habilitações ao nível de licenciatura, a retribuição deve ser, pelo menos, a correspondente à 2ª posição remuneratória da Carreira de Técnico Superior (como acontece com os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas), sob pena de violação aos princípios da imparcialidade, da justiça, da igualdade.
Por fim, alega que é licenciada desde 19/09/2003, pelo que deveria ter sido integrada, na 2.ª posição remuneratória, correspondente ao nível retributivo 15 (e não 11), com efeitos retroactivos a 3 de Março de 2014, data em que foi celebrado o contrato de trabalho a termo certo. Sendo-lhe devidos os diferenciais reclamados a título de retribuição base mensal e subsídios de férias e de Natal.

*
Realizada a audiência de partes, nos termos que constam da acta datada de 15.06.2023, não foi possível a sua conciliação tendo a ré, notificada para o efeito, apresentado contestação, por excepção e impugnação, invocando a incompetência material do tribunal, a existência de questões prejudiciais, a prescrição, a inimpugnabilidade e aceitação dos actos administrativos que integraram o procedimento concursal e o abuso de direito.
Alegou, em síntese, que os contratos de prestação de serviços foram celebrados pelas partes não titulam qualquer relação de trabalho subordinado, tendo sido celebrados por ajuste directo, no âmbito de procedimentos administrativos de carácter público. Não houve continuidade entre este os vínculos de prestação de serviços e o contrato de trabalho que veio a ser celebrado posteriormente, que teve na sua génese formativa um procedimento concursal, ao qual a A. se candidatou. Pelo que mesmo que pudessem configurar uma relação laboral, pelo menos desde a data em que cada um dos contratos de prestação de serviços cessou, iniciou-se o prazo da prescrição de um ano, que já decorreu, estando consequentemente prescritos os eventuais créditos que deles pudessem emergir.
A conduta da A. consubstancia um abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” e de “supressio”, ao candidatar-se aos procedimentos administrativos que deram origem aos contratos de prestação de serviços e ao contrato de trabalho e a execução material desses vínculos, durante largos anos, sem que até à propositura desta acção a A. questionasse os seus termos ou apresentasse qualquer reserva, objecção ou reclamação perante a R. quanto aos direitos que agora pretende ver reconhecidos, criando na R. a confiança de que estava de acordo com os termos das relações contratuais.
Mais, alegou quanto à questão do posicionamento remuneratório, que a transição da R. para o regime fundacional fez com que se mantivessem os vínculos já existentes com funcionários sujeitos ao regime de emprego público, a par de novos vínculos, criados após 2009, sujeitos ao regime de direito privado. O regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas contém regras que divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado.
Alega, por isso, que a A. faz uma interpretação errada das normas que cita, delas não se extraindo uma imposição de igualdade e total simetria entre o público e o privado. Tal equiparação não faria qualquer sentido, pois de nada serviria o legislador eleger o regime privado na disciplina das relações do pessoal quando se opte pelo regime fundacional, se na prática impusesse a equiparação com o regime público.
Por último, alega que é uma instituição de ensino superior pública, que se rege, enquanto tal, pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, que aprovou o regime jurídico das instituições de ensino superior.
O legislador, ao aprovar o referido regime, deixou clara a sujeição das fundações ao regime do direito privado, no que concerne à disciplina do seu pessoal, atribuindo-lhes a possibilidade e liberdade de poderem regular as categorias e o regime específico do seu pessoal, nomeadamente quanto à definição de carreiras e respectivo regime remuneratório.
Por conseguinte, a contratação de pessoal técnico, administrativo e de gestão, no que respeita designadamente a carreiras, posições retributivas, horário de trabalho e progressão remuneratória, está sujeita às disposições constantes da respectiva regulamentação, elaborada especificamente para o efeito e consubstanciando um regime próprio, de direito privado, que, como tal, prevalece sobre o regime de trabalho em funções públicas, sendo este último regime de aplicação meramente subsidiária a qualquer relação laboral que ao abrigo daqueles regulamentos se tenha constituído ou venha a constituir.
O regime remuneratório que a R. definiu (cfr. Anexo II ao Regulamento 449/2009), prevê que os Técnicos Superiores ingressem na 1.ª posição retributiva, nível retributivo 11 da tabela única, inexistindo nesse regulamento qualquer disposição que imponha que o acesso à carreira se faça pela 2.ª posição. Pelo que não são devidas à A. as diferenças retributivas que reclama.
Conclui que, “devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas (de incompetência do tribunal, de prejudicialidade das questões, de prescrição, de nulidade do contrato, de inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e de abuso de direito);
Ou, quando assim se não entenda,
Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada.
Ou, também quando também assim se não entenda, e
Caso a presente ação venha a ser julgada procedente, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional, reconhecendo-se a nulidade do contrato celebrado entre as Partes, devendo os efeitos correspondentes à cessação do vínculo contratual produzir-se a partir da data de prolação da sentença.”.
*
A A. respondeu às excepções invocadas pela R., pugnando que devem ser julgadas improcedentes e que o pedido reconvencional formulado é inepto, por falta de indicação da causa de pedir ou por não ser o meio próprio da R. fazer valer o direito que pretende.
Defende, ainda, que a R. deve ser condenada como litigante de má-fé, em quantia não inferior a € 5.000,00, porque com dolo ou negligência grave, produziu afirmações erróneas e invocou excepções sem qualquer fundamento jurídico ou de facto, tentando impedir a descoberta da verdade e atrasar a reposição da justiça.
*
Nos termos do despacho datado de 19.09.2023, foi admitida a reconvenção, dispensada a realização de audiência prévia, foi julgada improcedente a suscitada excepção da incompetência material. (Decisão que foi objecto de recurso e apreciada, foi confirmada nesta Relação).
Por outro lado, entendeu-se não existirem “questões prejudiciais por decidir, da competência da jurisdição administrativa, nem tem aqui relevo, salvo melhor entendimento, a questão da “inimpugnabilidade e aceitação dos actos administrativos”, porque como já acima se fez notar, os actos e procedimentos concursais prévios à celebração dos contratos não foram postos em causa pela A., nem tinham que ser, importando sim os contratos que no seu culminar foram celebrados, que a A. qualifica como sendo de trabalho.
E, por fim, no que se refere à prescrição e ao abuso de direito, na consideração de que, “atendendo a que se encontram ainda controvertidos factos (alegados, nomeadamente, nos arts. 34º, 35º, 37º, 39º, 43º, 45º, 46º e 94º a 96º da resposta à contestação) que podem relevar para o seu conhecimento”, relegou-se para sentença a decisão quanto às duas referidas excepções.
Mais, dispensou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova e fixou-se o valor da acção, em € 60.626,35.
*
Os autos prosseguiram para julgamento e realizada a audiência de discussão, nos termos documentados na acta junta, em 08.11.2023, foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “DECISÃO:
Termos em que se decide, na parcial procedência da acção e na procedência da reconvenção:
I. Reconhecer que entre a A. e a R. vigorou um contrato de trabalho subordinado, entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014 - contrato esse que é nulo, nos termos e pelas razões acima expostas.
II. Reconhecer que a antiguidade da A., enquanto trabalhadora ao serviço da R., remonta a 6 de Setembro de 2010.
III. Condenar a R. a pagar à A. € 5.144,46 (cinco mil, cento e quarenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), a título de subsídios de férias e Natal referentes ao período de tempo compreendido entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014, a que acrescem juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral pagamento, contados desde a data em que cada um dos subsídios devia ter sido pago, sobre o respectivo montante.
IV. Absolver a R. dos restantes pedidos formulados pela A., incluindo o de condenação como litigante de má-fé.
*
Custas por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos - art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
Não se considerando - ao contrário da A. - que a acção seja qualificável como de “especial complexidade”, para efeitos de aplicação dos valores de taxa de justiça previstos na Tabela i-C, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 530º, n.º 7 do Cód. de Processo Civil e 6º, n.º 5 do referido Regulamento.
*
Registe e notifique.”.
*
Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes: “CONCLUSÕES
(…)
NESTES TERMOS,
e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a ação julgada totalmente procedente, por provada, condenando-se a Recorrida nos pedidos formulados, como, aliás, é de DIREITO E DE JUSTIÇA!”.
*
De igual modo, inconformada a R. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes: “CONCLUSÕES
(…)
***

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e concluindo-se, a final, pela absolvição da Ré, ora Recorrente.
*
Notificada a A. veio responder ao recurso da R., nos termos que constam das contra-alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
TERMOS EM QUE,
e nos demais que V. Exas. se dignarão suprir, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença recorrida.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
*
Notificada a R. veio responder ao recurso da A., nos termos que constam das contra-alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
***
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso ser julgado improcedente, reiterando-se, nesta sede, para que a final se conclua tal qual alegado nas conclusões do recurso também interposto pela Ré.”.
*
O Tribunal “a quo” admitiu os recursos interpostos pela A. e pela R., como de apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a sua remessa a esta Relação.
*
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso da Autora e negado provimento ao recurso da Ré, no essencial, por se lhe afigurar, “Quanto ao recurso da Autora e quanto à matéria de facto, salvo melhor opinião, não cumpre a recorrente com todo o disposto no art.º 640º do CPC, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou dos registos ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto impugnados e decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre esses factos.
Quando os meios de prova tenham sido gravados incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A recorrente transcreve os depoimentos de testemunhas para prova de factos que entende deveriam ter sido dados como provados, sem que indique com precisão o facto ou factos a provar.
4. Pretende a recorrente neste caso equiparar a sua retribuição à retribuição de idêntica categoria de trabalhadores da recorrida sujeitos ao regime de contrato de trabalho em funções publicas.
4.1. Pretendendo a trabalhadora invocar a violação do princípio da igualdade quanto à retribuição por inobservância do princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual, deverá (i)indicar o factor ou factores de discriminação, presumindo-se verdadeira a alegada diferenciação e cabendo ao empregador prova de que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação, ou (ii)alegar e fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos do art.º 342.º, nº 1 do Código Civil, não beneficiando daquela presunção.
Na verdade o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções politicas ou ideológicas e filiação sindical (art.ºs 25º e 2º do CT).
Nestas hipóteses, como referido deverá o trabalhador invocar os factores capazes de causar discriminação, o que não aconteceu neste caso.
(…)
Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação deste princípio, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
Sendo que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.”
(…)
Neste caso, não se alegou e provou que as tarefas de uns e outros são as mesmas que o trabalho prestado pela recorrente é igual ao dos demais trabalhadores quanto à natureza (abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade), quanto à quantidade (aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração), e, quanto à qualidade (compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador), não podendo estabelecer-se a comparação.
(…)
Sendo a Recorrente licenciada em Comunicação Social, desde 19/09/2003 (facto provado 20), e, tendo, “em 3 de Março de 2014, na sequência do processo de selecção e recrutamento com a referência CND-CTTRC-47-ARH/2013, a A. e a R. celebrado um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, no qual foi atribuída à A. a categoria de Técnica Superior, na 1.ª posição remuneratória, correspondente ao 11.º nível retributivo”, (facto provado 5), reunia os requisitos para “não lhe ser proposta a primeira posição remuneratória”, pelo menos depois de ser admitida a 03 de março de 2014.
(…)
Ora, consta do art.º 38º, n.º 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior”, o que está em consonância com o disposto no art.º 12º, al. b), da Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro.
Ou seja, embora não se aplique directamente ao caso o disposto no aludido regime jurídico do trabalho em funções públicas, a solução é a mesma, por remissão para o mesmo efectuada pelo Regulamento da própria recorrida.”
Nestes termos, deveria ser a Ré condenada no pedido feito pela Autora, de pagamento de remuneração igual aos trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções publicas, pelo menos, a partir de 03 de março de 2014.
5. Quanto ao recurso da Ré entende-se que a douta sentença não deveria merecer censura.
Na verdade, “de 6 de Setembro de 2010 a Fevereiro de 2014 a Autora emitiu recibos verdes contra o pagamentos dos valores indicados nos factos 8 a 11”, mas concluiu-se na douta sentença em recurso que o contrato existente entre A. e Ré, neste período era um contrato de trabalho, por isso, não releva o facto de emitir recibos verdes.
“Entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012 a Autora deixou de ter qualquer vínculo com a Universidade pois não prestou quaisquer serviços à Universidade, nem auferiu qualquer quantia”, mas porque esteve com licença parental, o que em sede de contrato de trabalho, por ser um direito da Trabalhadora, não suspende ou interrompe a execução do contrato.
“Até ser celebrado o contrato de trabalho em 3 de Março de 2014, a, Autora não recebia qualquer subsídio”, facto que também não releva pois não era exigível no contrato de prestação de serviços, mas é no contrato de trabalho.
“A Autora nunca apresentou nenhuma manifestação escrita de protesto face às condições remuneratórias que lhe foram aplicadas, tanto durante a vigência dos contratos de prestação de serviços, como, depois disso, com a celebração dos contratos de trabalho”, facto que não sendo relevante, sobretudo enquanto dura a execução do contrato de trabalho, não se provou como se vê dos factos não provados, pelas razões que a douta sentença em recurso refere e aqui se dão por reproduzidas.
Cremos, assim, que não assiste razão à Recorrente/ré.
6. Quanto ao direito atento o já referido, e, ainda, o que na sentença se pode ler, entende-se que não merece reparo a douta sentença em recurso, para que se remete, e que, salvo melhor opinião, deveria ser confirmada.”.
Notificado deste, ambas as partes responderam.
- A R., nos termos do requerimento junto em 27.05.2024, em síntese, dizendo:
“1. A Recorrida louva a parte do parecer respeitante à conclusão de que o recurso da matéria de facto deve improceder (cf. pontos 3, 4, 4.1, 4.2, 4.3 do Parecer), pelas razões, aliás, já bastamente enunciadas nas contra-alegações apresentadas no presente recurso e que, breviattis causa, aqui se dão por reproduzidas.
2. Ainda que o douto Parecer do Ministério Público nada diga sobre tal matéria, a Recorrida reitera nesta sede a parte das suas contra-alegações atinente às questões que ficaram prejudicadas na apreciação da douta sentença e que, em sede de contra-alegações, ficaram invocadas por via da ampliação do objeto do recurso. Questões tais que, não obstante se encontrarem omissas do douto Parecer do Ministério Público, se considera que, em qualquer caso, sempre deverão ditar a improcedência da ação instaurada pela autora.
3. Quanto à parte do douto Parecer em que se vem sufragar a alegada aplicabilidade do artigo 38.º/7 da LTFP ao caso da Recorrente (cf. 4.4) e, nessa esteira, se conclui que o recurso deve ser julgado procedente, a Recorrida considera, salvo melhor opinião, que não assiste razão ao Ministério Público.”.
Concluindo crer, “que deve improceder o recurso interposto, assim como se conclui que não deve ser acolhido o douto Parecer do Ministério Público que parcialmente o sufraga.”.
*
-A A. nos termos do requerimento junto em 27.05.2024, com os seguintes fundamentos, “1. Acompanha-se totalmente da posição do Ministério Público, ao considerar que estamos perante uma situação de injustiça e desrespeito pelo princípio da equidade interna, dado que, tendo sido admitida por meio de concurso, a Recorrente era classificada, em termos de serviço, nos termos em que eram os trabalhadores em funções públicas,
2. pelo que, pese embora esta equiparação em variadíssimos aspetos, não há, no entanto, equiparação da Recorrente com os seus colegas de serviço, trabalhadores em funções públicas, no tocante à retribuição.
(…)8. É inequívoco e incontestável que a Recorrente é vítima de descriminação de índole salarial às mãos da Recorrida, pois, no mesmo serviço, encontram-se colegas, que pese embora o trabalho por si prestado seja exatamente igual, com as mesmas condições e horário que a Recorrente, auferem uma remuneração muitíssimo superior.
9. Neste sentido já se pronunciou inclusive o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 08.06.2022, no processo n.º 2178/20.8T8AVR.P1, pelo que, em situação análoga à dos autos, foi decidido que, no que diz respeito à fixação da retribuição na segunda posição remuneratória da carreira de técnico superior, há que atentar ao cumprimento do disposto no Regulamento Interno de Carreiras da Universidade ...:
(…)
10. Acresce que, tal como devidamente concluído pelo Ministério Público, a Recorrente, sendo licenciada em Comunicação Social desde 19 de setembro de 2003 e, tendo em 3 de março de 2014, na sequência de um processo de seleção e recrutamento celebrado com a Recorrida um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, reunia de forma plena os requisitos para não lhe ser proposta a primeira posição remuneratória, o que não ocorreu!
11. Na verdade, em consonância com o disposto no artigo 12.º, alínea b) da Lei n.º 112/17, de 29 de dezembro, dita o artigo 38.º, número 7 da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que o empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com o conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.
12. Assim, pese embora o regime jurídico do trabalho em funções públicas não se aplique diretamente ao caso concreto, por direta remissão efetuada pelo Regulamento da Universidade ..., a solução será a mesma!
13. Acresce que, Dispõe o Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho da Universidade ... – 449/2009 – publicado no Diário da República, 2ª série, Nº 223, de 17 de novembro de 2009, refere no artigo 28º, n.º 5, assim como, no Regulamento Interno – 744/2020 –, publicado no Diário da República, 2ª série, Nº 173 de 4 de setembro de 2020, no artigo 30º, n.º 5, que: "a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas."
(…)
15. Face ao exposto, atento ao que se deixa dito, mantem a Recorrente a sua posição plasmada nas suas alegações e acompanha a posição do Ministério Público no seu parecer de 16.05.2024.”.
*
Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
Recurso da Autora:
- se o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova;
- se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. em todos os pedidos contra ela formulados, por se verificar discriminação salarial e violação do princípio trabalho igual, salário igual.
Recurso da Ré:
- se o Tribunal “a quo” deveria ter dado por provados os factos indicados pela recorrente na conclusão B. da alegação;
- se deve ser revogada a sentença e a recorrente absolvida por erro do Tribunal “a quo”:
_ na qualificação do contrato existente entre 2010 e 2014;
_ ao determinar que a antiguidade da A. se reporta à data de 2010;
_ ao não reconhecer a prescrição dos créditos da relação contratual vigente até 2014 ou até Setembro de 2012;
_ quanto à questão da inimputabilidade e aceitação dos actos administrativos decidida no despacho saneador;
_ quanto ao abuso de direito.
*


II - FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

A 1ª instância, considerou provados os seguintes factos:
“1. A R. é uma fundação pública, que se rege pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal.
2. No dia 6 de Setembro de 2010, as partes celebraram um contrato de prestação de serviços, pelo período de 6 meses, começando a partir da referida data a A. a prestar trabalho na R..
3. Posteriormente, entre as partes foram celebrados contratos de prestação de serviços, pelo período de 6 meses, em 14 de Março de 2011, 19 de Setembro de 2011, 26 de Março de 2012, 2 de Janeiro de 2013 e 4 de Julho de 2013; e um último pelo período de 3 meses, em 2 de Janeiro de 2014.
4. A R. não efectuou descontos para a Segurança Social, em relação às quantias que pagou à A., no âmbito dos contrato de prestação de serviços celebrados.
5. Em 3 de Março de 2014, na sequência do processo de selecção e recrutamento com a referência CND-CTTRC-47-ARH/2013, A. e R. celebraram um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, no qual foi atribuída à A. a categoria de Técnica Superior, na 1.ª posição remuneratória, correspondente ao 11.º nível retributivo.
6. Na cláusula sexta do referido contrato de trabalho a termo, outorgado em 3 de Março de 2014, consta que «A remuneração base ilíquida mensal a auferir pela Segunda Outorgante é de 995.51€ (novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), correspondente à 1.ª posição retributiva, nível retributivo 11, previsto nos Anexos do Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho, sujeita aos descontos legais, bem como às atualizações salariais que venham a ocorrer e que lhe sejam aplicáveis.».
7. O mencionado contrato de trabalho a termo foi sendo ininterrupta e sucessivamente renovado até 3 de Março de 2017, data em que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
8. No ano de 2010 e até Agosto de 2011, a A. recebeu da R. € 800,00 por mês.
9. De Setembro de 2011 até Fevereiro de 2012, a A. recebeu da R. € 900,00 por mês.
10. De Março de 2012 a Dezembro de 2013, a A. recebeu da R. € 810,00 por mês - com excepção do período de tempo compreendido entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, em que nada recebeu.
11. Em Janeiro e Fevereiro de 2014, a A. recebeu da R. € 792,00 por mês.
12. A partir de Março de 2014, a A. passou a receber da R. a retribuição mensal de € 995,51, que se manteve inalterada até Dezembro de 2019.
13. No ano de 2020, a A. passou a receber da R. a retribuição mensal de € 998,50.
14. Em 2021, a A. viu a sua posição remuneratória ser alterada para a 2.ª posição, correspondente ao 15.º nível remuneratório, tendo passado a auferir mensalmente a quantia de € 1.205,08.
15. Remuneração essa que foi sofrendo alterações, consoante as modificações dos valores previamente tipificados nas Tabelas Únicas Remuneratórias, sendo que, no ano de 2022, se fixou em € 1.215,93 e no ano de 2023, em € 1.268,04.
16. De 6 de Setembro de 2010 a 19 de Setembro de 2017, a A. desempenhou para a R. as seguintes funções: Planificação e organização de acções promocionais de relações públicas e publicidade; Acompanhamento, gestão e organização de eventos no âmbito das relações-públicas, da divulgação da cultura e ciência e da cooperação com a sociedade, assim como protocolares e institucionais; Suporte ao plano de marketing da ... e desenvolvimento de iniciativas de aproximação; Captação de novos públicos, através de eventos de divulgação e promoção da cultura científica, quer a nível nacional quer a nível internacional; Manutenção de informação online afecta à unidade e levantamento de actividades, projectos, acções e serviços para divulgação nos media; Voz-off; Apoio à realização de iniciativas de âmbito diverso, como conferências, encontros e mostras; Administração, manutenção e divulgação da instituição online; Formação de alunos da bolsa de mérito social da ... com o objectivo de serem embaixadores da instituição e a representar da melhor forma.
17. De 20 de Setembro de 2017 até 31 de Dezembro de 2018, a A. desempenhou para a R. as seguintes funções: Expansão, consolidação e promoção da internacionalização e cooperação na ..., por meio de protocolos firmados, proporcionar a troca de experiências, conhecimento, investigações e trabalhos conjuntos; Manutenção de Informação online afecta à ...; Assessoria de comunicação; Ações de fortalecimento e consolidação dos pilares que sustentam a R. no meio internacional: ensino, pesquisa, inovação e cooperação.
18. De Janeiro de 2019 até à presente data, a A. vem desempenhando para a R. as seguintes funções: Planificação e organização de acções promocionais, de relações públicas e marketing; Acompanhamento e organização de eventos no âmbito das relações públicas, da divulgação da cultura e ciência e da cooperação com a sociedade; Suporte ao plano de marketing da R. e desenvolvimento de iniciativas de aproximação; Captação de novos públicos, através de eventos de divulgação e promoção da cultura científica; Organização de cerimónias e eventos protocolares e institucionais; Apoio à realização de iniciativas de âmbito diversos, como conferências, encontros e mostras; Planeamento de Publicidade e Desenvolvimento; Relações com os media e planeamento das comunicações internas e externas da instituição; Responsável pelas elaborações dos planos de marketing e publicidade da R.
19. Com excepção do período de tempo compreendido entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, em que esteve ausente, por ter tido uma filha, a A., desde 6 de Setembro de 2010 até à presente data, exerceu sempre as suas funções nas instalações da R., da mesma forma, ininterruptamente, usando instrumentos de trabalho pertencentes à R., cumprindo o horário de trabalho fixado por esta, estando o gozo de férias sujeito à concordância do superior hierárquico, que controlava o seu trabalho e perante quem tinha de comunicar e justificar as faltas, designadamente para ir a uma consulta médica.
20. A A. é licenciada em Comunicação Social, desde 19/09/2003.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial, contestação e resposta, nomeadamente:
- Que com excepção do período de tempo compreendido entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, em que a A. esteve ausente, por ter tido uma filha, tenha existido interrupção na prestação de trabalho pela A. ao serviço da R., entre os vários contratos de prestação de serviço formalizados e entre estes e o contrato de trabalho outorgado.
- Que a A. nunca apresentou perante a R. qualquer reserva, objecção ou reclamação quanto aos direitos que pretende ver reconhecidos na presente acção.”.
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Quanto ao modo como o Tribunal “a quo” formou a sua convicção, lê-se na decisão recorrida o seguinte:
“A matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 1 a 18 resulta da expressa aceitação ou da não impugnação, levando-se ainda em consideração o teor dos contratos de prestação de serviços e do contrato de trabalho constantes de fls. 10 v.º a 23; as comunicações relativas à renovação do contrato de trabalho a termo de fls. 23 v.º, 24 e 186 e respeitantes à conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado de fls. 24 v.º; os “recibos verdes” de fls. 25 a 51 e 238/239 e os recibos de vencimento de fls. 52 a 107; e a comunicação à A. da alteração da posição remuneratória, a fls. 118 v.º a 120.
Quanto às circunstâncias em que a A. vem exercendo funções ao serviço da R. desde de 6 de Setembro de 2010 (cfr. n.º 19 dos factos provados), a convicção do tribunal baseou-se nos depoimentos nesse sentido prestados pelas testemunhas:
- BB, que trabalhou para a R. desde Setembro/Outubro de 2010 até Outubro de 2012, primeiro como estagiária e depois a recibos verdes, na área de produção de conteúdos, num gabinete ao lado do da A., de quem era colega de trabalho; e
- CC, que trabalhou para a R. de 2008 a Novembro de 2022, com vínculo de função pública, tendo prestado trabalho no mesmo serviço da A..
Ambas as identificadas testemunhas denotaram conhecimento directo dos factos, visto que trabalharam na mesma área que a A., tendo os seus depoimentos sido prestados de forma segura e consonante com as declarações de parte produzidas pela A..
Resultando desses depoimentos e declarações que a A. exerceu as suas funções sem qualquer interrupção - com excepção do período de tempo compreendido entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, em que esteve ausente por ter sido mãe - dando resposta a necessidades permanentes da R., não tendo sofrido alteração com a celebração do contrato de trabalho, sendo desempenhadas da mesma forma e nos mesmos termos.
Afirmaram também as mencionadas testemunhas e a A., que esta sempre desempenhou as suas funções nas instalações da R., utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à R..
Tendo também afirmado - tal como a A. - que esta cumpriu desde o início horário de trabalho fixado pela R. e que tinha que pedir autorização para faltar, comunicando e justificando as faltas que davam à respectiva superiora hierárquica, que era quem lhe destinava o serviço e controlava a respectiva execução. Combinando com os colegas, por acordo, os períodos de férias que pretendiam, que estavam sujeitos à concordância do superior hierárquico. Acrescentando que não existia nenhuma diferença entre o modo como a A. exercia as suas funções e os colegas de trabalho que pertenciam ao quadro de trabalhadores da R..
Salientando-se que as testemunhas DD (que trabalha na R. desde 1996, inicialmente como Técnico Jurista, depois nos Recursos Humanos e nos Serviços Financeiros, sendo actualmente administrador) e EE (que trabalha na R. há 26 anos, sendo desde há 4 anos Chefe de Divisão dos Recursos Humanos) denotaram desconhecimento quanto à forma como em concreto a A. desempenhava as suas funções. Tendo esta última confirmado que da consulta que fez à documentação existente em arquivo na R., designadamente ao processo individual da A., verificou que esta esteve ausente do serviço entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, por ter sido mãe.
No que concerne ao n.º 20 dos factos provados, relevou a certidão constante de fls. 117 v.º/118 dos autos.
No tocante à matéria de facto controvertida que não foi considerada provada, a convicção do tribunal assentou, para além do que ficou já dito, na ausência de prova produzida em julgamento passível de a demonstrar, salientando-se que apesar das testemunhas DD e EE terem dito que a A. nunca lhes transmitiu qualquer reivindicação ou desagrado em relação à sua situação, isso não significa que não o possa ter feito perante qualquer outro responsável da R., ao longo dos anos em que lá trabalha.”.
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B) O DIREITO
- Da impugnação da matéria de facto
No que à matéria de facto respeita, ambas as recorrentes, A. e R., se insurgem contra a decisão recorrida, razão, porque, quanto às considerações gerais a tecer, comuns a ambos os recursos, analisaremos os mesmos em conjunto.
Vejamos, então.
A este propósito a A./recorrente, sob a consideração de que, “o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova, pois, deu como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados”, fundamenta a sua pretensão alegando que, “quer da prova testemunhal, quer da prova por declarações de parte, se extrai a justeza dos factos dados como não provados” e prossegue dizendo que, “atenta a prova produzida, são vários os factos alegados pela Recorrente que impunham que outros factos fossem considerados provados. Efetivamente, perante a conjugação de toda a prova produzida, o Tribunal a quo, tinha a obrigação de ter dado como PROVADOS…”, os factos que descreve e enumera de 1 a 10 na sua alegação.
De seguida, transcreve excertos das declarações prestadas pela mesma, do depoimento da testemunha BB e do depoimento da testemunha CC e, após tece as considerações que tem por convenientes, alegando ser seu entendimento que, “na sentença recorrida foram cometidos erros graves na apreciação da matéria de facto, devendo ser julgados provados factos que não foram incluídos na matéria demonstrada e, dessa forma, por ser relevante para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa, e por decorrer das declarações de parte da A. e do depoimento das testemunhas BB e CC, devem ser aditados à matéria de facto provada” aqueles 10 pontos que acima indicou.
Por último, procede à transcrição dos 30 pontos que, em seu entender, deveriam ter sido dados como provados e alega que, “atento o que se deixa alegado, dúvidas não existem de que a matéria de facto foi incorretamente julgada, pelo que, haverá que corrigir a factualidade provada adequando-a à prova válida que efetivamente, à data, existe nos presentes autos, com a necessária adaptação das motivações da decisão sem que haja qualquer contágio à “verdade” viciada que contaminou todo o processo, o que, consequentemente implicará a total procedência da ação.”.
Em sede de conclusões, alega que, “na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova”.
Por sua vez, a Ré apresenta o seu recurso da matéria de facto com base na alegação de que, a “sentença recorrida absteve-se de dar por provados factos relevantes e que importaria considerar para a boa decisão da causa. Relevam aqui, em especial, os factos respeitantes à relação estabelecida entre as partes entre 2010 e 2014 e que em grande medida importavam para se caracterizar a relação existente entre as Partes durante esse período de tempo.”.
Prossegue, a sua alegação com a descrição de cada um desses referidos factos, a indicação dos concretos meios probatórios que considera, (no que respeita aos depoimentos gravados transcrevendo trechos dos mesmos), justificam a peticionada alteração da matéria de facto e porque se lhe afigura ser esta relevante para a decisão da causa.
E, conclui, em B. da sua alegação, com a indicação daqueles factos que considera deveriam ter sido dados por provados e devem aditar-se à matéria de facto provada.
Analisando.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sendo que, como bem se refere, no (Ac. desta Secção, de 18.03.2024, Proc. nº 7583/21.0T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão e subscrito pela, agora, relatora e 1ª Adjunta), nas situações de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação por parte do Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Pois e acrescendo, como bem diz, novamente, (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. do STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, salientando-se que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», aquele Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que basta que a parte recorrente o faça nas alegações, desde que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações.
Transpondo o regime exposto para o caso, previamente a apreciarmos se, assiste razão às recorrentes e saber se, o Mº Juiz “a quo” julgou erradamente as provas produzidas e como ambas defendem deve ser alterada a decisão de facto como, agora, vêm requerer, importa que se verifique se cumpriram, elas os ónus que lhes incumbe para que seja admissível a requerida reapreciação.
De notar que, quanto ao recurso da A./recorrente, tanto a R./recorrida como o Ex.mo Procurador, no parecer emitido nos autos, defendem que deve ser rejeitada por inobservância, desde logo, do ónus a que alude a al. a) do nº 1 do art. 640º.
E, não há dúvidas, assiste-lhes razão.
Pois, analisando o recurso verifica-se que, nas alegações a A./recorrente considera que os factos que indica naquelas, sob os números 1 a 10 deveriam ter sido dados como provados, no entanto, nas conclusões do recurso – as quais limitam o seu objecto (art. 639º, nº1 do CPC), a recorrente, nada mais diz, a não ser que, “na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova”, mas sem indicar em relação a que factualidade. Ou seja, omitiu por completo o ónus imposto pela referida al. a) do nº1 do art. 640º, posto que não indicou, como deveria, os concretos factos que impugna e que considera deveriam ter sido dados como provados.
Deste modo, atento o supra exposto, sem necessidade de outras considerações, ao abrigo do nº1, al. a) do citado artigo, rejeita-se o recurso da A./recorrente, no que se refere à impugnação da decisão de facto.
*

E, que dizer, quanto à impugnação da decisão de facto deduzida pela Ré/recorrente. Ora, analisando, pese embora, o teor da conclusão B. da sua alegação, onde destaca os factos que, alega, deveriam ter sido dados como provados, podemos adiantar, o mesmo se verifica.
Também, esta não cumpriu com os ónus que se lhe impunham para que nesta sede se proceda à reapreciação daquela.
Senão, vejamos.
A recorrente fundamenta a sua impugnação na consideração de que, “a douta sentença recorrida absteve-se de dar por provados factos relevantes e que importaria considerar para a boa decisão da causa. Relevam aqui, em especial, os factos respeitantes à relação estabelecida entre as partes entre 2010 e 2014 e que em grande medida importavam para se caracterizar a relação existente entre as Partes durante esse período de tempo”. E, atentos os concretos meios probatórios que alega, “justificam que no presente recurso devem conduzir a uma alteração da matéria de facto”, descreve, quer nas alegações quer na conclusão B. destas, os quatro factos (A, B, C e D) que considera devem ser aditados à matéria de facto.
Porém, fá-lo sem nada concretizar nem em sede de conclusões nem das alegações, sobre onde foram alegados aqueles factos que considera “relevantes” e defende “importaria considerar para a boa decisão da causa” pretendendo, agora, que tal ocorra, nesta sede, sendo aditados à matéria de facto.
Mas, assim sendo, só podemos dizer que, também, a Ré/recorrente, não cumpre o ónus que lhe incumbe, previsto na al. a), do nº 1, do art. 640, (ainda que, contrariamente ao que se verificou no recurso da A. tenha nas conclusões descrito os factos que considera devem ser aditados à matéria de facto). No entanto, não identifica, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda.
Pois, como se diz no Acórdão de 15.04.2013, supra referido, para que se mostrasse cumprido o referido ónus, a R/recorrente deveria ter procedido à identificação (daqueles factos que indica), “por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos)”, o que manifestamente não se basta com a alegação genérica de que, são “factos relevantes” e que, relevam aqui, “em especial, os factos respeitantes à relação estabelecida entre as partes entre 2010 e 2014 e que em grande medida importavam para se caracterizar a relação existente entre as Partes durante esse período de tempo”, considerando, assim, que devem ser aditados aos factos provados.
Logo, no caso, tendo sido dispensada a enunciação dos temas de prova, incumbia à Ré/recorrente indicar aqueles pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, por reporte aos concretos artigos dos seus articulados, de modo a cumprir o disposto naquela referida al. a). Sendo que, não o fez em relação a nenhum daqueles quatro pontos que indica. Com efeito, nem nas alegações, nem nas conclusões consta a indicação de qualquer artigo dos articulados da recorrente que corresponda àqueles pontos que defende devem ser aditados à matéria de facto provada. E, sendo deste modo, impõe-se concluir que a discordância quanto à matéria de facto aparentemente invocada pela recorrente, nem em sede de alegações nem de conclusões, foi alvo de impugnação, não constituindo, consequentemente, objeto do recurso.
Ora, como decorre do que supra deixámos exposto, a inobservância, na impugnação da decisão da matéria de facto, daqueles requisitos previstos no nº 1, do art. 640º que, o recorrente deve obrigatoriamente cumprir determina a sua rejeição.
Assim e, em conclusão, também, quanto ao recurso da Ré/recorrente, não se conhece da eventual pretendida alteração da matéria de facto e, em consequência, mantém-se inalterada e definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância.
*

Aqui chegados, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, analisemos os recursos no que respeita à matéria de direito.
- Recurso da Autora
Comecemos pela questão de saber se deve ser revogada a sentença e a Ré, condenada nos termos peticionados pela A., agora, recorrente, com fundamento em discriminação salarial e violação do princípio trabalho igual salário igual.
Consta da decisão recorrida, em síntese, o seguinte: «(…)
III. O contrato de trabalho a termo outorgado pelas partes em 3 de Março de 2014 destinava-se ao desempenho pela A. das funções inerentes à categoria profissional de Técnica Superior, mediante a retribuição base ilíquida mensal de € 995,51, correspondente à 1.ª posição retributiva, nível retributivo 11, prevista nos Anexos do Regulamento/2009, então vigente na R..
Defendendo a A. que embora tal contrato seja um contrato individual de trabalho de direito privado (CIT), deve ser aplicado, para efeitos de posicionamento remuneratório, por força do estabelecido nos arts. 134º n.º 2 do RJIES, 28º n.º 5 do Regulamento/2009 e 23º n.º 1 e 31º do Código do Trabalho e sob pena de violação aos princípios da imparcialidade, da justiça e da igualdade, o disposto no art. 38º n.º 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), de modo a que a retribuição fixada corresponda, pelo menos, à 2ª posição remuneratória da carreira de Técnico Superior, como acontece com os trabalhadores licenciados contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas (CTFP).
Contrapondo a R. que o regime estatutário dos trabalhadores com CTFP é diferente do que resulta do Código do Trabalho, não decorrendo das normas citadas pela A. uma imposição de igualdade e total simetria entre os dois regimes.
O citado art. 38.º n.º 7 da LGTFP, na redacção da Lei n.º 35/2014, de 20/06, sob a epígrafe “Determinação do posicionamento remuneratório”, que «1 - Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade de vínculo de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objeto de negociação com o empregador público, a qual tem lugar:
a) Imediatamente após o termo do procedimento concursal; ou
b) Aquando da aprovação em curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 84.º, que decorram antes da celebração do contrato.
2 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, a negociação com os candidatos colocados em situação de requalificação antecede a que tenha lugar com os restantes candidatos.
3 - A negociação entre o empregador público e cada um dos candidatos efetua-se por escrito, pela ordem em que figurem na ordenação final, devendo os trabalhadores com vínculo de emprego público informar previamente o empregador da carreira, da categoria e da posição remuneratória que detêm nessa data.
4 - Em casos excecionais, devidamente fundamentados, designadamente quando o elevado número de candidatos torne a negociação impraticável, o empregador público pode optar por enviar uma proposta de adesão a um determinado posicionamento remuneratório a todos os candidatos.
5 - O acordo ou a proposta de adesão são objeto de fundamentação escrita pelo empregador público.
6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a falta de acordo com um candidato determina a negociação com o que se lhe siga na ordenação final dos candidatos, não podendo ser proposto ao candidato subsequente na ordenação posicionamento remuneratório superior ao máximo proposto e não aceite por qualquer dos candidatos que o antecedam naquela ordenação.
7 - O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.
8 - Após o encerramento do procedimento concursal, a documentação relativa ao respetivo processo negocial é pública e de livre acesso.
9 - O disposto nos números anteriores pode ser aplicável, mediante lei especial, quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade do vínculo de emprego público seja a nomeação.
10 - Não dispondo da faculdade prevista no número anterior, o posicionamento do trabalhador nomeado tem lugar na ou numa das posições remuneratórias da categoria que tenham sido publicitadas.».
O preceito legal vindo de transcrever regula o processo negocial que obrigatoriamente tem lugar entre o empregador e os candidatos, em ordem a definir o posicionamento remuneratório do trabalhador a admitir mediante CTFP.
Trata-se de um procedimento específico do recrutamento no âmbito da LGTFP, que deixou de ter aplicação prática na R. a partir de 2009, com a passagem desta para fundação pública de direito privado, instituída pelo DL n.º 97/2009, de 27/04, em anexo ao qual foram publicados os respectivos Estatutos, visto que desde então os trabalhadores passaram a ser contratados apenas através de CIT, como sucedeu com a A., com observância do procedimento concursal previsto no art. 17º do Regulamento/2009 e do enquadramento remuneratório constante dos respectivos Anexos.
Não subsistindo dúvidas que o n.º 7 do art. 38.º da LGTFP não era aplicável à A. aquando da respectiva contratação, não pode afirmar-se que a R. lhe tinha necessariamente que atribuir, com base no citado preceito, retribuição superior à prevista para a primeira posição remuneratória da carreira de Técnica Superior.
Tratando-se então de saber se deve agora ser-lhe retroactivamente reconhecido o direito a tal retribuição e reajustada a respectiva progressão na carreira, em função disso, como defende a A., por força do estabelecido nos arts. 134º n.º 2 do RJIES, 28º n.º 5 do Regulamento/2009 e 23º n.º 1 e 31º do Código do Trabalho e com base na invocada violação dos princípios da imparcialidade, da justiça e da igualdade.
Como emanação, no plano laboral, do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, o art. 59º n.º 1, al. a) da mesma lei fundamental prescreve que todos os trabalhadores têm direito “À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”, visando significar que nenhum trabalhador pode ser discriminado, em termos de retribuição ou outras prestações patrimoniais, por razões subjectivas, arbitrárias ou materialmente infundadas.
No plano infraconstitucional, esse princípio encontra manifestação legal nos arts. 23º a 32º do Cód. do Trabalho, fixando o primeiro dos citado normativos os conceitos operativos em matéria de igualdade e não discriminação, estabelecendo no seu n.º 1 que “Para efeitos do presente Código, considera-se:
a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado. (…)”.
Resultando do art. 24º n.ºs 1 e 2, al. c) que o trabalhador tem direito a igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo retribuição e outras prestações patrimoniais, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, de factores de natureza discriminatória, nomeadamente da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
Proibindo o art. 25º n.º 1 a prática, pelo empregador, de qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão, nomeadamente, dos aludidos factores.
Ressalvando o n.º 2 do mesmo artigo que “Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional”.
E consignando o n.º 5 que “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação”.
Citando a A. na petição inicial, especificamente, o art. 31º, que rege sobre a igualdade e não discriminação em função do sexo, estabelecendo que «1 - Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter qualquer discriminação fundada no sexo.
2 - A igualdade de retribuição implica que, para trabalho igual ou de valor igual:
a) Qualquer modalidade de retribuição variável, nomeadamente a paga à tarefa, seja estabelecida na base da mesma unidade de medida;
b) A retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma.
3 - As diferenças de retribuição não constituem discriminação quando assentes em critérios objectivos, comuns a homens e mulheres, nomeadamente, baseados em mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade. (…)».
Extrai-se dos citados normativos que a proibição da discriminação não implica a rejeição absoluta de qualquer tipo de diferenciação entre os trabalhadores, designadamente ao nível retributivo, mas apenas que é vedado ao empregador desfavorecer determinado trabalhador ou trabalhadores em relação a outro(s) em situação equiparável, por razões que possam ser consideradas discriminatórias, sem que exista uma justificação razoável, assente em critérios objectivos legítimos.
Tendo-se escrito a esse propósito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2008 que “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido.”.
No mesmo sentido, assinala Maria do Rosário Palma Ramalho que o princípio da igualdade, na sua dimensão remuneratória “(…) não impede diferenças remuneratórias entre trabalhadores, mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objectiva”.
Verificando-se, nesta matéria, uma inversão da regra geral de distribuição do ónus da prova, consagrada no art. 342.º n.º 1 do Código Civil, de tal forma que ao trabalhador que alega ter sido alvo de discriminação cabe demonstrar que foi desfavorecido em relação a outro(s) trabalhador(es) em situação comparável à sua, assim como a verificação em concreto de algum factor de discriminação. Salientando-se, quanto a este último aspecto, que embora o n.º 5 do art. 25º não o referira expressamente, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2014 “(…) exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, tal fundamentação há-de traduzir-se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei”.
Impendendo, por seu turno, sobre a entidade empregadora o ónus de afastar o nexo de causalidade entre o factor de discriminação e a diferenciação ocorrida, provando que o tratamento diferenciado assentou em razões objectivas legítimas, passíveis de o justificar, e não no factor de discriminação invocado pelo trabalhador.
Porém, como se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2016, “À luz do regime do Código do Trabalho de 2003, constituía jurisprudência pacífica a de que a inversão do ónus da prova a que aludia o n.º 3, do art. 23.º, do CT, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação. Mantém actualidade esta jurisprudência, continuando a dever entender-se que numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção (de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores) e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.”.
No caso em julgamento - e embora tenha convocado expressamente o art. 31º do Cód. do Trabalho, respeitante à igualdade e não discriminação em função do sexo - a A. não alega que o tratamento desigual que invoca em termos de posicionamento remuneratório se baseou nesse ou em qualquer dos factores de discriminação previstos na lei, ou em outros qualitativamente equiparáveis.
Pelo que não tem aplicação a regra prevista no n.º 5 do artigo 25º, prevalecendo o princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, competindo à A. alegar e provar os factores passíveis de revelar o tratamento discriminatório invocado.
Acontece que a A. não alegou a existência, em concreto, de uma situação de igualdade material entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho de Técnicos Superiores ao serviço da R. admitidos mediante CTFP.
Nem alegou que quando foi admitida como Técnica Superior, em Março de 2014, tinha as mesmas habilitações, experiência e tempo de serviço que os Técnicos Superiores que a R. tenha porventura admitido antes de 2009 mediante CTFP, para a segunda posição remuneratória, nos termos do art. 38.º n.º 7 da LGTFP.
A desigualdade de que a A. se queixa situa-se num plano mais formal e abstracto, derivando directamente das próprias normas e procedimentos legais a que a R. estava até 2009 vinculada, na admissão de trabalhadores em funções públicas, por contraposição às que a partir de 2009 passaram a vigorar, enformadas pelo direito privado e pelo princípio da liberdade contratual que lhe subjaz.
Importando sublinhar, a esse respeito, que não está aqui sequer em causa a admissão, no mesmo período de tempo, de trabalhadores para a mesma categoria profissional e com as mesmas habilitações académicas, sendo uns (os vinculados por CTFP) posicionados mais favoravelmente que outros (os vinculados por CIT).
Trata-se, sim, de se terem sucedido no tempo, por força de alterações legais ocorridas, dois paradigmas diferentes de gestão e relacionamento entre a R. e os seus trabalhadores, tendo a R., por um lado, a obrigação legal de manter o estatuto de direito público dos que tinham já sido contratados por CTFP; e, por outro, a liberdade de estabelecer as condições em que passaria a admitir mediante CIT, dentro dos parâmetros estatutários e regulamentares que para tanto definiu.
Com efeito, com a transição para o regime fundacional, subsistiram na R. trabalhadores que tinham vínculo de função pública e que mantiveram integralmente esse estatuto, incluindo a nível remuneratório, conforme salvaguardado nos arts. 134º n.º 4 do RJIES e 4º n.º 3 do DL n.º 97/2009, de 27/04; enquanto os novos trabalhadores contratados a partir daí passaram a estar sujeitos ao regime do direito laboral privado.
Sendo diverso o regime jurídico aplicável a uns e a outros, regendo-se a relação com os trabalhadores com vínculo à função pública pela LGTFP, pela Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, que define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e pelo Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31/0715, que estabelece os níveis da tabela remuneratória única correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional.
Ao passo que as relações laborais entre a R. e os trabalhadores admitidos por CIT se regem primordialmente, para além dos respectivos estatutos, pelo disposto no Cód. do Trabalho e, no que concerne ao pessoal não docente e não investigador (como é o caso da A.), pelo Regulamento/2009 e pelos que se lhe seguiram
Os dois regimes de vinculação laboral têm subjacentes lógicas e regras distintas, onde a componente do posicionamento remuneratório e da progressão nas carreiras se integra num complexo próprio e sistematizado de direitos e deveres.
E como refere a R. na respectiva contestação, de pouco ou nada serviria o legislador dar às Universidades a possibilidade de escolher o regime privado na disciplina das relações laborais, através da passagem para o regime fundacional, por ser mais vantajoso ao prosseguimento dos seus objectivos, concedendo-lhes a liberdade de regular as categorias e o regime específico dos trabalhadores a admitir, nomeadamente quanto à definição de carreiras e respectivo regime remuneratório, se depois as Universidades continuassem a estar obrigadas a aplicar rigidamente, por absoluta equiparação, as normas respeitantes às carreiras e posicionamento remuneratório próprio do funcionalismo público.
A esse respeito, justifica-se aqui a conclusão sumariada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2016, onde em sentido idêntico a um outro do mesmo Tribunal, proferido em 20/06/2016 e tendo ambos como pano de fundo acções instauradas por enfermeiros com CIT, que reclamavam diferenças salariais, por comparação com colegas com CTFP, relativamente aos quais invocavam a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, se expendeu que “Do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.º 122/2010 não resulta directamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.”
Tendo-se escrito no segundo dos aludidos arestos (com citação no primeiro), que “(…) o legislador entendeu reformar a gestão hospitalar mediante a criação de entidades públicas empresariais, dominadas por princípios de gestão empresarial, aos quais interessa que a fonte do estatuto legal do respectivo pessoal seja o Código do Trabalho, com as adaptações necessárias por via da garantia de qualidade do serviço que o legislador consagra neste DL 247/2009, mas sem prescindir dum aspecto essencial da legislação laboral, que é precisamente a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva, lugar onde também se joga a autonomia de gestão empresarial, autonomia esta que o legislador fez questão de sublinhar que não é subvertida pelas disposições que visam a harmonização e dignificação, mais a circularidade, dos trabalhadores públicos e privados da carreira de enfermagem. Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13º do DL 247/2009, lhe interessou remeter para modelos de gestão empresarial, susceptíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação colectiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho (…)
Concluindo, não é também por esta via de discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que se pode defender o direito ao reposicionamento ou equiparação salarial.».
Embora respeitando a outra classe profissional, são válidas e ajustadas ao caso em julgamento tais considerações, no sentido de que o processo de transição de um regime jurídico público para o privado e a coexistência dessa dualidade, justifica, pelo menos num plano abstracto, a existência de diferenças entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, designadamente no que se refere ao respectivo posicionamento remuneratório, que pode em determinado momento histórico ser mais favorável a uns do que a outros, em função, designadamente, do papel assumido pela contratação colectiva
Acresce ainda dizer que dos arts. 134º n.º 2 do RJIES e 28º n.º 5 do Regulamento/2009, que a A. também invoca, para fundamentar a violação dos princípios da imparcialidade, da justiça e da igualdade que advoga existir, não se retira uma imposição de paridade absoluta entre público e privado, designadamente em termos de enquadramento remuneratório.
Sendo de notar, aliás, que o n.º 3 do art. 134º do RJIES, ao dispor que «3 - No âmbito da gestão dos seus recursos humanos, a instituição pode criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador e outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público», deixou de fora o pessoal não docente e não investigador do respectivo âmbito de aplicação. Salvaguardando ainda o n.º 4 do mesmo artigo que esse paralelismo “genérico e quando apropriado” no elenco de carreiras, «(…) não deve prejudicar o regime da função pública de que gozem os funcionários e agentes da instituição de ensino superior antes da sua transformação em fundação.».
E no que se refere ao art. 28º n.º 5 do Regulamento/2009, o que nele se estabelece é que «(…) a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas.» (sublinhado nosso), o que não significa que se tenha pretendido instituir uma paridade absoluta, pois se assim fosse, não seria necessária a criação da tabela de posições e níveis retributivos das carreiras a que se alude no n.º 6 do mesmo artigo, publicada em anexo ao Regulamento, bastando remeter para a que é própria dos vínculos em funções públicas.
O que se extrai dos citados normativos não é, portanto, uma imposição de absoluta igualdade entre os dois regimes, mas o desígnio da tendencial aproximação entre ambos, como preconiza, de igual modo, o art. 4º n.º 4 do DL n.º 97/2009, de 27/04.
Aproximação essa que a R. tem promovido, diga-se, sendo disso exemplo a determinação constante quer do Regulamento/2009, quer do subsequente Regulamento n.º 744/2020, que o revogou e substituiu, no sentido de que os montantes correspondentes às posições retributivas previstas em anexo, e o subsídio de refeição, são actualizados anualmente na mesma percentagem aplicável às remunerações dos trabalhadores em regime de CTFP, sem necessidade de quaisquer formalidades (cfr. arts. 36º e 39º, respectivamente).
Sendo tal desiderato de tendencial convergência expressamente assumido na recente alteração operada ao Regulamento n.º 744/2020, por despacho n.º 8321/23, do Exm.º Reitor da R., publicado no DR n.º 158, 2ª série, de 16/08/2023, em cuja exposição de motivos se pode ler que «A aprovação de um regulamento de carreiras, retribuições e contratação do pessoal técnico, administrativo e de gestão da Universidade ... obedeceu a um princípio de valorização destas carreiras, visando torná-las atrativas e permitindo a captação de recursos humanos altamente qualificados por parte desta Instituição.
Por isso, optou-se por uma não integral equiparação face ao regime vigente para as carreiras submetidas ao regime do emprego público, consagrando-se, a respeito de diversas vicissitudes das relações laborais, soluções diversas das plasmadas neste último regime, nomeadamente no que concerne à criação de carreiras autónomas, tais como as de pessoal de informática e gestor de ciência e tecnologia.
No que à componente remuneratória diz respeito, o regulamento vigente, embora consagrando uma equiparação com os níveis retributivos vigentes para os trabalhadores com vínculo de emprego público, vertido na tabela remuneratória única (aprovada pela Portaria n.º 1553 -C/2008, de 31 de dezembro e, no que concerne às carreiras do regime geral, complementada pelo Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31 de julho), não acolheu uma total equiparação no que tange ao número de posições retributivas, antes contemplando um número superior dessas mesmas posições para as carreiras de direito privado.
Recentemente foi aprovado o Decreto-Lei n.º 51/2022, de 26 de julho, que promoveu um conjunto significativo de alterações remuneratórias para algumas carreiras em regime de emprego público, todas elas em sentido mais favorável aos trabalhadores, incrementando as posições retributivas de algumas carreiras e categorias.
Em face desta medida legislativa, a não alteração do sistema retributivo das carreiras de direito privado frustraria o objetivo de tornar estas carreiras suficientemente atrativas, porquanto, sem tal modificação, passariam a usufruir de um regime remuneratório menos benéfico face ao aplicável aos seus homólogos detentores de vínculos de emprego público.
Não se trata, pois, de repor uma equiparação remuneratória entre trabalhadores com vínculo de emprego público e privado, nunca assumida nos Regulamentos em vigor e muito menos imposta por lei e inexistente até à presente data, mas unicamente de proporcionar aos trabalhadores com vínculo de emprego privado condições retributivas que permitam atrair profissionais capazes por parte da Universidade ....
De modo a alcançar este mesmo objetivo, aproveita-se esta oportunidade para proceder à aprovação de uma nova tabela remuneratória, procedendo-se a uma revalorização da generalidade das carreiras.
Em particular e com o intuito de valorização dos recursos humanos, o notório aumento da taxa de inflação, em particular no último ano, por fatores que são de todos conhecidos, torna muito pouco atrativa a contratação de técnicos superiores na 1.ª posição retributiva, pelo que se consagra, a regra de proposta, para o ingresso em tal carreira, pelo menos na 2.ª posição retributiva.
Paralelamente e por uma questão de notória equidade, procura igualmente atender -se à situação daqueles técnicos superiores que, tendo ingressado na 1.ª posição retributiva, ainda nela permaneçam na presente data, criando -se um regime excecional de transição para a 2.ª posição retributiva. Por seu turno, prevê-se que tal transição ocorra com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2022 conquanto essa foi a data a partir da qual a Universidade ... — empreendendo na prática as alterações ora formalizadas — passou a recrutar técnicos superiores com ingresso na 2.ª posição retributiva.
Nesta conformidade, as alterações agora introduzidas não implicam a assunção de uma forçosa e inevitável similitude de soluções entre os regimes laborais de direito público e direito privado (não imposta pelo ordenamento jurídico vigente), conforme vem sendo reiteradamente sustentado pela Universidade ..., mas, ao invés, assentam na liberdade de modelação do conteúdo das relações jurídicas de direito privado, visando manter a sua atratividade, melhorando as condições remuneratórias aplicáveis aos respetivos trabalhadores. (…)».
Por força das alterações operadas ao Regulamento pelo despacho n.º 8321/23, foi aprovada uma nova tabela remuneratória, com atribuição aos trabalhadores integrados na carreira técnica superior, titulares de grau inferior ao doutoramento, da retribuição prevista para o nível retributivo n.º 12, correspondente à 1.ª posição retributiva desta carreira, constante do Anexo II do Regulamento. E com imposição de que aos trabalhadores a contratar para a carreira de técnico superior, não pode ser proposta uma posição retributiva inferior à 2.ª posição retributiva desta carreira - cfr. art. 5º e 11º, n.ºs 5 e 6.
Estabelecendo-se ainda no art. 7º n.º 1 que «O pessoal técnico, administrativo e de gestão em regime de contrato de trabalho da Universidade ..., integrado na carreira de técnico superior, na 1.ª posição retributiva desta carreira e categoria, transita para a posição imediatamente seguinte (2.ª posição retributiva).», e nos n.ºs 6 a 11 do mesmo artigo e no art. 12º, os termos em que essa transição se processa, a requerimento do trabalhador, assim como a da segunda para a terceira posição retributiva.
Resultando do art. 9º que a alteração ao Regulamento produz efeitos em 16/08/2023, excepto no que se refere à transição da primeira para a segunda posição, que produz efeitos a partir de 01/12/2022; e quanto à aplicação da nova tabela remuneratória constante dos anexos III e IV, que produz efeitos a partir de 01/09/2023.
Em suma, no descrito contexto e pelas razões acima expostas, entende-se que a A. não logrou demonstrar - como lhe competia - que o posicionamento retributivo em que foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e que a diferenciação de posicionamento remuneratório que invocou é destituída de fundamento razoável e objectivo, em termos passíveis de consubstanciar violação do referido princípio, com a interpretação densificativa que lhe foi atribuída supra.
Parecendo-nos, ao invés, que se verificam circunstâncias objectivas atendíveis que justificam que não tenha sido atribuída a A., contratada como Técnica Superior por CIT em 2014, a mesma posição remuneratória que aos trabalhadores contratados até 2009 por CTFP tenha porventura sido atribuída, no âmbito do procedimento negocial previsto no art. 38º da LGTFP, mas antes a posição remuneratória anunciada no respectivo procedimento concursal e com ela contratada, correspondente à prevista no regulamento em vigor na R. aquando da respectiva admissão.
IV. Perante a resposta negativa à questão de saber se deve ser reconhecido à A., desde 2 de Março de 2014, o mesmo enquadramento e progressão em termos retributivos que se encontra previsto para os trabalhadores vinculados à R. por contrato de trabalho em funções públicas, improcede o pedido de pagamento dos diferenciais remuneratórios (retribuição base e subsídios de férias e Natal) que com fundamento nisso reclamou.» (Fim de citação).
A Autora discorda defendendo, em síntese, que, “Os pedidos formulados pela Autora Recorrente, bem como a factualidade que constitui a sua causa de pedir, assenta no posicionamento remuneratório que lhe foi atribuído, enquanto Técnica Superior, devendo este posicionamento, na verdade, ter sido equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com base no princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e em disposições dos Regulamentos Internos da Recorrida que, por sua vez, definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho. O posicionamento retributivo em que a Recorrente foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e a diferenciação de posicionamento remuneratório é ILEGAL. Deverá a Recorrente ser integrada, pelo menos, na 2.ª posição remuneratória correspondente ao segundo nível retributivo, ou seja, no nível retributivo 15, com efeitos retroativos a 03 de março de 2014 e, a partir de 2021, devido à alteração da posição remuneratória obrigatória, ser integrada na 3.ª posição remuneratória, e consequentemente, ser-lhe paga a diferença entre a retribuição base mensal que lhe pagou entre outubro de 2016 até à presente data e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que se quantifica em € 22.697,41 e o montante global de € 7.928,93, a título de subsídio de férias e natal referente aos anos de 2010 a 2022.”.
Analisemos, então.
Determina o art. 59º, nº1, al. a) da CRP o seguinte: “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideologias, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza, e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
Segundo, (Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13ª edição, pág. 453), “o princípio «a trabalho igual salário igual» implica, em primeiro lugar, a inadmissibilidade de regras de tratamento salarial diferenciado pelo sexo ou por outros factores discriminatórios; mas comporta, em segundo lugar, a individualização dos salários com base no mérito ou no rendimento, apurado mediante critérios e métodos objectivos e explícitos.”.
Também, (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 643) refere que, “este princípio não impede diferenças remuneratórias entre os trabalhadores mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objectiva.”.
O referido princípio mostra-se igualmente consagrado nos art.s 263º do CT/2003 e 270º do actual CT/2009. «Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual».
O STJ tem entendido que, “O princípio do «trabalho igual, salário igual» enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, cujo ónus de prova cabe ao trabalhador”, veja-se (Acórdão de 12.10.2011, Proc. nº 343/04.4TTBCL.P1.S1 in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê: “I – O princípio da igualdade (art. 13.º da C.R.P.), desenvolvido no art. 59.º/1 da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
II – O princípio do ‘trabalho igual, salário igual’, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjectivos.
III – A inversão do ónus da prova a que alude o n.º3 do art. 23.º do Código do Trabalho, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação.
IV – Não tendo sido invocado/provado tal fundamento, a existência de factos bastantes que permitam concluir pela verificação da prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador face ao qual se diz discriminado, constitui ónus do A., não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.”.
No mesmo sentido, e no que concerne ao ónus da prova em termos de discriminação salarial, é, igualmente, do mesmo Tribunal, o (Acórdão de 18.12.2013, Proc. nº 248/10.0TTBRG.P1.S1, também, in www.dgsi.pt), onde se defende: “Atento o disposto no n.º 5 do artigo 25.º do CT/09, por forma a fazer funcionar a regra de inversão do ónus da prova, com o consequente afastamento do princípio geral estabelecido no artigo 342.º, n.º 1 do CC, compete ao trabalhador que invoca a discriminação alegar e provar os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação referidos nos artigos 24.º e 25.º do mesmo diploma legal, concretamente, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, uma vez que tais factos se apresentam como constitutivos do direito que pretende fazer valer”.
O referido entendimento é seguido no, (Acórdão desta Secção Social de 13.02.2017, Proc. nº 10879/15.6T8VNG.P1, no mesmo sítio da internet), cujo sumário é o seguinte: “I - A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do C. Civil)”.
No mesmo sentido é, também, o (Acórdão desta Secção Social, de 08.06.2017, Proc. nº 531/12.0TTPRT.P1) onde se refere “Nos casos de discriminação ao autor compete alegar e provar não só quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado como os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei. Não o fazendo e invocando a violação do princípio de trabalho igual, salário igual, terá de alegar e provar os factos integradores de que presta tal trabalho, quanto à natureza, qualidade e quantidade”.
Pois bem, face ao que se deixa exposto e em face da matéria de facto dada como provada podemos concluir, como se concluiu na decisão recorrida, («Acontece que a A. não alegou a existência, em concreto, de uma situação de igualdade material entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho de Técnicos Superiores ao serviço da R. admitidos mediante CTFP. Nem alegou que quando foi admitida como Técnica Superior, em Março de 2014, tinha as mesmas habilitações, experiência e tempo de serviço que os Técnicos Superiores que a R. tenha porventura admitido antes de 2009 mediante CTFP, para a segunda posição remuneratória, nos termos do art. 38.º n.º 7 da LGTFP»), que a Autora não logrou provar que as funções por si exercidas eram iguais, em natureza, quantidade e qualidade, às que eram desempenhadas pelos colegas que desempenham funções mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas – art. 342º, nº1 do C. Civil – a determinar, assim, a improcedência da sua pretensão.
Aliás, cumpre dizer que, aqui, acompanhamos inteiramente a fundamentação da decisão recorrida, acrescentando-se, apenas, o que se referiu no (Acórdão desta Secção Social, de 30.09.2024, Proc. nº 2189/23.1T8AVR.P1, relatado pelo, aqui, 2º Adjunto e onde foram Adjuntas as, agora, Relatora e 1ª Adjunta) do qual citamos (sem notas de rodapé), o seguinte: “De todo o modo, sempre se diz que, como é sabido o regime do Contrato Individual de Trabalho e o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas apresentam diferenças (existem regras neste regime sem paralelo no outro), de modo que, como refere Miguel Lucas Pires, em face do atual panorama normativo, parecem-nos de excluir comparações sectoriais entre determinadas vicissitudes do regime de emprego público e privado, precisamente porque a uma diferença mais favorável a um deles poderá, em contrapartida, corresponder um tratamento menos favorável noutro domínio, ou seja, num certo domínio (por exemplo ao nível da retribuição) pode haver alguma diferença entre ambos os regimes que não implica diretamente um conflito com o princípio da igualdade.
Importa também ter presente que, como se referiu no acórdão desta Secção Social do TRP de 08/11/2018, o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), quantidade (intensidade e duração) e qualidade (dos conhecimentos, da prática e da capacidade).
Quer isto dizer que poderá haver um tratamento diferenciado no campo salarial conforme à especial situação de um trabalhador, mas, como refere Rui Medeiros, para evitar que exista espaço para o arbítrio patronal deve exigir-se que, mesmo neste plano da atribuição de uma vantagem retributiva a um determinado trabalhador, o empregador apresente os elementos que evidenciam a racionalidade objetiva da decisão de tratamento privilegiado, sendo necessário que a justificação fornecida não deixe nenhuma dúvida sobre o carácter objetivo-racional do fundamento para a diferenciação.
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, ao qual se adere, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional.”. (Fim de citação).
Assim, em forma de conclusão diremos: não procede a pretensão da apelante na medida em que ela não alegou, nem provou, os factos que poderiam conduzir à afirmação de que foi violado o princípio “trabalho igual, salário igual” e que a Ré a tratou discriminadamente em termos de posição remuneratória relativamente aos colegas com contrato de trabalho em funções públicas.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação da Autora.
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- Recurso da Ré.
- Do erro na qualificação da relação contratual entre 2010 e 2014 em função da procedência do recurso em sede de matéria de facto.
Quanto a esta questão, (cuja discordância com a decisão recorrida, como se verifica do ponto 1, da conclusão D., a recorrente assenta na procedência do recurso da matéria de facto, a proferir nesta instância), sem necessidade de outras considerações, resta dizer que a mesma não pode proceder na medida em que, como referido, estava dependente da procedência da pretensão da apelante relativamente ao aditamento de 4 factos, o que não aconteceu.
Por isso, passamos, para a análise da questão seguinte.
*
- Da nulidade do contrato de trabalho vigente até 02.03.2014 e os efeitos jurídicos consequentes do vício na relação jus-laboral actual, designadamente na contagem do tempo de serviço e para efeitos de progressão na carreira.
A tal respeito, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte: «(…).
A R. deduziu reconvenção, a título subsidiário, para a eventualidade do tribunal considerar que os contratos de prestação de serviços consubstanciam, na realidade, um vínculo de natureza jurídico-laboral, pedindo que seja declarada a nulidade desse vínculo, com produção de efeitos a partir da prolação da sentença, por violação do disposto no art. 47º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que obriga à existência de um prévio procedimento de concurso, com o fim de se assegurar a observância dos princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.
Efectivamente, assentes quanto à qualificação do vínculo existente entre as partes desde 6 de Setembro de 2010 até 2 de Março de 2014 como contrato de trabalho subordinado, importa ter em consideração a especificidade decorrente da natureza jurídica da entidade empregadora, ora R., que é uma fundação pública que se rege pelo direito privado.
É aplicável à R. o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), previsto na Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, que regula a constituição, atribuições e organização das instituições de ensino superior, bem como o seu funcionamento e a competência dos seus órgãos, além da tutela e fiscalização pública do Estado - cfr. art. 1º do RJIES.
As instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito público, embora possam também revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado - como é o caso da aqui R. - nos termos do disposto no n.º 1 do art. 9º do RJIES.
Aplicando-se-lhes subsidiariamente o regime que regula as pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, designadamente a lei quadro dos institutos públicos, sem prejuízo, porém, das normas especificas do RJIES que versam sobre as fundações públicas, consagrado no capítulo vi do título iii - cfr. n.º 2 do art. 9º do RJIES.
Gozando de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza, embora estejam sujeitas à tutela governamental - art. 11º n.ºs 1 e 5 e 66º do RJIES.
No que concerne especificamente às fundações, estabelece o art. 134º n.º 1 do RJIES, quanto ao respectivo regime jurídico, que se regem pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, ressalvandose expressamente no n.º 2 que «O regime de direito privado não prejudica a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.».
No âmbito da autonomia regulamentar que lhe assiste, a R. elaborou um Regulamento interno de carreiras, retribuições e contratação de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho (Regulamento n.º 449/2009), publicado no Diário da República (DR) n.º 223, 2.ª série, de 17/11/2009.
Regulamento esse que define e regula o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
Estabelecendo no seu art. 3º que o regime jurídico aplicável a esses trabalhadores «(…) é o constante do Código do Trabalho, do presente Regulamento e demais Regulamentos da Universidade, sem prejuízo das condições emergentes dos instrumentos de regulamentação colectiva que venham a ser adoptados nos termos da lei.»
Prevendo-se no Capítulo III o processo de selecção e recrutamento, dispondo o art. 17º que «1. A constituição de relações jurídicas em regime de contrato de trabalho a termo resolutivo certo, a termo resolutivo incerto, por tempo indeterminado ou em comissão de serviço, é precedida de um processo de selecção que compreende as seguintes fases: a) fase de abertura e publicitação; b) fase de análise, avaliação e selecção dos candidatos; c) fase de decisão final.
2 - As fases supra descritas devem obedecer aos seguintes princípios: a) publicitação da oferta do posto de trabalho a ocupar; b) garantia de igualdade de condições e oportunidades; c) critérios objectivos de selecção e imparcialidade do júri; d) decisão fundamentada de contratar.»
As diversas fases que compõem o processo de selecção e recrutamento são depois objecto de regulamentação nos arts. 18º a 23º, culminando numa decisão que deve ser fundamentada por escrito, notificada aos candidatos e publicitada na página da Divisão de Recursos Humanos.
Determinando o art. 25º do Regulamento, quanto à forma e conteúdo do contrato de trabalho, que «1 - O contrato de trabalho está sujeito à forma escrita, é celebrado em dois exemplares, destinando-se um exemplar para cada um dos outorgantes.
2 - O contrato de trabalho deve conter, sem prejuízo do disposto no Código do Trabalho, os seguintes elementos: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede dos outorgantes; b) Actividade do trabalhador e correspondente retribuição; c) Local e período normal de trabalho; d) Data de início do trabalho; e) Menção do despacho a autorizar a abertura do processo de selecção; f) Menção do processo de selecção; g) Datas celebração e produção de efeitos.
3 - No caso de celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo certo ou incerto, para além dos elementos constantes no número anterior, deve conter ainda: a) Indicação do termo estipulado e respectivo motivo justificativo b) Data de cessação do contrato, no caso de ser a termo certo.».
Prevendo-se no art. 37º do Regulamento a aplicação subsidiária das normas legais constantes no Código do Trabalho, em tudo o que não estiver expressamente previsto no Regulamento.
Como resulta do art. 134º n.º 1 do RJIES, não obstante a R. ser uma fundação regida pelo direito privado, está sujeita, nomeadamente no que concerne à contratação de pessoal, ao disposto no art. 47º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual «Todos os cidadãos têm acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».
Sendo entendimento uniforme do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça que é inconstitucional a contratação por contrato individual de trabalho no seio da administração pública, seja ela tácita, originária ou por conversão, sem que exista um prévio procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação, que garanta a observância do princípio de igualdade de condições e de oportunidade de acesso, que o citado preceito constitucional consagra.
Na verdade, conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2010, «(…) estabelecendo a Constituição que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso (artigo 47.º, n.º 2), traduziria ofensa ao diploma fundamental a adoção do regime de contrato individual de trabalho que previsse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade».
No caso da R., esse desiderato é prosseguido mediante imposição de procedimento concursal cujos trâmites se encontram definidos no Regulamento interno, onde se faz depender a constituição de vínculos jurídicos de trabalho subordinado - seja através de contratos de trabalho por tempo indeterminado ou de contratos de trabalho a termo resolutivo, certo ou incerto - de um prévio processo de selecção e recrutamento, que é composto por diversas fases e obedece aos princípios da publicitação, igualdade de condições e oportunidades, objectividade nos critérios de selecção, imparcialidade e necessidade de fundamentação da decisão.
Tal procedimento concursal foi omitido, no caso da aqui A., o que acarreta a nulidade do contrato de trabalho que acima se reconheceu ter vigorado entre as partes entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014, face ao disposto no art. 294º do Cód. Civil.
Sendo, de resto, igualmente nulo o contrato de trabalho por vício de forma, nos termos do art. 220º do Cód. Civil, visto que não foi formalizado por escrito, nos termos e com as menções exigidas no art. 25º n.º 1 do RJIES.
Procedendo, nessa medida, a reconvenção deduzida pela R..
Dispõe o art. 122º n.º 1, sob a epígrafe “Efeitos da invalidade de contrato de trabalho”, que “1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.
O citado normativo consagra, no domínio laboral, um regime específico, no que concerne à nulidade dos contratos (distinto, portanto, do estatuído no art. 289º do Cód. Civil), por força do qual a declaração de nulidade só opera para o futuro, não tendo efeito retroactivo, de tal forma que o contrato de trabalho nulo produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontrar em execução, regra essa que abrange os próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado.
Pelo que tem a A. direito, por força do disposto nos arts. 263º n.ºs 1 e 2 e 264º n.ºs 1 e 2, a receber subsídios de férias e de Natal referentes ao período de tempo em que o contrato de trabalho nulo vigorou, compreendido entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014 - com excepção do período de tempo entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, em que esteve ausente e não prestou trabalho.». (fim de citação)
A Ré, discordando, veio dizer o seguinte: “Sucede que tal entendimento, smo, parece violar o artigo 122.º do CT, bem como os efeitos típicos na nulidade que defluem do artigo 289.º do CC, pois a decisão recorrida procura estender os efeitos de um contrato nulo, para além da data da declaração judicial da sentença. Ora, à luz das citadas disposições, se podem aceitar-se, por consumados e por referência à relação contratual de facto, os efeitos esgotados durante o tempo em que perdurou e foi executado o vínculo, o mesmo já não se pode aceitar quanto a efeitos futuros, isto é, aqueles que sobrevieram para além do termo da relação declarada nula. E isto tanto porque a distinção entre os dois vínculos é clara e notória, pois para a constituição da relação laboral vigente (e válida) a Autora celebrou um contrato de trabalho precedido de um procedimento de formação pré-contratual de natureza concursal que cumpre o artigo 47.º/2 da CRP; como, ainda, porque este vínculo não convalidou, de modo alguma, a relação contratual declarada nula. Para além da violação do artigo 122.º do CT e do artigo 289.º do CC nos termos acabados de descrever, a sentença recorrida, ao pretender aproveitar retroativamente os efeitos da relação de facto ferida de nulidade, parece também afrontar o artigo 47.º/2 da CRP. Os efeitos da relação contratual nula, se aproveitados fora do tempo em que vigorou a relação de facto conforme vem propor a douta decisão recorrida, constituem uma violação direta do artigo 47.º/2 da CRP na medida em que se visa, em termos práticos, viabilizar uma relação contratual nula muito para além dos limites que a Lei Fundamental delimita. Por especialmente pertinente neste ponto, destaque-se que a sentença recorrida mostra-se mesmo inconciliável com a jurisprudência vertida no Acórdão do STJ de 8.10.2014, prolatado no Processo n.º 1111/13.8T4AVR.S1 relatado pelo Conselheiro Fernandes da Silva no qual se discutia a questão de saber se a relação contratual de natureza laboral titulada por contratos de avença a que se sucedeu a celebração de contratos de trabalho em funções públicas celebrado com uma pessoa coletiva de direito público poderia contabilizar-se como uma única relação laboral. O Supremo respondeu negativamente a tal questão, sublinhando que a nulidade dos contratos de avença (que “travestiam” uma verdadeira relação laboral) impediria que se pudesse considerar um único contrato, mesmo que ao vínculo nulo se viesse a suceder, sem qualquer interrupção temporal, um contrato de trabalho válido e eficaz – a tanto obsta, os efeitos próprios do vínculo declarado nulo e, bem assim, a circunstância de o novo vínculo licitamente constituído não poder alcançar efeitos retroativos, sob pena de ilegítima ficção. Em suma e sempre smo, por violar diretamente o artigo 47.º/2 da CRP, tal como os artigos 289.º do CC e 122.º do CT, crê-se ter errado o Tribunal a quo ao determinar que a Ré deveria atender à antiguidade da A. por reporte à data de 2010.”.
Que dizer?
Essencialmente, a discordância da Ré reside na parte da decisão recorrida que reconheceu que a antiguidade da A., enquanto trabalhadora ao seu serviço, remonta a 6 de Setembro de 2010.
A este propósito dos efeitos da declaração de nulidade do contrato de trabalho e sob pena de nada e melhor se nos oferecer dizer, novamente, consideramos oportuno aqui transcrever (sem notas de rodapé) o teor do referido (Acórdão desta sessão de 30.09.2024, já supra identificado) que se debruçou sobre caso idêntico e conheceu de situação idêntica à dos presentes autos, nos seguintes termos:
“(...)
O tribunal a quo considerou que o contrato de trabalho reconhecido no período em causa (entre 15/03/2010 e 31/01/2011) sofre de nulidade, o que não é questionado, pondo a Recorrente em causa os seguintes efeitos que o tribunal a quo considerou apesar da nulidade:
̶ a antiguidade da Autora reporta-se a 2010;
̶ não se verifica a prescrição.
(...)
Na verdade, há que ter presente a especificidade do contrato de trabalho, já que os efeitos da nulidade previstos no art.º 289º do Código Civil não têm possibilidade de aplicação prática: a retribuição poderia ser devolvida, mas a prestação de trabalho não é apagada, ou seja, ainda que o salário não traduza o valor da atividade remunera a mesma [é a contrapartida dela – art.º 258º, nº 1 do Código do Trabalho], pelo que seria restituído um valor que é contrapartida de algo que não pode ser restituído.
Como referem Paula Quintas e Hélder Quintas, perante este paradoxo, o legislador determinou que a eficácia do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado não será afetada durante a execução do contrato (art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho), afastando assim o regime contido no art.º 289º, nº 1 do Código Civil.
Isto é, tem sentido admitir, aos contratos que tenham sido executados, a proteção da “relação contratual de facto”, ficcionando que os contratos vigoraram (e como contratos de trabalho), conforme o disposto no art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho
Importa referir que há uma assinalável diferença entre a situação subjacente ao acórdão do STJ de 08/10/2014 citado pela Recorrente e a situação em análise neste processo, que consiste em que naquele aresto foi apreciada uma situação contratual anterior à celebração de contrato de trabalho para exercício de funções públicas, sendo reconhecido que nesse período anterior vigorou contrato individual de trabalho, ainda que nulo, enquanto neste processo está em causa uma situação contratual anterior à celebração de contrato individual de trabalho, tendo-se reconhecido que nesse período anterior vigorou também contrato individual de trabalho, ainda que nulo.
Ou seja, o fundamento utilizado naquele aresto de que estavam em causa realidades jurídicas diversas, com regimes próprios [e supra se viu ser claro que se tratam efetivamente de realidades jurídicas distintas], não tem cabimento aqui.
No caso sub judice, admite-se ficcionar que os contratos vigoraram como contrato individual de trabalho, e temos que dizer que a realidade jurídica desde 15/03/2010 foi sempre de contrato individual de trabalho.
É certo que os contratos são nulos porque o legislador não quer a consolidação desse vínculo constituído com preterição das regras de contratação com o Estado, não se podendo afirmar que desde o início estamos perante contratos válidos, nem estando em causa qualquer “conversão” dos contratos iniciais, mas no plano fáctico não está em causa uma relação ex novo, sendo a relação contratual atualmente existente o prolongar da estabelecida inicialmente [cfr. pontos 14. e 15. dos factos provados], e o legislador conferiu proteção nos termos supra expostos.
Na verdade, no caso em análise a realidade jurídica é sempre a mesma, tendo que se considerar reportar-se a relação contratual àquela data, o que implica, além da antiguidade, serem devidos os créditos e não haver prescrição [esta só se verificaria se se considerasse ter cessado a relação inicialmente estabelecida e em fevereiro de 2011, surgindo aí uma relação ex novo, e tal não sucedeu].
Em conformidade no acórdão desta Secção Social do TRP de 18/09/2023, escreveu-se, aquando da análise da antiguidade, que “concluindo-se que a relação de trabalho subordinado existiu desde 01/07/2009, nunca poderia fazer-se tábua rasa desse facto e retirar-lhe os efeitos assegurados por direitos laborais consagrados em normas imperativas”.
Subjacente a este aresto estava situação em que em 2009 foi celebrado contrato designado por “contrato de bolsa de investigação”, que foi sendo sucessivamente renovado e a que se seguiu a celebração de contratos idênticos, vindo em dezembro de 2019 a ser celebrado designado por “contrato de trabalho sem termo” ao abrigo do programa PREVPAP, tendo sido considerado que não existe interrupção na relação de trabalho que foi reconhecida, sendo nulo esse “contrato inicial”.
E o exposto não colide com o estabelecido no art.º 47º, nº 2 da CRP [já acima referido, e que dispõe: todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso], pois o contrato reconhecido como de trabalho foi considerado nulo precisamente por não ter havido concurso, não tendo o acesso da Autora ao emprego da Ré decorrido dessa “contratação nula” mas da contratação depois estabelecida regularmente [ponto 7. dos factos provados], não excluindo o normativo constitucional a proteção da situação de facto existente nos termos acima expostos.
Em suma, improcede toda a argumentação da Recorrente, improcedendo o recurso subordinado da Ré.”. (Fim de citação)
Ora, como dissemos, também no caso dos autos, tendo em conta a matéria de facto provada, “não está em causa uma relação ex novo, sendo a relação contratual atualmente existente o prolongar da estabelecida inicialmente” (...) “e o legislador conferiu proteção nos termos supra expostos”. Assim, a antiguidade da Autora tem de reportar-se à data de 06.09.2010.
E, deste modo, improcede este segmento da pretensão da Ré apelante.
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Passemos à invocada questão:

- Da prescrição.
A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte:
«A R. invoca a prescrição dos créditos reclamados pela A., cujo sentido útil se circunscreve agora aos únicos que lhe foram aqui reconhecidos, respeitantes a subsídios de férias e de Natal do período de tempo compreendido entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014.
Estabelece o art. 337º n.º 1 que “Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Prescrição essa que, nos termos do art. 323º n.º 1 do Cód. Civil, só se interrompe “(…) pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Implicando a interrupção a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente e o início da contagem de novo prazo prescricional – cfr. art. 326º n.º 1 do mesmo código.
No caso em julgamento, como se fez notar supra, independentemente do que foi formalizado, na realidade dos factos, vigora entre as partes desde 6 de Setembro de 2010 um contrato de trabalho, pelo que o prazo de prescrição ainda nem sequer começou.
Sendo de notar que a A. apenas não prestou trabalho à R. no período de tempo compreendido entre Agosto de 2012 e Dezembro de 2012, por ter tido uma filha.
Pelo que improcede a excepção». (Fim de citação)
Desta, discorda a Ré alegando, o seguinte:
“Relativamente à prescrição, reproduz-se, brevitatis causa, tudo quanto se acabou de dizer nas conclusões antecedentes, dando por reproduzido o Acórdão do STJ antes citado (Acórdão do STJ de 8.10.2014, prolatado no Processo n.º 1111/13.8T4AVR.S1 relatado pelo Conselheiro Fernandes da Silva) e que concluiu justamente pela prescrição dos créditos respeitantes à relação existente entre as partes até à celebração do contrato de trabalho vigente e cujos efeitos só podem operar a partir da data da sua outorga, sob pena de ofensa do artigo 47.º/2 da CRP. Por conseguinte, atenta a distinção entre estes vínculos, afigura-se que, desde a data em que veio a cessar a relação contratual vigente até 2014 e que foi declarada nula pelo Tribunal a quo, iniciou-se o decurso do prazo da prescrição de créditos de natureza laboral, tal como previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho. Prazo esse que, conforme resulta do citado preceito, é de um ano contado da data em que cessa a relação jurídica jus-laboral.
Prescrição que, caso não colha o entendimento acabado de expor, deve em qualquer caso aplicar-se quanto aos créditos emergentes até Setembro de 2012 pois os presentes autos elegem que, nessa data, ocorreu uma clara quebra da relação existente entre as Partes. Ora, a quebra da relação é clara, está demonstrada, perdurou por largos meses e não existe qualquer nexo entre o contrato de prestação de serviços que veio a ser celebrado posteriormente, pelo que inexistiu claramente uma relação ininterrupta, como erradamente sustenta a decisão recorrida. Em suma, se não para todos os créditos emergentes durante os contratos de prestação de serviços, certamente para aqueles respeitantes à relação que cessou, de facto, em Setembro de 2012, deve a instância de recurso reconhecer a prescrição.”.
Apreciando.
Reitera-se aqui o que se deixou transcrito relativamente à última questão.
Deste modo, e sem mais considerações, por desnecessárias, improcede, igualmente a pretensão da Ré apelante neste particular.
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Passemos, agora, à invocada questão:
- Da ininpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos.
A este respeito, pronunciou-se o Tribunal “a quo”, no despacho datado de 19.09.2023, nos seguintes termos: “Ao contrário da R., entende-se que não existem questões prejudiciais por decidir, da competência da jurisdição administrativa, nem tem aqui relevo, salvo melhor entendimento, a questão da “inimpugnabilidade e aceitação dos actos administrativos”, porque como já acima se fez notar, os actos e procedimentos concursais prévios à celebração dos contratos não foram postos em causa pela A., nem tinham que ser, importando sim os contratos que no seu culminar foram celebrados, que a A. qualifica como sendo de trabalho.”.
Por sua vez, a Ré argumenta, “No que respeita à inimpugnabilidade e à aceitação dos atos administrativos, crê-se que o despacho saneador errou na apreciação que fez de tais questões. Com efeito, os atos administrativos praticados no procedimento de recrutamento não foram e também já não podem ser judicialmente impugnados conquanto o prazo para a impugnação dos atos administrativos é de 3 meses – cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CPTA. Ao ignorar este aspeto, o douto despacho saneador acaba por violar o aludido preceito legal, na medida em que se está a admitir que por via de uma ação judicial possa ser colocado em causa aspetos constante de tais atos administrativos, qual seja a data de produção de efeitos da relação contratual que a partir de então se veio a formar. Viola-se igualmente o artigo 38.º/2 do CPTA e que tem precisamente como escopo impedir que outros meios processuais permitam obter o efeito que resultaria da impugnação do ato, o que será o caso de uma pronuncia de uma ação judicial que disponha que antiguidade deveria ser outra que não a levado a concurso. Em segundo lugar, deve destacar-se que o facto de a autora também não poderá impugnar estes atos administrativos por os ter aceitado na aceção do artigo 56.º do CPTA, aspeto que o despacho saneador também desconsiderou e assim violando a aludida disposição legal.”.
Que dizer?
Desde já que, a Ré apelante não tem razão.
Na verdade, atendendo à pretensão da Autora, já atrás indicada, a mesma não coloca em causa o acto administrativo de seleção e recrutamento/procedimento concursal e contratação. E desse acto não decorre, como pretende a Ré, que a questão da antiguidade da Autora não possa ser reportada a 06.09.2010, posto que ali nada se refere a tal respeito.
E pelo facto de não ter impugnado o acto administrativo não significa, sem mais, que a Autora tivesse “renunciado” ao direito de discutir judicialmente que afinal os contratos de prestação de serviço que celebrou com a Ré constituem um contrato de trabalho, que se prolongou no tempo e sem qualquer descontinuidade.
Improcede, assim, também esta questão.
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Por último, que dizer quanto à questão:
- Do abuso de direito.
Comecemos, pelo que a este respeito na decisão recorrida se escreveu, transcrevendo o seguinte: «(…)
No caso, a A. sabia certamente que, sob o ponto de vista formal, os contratos que celebrou e manteve com a R. entre 6 de Setembro de 2010 e 2 de Março de 2014 eram de prestação de serviços - e não de trabalho.
Mas não há suporte factual objectivo que sustente a conclusão de que a sua conduta ultrapassa manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pela finalidade sócio-económica que subjaz à consagração legal do direito dos trabalhadores a verem reconhecida a existência de uma relação de trabalho subordinado que não foi assumida como tal. Mesmo admitindo que a A. não tivesse questionado a R. acerca da desconformidade entre o tipo contratual formalmente utilizado e os termos em que o trabalho era na realidade prestado, as regras da experiência comum e da normalidade das coisas dizem-nos que quem precisa de trabalhar para prover ao seu sustento, tende a conformar-se e a não afrontar quem lhe paga, por receio de perder a sua fonte de rendimento e ficar em situação pior do que aquela em que se encontrava.
Essa inacção - que no caso, tão pouco se provou -, não é apta a criar na R. uma confiança digna de tutela jurídica, de que a A. jamais invocaria no futuro o direito a ver reconhecida a natureza jurídico-laboral da situação de facto em que estava, com todas as implicações daí decorrentes, nomeadamente no que concerne ao recebimento de subsídios de férias e de Natal.
Tanto mais que, muitas das vezes, os trabalhadores não têm sequer consciência de que os termos em que prestam o seu trabalho podem ser juridicamente subsumíveis a um tipo contratual diferente daquele que formalizaram.
Em suma, a A. não exerceu os seus direitos de forma clamorosamente ofensiva do sentimento geral de justiça, nem a sua actuação, tal como resulta dos factos provados, foi de molde a criar na R., objectivamente, a confiança de que nunca seria judicialmente demandada nos termos em que o foi.
Com o que improcede a excepção do abuso de direito». (Fim de citação)
Manifestando a sua discordância, a Ré argumenta: “a pretensão da autora nestes autos é manifestamente contraditória e inconciliável com todas as atuações precedentes e que acima se foram evidenciando. Com efeito, os presentes autos elegem um vasto conjunto de atos praticados pela Autora e que à luz da boa fé não serão compatíveis com a presente ação, nem com a condenação da Recorrente nos termos propugnados pela douta sentença recorrida. Referimo-nos, pois, aos contratos pelos quais a Autora se vinculou, bem conhecendo e aceitando as condições contratuais aí vertidas. Ou, ainda, a candidatura que a Autora apresentou no procedimento concursal e pela quais se vinculou e aceitou as condições que viriam a ficar materializadas no contrato que, na sequência de tal concurso, foi celebrado com a Autora. Ao que acresce, ainda, a execução material de tais vínculos, durante largos anos, sem que até à propositura desta ação a Autora questionasse os termos elementares dos mesmos.”.
No entanto, de novo, sem razão.
Sufragamos inteiramente as considerações feitas na decisão recorrida. Com efeito, inexistem factos que nos permitam concluir que a Autora agiu com manifesto abuso de direito, não se podendo esquecer o facto de a Autora estar, perante a Ré, numa situação de dependência económica, o que conduz, na maioria dos casos, a que o trabalhador não reaja a situações que considera “ilegais”, por temer perder a sua fonte de subsistência e da sua família.
Improcede assim, também, esta questão e todas as conclusões da apelação da Ré.
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III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar:
-Improcedente a apelação da Autora;
-Improcedente a apelação da Ré; e
- Em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação da A. a cargo da mesma.

Custas da apelação da Ré a cargo desta.



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Porto, 5 de Novembro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Relatora: (Rita Romeira)
1ª Adjunta: (Teresa Sá Lopes)
2º Adjunto: (António Luís Carvalhão)