CATEGORIA PROFISSIONAL
RECLASSIFICAÇÃO DO TRABALHADOR
Sumário

I - Extrai-se da evolução histórica dos sucessivos Acordos de Empresa A..., que a categoria profissional autónoma MOT – Motorista, irá extinguir-se visto estar vedado o acesso por novos trabalhadores a esta categoria profissional normativa/estatuto [mantendo-se a categoria como residual tão só para aqueles trabalhadores que à data da entrada em vigor do Acordo de Empresa, “in casu”, 07 de março de 2015, já detinham tal categoria profissional].
II - Concomitantemente os sucessivos Acordos de Empresa A... (mormente a partir do AE A.../2013 e mantida no AE A.../2015) alargaram o leque das funções acometidas à categoria profissional de CRT/Carteiro, a qual abarca, entre outras: tarefas atinentes à condução de veículos e comunicação das suas avarias, atividades de carga e descarga, acondicionamento e transporte, recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os A....
III - A alteração do descritivo funcional da categoria CRT/carteiro passa a abranger as funções de condução de veículos, o que reforça a concretização do caráter residual da categoria profissional MOT/motorista.
IV - No caso sob apreciação a função descrita pelo Acordo de Empresa A.../2015 de condução de veículos de serviço referente às duas categorias profissionais em discussão acaba por ter uma grande margem de semelhança entre si, mas possui uma primordial diferença: - os MOT/motoristas apenas acompanham a carga e descarga da ligação que vão fazer, não carregando/descarregando o próprio veículo.
V - Inexiste fundamento legal para reclassificar o Autor, uma vez que, as funções que este exerce desde dezembro de 2019 estão previstas na descrição da categoria profissional de CRT/carteiro.

Texto Integral

Processo n.º 2055/23.0T8MAI.P1
(secção social)

Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva

Adjuntos: Juíza Desembargadora Maria Luzia Carvalho

Juiz Desembargador António Luís Carvalhão


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Recorrente: AA

Recorrido: "A..., S.A.”


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Sumário:
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(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)

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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO[1]:
AA (Autor) instaurou contra “A..., S.A.” (Réu), a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu seja condenado a reclassificar o Autor na categoria de motorista a 18 de dezembro de 2019.
Para sustentar a sua pretensão alegou, em síntese, ter sido admitido ao serviço do Réu em 18 de dezembro de 2019 e sempre exerceu funções de motorista apesar de ter sido contratado para exercer funções de carteiro.
Todos os dias conduz viaturas automóveis (quase exclusivamente de pesados) e executa tarefas apenas de condução, e a sua função não se destina à entrega de cartas ou encomendas.
Designadamente, deteta e comunica as deficiências verificadas nos veículos que conduz diariamente, é responsável em condições de diligência normal pela carga transportadas nas viaturas, orienta a carga e descarga do veículo e providencia, sempre que possível, pelo andamento do serviço, em caso de avaria do veículo ou outra anomalia e por vezes colabora nas cargas e descargas.
O Autor faz-se acompanhar dos discos dos carros (tacógrafos) como qualquer motorista profissional, a categoria de carteiro apenas é exigida ao trabalhador que possua a carta de condução de categoria A/B e o Autor teve de obter a carta de condução da categoria C + E.
O Autor está inserido numa escala logística que apenas se destina aos motoristas, e são os carteiros que procedem à carga e descarga da própria viatura.
Recebe regularmente subsídios que são específicos de motorista, nomeadamente, abonos de viagem e abonos de carreira.
O Réu contestou referindo ser verdade que o Autor foi contratado e exerce, desde 18.12.2019, funções inerentes à categoria profissional de CRT – carteiro.
Dá nota dos diversos Acordos de Empresa (AE) vigentes no Réu – o primeiro dos quais do ano de 1981 a 1994, 1995, 1996 a 2007, 2008, 2010, 2013, e 2015.
E do conteúdo funcional atribuído nesses AE às categorias profissionais de carteiro (CRT) e motorista (MOT).
E que a partir do AE1996 a carreira de MOT se tornou menos favorável que a de CRT quer na “letra” e nível salarial de entrada quer nos tempos de progressão.
Ao longo dos anos através dos sucessivos AE’s. o conteúdo funcional do grupo profissional MOT manteve-se inalterado ao passo que o conteúdo funcional do grupo profissional CRT foi sofrendo alterações/ajustamentos tendo em conta a evolução que foi sendo sentida dentro da própria orgânica do Réu.
Assim as funções de condução de viaturas automóveis passaram a ser executadas através da integração nas operações de transporte de trabalhadores da categoria profissional CRT.
Daí que em 1995, e no que se refere ao grupo profissional CRT, tenha havido um reforço relativamente ao exercício das funções de condução que se manteve inalterado até 2007.
Pelo que constam expressamente consagradas no conteúdo funcional do grupo profissional CRT “funções de condução” a par de outras funções/tarefas.
Com o AE de 1996 foi alterado o conteúdo funcional do grupo profissional CRT, e no âmbito desse mesmo AE foi assertado que algumas categorias/grupos profissionais passariam a ser residuais, designadamente, a categoria profissional MOT.
Assim passando a ser uma categoria/grupo residual o Réu a partir da entrada em vigor do AE1996 ficou impedido de admitir trabalhadores (por via de concurso) para essa categoria bem como, por qualquer forma, mudar trabalhadores para esse grupo residual.
Pelo que este grupo profissional (motorista) subsistiria apenas enquanto os titulares MOT que existissem em 25 de junho de 1996, mantivessem o vínculo ao Réu.
A partir do AE2013 passou a constar do Anexo I, Quadro 2 – categorias profissionais, o seguinte: aplicável apenas aos trabalhadores que, à data de entrada em vigor do presente AE, se encontrem já classificados em cada uma das categorias.
O Autor ao vir pedir a sua reclassificação em MOT com datas posteriores à entrada em vigor do AE 2013 bem sabe que já não poderia ser classificado em tal categoria porquanto a mesma era residual e apenas tinha aplicação a quem nela já se encontrasse classificado, o que não era o seu caso.
Daí que embora alguns trabalhadores ainda tenham a categoria de MOT, a maioria dos trabalhadores com funções de condução pertencem à categoria profissional CRT.
O Autor também executa tarefas na logística interna do CPLN bem como efetua recolhas a clientes, efetua operações logísticas no cais, entre outras.
Dependendo das necessidades de serviço da Empresa, num determinado dia ou semana o Autor pode ter mais ou menos tarefas de condução/internas.
O mesmo se passa com os CRT’s afetos à distribuição já que num determinado dia ou semana podem ficar a fazer exclusivamente tarefas internas (sequenciamento, divisão, etc..), nunca indo para a rua fazer a distribuição e não é por isso que deixam de ser CRT’s.
Foi proferido despacho saneador no qual a Meritíssima Juíza a quo fixou o valor da ação em € 2.000,00. Dispensou a identificação do objeto do litígio e a fixação dos temas da prova.
Tendo tido lugar o julgamento veio a ser proferida sentença datada de 12.06.2024, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação improcedente.
Custas a cargo do Autor, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique» (Fim da transcrição)
Desta sentença interpôs o Autor recurso de apelação visando a sua revogação.
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
«a. O Recorrente foi contratado como carteiro, mas desde sempre conduz diariamente viaturas, essencialmente pesadas, não distribui correio, aufere um subsídio específico de condução, que é atribuído aos motoristas.
b. Lido o AE temos que o motorista: «É o trabalhador que conduz viaturas automóveis, pesados ou ligeiros, detetando e comunicando as deficiências verificadas. São responsáveis, em condições de diligência normal, pela carga transportada. Orientam e colaboram na carga e descarga do veículo que conduzem, manobrando, quando necessário, sistemas hidráulicos ou mecânicos complementares da viatura. Providenciam, sempre que possível, pelo andamento do serviço, em caso de avaria do veículo ou outra anomalia”.
c. Da factualidade provada, resulta que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo Recorrente, é o correspondente ao da categoria de motorista.
d. Lido o conteúdo funcional da categoria de carteiro, que se foi modificando com a evolução dos tempos, o seu conteúdo essencial continua a ser a distribuição postal e de outros serviços postais, ligados à recolha e entrega de encomendas.
e. As outras funções ali referidas – condução – são claramente residuais.
f. Ao contrário, o essencial da categoria de motorista é a condução, sendo que estes também colaboram na carga e descarga do veículo que conduzem.
g. Não faz sentido a Recorrida argumentar o facto de a categoria de motorista ser inferior e residual se é a Recorrida que, por sua imposição, atribui ao Recorrente funções correspondentes àquela categoria “inferior” e depois pretende fazer-se prevalecer dessa impossibilidade de “despromoção” para obstar à classificação do Recorrente de acordo com as funções que o mesmo exerce – vg-, neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12/06/19, disponível em www.dgsi.pt.
h. No que diz respeito ao facto de a categoria de motorista ser residual, conforme decidido no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/05/2017 (disponível em www.dgsi.pt) em situação similar à dos autos de que «o AE de 1996, bem como os subsequentes que persistiram na consideração, como residual, da categoria profissional de motorista, mas sem densificarem o conceito, nomeadamente, para efeitos de integração de outros trabalhadores nessa categoria, mesmo nos casos em que as funções exercidas lhes correspondessem, e do Protocolo enunciado no facto n.º 109 (fls 241 a 245), apenas se preveem vantagens, em de progressão, para os motoristas que requeressem a sua integração na categoria de motorista nada se previu, mormente em termos de impossibilidade de ascensão a essa categoria atento o seu carácter residual.»
i. A douta sentença violou as normas do disposto nos artigos 115.º e 118.º do CT, bem como os AE´s em vigor na Recorrida.» (Fim da transcrição)
O Réu apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Recorrente, pugnando pela total improcedência do mesmo e subsequente manutenção da decisão recorrida.


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A Sr.ª Juíza a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

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Recebidos os autos o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se, em douto parecer, no sentido de o presente recurso não obter provimento.
Em síntese, foi corretamente aplicado o Acordo de Empresa vigente na data de celebração do contrato de trabalho, sem que haja qualquer conflito hierárquico entre as fontes de regulação da relação laboral em causa –cfr. artigos 1.º, 3.º, 151.º e 476.º do Código do Trabalho.
Foram aplicadas “in casu” as regras de aplicação da lei no tempo.

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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - Questões a decidir:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
A questão a decidir consiste em saber:
- Do erro na aplicação do direito: reconhecimento da categoria profissional de motorista.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:
Matéria de facto dada como provada em primeira instância[2]
a) O Autor foi admitido para trabalhar por conta e direção da Ré, desde 18.12.2019 para exercer funções inerentes à categoria profissional de CRT - carteiro.
b) O Autor obteve a carta de veículos pesados.
c) Desde dezembro de 2019 o Autor conduz viaturas automóveis de mercadorias.
d) O Autor conduz viaturas automóveis pesados, deteta e comunica deficiências verificadas nos veículos que conduz diariamente, é responsável de diligência normal pela carga transportada nas viaturas e providencia pelo andamento do serviço, em caso de avaria do veículo ou outra anomalia.
e) O Autor faz-se acompanhar dos discos dos carros (tacógrafos).
f) O tacógrafo digital é instalado nas viaturas conduzidas pelo Autor e visa controlar, registar e memorizar todos os dados relativos à condução desses veículos e aos tempos de trabalho e de repouso do respetivo condutor.
g) Para aderir à categoria de carteiro apenas é exigido ao trabalhador que possua a carta de condução da categoria A/B e o Autor obteve a carta de condução da categoria D + E.
h) Sempre que o Autor tem de faltar ao trabalho, a entidade empregadora emite uma justificação para a ausência de registo de condução no tacógrafo.
i) O Autor está inserido na escala do rodízio 3 que é feita por motoristas e carteiros.
j) Os carteiros fazem entregas e recolhas a clientes, são responsáveis pelas carreiras urbanas – recolhas a lojas – fazem a rede terciária – marcos e painéis –.
k) Os Motoristas não procedem à carga e descarga da própria viatura.
l) O Autor recebe subsídio de abono de viagem que é próprio dos motoristas.
m) Entre dezembro de 2019 e finais de 2020 0 Autor exercia tarefas na logística interna do CPLN (cais) nomeadamente cargas e descargas e divisão de material vazio, após este período as tarefas do Autor na logística interna do CPLN são a carga e descarga da viatura que conduz, para além de recolhas a clientes.
n) Na ... o Autor faz parte do rodízio 3 (pontos 47 a 63) que é feito por motoristas e carteiros; e faz outras tarefas complementares como supervisionar cargas e descargas; e se for necessário, ajudar nas cargas e descargas, recolhas a clientes, entregas/recolhas nos CDP`s com a utilização de um veículo pesado; entrega de serviço no Aeroporto ... (descarga de serviço e entrega de “malas” no ... para passagem no rx), entre outras.
o) No CPLN só os carteiros fazem as carreiras urbanas (recolhas a lojas) nunca os motoristas. Os carteiros fazem a rede terciária (marcos/painéis) e os motoristas não. Os motoristas apenas acompanham a carga e descarga da ligação que vão fazer, não carregando/descarregando o próprio veículo; os carteiros carregam e descarregam a própria viatura.
p) O Autor também conduz viaturas pesadas possuindo o cartão tacográfico e teve formação específica inicial atestada pelo CAM.
q) O Autor conduz ligeiros cujo controlo de horários é efetuado através de livretes.

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Matéria de facto dada como não provada em primeira instância
Factos Não Provados.
Da instrução da causa não resultam provados os seguintes factos:
1) O Autor obteve a carta de condução para veículos pesados para conseguir dar cumprimento às tarefas que lhe eram impostas pela Ré.
2) O Autor conduz veículos pesados diariamente e orienta a carga e descarga do veículo e, por vezes, colabora nas cargas e descargas.

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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:
A sentença sob recurso assenta o decidido num processo de raciocínio estruturado a partir da análise da categoria profissional a atribuir ao Autor.
No tocante a esta matéria, o Tribunal recorrido (em síntese) explana o seu raciocínio, nos seguintes termos:
I – Este litígio foi apreciado em, pelo menos, dois arestos do Tribunal superior, designadamente, no Acórdão de 03.05.2017, com o n.º de processo 2058/14.6TTLSB.L1-4, relatado pela Veneranda Juíza Desembargadora Paula Sá Fernandes, disponível para consulta in www.dgsi.pt, e no Acórdão de 12.06.2019, n.º de processo 20063/17.9T8LSB,L1-4, relatado pela Veneranda Juíza Albertina Pereira, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
II – Passa a descrever a definição de carteiro CRT nos diversos AE’s (Anexo I dos AE’s de 1981 a 1994: 1995; de 1996 a 2007; 2008; 2010.
III – Salienta que desde o Acordo de Empresa de 1981 até ao Acordo de Empresa de 2010, que se mantém a mesma descrição da categoria de motorista: “É o trabalhador que conduz viaturas automóveis, pesadas ou ligeiras, detetando e comunicando deficiências verificadas. São responsáveis, em condições de diligência normal, pela carga transportada. Orientam e colaboram na carga e descarga do veículo que conduzem, manobrando, quando necessário, sistemas hidráulicos ou mecânicos, complementares da viatura. Providenciam, sempre que possível, pelo andamento do serviço, em caso de avaria do veículo ou outra anomalia”.
IV – A partir do AE de 2013 publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 15, de 22.04, a categoria de carteiro passa a ser descrita da seguinte forma:
“Executar tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém.
Executar as tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado de objetos postais, assegurando igualmente as decorrentes da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade.
Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os GGG, no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação.
Efetuar assistência e atendimento a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos GGG.
Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais.
Conduzir veículos de serviço, comunicando as deficiências, verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço” (sublinhado da sentença recorrida).
V - Mantendo-se no AE de 2105 publicado no BTE, 1.ª série, n.º 8 de 28/02/2015:
Executar tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém.
Executar as tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade.
Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os A..., no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação.
Efetuar assistência e atendimentos a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos A....
Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais.
Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço” (sublinhado da sentença recorrida).
VI - Nesta ação o Autor alega que exerceu funções de motorista desde a data da contração (19 de dezembro de 2019), sendo certo que em abril de 2015 este AE já se encontrava em vigor com a descrição das tarefas de carteiro nos termos supratranscritos.
VII - O Autor não logrou demonstrar a incongruência classificatória operada em face da situação dada como verificada porquanto resultou provado que o Autor realiza tarefas descritas na categoria de carteiro, por outro lado, as tarefas que o Autor realiza na condução de pesados também estão previstas na categoria de carteiro.
VIII - Por outro lado, a categoria de motorista está classificada como uma das categorias “residuais” no AE de 2015 “Aplicável apenas a trabalhadores que, à data de entrada em vigor do presente AE, se encontrem já classificados em cada das categorias”.
IX - Com a entrada em vigor deste AE de 28/02/2015 que é aplicável à data à qual o Autor reporta o início das funções de motorista, estas funções passam a integrar a categoria de CRT, reforçando também desta forma a concretização do caráter residual da categoria MOT.
X – Cita ainda o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto ainda na vigência dos AE`s anteriores ao de 2013 e a, este, de 2015, no Acórdão de 10/03/2003, com o n.º de processo JTRP00032482, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Sousa Peixoto, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrp.

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Trata-se de uma sentença bem estruturada e fundamentada, que utilizou uma fundamentação de direito, assertiva, clara e compreensível.
Importa aquilatar se a solução é a correta.
Defende o Autor/Recorrente que o núcleo essencial das funções que desempenha corresponde à da categoria de motorista (MOT), para tanto, chama à colação o decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.02.2019 e de 03.05.2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Esta é a divergência fundamental que nos vem colocada em sede recursiva, a de saber qual a categoria profissional a atribuir ao Autor.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Código do Trabalho (2009)[3]: “Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais são a convenção coletiva, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária”.
Estas fontes englobam os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho de índole convencional ou autónoma.
Designadamente o Acordo de Empresa, o qual constitui a convenção coletiva celebrada entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento específico [cfr. n.º 3, alínea c), do citado artigo 2.º].
O Acordo de Empresa regula, assim, as condições de trabalho específicas para aquela empresa, e funciona como garante que essas necessidades específicas da empresa e seus trabalhadores sejam atendidas.
Consabidamente para que as normas de uma convenção coletiva sejam aplicáveis, quer o empregador quer o trabalhador têm, em regra, de se encontrar filiados nas respetivas associações outorgantes da convenção coletiva (de empregadores e sindicais, respetivamente), o que é designado como princípio da dupla filiação – cfr. n’s 1 e 2, do artigo 496.º.
Este princípio não se verifica, contudo quando o empregador celebra a convenção coletiva diretamente, como sucede no Acordo Coletivo e no Acordo de Empresa[4].
Nas palavras de Rosário Palma Ramalho[5] os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho são fontes laborais específicas, i.e., formas de revelação de normas que apenas existem no Direito do Trabalho (artigo 1.º).
Na situação em análise conforme é prolatado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2017[6] (citado na douta sentença recorrida e nas alegações de recurso do Recorrente), faz-se eco aos diversos Acordos de Empresa aplicáveis ao longo do tempo entre o Réu e os seus trabalhadores:
«(…) v.g. AE publicado no BTE n.º 24, de 29 de junho de 1981, AE publicado no BTE n.º 21, de 8 de junho de 1996 (alterado nos BTE 28/99, 30/2000 e 29/2002, AE publicado no BTE n.º 29, de 8 de agosto de 2004, AE publicado no BTE n.º 27, de 22 de julho de 2006, AE publicado no BTE n.º 14, de 15 de abril de 2008 (alterado no BTE 25/2009), AE publicado no BTE n.º 1, de 8 de janeiro de 2010 e, finalmente, AE publicado no BTE n.º 15, de 22 de abril de 2013.» (Fim da transcrição)
Atualmente, porém, encontra-se em vigor o Acordo de Empresa/A..., publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2015 (com entrada em vigor a 07 de março de 2015), o qual revogou o AE/A..., publicado no BTE, 1.ª Série, número 15, de 22 de abril de 2013 – (cfr. o artigo 2.º do AE/A... de 2015).
Resulta dos autos que o Autor foi admitido para trabalhar por conta e direção da Ré em 18.12.2019, tendo sido admitido pela Ré com a categoria profissional de carteiro (CRT) – cfr. ponto a) dos factos provados.
Logo é indubitável que se lhe aplica o AE/A... 2015 “tout cour” (em vigor à data da sua contratação).
A discussão da reclassificação profissional de trabalhadores do Réu com a categoria profissional de carteiro (CRT) para a categoria profissional de motorista (MOT) – conforme menção feita quer na sentença sob recurso, quer nas alegações de recurso do Recorrente -, foi anteriormente objeto de decisões pelos nossos tribunais superiores, a saber: o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2017, e o da mesma Relação de 12.06.2019[7].
Posto isto seguindo o Acordo de Empresa/A... de 2015, teremos as atribuições a seguir ditas para as categorias profissionais ora em discussão:
CRT/ Carteiro – Grau de Qualificação II (Anexo II):
· Executar tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém.
· Executar as tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado de objetos postais, assegurando igualmente as decorrentes da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade.
· Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os A..., no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação.
· Efetuar assistência e atendimento a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos A....
· Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais.
· Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço.
MOT/Motorista (residual) – Grau de Qualificação II (Anexo II):
· Conduzem viaturas automóveis, pesadas ou ligeiras, detetando e comunicando as deficiências verificadas. São responsáveis, em condições de diligência normal, pela carga transportada. Orientam e colaboram na carga e descarga do veículo que conduzem, manobrando, quando necessário, sistemas hidráulicos ou mecânicos, complementares da viatura. Providenciam, sempre que possível, pelo andamento do serviço, em caso de avaria do veículo ou outra anomalia.
No Anexo I (Quadro 2), estão identificadas as categorias profissionais residuais: tão só aplicáveis aos trabalhadores que, à data de entrada em vigor do AE, se encontrem já classificados em cada uma dessas categorias[8]. Como residual consta a categoria profissional de MOT/ Motorista – Grau de qualificação II.
De notar tal como vem refletido nos citados Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2017 e de 12.06.2019, que a categoria profissional de CRT/carteiro ao longo dos tempos e sucessivos Acordos de Empresa sofreu diversas alterações, que a par de uma maior complexidade do seu conteúdo descritivo visaram uma maior abrangência no que concerne às concretas funções atribuídas aos respetivos profissionais.
Outrossim a categoria profissional de motorista manteve-se inalterada e a partir de 1996, passou a assumir caráter residual.

Acresce que conforme se lê no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.06.2019, é a partir dos Acordos de Empresa A... de 2013 e 2015, que o âmbito funcional da categoria profissional de CRT/carteiro é alargado para abarcar também a seguinte tarefa:
· Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço.

Ora o nosso mais alto Tribunal tem vindo a reiterar sucessivamente que a parte normativa das convenções coletivas está sujeita aos critérios hermenêuticos[9] aplicáveis à interpretação da lei, sendo de realçar a importância, entre outros, do elemento literal[10].
Destarte extrai-se da evolução histórica dos sucessivos Acordos de Empresa A..., que a categoria profissional autónoma MOT – Motorista, irá extinguir-se visto estar vedado o acesso por novos trabalhadores a esta categoria profissional normativa/estatuto [mantendo-se a categoria como residual tão só para aqueles trabalhadores que à data da entrada em vigor do Acordo de Empresa, “in casu”, 07 de março de 2015, já detinham tal categoria profissional].
Concomitantemente, como se disse, os sucessivos Acordos de Empresa A... alargaram o leque das funções acometidas à categoria profissional de CRT/Carteiro, a qual abarca, mormente a partir do AE/A... 2013 e mantida no AE/A... 2015, entre outras: tarefas atinentes à condução de veículos e comunicação das suas avarias, atividades de carga e descarga, acondicionamento e transporte, recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os A....
Ou seja, a alteração do descritivo funcional da categoria CRT/carteiro passa a abranger as funções de condução de veículos, o que reforça a concretização do caráter residual da categoria profissional MOT/motorista.
Ademais do cotejo da factualidade dada por provada nos pontos c), d), g), i), j), m), n), o), p) e q), retira-se que o Autor além da atividade de condução de veículos pesados e ligeiros, realiza (entre outras) as seguintes tarefas:
· Cargas e descargas da viatura que conduzia para além da recolha a clientes (entre dezembro de 2019 e finais de 2020).
· E na ... integrado no rodízio 3 (feito por motoristas e carteiros), efetua tarefas complementares como supervisionar cargas e descargas, e se necessário ajuda nas cargas e descargas.

Como se sabe, as diversas categorias profissionais definem-se através das tarefas essenciais caracterizadoras de cada uma delas, do «núcleo duro» das respetivas atribuições funcionais.
A jurisprudência dominante vem continuamente a reconhecer que a categoria profissional de um trabalhador é a que corresponde a natureza e espécie das tarefas por ele efetivamente realizadas e não a que a empregadora arbitrariamente lhe atribua.
Considera ainda que as funções a considerar para aquele efeito devem ser as próprias ou as específicas e não as acessórias ou comuns a uma generalidade de trabalhadores, devendo o trabalhador ser classificado na categoria que mais se aproxime das funções efetivamente exercidas.
No caso sob apreciação a função descrita pelo Acordo de Empresa/A... 2015 de condução de veículos de serviço referente às duas categorias profissionais em discussão acaba por ter uma grande margem de semelhança entre si, mas possui uma primordial diferença:
- Os MOT/motoristas apenas acompanham a carga e descarga da ligação que vão fazer, não carregando/descarregando o próprio veículo, algo, todavia, que o Autor também efetua.
Pelo que bem andou a Sr.ª Juíza a quo quando refere não existir, por conseguinte, fundamento legal para reclassificar o Autor, uma vez que as funções que este exerce desde dezembro de 2019 estão previstas na descrição da categoria profissional de CRT/carteiro.
Soçobram as conclusões do recurso, mantendo-se, por isso, o decidido na douta sentença recorrida.


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V. DECISÃO:

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Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique e registe.






Porto, 05 de novembro de 2024

Sílvia Gil Saraiva (Relatora)

Maria Luzia Carvalho (1.ª Adjunta)

António Luís Carvalhão (2.º Adjunto)

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[1] Segue-se, com ligeiras alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Objeto de transcrição (com a supressão da menção feita aos artigos dos articulados das partes): os factos não provados estão destacados em itálico.
[3] Diploma legal a que iremos fazendo referência, sem menção diversa – cfr. o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro.
[4] Veja-se, por todos, entre outros, MARECOS, Diogo Vaz, “Código do Trabalho – comentado”, 4.ª edição, 2020, Edições Almedina, S.A., p. 82.º
[5] RAMALHO, Maria do Rosário Palma, in “Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Coletivas”, 4.ª edição (atualizada), 2023, Edições Almedina, S.A., p. 207.º.
[6] Relatora: Paula Sá Fernandes, Processo n.º 2058/14.6TTLSB.L1-4, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Relatora: Albertina Pereira, Processo n.º 20063/17.9T8LSB.L1-4, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Esta nota de pé de página “Aplicável apenas aos trabalhadores que à data de entrada em vigor do presente AE, se encontrem já classificados em cada umas das categorias”, passou a constar no quando 2 do Anexo I do AE A.../2013, e mantida no AE A.../2015.
[9] Sublinhado nosso.
[10] Veja-se, por todos, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2023 (relator: Júlio Gomes), Processo n.º 2051/21.2T8LRA.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.