I - Na interpretação das convenções coletivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e seguintes do Código Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no art.º 9.º do mesmo código, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos são gerais e abstratos e produzem efeitos em relação a terceiros.
II - Em tal interpretação devem intervir elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
III - Uma vez que as normas de uma convenção coletiva provêm de negociações entre sujeitos privados (associações sindicais e associações de empregadores), das negociações havidas podem retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção coletiva.
IV - As partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
(Da responsabilidade da Relatora)
Acordam os Juízes da secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias - Mais Sindicato (adiante designado por MAIS), SBN - Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal, (adiante designado por SBN) e Sindicato dos Bancários do Centro (adiante designado por SBC), intentaram a presente ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, contra Banco de Portugal (adiante designado por BdP), pedindo que se considere que das cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n.º 2, e 133.ª, assim como do anexo VI, do AE assinado entre os autores e o Banco de Portugal (BTE n.º 48, de 29/12/2018), resulta a seguinte interpretação: “o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€”.
Alegaram, em síntese, que atenta a conjugação das disposições normativas das cláusulas mencionadas, as diuturnidades, vencidas anterior e posteriormente à entrada em vigor do AE, têm sempre o montante de €46,00, para isso apontando os elementos literal e sistemático de interpretação, desde logo porque o AE revogou o anterior valor de diuturnidades, encontrando-se agora fixado um único e novo valor, o que concluem com base nos seguintes argumentos:
- a cláusula 72.ª, n.º 1, alínea a), norma disciplinadora do pagamento das diuturnidades, remete o valor de todas as diuturnidades, contadas desde a data da admissão dos trabalhadores, para o anexo VI, e aí só há um valor.
- a cláusula 127.ª, n.º 2 só tem a sua razão de ser no contexto da norma revogatória plasmada na cláusula 133.ª, garantindo que o novo valor das diuturnidades é aplicável aquando da sua entrada em vigor.
- os reformados devem receber as diuturnidades de acordo com o disposto na cláusula 72.ª, já que o AE possui eficácia “ex tunc” quanto às cláusulas de expressão remuneratória revogadas, substituindo-as.
- só essa interpretação permite assegurar a igualdade entre os trabalhadores, já que as diuturnidades, visando premiar por igual a passagem do tempo ao serviço de uma entidade patronal, têm de possuir valor idêntico para todos os trabalhadores que se encontram em igualdade de circunstâncias, incluindo os reformados, sob pena de violação do princípio da igualdade.
O réu apresentou contestação, referindo, em síntese que o que os autores pretendem é obter a eliminação da cláusula 127.ª, n.º 2, do AE, nos termos da qual o valor das diuturnidades então fixado apenas é aplicável às que se venham a adquirir após a entrada em vigor do AE e não também às já adquiridas.
Acrescenta que, segundo o ACT do sector bancário, única convenção coletiva aplicável ao Banco de Portugal até à entrada em vigor, em 2008 e 2009, dos AE, os seus trabalhadores tinham direito a receber diuturnidades e, com aqueles AE, passaram também a ter direito a anuidades.
No âmbito das negociações encetadas entre as partes tendo em vista a revisão do AE, o réu propôs a extinção das anuidades e a manutenção do valor das diuturnidades, o que não foi aceite, tendo posteriormente sido obtido consenso quanto à sua extinção, mas com o associado aumento do valor das diuturnidades de € 41,42 para € 46,00, embora apenas para aquelas que se vencessem no futuro, ou seja, após a entrada em vigor do AE. Eficácia “ex nunc” essa que foi essencial para que o réu aceitasse o aumento das diuturnidades.
A aplicação retroativa do valor das diuturnidades teria um impacto financeiro significativo, incluindo ao nível do provisionamento do Fundo de Pensões do BdP, sem qualquer correspondência em contribuições, que não foram efetuadas ao longo da carreira contributiva dos trabalhadores.
A aplicação para o futuro do novo valor não viola o princípio da igualdade, na medida em que os trabalhadores veem as diuturnidades a aumentar quando deixam de receber as anuidades anteriormente previstas. Em contrapartida, a aplicação retroativa é que violaria o princípio da igualdade, porquanto os trabalhadores que já estavam reformados em 2009 e nunca receberam anuidades, beneficiariam de um aumento do valor da sua pensão sem qualquer justificação e em relação ao qual não efetuaram descontos.
Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual o tribunal proferiu sentença decidindo nos seguintes termos:
“A) Julga-se improcedente o pedido deduzido pelos autores no sentido de atribuir às cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n.º 2, e 133.ª, em conjugação com o anexo VI, do AE assinado entre os AA. e o Banco de Portugal (BTE n.º 48, de 29/12/2018) a interpretação de que: "o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€".
B) Fixa-se às cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n. 2, e 133.ª, em conjugação com o anexo VI, do AE assinado entre os AA. e o Banco de Portugal (BTE n.º 48, de 29/12/2018) a interpretação de que: "O valor de € 46,00 das diuturnidades de antiguidade apenas é aplicável às que o trabalhador venha a adquirir após 01 de Janeiro de 2019".
Inconformados os autores interpuseram o presente recurso, pretendendo a revogação da sentença e a sua substituição por Acórdão que considere que das cláusulas 72.º, n.º 1, alínea a), 105.º, 127.º, n.º 2, e 133.º, assim como do anexo VI, do AE assinado entre os autores e o Banco de Portugal, resulta a seguinte interpretação: o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€, formulando as seguintes conclusões:
«1. As normas em vigor, nomeadamente o referido na cláusula 127.°, n.º 2, do AE seriam bastantes para fazer valer o seguinte entendimento, que não foi perfilhado pela Sentença recorrida, a nosso ver, sempre com o devido respeito, erradamente, violando, assim, as sobreditas disposições legais: "as diuturnidades, vencidas anterior e posteriormente à entrada em vigor do AE, têm sempre o montante de 46,00€."
2. A cláusula 72.ª do AE, no seu n.º 1 alínea a), dispõe o seguinte: "Todos os trabalhadores em regime de tempo completo têm direito a um dos seguintes regimes de diuturnidades: a) uma diuturnidade de valor igual ao previsto no anexo VI por cada 5 anos de serviço, contados desde a data da sua admissão."
3. No seguimento desta disposição, o anexo VI só prevê, para todos os efeitos, o pagamento de um único valor de diuturnidades, os referenciados 46,00€.
4. Ou seja, a norma disciplinadora do pagamento das diuturnidades, a cláusula 72.°, n.º 1, remete o valor de todas as diuturnidades, contadas desde a data da admissão dos trabalhadores, para o anexo VI, e aí só há um valor.
5. O AE revoga todas as normas, como a Banca tem entendido, desde que globalmente seja mais favorável. Neste sentido, refira-se que o AE revogou o anterior valor de diuturnidades, encontrando agora fixado um novo valor, que deve ser pago.
6. Assim, o verdadeiro alcance do 127.°, n.º 2, do AE não pode ser outro senão o de especificar que essas diuturnidades também são garantidas pela entrada em vigor do AE, numa síntese entre as diversas interpretações sobre a revogação de um IRCT.
7. Pelo que a cláusula 3.° prevê, expressamente, que todas as normas de expressão remuneratória, incluindo as diuturnidades, terão sempre eficácia a partir de 1 de janeiro de 2019 e que em caso de caducidade manter-se-ão em vigor as cláusulas respeitantes à Remuneração Mensal Efectiva - ou seja, é este IRCT que confere validade a todo o clausulado de expressão remuneratória, referindo, ainda, quais as cláusulas que se mantêm em vigor após a sua caducidade.
8. O mesmo exercício terá de ser feito, também, para a atualização do valor das diuturnidades dos reformados, que devem ser pagas, então, de acordo com a interpretação que aqui trazemos - a cláusula 105.° não coloca qualquer dúvida: os reformados devem receber as diuturnidades de acordo com o disposto na cláusula 72.° do AE - com efeito, o n.º 2 da Cláusula 127.ª dispõe tão só para a relação "Anuidades e diuturnidades", não tendo a virtude de revogar o n.º 1 da Cláusula 72.ª que dispõe exclusivamente para as "Diuturnidades
9. Só esta interpretação poderá conciliar-se com o artigo 13.° da Constituição (Princípio da Igualdade), considerando que este impõe igual tratamento para situações idênticas: e não há, perdoem-nos o juízo imperativo, maior igualdade do que o tratamento remuneratório, respeitados os requisitos do tempo.
10. A sentença recorrida violou, assim, as cláusulas 72.°, n.º 1, alínea a), 105.°, 127.°, n.º 2 e 133.°, assim como o anexo VI, do AE assinado entre os AA. e o Banco de Portugal e o artigo 13.° da CRP, como se afirmou, e ainda o artigo 9.° do Código Civil, devendo ser revogada, nos termos peticionados, considerando-se: "o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€".»
O réu apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Os Recorrentes, pela presente ação, pediram que fosse proferida sentença "que considere que das cláusulas 72, n.º 1, alínea a), 105, 127, n. 2, e 133, assim como do anexo VI, do AE assinado entre os AA. e o Banco de Portugal, resulta a seguinte interpretação: "o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€"
2. Pela, aliás douta, sentença recorrida, a ação foi julgada improcedente, fixando-se "às cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n.º 2, e 133.ª, em conjugação com o anexo VI, do AE assinado entre os AA. e o Banco de Portugal (BTE n. ° 48, de 29/12/2018) a interpretação de que: "O valor de €46,00 das diuturnidades de antiguidade apenas é aplicável às que o trabalhador venha a adquirir após 01 de Janeiro de 2019".
3. Apesar de, na pretensão que formulam nos autos, os Recorrentes fazerem apelo a diversas cláusulas do Acordo de Empresa (doravante "AE") celebrado entre os mesmos e o Banco de Portugal, pretendendo que sejam, em conjunto, "interpretadas" no sentido apontado, o que na verdade pretendem é obter a eliminação do n.º 2 da sua Cláusula 127.ª, que dispõe:
"O valor das diuturnidades previstas na alínea a) do número 1 da cláusula 72.°, constante do anexo VI, aplica-se apenas às diuturnidades que o trabalhador venha a adquirir após a entrada em vigor do presente acordo".
4. O texto desta cláusula corresponde integral e claramente ao acordado entre as Partes Outorgantes, ou seja, o aumento do valor das diuturnidades de € 41,42 para €46, que resultou do novo AE, só vale para as que se vencerem após a data da sua entrada em vigor, uma vez que o aumento de valor das diuturnidades teve em vista compensar a extinção das anuidades, que deixaram de ser pagas para o futuro.
5. Não faria qualquer sentido a revisão retroativa do valor das diuturnidades, uma vez que as anuidades - cuja extinção este aumento veio compensar - foram efetivamente pagas, não tendo naturalmente sido devolvidas.
6. Por outro lado, como só foram pagas anuidades no Banco de Portugal a partir de 2009, também não faria qualquer sentido, para compensar a sua perda, proceder a uma revisão retroativa do valor das diuturnidades já vencidas e adquiridas, mesmo em data anterior a 2009.
7. A aplicação retroativa do valor das diuturnidades, para além de não fazer qualquer sentido, pelas razões expostas, seria absolutamente incomportável para o Banco de Portugal, em virtude dos seus impactos financeiros.
8. O aumento com efeitos imediatos e tão significativo do valor das diuturnidades de antiguidade, aceite é certo pelo Banco de Portugal em sede de negociação do AE, exigiu que se encontrasse uma forma de mitigar os impactos dai resultantes - diretos e indiretos, como se explicou.
9. A fórmula encontrada e consensualizada pelas Partes para este aumento muito substancial do valor (cerca de 11%), passou por conceder à atualização um efeito prospetivo, o que resulta absolutamente claro e inequívoco do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE.
10. Se assim não fosse e como é evidente, o valor final resultante da negociação e correspondente aumento do valor da diuturnidade de antiguidade teria necessariamente de ser inferior (muito longe da percentagem acordada) ou até inexistente, conforme, aliás, sucedeu em relação ao outro grupo de diuturnidades de que os trabalhadores do Banco de Portugal podem beneficiar (vulgarmente denominadas "diuturnidades de nível"), cujo valor não sofreu qualquer aumento.
11. Deste modo, foi essencial para que o Banco de Portugal aceitasse o aumento destas diuturnidades que o mesmo apenas se aplicasse às diuturnidades adquiridas pelos seus trabalhadores em data posterior à entrada em vigor do AE dos autos.
12. De facto, a possibilidade de fazer aumentar as diuturnidades de € 41,42 para € 46 ficou expressamente condicionada a que o acesso a este novo valor apenas se verificasse quando o direito a uma nova diuturnidade se vencesse (o que poderia acontecer com um diferimento de até 5 anos) e, como não poderia deixar de ser, apenas para essa e para as seguintes diuturnidades que o trabalhador viesse a formar pela sua continuidade no Banco.
13. Por todas estas razões, o sentido do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE é muito claro e corresponde ao seu teor literal, encontrando ainda justificação material: o aumento do valor das diuturnidades de € 41,42 para € 46 só se aplica para as que se vencerem após a entrada em vigor do atual AE, uma vez que teve em vista compensar a extinção das anuidades, afastando-se assim expressamente a eficácia retroativa deste aumento, pelo que o mesmo não abrange as diuturnidades já adquiridas em data anterior.
14. Não é, assim, verdade, que, como invocado no artigo 27 da petição inicial, tenha ficado acordado que o novo valor das diuturnidades teria aplicação retroativa, resultado este que é clara e inequivocamente afastado pelo teor do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE, bem como da sua Cláusula 3.ª, n.º 2, nos temos da qual se dispôs expressamente que tabela salarial e as atualizações dos valores das diuturnidades e demais valores e subsídios previstos na cláusulas com expressão pecuniária "terão sempre eficácia a partir de 1 de janeiro de cada ano".
15. Como bem se escreve na sentença recorrida, "De resto, tendo o aumento do valor da diuturnidade constituído uma compensação - assente no âmbito das negociações - pela extinção das anuidades, se a sua aplicação fosse automática às diuturnidades já vencidas e às vincendas após 01/01/2019, mal se compreenderia o n.º 1 da cláusula 121.ª, a manter o regime das anuidades até à aquisição da diuturnidade seguinte.
E também de difícil compatibilização seriam as duas normas desta cláusula, que reflectem precisamente a concessão de ambas as partes resultante do processo negocial.
Reitera-se, pois, citando os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/2022, proc.2722/20.0T8CSC.S1e n.°3798/20.6T8BRG.G1.S1, ambos acessíveis in www.dgis.pt, que "A letra da lei - aqui a letra da cláusula da convenção - é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma".
16. Esta aplicação para o futuro do aumento do valor das diuturnidades não traduz qualquer fator de discriminação entre trabalhadores, pois é aplicável a todos os que se encontram na mesma situação, não existindo qualquer violação de direitos adquiridos ou frustração de legítimas expetativas, nem estando em causa um resultado iníquo e intolerável, com bem se demonstra na sentença recorrida.
17. A aplicação para o futuro do aumento do valor das diuturnidades está expressamente prevista, reitera-se, no n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE, que traduz uma norma de direito transitório, ao determinar a aplicação no tempo do aumento do valor das diuturnidades.
18. Deste modo, a interpretação sistemática a que fazem apelo os Recorrentes conduz ao resultado precisamente oposto ao que pretendem, pois implica que se tenha em devida conta esta norma de direito transitório, que em nada conflitua com as restantes disposições do AE em vigor, que são aplicáveis para o futuro.
19. Aliás, o que os Recorrentes pretendem não é uma simples "interpretação" do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE em vigor, mas antes a sua total ab-rogação, pois a procedência do seu pedido implicaria que ficasse desprovido de qualquer conteúdo útil.
20. Os Recorrentes - em particular o SBN - estão bem cientes que assim é, razão pela qual o SBN instaurou a ação que correu termos por este Tribunal, com o n.º 6360/20.0T8PRT e na qual pediu que fosse "declarada nula, inválida ou ineficaz a disposição do número 2 da cláusula 127.ª do Acordo de Empresa entre o Banco de Portugal e a Federação do Setor Financeiro - FEBASE (...)"
21. Ao ter formulado estes pedidos cumulativos, o Autor SBN revelou que estava bem ciente da interpretação do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE em vigor, razão pela qual, para atingir o objetivo que pretendeu alcançar na referida ação, reconheceu que era necessário que a mesma Cláusula fosse "declarada nula, inválida ou ineficaz".
22. Por esta razão, ao longo da petição inicial que deu origem à referida ação, o Autor SBN assume que o sentido o n.º 2 da Cláusula do AE é claro e não suscita qualquer dúvida de interpretação como resulta, entre outros, dos seus artigos 73 e 74, com a seguinte redação:
"73. O número 2 daquela cláusula, se fosse válido, implicaria que os trabalhadores no ativo e todos os que já passaram à reforma, abrangidos pelo AE, não tivessem qualquer aumento nas diuturnidades vencidas.
74. O aumento seria apenas para diuturnidades futuras".
23. Sucede que, por sentença proferida em 28 de abril de 2023, já transitada em julgado, a ação foi julgada improcedente, no que respeita ao pedido conhecido, de declaração de nulidade, invalidade ou ineficácia do n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE em vigor.
24. Tendo esta ação sido julgada improcedente e mantendo-se em vigor, em consequência do decidido, o n.º 2 da Cláusula 127.ª do AE, é inequívoco que o seu sentido literal é o que lhe foi dado pela sentença recorrida, não existindo qualquer razão ou fundamento que justifique que lhe seja atribuído o sentido pretendido pelos Recorrentes.»
Os recorrentes pronunciaram-se reiterando os fundamentos do recurso.
O recorrido não se pronunciou.
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, a questão a decidir é se a interpretação das cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n.º 2, e 133.ª, assim como do anexo VI, do AE assinado entre os recorrentes e o recorrido (BTE n.º 48, de 29/12/2018), deve ser a de que “o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€”.
Na sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
«1) Os Sindicatos autores, representados pela FEBASE — Federação Sindical do Sector Financeiro, outorgaram o Acordo de Empresa com o réu Banco de Portugal, publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2018.
2) Nos termos do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, aplicável no Banco de Portugal até à entrada em vigor, entre 2008 e 2009, dos AE celebrados com a FEBASE, o SNQTB-SIB e o SINTAF, os seus trabalhadores tinham direito a receber diuturnidades, em determinado montante, que se venciam a cada cinco anos de prestação de serviço efectivo.
3) Com estes novos AE, os trabalhadores do Banco de Portugal, passaram ainda a ter direito a receber, além das diuturnidades, anuidades, que se venciam durante os quatro primeiros anos subsequentes ao vencimento de cada diuturnidade, cujo valor correspondia às seguintes percentagens, que, por sua vez, não eram mais do que uma antecipação dos valores devidos a título de diuturnidade:
- 20% após um ano;
- 40% após dois anos;
- 60% após três anos;
- 80% após quatro anos.
4) No seguimento da revisão do ACT do Sector Bancário, foi iniciada a negociação dos três AE em vigor no Banco de Portugal.
5) O réu propôs, no início das negociações, a extinção das anuidades e a manutenção do valor das diuturnidades, de €41,42.
6) Esta proposta não foi aceite pelos autores, tendo sido objecto de negociação, até que foi acordada a extinção das anuidades e, em compensação, o valor das diuturnidades seria aumentado para €46,00.
Está em causa a interpretação das cláusulas 72.ª, n.º 1, alínea a), 105.ª, 127.ª, n.º 2 e 133.ª, assim como do anexo VI, do AE que vincula os recorrentes e o recorrido, publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2018, pretendendo aqueles que as ditas cláusulas sejam interpretadas no sentido de que “o valor de diuturnidades vencidas e vincendas a pagar aos trabalhadores e reformados do Banco de Portugal é de 46,00€”.
É o seguinte o teor das mencionadas cláusulas:
“Cláusula72.ª
1 - Todos os trabalhadores em regime de tempo completo têm direito a um dos seguintes regimes de diuturnidades:
a) Uma diuturnidade de valor igual ao previsto no anexo VI por cada 5 anos de serviço efetivo, contados desde a data da sua admissão; (…)”.
“Cláusula 105.ª
1- Aos subsídios ou pensões referidos nas cláusulas 101.ª a 103.ª acrescerá o valor correspondente às diuturnidades calculadas e atualizadas nos termos da cláusula 72.ª, considerando-se todo o tempo de serviço prestado até à data da passagem à situação de reforma ou da cessação do contrato, nos termos dos números 1 e 3 da cláusula 103.ª
2 - Para além das diuturnidades previstas no número anterior, será atribuída mais uma diuturnidade, de valor proporcional aos anos completos de serviço efetivo, compreendidos entre a data do vencimento da última e a data da passagem à situação de reforma ou da cessação do contrato, nos termos dos números 1 e 3 da cláusula 103.ª, sem prejuízo do limite máximo previsto no número 2 da cláusula 72.ª
3- O regime referido no número anterior aplica-se, igualmente, aos trabalhadores que, não tendo adquirido direito a qualquer diuturnidade, sejam colocados nas situações aí previstas. (…)”
Cláusula 127.ª, n.º 1 e 2
“1 - O regime das anuidades previsto no acordo ora revogado mantém-se em vigor, para cada trabalhador abrangido, até decorrer o prazo necessário à aquisição da diuturnidade seguinte, sendo relevantes para os efeitos previstos nas cláusulas 63.ª, número 2, alíneas a) e b), 95.ª, número 4, 97.ª, número 2 e 112ª, número 1, alínea a).
2 - O valor das diuturnidades previstas na alínea a) do número 1 da cláusula 72.ª, constante do anexo VI, aplica-se apenas às diuturnidades que o trabalhador venha a adquirir após a entrada em vigor do presente acordo. (…)”.
Como é sabido, as convenções coletivas de trabalho, nas quais se incluem os acordos de empresa (art.º 2.º, n.º 3, al. c) do Código do Trabalho), são uma das fontes do direito do trabalho (art.º 1.º do Código do Trabalho) e contêm disposições de conteúdo obrigacional, que vinculam apenas as partes que as subscreveram, e disposições de conteúdo regulamentar ou normativo que visam regular as relações laborais a que as mesmas são aplicáveis.
Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina[1] e a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça[2], na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e seguintes do Cód. Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no art.º 9.º do Cód. Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstratos e produzem efeitos em relação a terceiros.
O art.º 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer a interpretação da lei, começando por estabelecer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal[3]
Nesta tarefa de interligação e valoração intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica[4].
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
É ainda de salientar que, como refere Pedro Romano Martinez[5] «(…) é preciso ter em conta que a convenção colectiva de trabalho se distingue a lei, não tendo as mesmas características; por outro lado, as normas de uma convenção colectiva provêm de negociações entre sujeitos privados (associações sindicais e associações de empregadores), não emanando unilateralmente do poder central ou regional. Por isso, das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção colectiva de trabalho.»
Isto dito, importa, desde já, referir que o enquadramento legal da questão em análise ficou cabalmente apresentado na sentença recorrida, sendo rigorosas e absolutamente pertinentes as considerações aí efetuadas em termos de subsunção dos factos ao direito, as quais, de resto, respondem com acerto às questões suscitadas pelos apelantes nas conclusões do recurso, motivo pelo qual, pouco mais haverá a acrescentar.
Na verdade, escreveu-se na sentença recorrida, após adequado enquadramento doutrinal e jurisprudencial:
«Não existem dúvidas de que o AE ora em apreço resultou de um processo negocial encetado entre as partes e do qual resultou um aumento do valor das diuturnidades (de antiguidade) em compensação da extinção das anuidades que anteriormente se encontravam previstas.
Importa, pois, relembrar o teor da cláusula 87.ª (anuidades) do AE celebrado entre o Banco de Portugal e a FEBASE, publicado no BTE, n.º 46, de 15 de Dezembro de 2009:
"Os trabalhadores têm direito a beneficiar, decorrido um ano completo após o vencimento de cada diuturnidade prevista na alínea a) do n.º 1 da cláusula anterior, de uma prestação mensal correspondente à aplicação das seguintes percentagens obre o valor estabelecido para as diuturnidades:
a) 20 % após um ano;
b) 40 % após dois anos;
c) 60 % após três anos;
d) 80 % após quatro anos.
2 - O regime de anuidades apenas é aplicável às diuturnidades resultantes da alínea a) do n.º 1 da cláusula anterior e são apenas devidas no período que medeia entre o vencimento de cada diuturnidade e o vencimento da oitava."
As anuidades não constituíam mais do que uma forma de antecipar o pagamento da diuturnidade seguinte, de forma escalonada no tempo, decorrido um ano completo após o vencimento de cada diuturnidade, que, à data, tinha o valor de €41,42.
Estabelece a cláusula 3.ª do AE/2018, sob a epígrafe, «vigência e forma de revisão», que:
"1 - O presente acordo entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2019.
2 - A tabela salarial, bem como as suas revisões e, em consequência, as actualizações dos subsídios por doença, pensões de reforma por invalidez ou invalidez presumível e sobrevivência, diuturnidades, anuidades e demais valores e subsídios previstos nas cláusulas com expressão pecuniária deste acordo, com excepção do cálculo das retribuições do trabalho suplementar e das ajudas de custo, terão sempre eficácia a partir de 1 de Janeiro de cada ano.
3 - Sem prejuízo do estabelecido no número anterior, o período de vigência deste acordo é de 24 meses e o da tabela salarial de 12 meses; porém, se qualquer das partes o entender, poderá proceder antecipadamente à denúncia e revisão quer da tabela quer de todo ou de parte do clausulado, nos termos legais.
4 - A tabela salarial, subsídios, pensões e cláusulas de expressão pecuniária a que se reporta o número 2 são revistos, quanto às percentagens de variação, tendo como referência os diversos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho vigentes no sector bancário.
5 - Em caso de caducidade e salvo acordo em contrário, manter-se-ão em vigor as cláusulas relativas às seguintes matérias.
a) Retribuição mensal efectiva;
b) Categoria e respectiva definição;
c) Duração do trabalho;
d) Planos de pensões;
e) Actualização das pensões de reforma e de sobrevivência, na mesma data e pela mesma percentagem em que as Instituições procedam à actualização dos valores constantes do anexo II para cada nível".
Nos termos da cláusula 63.ª, a retribuição mensal efectiva compreende, para além do mais, a retribuição base e as diuturnidades.
Acrescenta a cláusula 72.ª, n.º 1, alínea a), que: (…).
É do seguinte teor a cláusula 105.ª, sob a epígrafe «diuturnidades»: (…).
Por sua vez, é do seguinte teor a cláusula 127.ª («Anuidades e diuturnidades»), inserida no Capítulo X, respeitante às disposições finais e transitórias: (…).
No anexo VI, relativo às cláusulas de expressão pecuniária, prevê-se apenas um valor para as diuturnidades de antiguidade, correspondente a €46,00.
As diuturnidades, como é consabido, constituem prestações de natureza retributiva fundadas na antiguidade do trabalhador, as quais visam "compensar a permanência do trabalhador na mesma empresa ou categoria profissional, e têm como razão de ser a inexistência ou dificuldade de acesso a escalões superiores" (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/06/2022, proc. n.º 3342/ 18.5T8GMR.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Por assim ser, naturalmente que, conforme se prevê na cláusula 72.ª, n.º 1, alínea a), para efeitos da sua atribuição atende-se ao tempo de serviço efectivo, contado desde a data de admissão do trabalhador que, em princípio, corresponderá à data da sua admissão no banco (cláusula 10.ª, n.º 1). Tempo de serviço que igualmente merece referência na cláusula 105.ª no que concerne ao cálculo e actualização das diuturnidades, notando-se que a cláusula 72.ª (parcialmente transcrita supra), reporta-se a todas as diuturnidades, quer as de antiguidade quer as de nível previstas no AE, só assim se compreendendo a menção à sua actualização, dado o valor fixo das primeiras.
É inequívoco que o AE apenas entrou em vigor a 01/01/2019, revogando o AE anterior, naquele se consagrando expressamente que possuía carácter globalmente mais favorável (cláusula 133.ª).
Resulta do artigo 503.°, do Código do Trabalho, no que toca à sucessão de convenções colectivas, que o princípio geral é o de que a convenção colectiva posterior revoga integralmente a anterior, excepto nas matérias ressalvadas expressamente pelas partes. No entanto, não podendo a mera sucessão de convenções colectivas ser invocada para diminuir a tutela dos trabalhadores, terá que constar, em termos expressos, da nova convenção o carácter globalmente mais favorável dessa convenção para que se possam considerar prejudicados os direitos decorrentes de convenção anterior, excepto quanto aos ressalvados expressamente na nova convenção — Maria do Rosário da Palma Ramalho, Ob. Cit., p. 350.
No entanto, quanto ao que deva entender-se por "direitos decorrentes de convenção precedente", esclarece a referida Autora que "subjacente a esta expressão está categoria de direitos habitualmente designada «direitos adquiridos»", apenas "fazendo sentido preservar situações activas decorrentes da convenção anterior que já se tenham consolidado no universo dos contratos dos trabalhadores abrangidos pela convenção -, ou seja, direitos subjectivos ou potestativos pretéritos e presentes e não meras expectativas jurídicas ou direitos em formação" - Idem.
Também António Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", 13.ª ed., Almedina, p. 820-821, a propósito desta temática, refere que os direitos adquiridos e já vencidos "são intocáveis pelo fenómeno da sucessão de convenções", mas "Coisa diversa se poderá firmar a propósito dos direitos cujos pressupostos são realizáveis, na normalidade do desenvolvimento das relações de trabalho, mas não têm ainda (no momento da sucessão) realidade efectiva, pelo que se não encontram subjectivados - não sendo, afinal, verdadeiros direitos subjectivos (como os primeiros) mas simples expectativas juridicamente tuteladas.
Uma convenção estabelece que cada hora de trabalho suplementar em dia útil será paga com o acréscimo de 100%. O direito a esse acréscimo só se subjectiva com a efectiva prestação de trabalho suplementar, mas, mesmo assim, a cláusula que o consagra não pode, em princípio, ser reduzida (passando o acréscimo para 75%, por exemplo) - só pode sê-lo por uma convenção globalmente mais favorável.
(...)
Quando, pois, a lei prevê o prejuízo de direitos adquiridos, é ao direito objectivo, não ao direito subjectivo, que verdadeiramente alude. E a referência à aquisição desses direitos ou vantagens deve, a nosso ver, entender-se à luz da ideia, já exposta, de recepção automática nos contratos de trabalho: trata-se de regalias que, embora ainda não subjectivadas, se precipitaram já no conteúdo dos contratos individuais e estão, a esse título, de algum modo adquiridos pelos trabalhadores que neles são partes".
Ora, afigura-se-nos que, em relação às diuturnidades, estamos perante um direito que só se concretiza com a passagem do tempo, pelo que o seu recebimento não passa de uma mera expectativa, que não um direito adquirido.
Posto isto, no caso em apreço, procurando resolver os problemas suscitados pela sucessão dos AE, as partes outorgantes introduziram disposições finais e transitórias, entre as quais se conta a cláusula 127.ª, no que toca às anuidades (extintas, que se mantiveram em vigor até decorrer o prazo necessário à aquisição da diuturnidade seguinte) e diuturnidades, consagrando expressamente quanto a estas que o valor previsto no anexo VI, apenas é aplicável às que o trabalhador venha a adquirir após a entrada em vigor do AE, ou seja, após 01/01/2019.
Aliás, importa ainda referir que "como qualquer outro instrumento normativo, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho apenas dispõem para o futuro. Neste sentido e em consonância com o regime geral (artigo 12.°, do Código Civil), o artigo 478.°, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho estabelece que estes instrumentos não podem conferir eficácia retroactiva às suas cláusulas.
A excepção a esta regra geral são as cláusulas de «natureza pecuniária», que podem ter efeito retroactivo" — Maria do Rosário Palma Ramalho, "Tratado de Direito do Trabalho — Parte III — Situações Laborais Colectivas", 3.ª ed., Almedina, p. 328.
Salvo melhor entendimento, percorridas as cláusulas insertas no AE e especialmente as convocadas pelos autores, não vislumbramos em algum momento que as partes outorgantes tenham atribuído eficácia retroactiva às cláusulas de expressão pecuniária, designadamente às diuturnidades. Pelo contrário, não o fizeram na cláusula 3.ª onde regulam essa matéria e tiveram o cuidado de, na cláusula 127.ª, n.º 2, prever expressamente que o valor das diuturnidades de antiguidade constante do anexo VI "aplica-se apenas às diuturnidades que o trabalhador venha a adquirir após a entrada em vigor do presente acordo". O elemento literal de interpretação, ao que julgamos, aponta de modo inequívoco no sentido de que não foi atribuída eficácia ex tunc ao AE nesta matéria, porquanto, de forma expressa, se alude a diuturnidades que venham a ser adquiridas ("que o trabalhador venha a adquirir") após a entrada em vigor do AE, aquisição essa que apenas ocorre aquando do decurso do tempo necessário para o efeito.
Tanto assim é que, no n.º 1 da mesma cláusula se previu - pois de outro modo, atenta a revogação do AE anterior e a extinção das anuidades, aquelas que ainda não se tivessem vencido, não seriam adquiridas pelo trabalhador após 01/01/2019 -, que o regime das anuidades se manteria em vigor, para cada trabalhador abrangido, até decorrer o prazo necessário à aquisição da diuturnidade seguinte (agora, pelo valor actual).
De resto, tendo o aumento do valor da diuturnidade constituído uma compensação — assente no âmbito das negociações — pela extinção das anuidades, se a sua aplicação fosse automática às diuturnidades já vencidas e às vincendas após 01/01/2019, mal se compreenderia o n.º 1 da cláusula 121.ª [por lapso manifesto se refere a cláusula 121.ª, quando a cláusula a que prevê a manutenção das anuidade é a cláusula 127.ª], a manter o regime das anuidades até à aquisição da diuturnidade seguinte.
E também de difícil compatibilização seriam as duas normas desta cláusula, que reflectem precisamente a concessão de ambas as partes resultante do processo negocial.
Reitera-se, pois, citando os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/2022, proc. 2722/20.0T8CSC.S1 e n.º 3798/20.6T8BRG.G1.S1, ambos acessíveis in www.dgis.pt, que "A letra da lei - aqui a letra da cláusula da convenção - é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma".
Dir-se-ia que, prevendo o AE no seu anexo VI um único valor para as diuturnidades, tal importaria que o mesmo se aplicaria indistintamente às vencidas e vincendas, pois de outro modo, atenta a revogação do AE anterior, inexistiria qualquer outro valor a poder ser considerado.
Não cremos que assim se possa concluir.
No que toca às diuturnidades já vencidas e que constituem direitos adquiridos, os respectivos montantes têm de ser aferidos à luz do AE então em vigor. A norma revogatória não eliminou do mundo jurídico os efeitos decorrentes da aplicação do AE anterior nem contende (nem poderia contender) com os direitos adquiridos pelos trabalhadores. Aliás, se o valor das diuturnidades tivesse sofrido uma redução, ao invés de um aumento, como poderia ter sucedido, não viriam os autores certamente defender que o novo valor se aplicaria retroactivamente.
Por outro lado, não vemos que as demais cláusulas invocadas pelos autores imponham interpretação diversa, já que nelas se alude sempre, como não poderia deixar de ser, ao valor das diuturnidades em função do tempo de serviço prestado desde a admissão do trabalhador, não exigindo que o seu valor seja retroactivamente actualizado.
Mesmo a nuance que os autores introduzem na sua alegação (e que não se reflecte no pedido) de que não pretendem que cada diuturnidade seja paga pelo valor actual desde a sua atribuição, mas antes que as diuturnidades "sejam pagas pelo valor fixado com o início de vigência do AE desde o vencimento de cada obrigação de pagamento", seja aquando do pagamento mensal da remuneração ou da pensão de reforma, não arreda o carácter retroactivo pretendido e, diga-se, contraria frontalmente o exarado no n.º 2 da cláusula 127.ª. Não afasta a eficácia retroactiva, que não foi contemplada no AE às cláusulas de expressão pecuniária, desde logo e sobretudo porque também visam a sua aplicação aos trabalhadores já reformados, e contraria a letra do clausulado, já que faz coincidir pagamento/cumprimento com aquisição do direito, que constituem conceitos distintos.
As cláusulas que preveem cada uma daquelas prestações, sendo de cariz regulativo, devem ser interpretadas à luz do que dispõe o artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual a “interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (nº 1 do preceito). Porém – como resulta do seu nº 2 - não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Por último, invocam os autores que interpretação diversa daquela que propugnam viola o princípio da igualdade, na medida em que permitirá o pagamento de valores diversos de diuturnidades aos trabalhadores e reformados que as aufiram a partir da entrada em vigor do AE.
Também assim não vislumbramos.
Constitui princípio estruturantes da ordem jurídica o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei".
Sobre o alcance básico do princípio da igualdade, é representativa da jurisprudência constitucional a posição expressa no seguinte trecho Acórdão n.º 409/99, recentemente reiterada e desenvolvida no Acórdão n.º 157/2018: "O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13." da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio" — vide Acórdão n.º 891/2023, acessível in www.tribunalconstitucional.pt.
Por conseguinte a diferenciação de tratamento, só por si, não é proibida. É proibida, se houver violação injustificada ou arbitrária do princípio da igualdade.
Sucede que, as diuturnidades que vierem a ser adquiridas pelos trabalhadores, após 01/01/2019, serão pagas pelo mesmo montante e sê-lo-ão assim que aqueles deixem de perceber as anuidades previstas no anterior AE, por força do n.º 1 da cláusula 127.ª, pelo que o valor actual será aplicável a todos os que se encontrem na mesma situação, não se vendo, pois, que haja qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório que daí decorra.»
Como resulta do afirmado supra, concordamos na íntegra com a fundamentação exarada na sentença recorrida e com a solução dada à questão objeto de apreciação.
Limitamo-nos, por isso, apenas a acrescentar, socorrendo-nos das doutas palavras do STJ, expressas, entre outros, nos Acs. de 12/01/2023, proferidos nos proc. n.º 1308/20.4T8FIG.C1.S1 e 422/21.3T8CSC.L1.S1 que «Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.»
Ora, no caso dos autos, o que está verdadeiramente em causa é o âmbito de aplicação temporal da cláusula que fixa em € 46,00 o valor das diuturnidades de antiguidade (cláusula 72.ª, n.º 1, al. a) em conjugação com o Anexo VI do AE).
Sobre essa questão o AE contém uma norma expressa, a cláusula 127.ª, n.º 2, nos termos da qual o valor das diuturnidades previstas na alínea a) do número 1 da cláusula 72.ª, constante do anexo VI, se aplica apenas às diuturnidades que o trabalhador venha a adquirir após a entrada em vigor do AE. Esta cláusula não suscita quaisquer dúvidas de interpretação, sendo claro o seu significado, no que respeita à aplicação do valor aumentado das diuturnidades, apenas às vencidas após a entrada em vigor do AE, isto é, a partir de 01/01/2019 e não às diuturnidades vencidas antes dessa data, como pretendem os apelantes.
Acresce que, a interpretação propugnada pelos apelantes, não só não tem qualquer apoio literal na cláusula 127.ª, n.º 2, como o contraria frontalmente, motivo pelo qual nunca poderia vingar.
Por outro lado, ficou demonstrado que o aumento do valor das diuturnidades de antiguidade, resultou do processo negocial entre as partes, constituindo compensação da extinção das anuidades que anteriormente se encontravam previstas, sendo oportuno relembrar as palavras acima transcritas de Pedro Romano Martinez, segundo o qual, «das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção colectiva de trabalho.»»
Por isso, há que ter em atenção que, como bem se refere na sentença « (…) tendo o aumento do valor da diuturnidade constituído uma compensação - assente no âmbito das negociações - pela extinção das anuidades, se a sua aplicação fosse automática às diuturnidades já vencidas e às vincendas após 01/01/2019, mal se compreenderia o n.º 1 da cláusula 127.ª [como já consta supra, a referenciado tribunal “a quo” à cláusula 121ª, em vez de à 127.ª resulta de manifesto lapso], a manter o regime das anuidades até à aquisição da diuturnidade seguinte.
E também de difícil compatibilização seriam as duas normas desta cláusula, que reflectem precisamente a concessão de ambas as partes resultante do processo negocial.»
Ou seja, a opção pelo regime previsto na cláusula 127.ª, nº 2, quanto à aplicação do novo valor das diuturnidades apenas às que se vencerem após a entrada em vigor do AE e não também às vencidas até essa data, tem a sua génese na negociação que levou ao aumento daquele valor em compensação da extinção das anuidades e à manutenção destas até decorrer o prazo necessário à aquisição da diuturnidade seguinte, constituindo sua decorrência lógica.
Ora, como certeiramente refere o réu na conclusão 3. das suas contra-alegações «Apesar de, na pretensão que formulam nos autos, os Recorrentes fazerem apelo a diversas cláusulas do Acordo de Empresa (doravante "AE") celebrado entre os mesmos e o Banco de Portugal, pretendendo que sejam, em conjunto, "interpretadas" no sentido apontado, o que na verdade pretendem é obter a eliminação do n.º 2 da sua Cláusula 127.ª», e dizemos nós, a sua substituição por regra que não tem qualquer sustentação nas negociações havidas, contraindo o resultado destas.
Porém, como também se pode ler nos Acs. do STJ de 12/01/2023 supra identificados «A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.» (sublinhado nosso)
No que respeita à invocada violação do princípio da igualdade, pouco mais há a dizer para além do que já consta da sentença recorrida.
De facto, a opção dos outorgantes do AE no sentido de que os efeitos do aumento do valor da diuturnidade apenas se aplica às diuturnidades que forem adquiridas após a entrada em vigor do AE e, consequentemente os diferentes impactos na situação de cada trabalhador do réu e de cada reformado, não foi discricionária, está materialmente fundada, é razoável, objetiva e racional e dela decorre a salvaguarda da situação daqueles que se encontrem nas mesmas circunstâncias, incluindo no que respeita aos reformados.
Nesta medida, conclui-se que tendo decidido como decidiu, a sentença recorrida não merece qualquer censura, improcedendo o recurso na íntegra.
Pelo exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
Porto, 05/11/2024
Maria Luzia Carvalho
Germana Ferreira Lopes
Sílvia Saraiva
________________________
[1] Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 14.ª edição, pág. 111/112, Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 4.ª edição, págs. 218 a 220 , Menezes Cordeiro, Manual de Direito o Trabalho , 1991, pág. 306, Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Curso de Direito do Trabalho”, I, 3.ª edição, pag.620 e Maria do Rosário Palma Ramalho, "Tratado de Direito do Trabalho — Parte III — Situações Laborais Colectivas", 3.ª ed., Almedina, 2020, p. 294-295.
[2] Entre outros, vd. os Acs. do STJ de 19/04/2012, proc. 142/09.7TTCSC.L1.S1, de 20/09/2017, proc. n.º 1148/16.5TBBRG.G1.S2, de 29/11/2022, proc. n.º 629/21.3T8CSC.C1.S1 e proc. n.º 842/21.3T8VFX.L1.S1 e de 08/03/2023, proc. 13456/20.6T8LSB.L1.S1.
[3] Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, pág. 392.
[4] Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, págs. 175 a 192.
[5] Ob. cit. pág. 1144.