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ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO REMIDA
IMPOSSIBILIDADE DE PEDIR A REVISÃO DA INCAPACIDADE
Sumário
A entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, cuja pensão foi oportunamente remida, não pode pedir a revisão da incapacidade, com fundamento na melhoria das lesões do sinistrado.
Texto Integral
Processo nº 135/12.7TTMAI.4.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Na presente execução de sentença intentada pela A... – Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo ..., Lisboa, contra AA, residente na Rua ..., ..., Maia, intentada por apensa à acção especial emergente de acidente de trabalho, sendo sinistrada a ora executada e entidade responsável a exequente, foi, oficiosamente, proferida decisão, culminando com o seguinte dispositivo: “indefiro o título executivo apresentado à execução e, nesta conformidade, julgo extinta a presente ação, devendo o Exmo. Sr. Agente de execução entregar à Executada tudo quanto foi penhorado à ordem dos presentes autos.”
Inconformada, interpôs a exequente o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Na douta sentença requerida onde se afirma por referência ao nº 2 do art. 726º do CPCiv que se “indefere o título executivo” pressupomos tratar-se de lapso querendo a Mma Juiz a quo referir “indefere o requerimento executivo”;
2. O fundamento invocado como configurando uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, consubstanciado na afirmação de que existem duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão – a sentença dada à execução que decidiu o incidente de revisão proferida a 28/9/2022 e a sentença da acção especial de acidente de trabalho nos autos principais que lhe colocou termo em 10/7/2023 – não se verifica;
3. Nem as sentenças são contraditórias, nem incidem sobre a mesma pretensão, do mesmo requerente, nem se trata de duas decisões por cumprir em que por força da aplicação do art. 625º do CPCiv se houvesse de decidir qual se cumpria;
4. Quanto aos sujeitos, na primeira das decisões, era autora e requerente da pretensão submetida a julgamento a, agora requerida, AA, quando na segunda, incidente de revisão ocupa a posição de requerente, a aqui recorrente A...-Companhia de Seguros, SA;
5. Quanto ao objecto da decisão, na primeira sentença fixou-se a IPP e correspondente ao estado sequelar da sinistrada em 7/2/2012 condenando-se a responsável na pensão respectiva e, na segunda, reconheceu-se a revisão dessa IPP (por redução) dessas sequelas a partir de 28/2/2018, em virtude da melhoria das mesmas, reportando a factualidade de cada uma a enquadramento temporal diverso;
6. Por outro lado, não versam sobre a mesma pretensão já que, pretendia na primeira a então autora a atribuição de uma pensão de incapacidade permanente a apurar à data da alta 7/2/2012, e demais prestações legais emergentes do acidente de trabalho verificadas até essa data, quando na segunda decisão, pretendia a aqui recorrente, a revisão da incapacidade por melhoria, com a redução da IPP fixada a partir da data do requerimento de revisão e consequente reposição patrimonial do capital remido em excesso;
7. E, também, além de não serem contraditórias, não se acham as duas decisões por cumprir, para que se possa verificar a previsão normativa do art. 625º do CPCiv, como acontecia no aresto que a decisão recorrida segue e transcreve;
8. Não podia a Mma. Juiz a quo, sem violar ostensivamente o disposto no art. 613º nº 1 do CPCiv, decidir que a decisão judicial por si proferida em 28/9/2022 e há muito transitada em julgado, provem de um incidente “que não devia ter sido recebido” e que não tem validade jurídica não devendo ser dado cumprimento à mesma;
9. Com a sua prolação, esgotou-se o seu poder jurisdicional de a modificar, sem que se verifique no caso qualquer das excepções do nº 2 e 3 do mesmo art. 613º do CPCiv;
10. Daí resultando a obstaculização e impedimento da realização coerciva do direito reconhecido à recorrente pela sentença transitada em julgado e dada à execução, com violação do dever de a assegurar e consequentemente, do disposto no nº 2 do art. 2º do CPCiv.
11. A Mma. a quo decide por remissão para o aresto da Relação do Porto de 09/12/2008, que, além de não merecer acolhimento, não foi proferido no mesmo quadro legislativo da sentença dada á execução, nem tem semelhança com o caso em apreço, ao invés do que é referido na decisão recorrida;
12. A tese confusa e tergiversante do aresto que se estriba na consideração da extinção da obrigação da seguradora com o pagamento do capital de remissão, para uma aparência de “novação objectiva” não tem o menor fundamento lógico, ético nem jurídico, e muito menos assento na Lei vigente;
13. Conclui na substância, pela criação de uma imunidade do sinistrado que recebe, antecipadamente, um capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia, a qualquer revisão ulterior da incapacidade por melhoria a requerimento da responsável, como de resto está previsto na Lei mantendo, todavia, o direito vitalício, a requerer ele, revisões por agravamento e obter o proporcional aumento da pensão, criando assim uma absurda desigualdade das partes no exercício do mesmo direito assegurando a ambas as partes sem e restrição invocada;
14. Esse acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2008 foi proferido no quadro legislativo da lei 100/97 de 13/9 e DL 143/99 de 30/4, enquanto a decisão proferida na sentença que decidiu o incidente e foi dada á execução, o foi no quadro da NLAT (Lei nº 98/2009 de 4/9) com uma diferença assinalável para o caso relevante: a nova redacção do art. 70º nº 2 desta ultima onde se prevê incondicionalmente “2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento”;
15. Esta reafirmação incondicional do direito da entidade responsável a requerer a revisão, torna absolutamente ilegal e desactualizado o entendimento do referido aresto da Relação do Porto em 9/12/2008, e que se pretende aplicar ao caso presente.
16. Além disso, as circunstâncias concretas do caso, também não são as mesmas do presente, já que o caso do aresto de 2008 respeita a uma situação em que ainda não havia sido pago o capital de remissão e, tendo já ocorrido um incidente de revisão, deste resultara uma IPP inferior à que resultara da primeira sentença, ainda por cumprir, sem o menor paralelo com este, em que a primeira sentença foi cumprida, sem existir incidente de revisão sequer pendente, o que o torna absolutamente inaplicável o art. 625º do CPCiv.
17. A tese da “aparente” novação não tem aqui o menor cabimento, já que nos termos do citado art. 857º do CCiv a novação importa uma declaração negocial do devedor substitutiva de obrigação anterior o que não tem qualquer paralelo com a obrigação legal da remissão de pensões inferiores a 30% de IPP;
18. A solução preconizada de interpretação do art. 70º da LAT no sentido de vedar o direito da responsável a ver alterada a pensão por melhoria da incapacidade permanente em incidente de revisão só porque o sinistrado recebeu a pensão de forma integralmente antecipada, tinha por consequência que este, estaria a ser duplamente beneficiado em relação a um sinistrado com uma incapacidade superior a 30%, criando uma desigualdade e discriminação negativa do sinistrado ainda por cima portador de maior IPP;
19. Do mesmo modo que, igual discriminação importaria entre sinistrado e entidade responsável ao discriminar esta no acesso ao direito à revisão e sua consequência patrimonial resultando violado o art. 13º nº 2 da CRP nesse duplo plano com a interpretação feita na decisão recorrida deste art. 70º da LAT;
20. Nem há justificação para a discriminação (confessada) no art. 59º, nº 1, alínea f) da CRP que pressupõe estar em causa o direito a uma “justa reparação” e a interpretação preconizada conduzia a uma “injusta” reparação, por excesso superveniente, pelo que, deveria a Mma. Juiz a quo ter recusado uma interpretação do preceito desconforme à Lei Fundamental;
21. Por fim, a sentença recorrida, peca ainda por excesso de abrangência ao extinguir in totum a execução, quando apenas apresenta argumento da invocada “excepção” atinentes a um segmento da quantia exequenda (o excesso de remissão) não aplicáveis ao outro (dívida de custas de parte) o que inquina a decisão recorrida de nulidade parcial e violação de Lei;
22. Violou, assim, a sentença recorrida, o disposto nos artigos 70º nº 1 e 2 da LAT, os artigos 2º nº 2, 613º, 615º b) e e), 625º e 726º nº 2 alínea b) do Código de Processo Civil, o art. 857º do CCiv e os arts. 13º e 203º da CRP;
A executada apresentou requerimento, referindo: “alicerçando-se nos seus articulados e na sentença recorrida, prescinde do prazo legal para contra-alegar.”
A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Ambas as partes responderam ao parecer.
Foi fixado à acção executiva o valor de € 10.895,03.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A questão suscitada consiste em aferir se deve ser mantida a decisão de indeferimento do pedido de execução, ou se esta deve prosseguir como requerido.
II. Fundamentação de facto
Importa considerar o seguinte:
1. No apenso de acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada a ora executada AA e entidade responsável a ora exequente A... – Companhia de Seguros, S.A., foi proferida, a 10 de Julho de 2013, sentença, na qual se decidiu a final: “reconhecendo-se que a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho do qual lhe resultou uma incapacidade permanente parcial de 25,625% desde 07 de fevereiro de 2012, condena-se a entidade responsável a pagar-lhe:
1 – o capital de remição da pensão anual de € 1.959,48, devida desde o dia 08 de fevereiro de 2012, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde tal data e até efetivo e integral pagamento;
2 – a quantia de € 12,00, a título de deslocações obrigatórias a tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 07 de dezembro de 2012 e até efetivo e integral pagamento;
3 – a quantia de € 2.259,14, a título de despesas médicas e medicamentosas.
Oportunamente, calcule-se o capital de remição, nos termos do disposto no artigo 149º do Código de Processo do Trabalho.”
2. Tal sentença transitou em julgado, tendo a entidade responsável procedido à entrega do capital de remissão à sinistrada, por termo nos autos, em 24 de Outubro de 2013;
3. Por requerimento de 28 de Dezembro de 2018, veio a entidade responsável A... – Companhia de Seguros, S.A., requerer incidente de revisão da incapacidade da sinistrada, alegando a evidência de um quadro de melhoria da situação clínica da mesma, pedindo a realização de exame médico-legal e, em face da melhora da sinistrada, que seja determinada a redução ou eliminação da pensão fixada, com a consequente condenação da sinistrada a pagar-lhe a diferença do que recebeu a título de capital de remição pela pensão então fixada daquilo que teria a receber a título de capital de remição da redução da pensão, ou até eliminação.
4. Foi, a 28 de Setembro de 2022, proferida decisão final em tais autos, com o seguinte dispositivo: “Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar o presente incidente de revisão procedente e, em consequência,
- altera a incapacidade que afeta a Ré, desde 07/02/2012, para 14,5% (IPP de 14,5%);
- fixa a pensão anual e vitalícia devida pela Entidade Responsável à Sinistrada de € 776,15 (setecentos e setenta e seis euros e quinze cêntimos);
- condena a Ré/Sinistrada a pagar à Autora/Entidade Responsável a diferença do capital de remição a obter de acordo com o cálculo a efetuar com base na pensão fixada a cargo da Entidade Responsável de € 776,15 devida desde 28/12/2018 (data do requerimento que deu início a este incidente) e o capital de remição já entregue à Ré pela Autora (Entidade Responsável).
Custas a cargo da Ré, nos termos do artigo 527º, do Código de Processo Civil.”
5. Tal decisão transitou em julgado, não tendo sido interposto recurso da mesma.
6. A A... – Companhia de Seguros, S.A., apresentou a 26 de Fevereiro de 2024, requerimento dando à execução tal decisão.
7. A 19 de Março de 2024, foi proferido o seguinte despacho:
“No âmbito desta ação de execução sob a forma de processo sumário, o Exmo. Sr. Agente de Execução procedeu à citação da Executada após penhora. Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 855º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil porquanto o Exmo. Sr. Agente de execução entendeu que não havia razão para o efeito.
Contudo, afigura-se que se verifica uma exceção dilatória insanável de conhecimento oficioso, que o Tribunal irá conhecer após conceder o exercício do contraditório para o efeito.
Para já, decide o Tribunal que:
- os autos aguardem o decurso do prazo para a Executada deduzir embargos de executado;
- findo este prazo, abra conclusão;
- mais fica notificado o Exmo. Sr. Agente de execução para não praticar mais nenhum ato processual até nova decisão do Tribunal.
Notifique.”
8. A 6 de Maio de 2024, foi proferido o seguinte despacho:
“Dispõe o artigo 625º, nº 1 do Código de Processo Civil que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
No âmbito deste processo de acidente de trabalho, composto ainda por um incidente de remição de pensão e um incidente de revisão da pensão, foi proferida sentença em 10/07/2013 a condenar a Ré Seguradora a pagar à Sinistrada o capital de remição da pensão anual de € 1.371,64.
Esta sentença transitou em julgado.
Constando dos autos o termo de entrega do capital de remição em 24/10/2013 no valor de € 19.573,30.
Foi proferido despacho final no Apenso de revisão da incapacidade em 28/09/2022 a condenar a Sinistrada a pagar à Seguradora a diferença do capital de remição a obter de acordo com a IPP ora fixada em 14,5% e a IPP que tinha sido fixada na sentença proferida em 10/07/2013.
O Incidente de revisão deduzido pela Seguradora em 03/01/2019 nunca deveria ter sido recebido atenta a sentença transitada em julgado em 10/07/2012 e o pretendido efeito pela Seguradora. Ver por todos Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 09/12/2008, com o nº de processo 0845614, com o nº convencional JTRP00041950, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Ferreira da Costa, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrp “A entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, cuja pensão foi oportunamente remida não pode pedir a revisão da incapacidade, com fundamento na melhoria das lesões do sinistrado”.
(...)
Com efeito, nos termos do artigo 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro “1 – Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada” (negrito nosso). O que pode ser alterada é a prestação, isto é o pagamento da pensão sob a forma de renda mensal de 1/14.
Contudo, se a pensão foi remida, o pagamento do capital de remição extingue a obrigação, nada havendo a alterar, no caso como pretendeu a Seguradora ao reembolso pela diferença entre o cálculo de remição da pensão fixada no acidente de trabalho e o que resultou do incidente de revisão deduzido pela Segurado.
(...)
Em face do exposto, o Tribunal concede o exercício do contraditório às partes no que tange à verificação da exceção dilatória explicada, de conhecimento oficioso e insuprível, que importa o indeferimento liminar do título executivos, nos termos do artigo 726º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
Notifique.
(...)
Em face do exposto e, ao abrigo do disposto no artigo 272º, nº 1, 2ª parte do Código de Processo Civil ex vi artigo 551º, nº 1 do mesmo diploma legal, declaro a suspensão da presente instância executiva.
Notifique.
Comunique ao Exmo. Sr. Agente de execução.”
9. A sinistrada pronunciou-se, referindo “que corrobora a tese e os respetivos fundamentos expendidos em tal despacho, relativamente à exceção dilatória aí em apreço, declarando, expressamente e para todos os efeitos legais, aderir às conclusões vertidas nesse mesmo despacho.”
10. A 13 de Junho de 2024, foi proferido o despacho sob recurso.
III. Fundamentação de direito
É o seguinte o teor da decisão sob recurso:
“Dispõe o artigo 726º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil que “O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso”.
Foi concedido o exercício do contraditório às partes com a indicação precisa da exceção dilatória que se verifica que determina a inexistência de título executivo porquanto “Se uma sentença dada à execução contraria uma sentença anterior, a aplicação do princípio explicitado no nº 1 do artigo 625º implica que não possa ser executada essa segunda sentença, que o processo executivo que tenha sido iniciado termine e que se tirem as devidas consequências desse efeito”, tal como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão a citar infra.
Uma vez que o título executivo apresentado é uma sentença e os autos prosseguiram os termos do processo sumário o Tribunal forneceu toda a justificação jurídica às partes que que se pudessem pronunciar de forma esclarecida, diluindo o efeito surpresa.
Isto posto.
Dispõe o artigo 625º, nº 1 do Código de Processo Civil que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
No âmbito deste processo de acidente de trabalho, composto ainda por um incidente de remição de pensão e um incidente de revisão da pensão, foi proferida sentença em 10/07/2013 a condenar a Ré Seguradora a pagar à Sinistrada o capital de remição da pensão anual de € 1.371,64.
Esta sentença transitou em julgado. Constando dos autos o termo de entrega do capital de remição em 24/10/2013 no valor de € 19.573,30.
Foi proferido despacho final no Apenso de revisão da incapacidade em 28/09/2022 a condenar a Sinistrada a pagar à Seguradora a diferença do capital de remição a obter de acordo com a IPP ora fixada em 14,5% e a IPP que tinha sido fixada na sentença proferida em 10/07/2013.
O Incidente de revisão deduzido pela Seguradora em 03/01/2019 nunca deveria ter sido recebido atenta a sentença transitada em julgado em 10/07/2012 e o pretendido efeito pela Seguradora. Ver por todos Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 09/12/2008, com o nº de processo 0845614, com o nº convencional JTRP00041950, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Ferreira da Costa, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrp “A entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, cuja pensão foi oportunamente remida não pode pedir a revisão da incapacidade, com fundamento na melhoria das lesões do sinistrado”.
Explica-se no corpo do Acórdão que “O que acontece é que, sendo a prestação derivada do acidente, em dinheiro e efetuada através de capital [de remição da pensão], pago de uma só vez por ser uma indemnização unitária, originariamente fixado ou resultante de revisão, pouco importa, extingue-se a obrigação correspondente, nomeadamente, com a entrega do capital e, designadamente, na parcela correspondente ao grau de incapacidade que serviu de base ao cálculo do referido capital. (....) Esta rigidez não impede, porém, a revisão da incapacidade, quando houver agravamento, recidiva ou agravamento das lesões, podendo o sinistrado requerê-la mesmo tendo havido remição da pensão, como resulta da conjugação dos Arts. 25º, nº 1 da Lei nº 100/97, de 13 de setembro e 58º, alínea b) do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de abril. Tal resulta da circunstância de que o direito à pensão, na parte não remida, não se extinguiu (....) No entanto, a contrario sensu das disposições legais citadas, tendo sido remida a pensão e havendo melhoria das lesões, a entidade responsável pela reparação do acidente não pode pedir a revisão da incapacidade, para menos, por legalmente não previsto naquele Art. 58º, nomeadamente na referida alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de abril, norma que foi antecedida pelo Art. 67º, nº 1 do Decreto nº 360/71, de 21 de agosto. Nestas hipóteses, parece que a remição operou a novação objetiva da obrigação, atento o disposto no Art. 857º do Cód. Civil, de que falava Vítor Ribeiro. Nem se diga que o Art. 58º, alínea b) do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de abril, assim interpretado e aplicado é inconstitucional. Na verdade, o princípio da igualdade não tem aplicação na vertente hipótese, dada a diferente qualidade do requerente da revisão, pois enquanto o sinistrado, doente ou seu familiar, beneficiário legal, gozam do direito constitucional à justa reparação, atento o disposto no Art. 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da República, já a entidade responsável pelo pagamento da pensão, seguradora ou entidade empregadora, sendo titulares embora de um interesse patrimonial legítimo, não goza daquela constitucional proteção. Daí decorre que o segundo incidente de revisão não devia ter sido admitido, dada a falta do respetivo pressuposto legal. Porém, tendo-o sido, tudo se terá de passar como se ele não tivesse sido admitido, dada a falta do respetivo pressuposto legal. Porém, tendo-o sido, tudo se passará como se ele não tivesse sido deduzido (....) Daí que, se o capital calculado na decorrência do primeiro incidente tivesse sido entregue, não haveria lugar ao reembolso da seguradora pela diferença entre esse montante e o valor que viesse a ser encontrado no cálculo da remição da pensão correspondente à IPP de 7,5% (....). Ora, se isto é assim no plano do direito substantivo, a solução não seria diferente em sede de direito processual. Na verdade, assim também o imporia o Art. 675º do CPC” (o sublinhado é originário do Acórdão e o artigo 675º do Código de Processo Civil corresponde ao atual artigo 625º).
Importa consignar que apesar do Acórdão ora transcrito ter sido proferido por referência à Lei anterior, o novo regime jurídico mantém tal disciplina, pelo que este Aresto mantém atualidade relativamente ao novo regime.
Com efeito, nos termos do artigo 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro “1 – Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada” (negrito nosso).
O que pode ser alterada é a prestação, isto é o pagamento da pensão sob a forma de renda mensal de 1/14. Contudo, se a pensão foi remida, o pagamento do capital de remição extingue a obrigação, nada havendo a alterar, no caso como pretendeu a Seguradora ao reembolso pela diferença entre o cálculo de remição da pensão fixada no acidente de trabalho e o que resultou do incidente de revisão deduzido pela Seguradora.
A conclusão da estatuição do mesmo regime relativamente a esta questão quer na anterior Lei quer na Lei atual nº 98/2009, de 4 de setembro é reconhecido e explicado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/06/2018, com o nº de processo 699/14.0T8STR.2.E1, relatado pela Veneranda Juíza Desembargadora Paula do Paço, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtre “I - O incidente de revisão, em ação emergente de acidente de trabalho, constitui um mecanismo processual, criado pelo legislador que viabiliza a reapreciação atualizada do estado de saúde do sinistrado, como consequência direta do acidente de trabalho sofrido. II - Fixando-se a IPP que afeta a sinistrada em grau inferior ao anteriormente existente e tendo a sinistrada recebido obrigatoriamente um capital de remição em função da pensão então calculada pela incapacidade superior, a modificação da capacidade de ganho da sinistrada não confere o direito a nova pensão, nem altera o capital de remição anteriormente liquidado”.
Explica-se no corpo deste Acórdão que “Ora, reconhecido à sinistrada, um diferente grau de incapacidade que é inferior à incapacidade anteriormente existente, e tendo a sinistrada sido reparada em função de uma incapacidade superior, o concreto grau de incapacidade atribuído, no incidente de revisão, não lhe confere o direito a receber qualquer nova pensão, obrigatoriamente remível, nem influi na quantia anteriormente liquidada a título de capital de remição, que foi corretamente calculada em função da pensão então atribuída. A extinção aludida pela recorrente, prevista no artigo 25º da Lei nº 100/97 (que também se mostra prevista na Base XXII da L. 2121, DE 3/8/1965 e no artigo 70º da Lei nº 98/2009, de 4/9), também só seria de declarar se estivesse a ser paga qualquer pensão a que a sinistrada perdesse o direito (v.g. por passar a estar em situação clínica de curada sem desvalorização)”.
Concluindo, tal como explicado no Acórdão citado em 1º lugar este incidente de revisão não devia ter sido admitido, dada a falta do respetivo pressuposto legal. Porém, tendo-o sido, tudo se terá de passar como se ele não tivesse sido admitido, dada a falta do respetivo pressuposto legal. Porém, tendo-o sido, tudo se passará como se ele não tivesse sido deduzido. Daí que, o capital de remição calculado na decorrência do acidente de trabalho tendo sido entregue, não haverá lugar ao reembolso da seguradora pela diferença entre esse montante e o valor a ser encontrado no cálculo da remição da pensão correspondente à IPP fixada neste incidente que não deveria ter sido recebido. Ora, se isto é assim no plano do direito substantivo, a solução não seria diferente em sede de direito processual. Na verdade, assim também o imporia o Art. 675º do CPC”.
Quanto à prevalência da sentença proferida em 10/07/2013, transitada em julgado que fixou a incapacidade permanente para o trabalho à Sinistrada e respetiva pensão, com a condenação da Seguradora a pagar o capital de remição sobre a decisão judicial ora apresentada à execução, também transitada em julgado (em 2º lugar) explica o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 04/07/2019, com o nº de processo 3076/03.5TVPRT-H.P1.S1, com o nº convencional 2ª SECÇÃO, relatado pela Colenda Juíza Conselheira Rosa Tching, disponível para consulta in www.gde.mj.pt/jstj “I. A eficácia do caso julgado material exclui toda a situação ou efeito contraditório ou incompatível com aquele que ficou definido na decisão transitada, tendo por finalidade evitar decisões concretamente incompatíveis, isto é, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas. II. A regra da prevalência da primeira decisão transitada em julgado, enunciada no artigo 625º, nº 1 do Código de Processo Civil, vale apenas tão só se a segunda decisão for contraditória com a primeira decisão, ou seja, se decretar efeitos jurídicos incompatíveis com os efeitos decretados pela primeira decisão”.
Já se mostrou à saciedade que “II - Fixando-se a IPP que afeta a sinistrada em grau inferior ao anteriormente existente e tendo a sinistrada recebido obrigatoriamente um capital de remição em função da pensão então calculada pela incapacidade superior, a modificação da capacidade de ganho da sinistrada não confere o direito a nova pensão, nem altera o capital de remição anteriormente liquidado” a decisão judicial ora apresentada à execução decretou efeitos jurídicos (condenação de reembolso do capital de remição) incompatíveis com os efeitos decretados pela primeira decisão de condenação no pagamento do capital de remição, não pode a mesma servir como título executivo.
Especificamente quanto a resta questão decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 07/07/2022, com o nº de processo 1226/19.9T8CHV-B.G1.S1, com o nº convencional 7ª SECÇÃO, relatado pela Colenda Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jstj “I. A repetição de decisões transitadas, sejam ou não contraditórias, é inútil, uma vez que é a que primeiro transitou que prevalece; esta regra vale, quer para as decisões de mérito, quer para as decisões sobre questões processuais e, quer para decisões proferidas em ações sucessivas, quer para decisões contraditórias proferidas sobre questões de mérito ou processuais, numa mesma ação. (....) IV – Se uma sentença dada à execução contraria uma sentença anterior, a aplicação do princípio explicitado no nº 1 do artigo 625º implica que não possa ser executada essa segunda sentença, que o processo executivo que tenha sido iniciado termine e que se tirem as devidas consequências desse efeito” (sublinhado nosso).
Em face do exposto, verifica-se uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e insuprível, que importa o indeferimento liminar do título executivo, nos termos do artigo 726º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, porquanto a sentença apresentada à execução não pode ser executada por decretar efeitos jurídicos incompatíveis com os efeitos decretados na sentença proferida nos autos principais em 10/07/2013, transitada em julgado.
DECISÃO.
Por todo o exposto, indefiro o título executivo apresentado à execução e, nesta conformidade, julgo extinta a presente ação, devendo o Exmo. Sr. Agente de execução entregar à Executada tudo quanto foi penhorado à ordem dos presentes autos.”
Refere a recorrente:
“Vejamos então, porque as decisões em causa, não são nem contraditórias, nem incidem sobre a mesma pretensão, nem se achavam as duas por cumprir.
a) Não são contraditórias:
Sem necessidade de muitas considerações é patente, salvo devido respeito, que não se trata de decisões contraditórias.
Desde logo, os sujeitos requerentes da pretensão submetida a juízo são diferentes, pois, na acção especial de acidente de trabalho ocorrido em 27/7/2011 da qual resultou a primeira das decisões, era autora e requerente da pretensão submetida a julgamento a, agora requerida, AA, quando na segunda, incidente de revisão ocupa a posição de requerente, a aqui recorrente A...-Companhia de Seguros, SA;
De igual modo, e quanto ao enquadramento temporal da causa de pedir (base factual relevante) é também ela diferente – na primeira sentença fixou-se a IPP e correspondente ao estado sequelar da sinistrada em 7/2/2012 e, na segunda, o estado dessas sequelas a partir de 28/2/2018, em virtude da melhoria das mesmas.
b) Não versam sobre a mesma pretensão:
Por outro lado, é ainda diferente a natureza da pretensão, já que na primeira, pretendia a então autora a atribuição de uma pensão de incapacidade permanente a apurar à data da alta 7/2/2012, e demais prestações legais emergentes do acidente de trabalho verificadas até essa data, quando na segunda decisão, pretendia a aqui recorrente, a revisão da incapacidade por melhoria, com a redução da IPP fixada e consequente reposição patrimonial do capital remido em excesso.
E, por fim,
c) Não se acham as duas por cumprir de modo a caírem no âmbito da aplicação do art. 625º do CPCiv:
As duas decisões em causa, estão transitadas em julgado só que, a primeira, foi cumprida pela Seguradora que, voluntariamente, pagou pensão em que foi condenada e entregou o capital de remissão correspondente; já a Segunda não foi voluntariamente cumprida pela executada, não obstante notificada do valor a restituir, encontrando-se a sentença por cumprir!
(...)
Ambas as decisões transitaram em julgado, esgotando-se o poder jurisdicional do Juiz que as proferiu, e estando todos obrigados à sua observância e respeito, sem prejuízo da possibilidade de recurso extraordinário de revisão.
(...)
Ora, uma coisa é o instituto da remissão que se reconduz à forma de cumprir uma prestação em dinheiro, convertendo-a de prestação periódica numa prestação única; outra bem diversa, e relativa à substância, é a revisão que respeita à determinação do montante de uma prestação compensatória, que deve ser proporcional ao dano que se destina a compensar e seu ajustamento em caso de modificação do pressuposto-base de cálculo.
Esta navegação à deriva da extinção pela remissão para a espécie de novação objectiva da obrigação, não tem o menor fundamento lógico, ético nem jurídico, e muito menos legal.
Parece que, ao facto de o sinistrado ser beneficiado com a entrega antecipada de um capital de remissão de uma pensão que haveria de receber ao longo da vida, se lhe acrescenta a benesse de ficar imune a uma revisão da incapacidade ocorrendo melhoria da sua situação sequelar.
Logrando uma melhoria da sua condição sequelar que motivou a pensão fixada, conservava para si um capital recebido na pressuposição de sofrer desse handicap para o resto da vida, ainda que dele viesse a recuperar em pleno.
Mas essa extinção, ou novação, ou qualquer outra solução, em que se desenvolvesse esta mutante argumentação já deixava de ter esse efeito extintivo, se fosse para benefício do sinistrado, caso ocorresse agravamento, em vez de melhoria.
(...)
Isto é um completo absurdo e, além de não ter enquadramento legal, redundaria numa interpretação duplamente inconstitucional do preceito na leitura com o sentido sugerido na sentença recorrida de “não caber no art. 70º da LAT a redução proporcional da pensão por melhoria em incidente de revisão pedido pela responsável se a pensão houver sido remida e entregue o capital de remissão”:
- violação do art. 13º da CRP por discriminação da entidade responsável no direito á revisão da incapacidade e consequente redução patrimonial da prestação correspondente, que lhe é coartado quando foi paga uma pensão remida, em relação ao sinistrado que em caso de agravamento da IPP, mesmo tendo sido paga a pensão remida, tem direito a incrementar a pensão parcelar complementar, proporcional à IPP aumentada;
- violação do art. 13º da CRP por discriminação dos trabalhadores sinistrados entre si com favorecimento dos que padecerem de IPP inferior a 30% a quem é conferida uma imunidade contra revisões ulteriores por melhoria da iniciativa da responsável, em relação aos que com IPP igual ou superior a 30% ficam sujeitos à redução proporcional da sua pensão.
(...)
(...) não levou em conta a decisão que, são na verdade duas dividas exequendas e suportadas em dois títulos, no caso, além do reembolso do excesso de remissão perante a melhoria cujo título é a sentença, o valor das custas de parte do incidente, objecto de condenação da executada também transitada em julgado, em conjunto com a nota de custas de parte que companha também o requerimento executivo.
Ora, salvo devido respeito, os argumentos invocados para a rejeição do requerimento executivo não valem para esse segmento da quantia exequenda que, nada tendo de incompatível com a sentença de 2013, é uma condenação em custas transitada em julgado e que não foi tangida pela decisão de que agora se recorre na qual nenhum fundamento, ou sequer alusão lhe é dirigida.”
No seu douto parecer, adianta a Ilustre Procuradora Geral Adjunta:
“A segunda decisão transitada em julgado – que segundo o Tribunal a quo não deveria ter existido porque referente a pedido de revisão legalmente inadmissível- interfere directamente nos efeitos jurídicos produzido pela primeira decisão, efeito que já se cumpriu no que diz respeito ao capital indemnizatório já pago.
Assim, o montante do capital de indemnização fixado na 1ª sentença, transitada em julgado, estava já pago, pelo que a obrigação se extinguiu, podendo apenas ser novamente discutida no caso de agravamento das condições de saúde da sinistrada, resultantes da sua IPP, que levem à reponderação da nova situação de incapacidade e sua amplitude e à sua nova reparação, na parte nova não contemplada anteriormente.
Aliás, assim aponta, inequivocamente, o direito constitucional consagrado no artigo 58º, nº 1, f), » A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”
Desde já se adianta que não assiste razão à recorrente.
O incidente de revisão da incapacidade vem regulado, no essencial, no art. 145º, do CPT, e tem por objecto verificar se existe uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, com a finalidade de alterar ou extinguir a prestação que se encontre fixada de harmonia com a modificação verificada, conforme art. 70º nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro.
Como a própria designação indica, o incidente destina-se a, eventualmente, rever, alterar a incapacidade, com as inerentes consequências ao nível das prestações a fixar ao sinistrado.
Conforme refere Leite Ferreira, no Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1996, pág. 641, “A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova”.
No que respeita à revisão da incapacidade preceitua o art. 70º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), que quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. Acrescentando-se no nº 2 que, a revisão pode ser efetuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
Conforme se refere no despacho sob recurso, a propósito de disposição semelhante no regime anterior (art. 25º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, considerou-se no sumário do acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2008, processo 0845614, acessível em www.dgsi.pr, que “A entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, cuja pensão foi oportunamente remida não pode pedir a revisão da incapacidade, com fundamento na melhoria das lesões do sinistrado”, com os fundamentos que constam da sentença acima transcritos e que aqui nos dispensamos de repetir.
Ora, tal entendimento está correcto e resultava, a nosso ver inequivocamente, do teor do art. 58º do Dec. Lei nº 143/99, de 30 de Abril, como sucede, no actual regime, com o art. 77º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, com idêntica redacção. Ali se refere, na al. b), que a remição não prejudica direito de o sinistrado requerer a revisão da prestação, donde que prejudica o direito da responsável a ver reduzida a incapacidade para o mesmo efeito, referindo-se ainda na al. d) que a remição não prejudica a atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão. Ou seja, tendo sido remida parte da pensão, só poderá ser alterada a parte não remida da mesma.
Quanto à questão da constitucionalidade das normas em questão, ou desta interpretação das mesmas, entende-se que não se verifica qualquer tipo de violação do princípio da igualdade, uma vez que as situações não são iguais, Nem a da responsável face ao sinistrado, conforme bem salientado no acórdão desta Secção Social acima referido, nem entre os sinistrados com grau de incapacidade inferior ou superior a 30%, que a própria lei trata de forma diversa, obrigando à remição de pensões em relação aos primeiros e não em relação aos segundos.
Quanto ao mais, igualmente se afigura correcto o enquadramento da situação na previsão do art. 625º do CPC, aqui se remetendo para a fundamentação que consta da sentença, com a qual se concorda e que nos dispensamos de repetir.
Como referido no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2021, processo 6420/16.1T8PRT-B.P1, acessível em www.dgsi.pt,
“Diz-se que a sentença forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, isto é, nos termos do art. 628º, CPC, “(..) logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Nos termos do nº 1, do art. 619º do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”.
Por seu turno, o art. 621º, do mesmo diploma, dispõe que “[A] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (..)”.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado em primeiro lugar que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial, dispondo o art. 625º nº 1 “[H]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.
A excepção de caso julgado, como meio de defesa por excepção facultado ao Réu [art. 577º al. f), CPC], constitui um dos aspectos em que se reforça a força e autoridade do caso julgado, ou seja, da decisão transitada em julgado (art. 621º, CPC).
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa em dois processos, ocorrendo quando o primeiro processo tenha findado por decisão transitada em julgado (art. 580º nº1, CPC). A causa repete-se quando se propõe uma ação idêntica a outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir: existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; existe identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e, identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 581º, CPC).
Designa-se por caso julgado material porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação material ou substantiva em discussão. O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo de mérito da causa e tem força obrigatória não só dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, mas também fora dele (art. 619º 1, CPC).
A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito (..)”. A excepção de caso julgado assenta na força e autoridade da decisão transitada, destina-se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil, já que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (art. 625º), o que significa que a instauração do segundo processo, ou a nova arguição da questão no mesmo processo, “(..) representaria um gasto inútil de tempo, de esforço e de dinheiro, além de constituir um perigo para o prestígio da administração da justiça, que cumpre naturalmente prevenir” [Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1983, pp. 309/310].
Releva ainda assinalar, como elucida Alberto dos Reis, que o caso julgado exerce duas funções, uma positiva e outra negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, tendo a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, servindo de base à execução. Exerce a segunda através da excepção de caso julgado. Porém, “(..) autoridade de caso julgado e excepção de caso julgado não são duas figuras distintas; são antes, duas faces da mesma figura. O facto jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em julgado, sobre determinada matéria. Ora bem, esta sentença pode ser utilizada, numa acção posterior, ou pelo autor ou pelo réu [..]. Temos, pois, que o caso julgado pode ser invocado pelo autor ou pelo réu; invoca-o o autor quando faz consistir nele o fundamento da sua acção: invoca-o o réu quando se serve dele para deduzir excepção. Mesmo quando funciona como excepção, por detrás desta está sempre a força e autoridade de caso julgado” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª edição – reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 93].”
Pretende a recorrente que não ocorre caso julgado, uma vez que as partes não ocupam a mesma posição nos dois processos. Mas sem razão, uma vez que, sendo as partes as mesmas, a sua posição processual é irrelevante. Também não se pode dizer que as decisões não versam sobre a mesma pretensão, uma vez que só assim não seria se fosse admissível a revisão, o que não acontece, como vimos. Nem é relevante, para efeitos de caso julgado, que uma, ou ambas estejam já cumpridas, ou por cumprir.
Mais argumenta a recorrente que a execução abrange igualmente as custas de partes, em que a sinistrada foi condenada no âmbito do processo de revisão.
Sucede que, também aqui tudo se passa como se não tivesse existido a segunda decisão, não colhendo o argumento que a decisão foi favorável à recorrente, uma vez que, não obstante o errado acolhimento da sua pretensão, a recorrente tinha igual obrigação de conhecer da falta de fundamento da mesma.
Assim, sem mais considerações, improcede a apelação.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Porto, 5 de Novembro de 2024
Rui Penha
Teresa Sá Lopes
Eugénia Pedro