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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Uma sentença deve considerar-se obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade. II - Considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, nos termos do art. 799.º, nº1 do CC, que consagra uma presunção de culpa. III - Contudo, a presunção, como do próprio preceito resulta, refere-se, unicamente, à culpa, pelo que não fica a autora dispensada de fazer a prova (segundo as respetivas regras do ónus da prova – art. 342.º, nº 1 do CC) da existência do contrato e da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo.
Texto Integral
Apelação 858/17.4T8SJM.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA instaurou ação declarativa de condenação, como processo comum, contra A..., LDA., ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 42.100,00 (quarenta e dois mil e cem euros), acrescida dos respetivos juros à taxa legal em vigor, contados a partir da data de citação até ao seu integral pagamento.
Alegou, em síntese, que na sequência de um exame EMG, realizado na clínica da Ré, pelo médico Dr. BB, foi deixada uma agulha dentro da sua mão direita; que detetado esse objeto através de raio x, acabou por, através de cirurgia, retirar aquele corpo estranho da mão, ao que se seguiu o período de convalescença; que padeceu de danos, na sequência da atuação da ré, e que diligenciou junto da Ré, pelo ressarcimento desses danos, mas sem sucesso.
Regularmente citada, a Ré impugnou os factos alegados pela autora, negando qualquer responsabilidade, já que, no exame realizado, nem sequer foi picada a mão da autora, concluindo ser impossível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o exame EMG que a Autora realizou no seu estabelecimento e a eventual presença de um qualquer corpo estranho numa das suas mãos.
Invocou, ainda, que o médico responsável prestou serviços de forma independente, disponibilizando a Ré apenas, para esse efeito, as suas instalações e equipamentos.
Mais, pediu a condenação da autora como litigante de má fé.
Foi admitida a intervenção Acessória de B... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a qual contestou, arguindo a exceção de prescrição e a litigância de má fé da Autora.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e temas de prova, tendo o processo prosseguido para julgamento, ao qual se procedeu, tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a ação improcedente, bem como o pedido de condenação da autora por litigância de má fé.
Não se conformando com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
A apelante formulou as seguintes conclusões: “A. Da douta sentença do Tribunal a quo conclui-se a existência de contradição entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados, o que torna a sentença ininteligível. B. Isto porque existem claras contradições na sentença proferida, decorrentes da contradição entre os factos provados e não provados, nomeadamente entre: a. Factos não provados n.º 1 e n.º 2 -> são contrários aos factos provados n.º 3, 11, 42 e 53 b. Facto não provado n.º 3 -> é contrário aos factos provados n.º 13, 14, 15 e 16 c. Facto não provado n.º 4 -> é contrário aos factos provados n.º 8, 11, 16, 21 e 22 d. Facto não provado n.º 5 -> é contrário aos factos provados n.º 6 e 7 e. Facto não provado n.º 12 -> é contrário aos factos provados n.º 13, 14, 15, 16 e 21 C. Além disso, a prova produzida em audiência de julgamento e a prova carreada para os autos não poderia conduzir à decisão que conduziu, na medida em que são dados como provados alguns factos que foram contraditórios com a prova produzida, reconduzindo ao previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 662.º do CPC. D. Afinal, o que se verifica é que é dado como provado que a agulha era de material não quebrável e oca, mas simultaneamente é referido que o objecto não foi obtido nem recuperado após exérese do mesmo da mão direita da AA., aqui recorrente. E. No entanto, o parecer da Ordem dos Médicos não confirma que uma agulha do tipo da utilizada no exame de EMG seria inquebrável e oca, acrescido do facto de já ter havido situações em que a agulha quebrou. F. Como se tal não fosse suficiente, também não fica provado que a AA., aqui Recorrente, escolheu o médico BB, mas antes que contratou o serviço através da clínica RR., a qual tem responsabilidade no sucedido. G. Acresce ainda que os factos provados sob os n.º 58, 59, 60 e 61, 68, 69 e 70 da douta sentença serem dados como não provados, na medida em que não foi produzida prova que os sustente, acrescentando-se até que, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário, seja face ao referido no parecer da Ordem dos Médicos, seja face ao relatado pelas testemunhas em audiência de julgamento. H. Também não poderia ser dado como provado o facto n.º 51 e 57, já que a AA., aqui Recorrente, já que não foi feita qualquer prova que aquela escolheu directamente o médico que realizou o exame de EMG. I. Afinal, o que ficou demonstrado em audiência de julgamento e na prova junta aos autos é que a AA., aqui Recorrente, apenas escolheu a clínica onde pretendia realizar o exame de electromiografia. J. Por outro lado, a AA., aqui Recorrente, nunca foi esclarecida dos riscos que o exame comportava, nem tão pouco existe qualquer prova disso mesmo nos autos ou na prova produzida em audiência de julgamento. K. Situação que configura uma falta de consentimento informado quanto aos riscos do exame de EMG, violando assim as legis artis, situação sobre a qual a jurisprudência já se manifestou abundantemente. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente, devendo ser revogada a decisão do Tribunal a quo, nos termos do n.º 1 art.º 662.º do Código do Processo Civil, uma vez que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a prova documental e os demais factos vertidos nos articulados, impunham decisão diversa da que foi considerada pelo douto Tribunal a quo, por assim o imporem, o Direito e a Justiça!”.
Foram apresentadas contra-alegações, pela interveniente Companhia de Seguros, pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a apreciar são as seguintes:
- Se a sentença padece de nulidade;
- Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto;
- Se ocorre erro de julgamento na decisão de direito.
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2. A decisão recorrida
2.1. O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 1. Em meados de 2015 e devido às dores que vinha sentindo na zona tenar da mão direita, desde há já algum tempo, a Autora foi consultada na USF ... (Centro de Saúde ...) pela sua médica de família, Dra. CC, onde é utente. 2. Esta prescreveu à Autora a realização de exame médico, designado por “Electromiograma”, no membro superior direito. 3.O exame médico foi realizado no dia 29/10/2015, tendo sido feito tal exame, Dr. BB, e sob a direcção técnica da Dra. DD, médica neurologista. 4.Nesse exame médico, foram utilizadas as técnicas de electroneurografia e electromiografia, com recurso a agulhas concêntricas. 5.Desse exame resultou o respectivo relatório o qual foi entregue pela Ré à Autora. 6. Após a realização do referido exame, a Autora começou a sentir dores na parte central da zona dorsal da mão direita, motivo pelo qual recorreu novamente e por diversas vezes à sua médica de família, com vista a ser observada. 7. Devido à intensidade das dores sentidas na zona dorsal da mão direita, que aumentavam cada vez mais, a Autora deslocou-se por várias vezes à USF ... (Centro de Saúde ...), onde foi consultada pela sua médica de família, tendo esta, no início de 2017, solicitado a realização de uma radiografia (Raio-X) e de uma ecografia à mão direita da Autora. 8. Para realizar tais exames, a Autora recorreu ao Centro Hospitalar ..., E.P.E. e, aquando da realização da radiografia e da ecografia neste centro hospitalar, foi a Autora alertada para a existência de uma agulha localizada no interior da zona dorsal da mão direita, 9. Perante isto, a Autora solicitou de imediato a sua extracção ao médico que a consultou, pelo que foi de imediato encaminhada para o Serviço de Emergência, também deste centro hospitalar). 10. Neste serviço, foi a Autora consultada e remetida para consulta externa de ortopedia, a qual veio a ocorrer no dia 31/05/2017, onde foi realizada cirurgia para “exérese de corpo estranho no 2.º espaço da mão direita (…)”. 11. Após tomar conhecimento de que tinha uma agulha localizada na zona dorsal da mão direita, a Autora contactou de imediato a Ré a quem expôs toda a situação, a qual a admitiu nos termos expostos e configurados pela Autora. 12. No entanto, com receio de eventuais complicações, a Autora recorreu ao Hospital ... (Centro Hospitalar ..., E.P.E.), sito na ..., ... ..., com vista à remoção da dita agulha, o que veio a ocorrer em 31/05/2017. 13. À data dos factos supra, referidos, a Autora era funcionária de limpeza na empresa C..., S.A., desempenhando as suas funções no Centro Comercial ..., pelo que auferia montante mensal aproximado de € 495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros). 14. A Autora sempre trabalhou e cumpriu as suas funções, inclusive realizando horas extras no período nocturno, já que tal lhe permitia auferir um salário melhor. 15. Autora deixou de trabalhar, já que a realização das tarefas de limpeza, pequenos esforços ou quaisquer outras actividades lhe provocavam dores intensas e, inclusive, poderiam provocar danos irreversíveis à Autora. 16. Devido às dores que sentia na zona dorsal da mão direita, e em particular no local onde a agulha se encontrava, foi concedida baixa médica à Autora desde o dia 03/02/2017 até 17/09/2017. 17. Tal levou esta a ver o seu rendimento diminuído, situação que sobrecarregou ainda mais a sua frágil situação económica, uma vez que passou a auferir cerca de € 300,00 (trezentos euros) líquidos mensais, levando a Autora a ter um prejuízo directo e imediato nunca inferior a € 195,00 (cento e noventa e cinco euros) mensais). 18. Em resultado da atribuição da baixa médica, a Autora passou a ser regularmente convocada para diversas consultas de avaliação da sua situação clínica (vulgo “junta médica”), realizadas pelo Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ..., o que fez durante 6 (seis) vezes. 19. Tais consultas de avaliação implicaram despesas de deslocação entre a sua residência e Aveiro, pagas pela Autora, no montante unitário por viagem nunca inferior a € 25,00 (vinte e cinco euros), relativas a combustível, portagens e desgaste da viatura. 20. Tal implicou ainda a necessidade de o marido da Autora faltar ao trabalho para a acompanhar, uma vez que não podia conduzir nem realizar quaisquer tarefas que impliquem movimentos bruscos ou esforços. 21. Não fora a agulha que foi deixada no interior da zona dorsal da mão direita da Autora, nunca esta teria necessidade de se sujeitar a uma intervenção cirúrgica ou estado de baixa médica, nem tão pouco teria tido a necessidade de comparecer perante consultas de avaliação (“junta médica”), isto é, nunca veria os seus rendimentos coartados ou as suas despesas aumentadas. 22. Durante e após a realização do referido exame “Electromiografia” por parte da Ré, a Autora sentiu dor e desconforto em todo o membro superior direito, em particular na mão direita, limitando-lhe os movimentos da mão e a realização das suas actividades domésticas e profissionais. 23. Uma vez que a Autora sentiu dores durante e imediatamente após a realização do referido exame, queixou-se ao Dr. BB de tais dores, mas este apenas lhe disse, em tom ríspido, que teria que suportá-las e nada mais referiu. 24. Perante tal, e atendendo a que a Autora configurou que quem estava a realizar o exame era um médico devidamente credenciado para o efeito, sentiu-se constrangida e incomodada com tal atitude, o que a levou a não mais questionar o tipo de exame realizado, confundindo o exame realizado com uma sessão de acupunctura, pese embora desconhecesse completamente o que é a acupunctura e a sua prática. 25. Contudo, e desde a data em que passou a ter conhecimento de que possuía uma agulha no interior da parte superior da sua mão direita até à cirurgia que a removeu, a Autora passou a viver em constante sobressalto, com receio que a agulha se deslocasse e, eventualmente, lhe provocasse danos irreversíveis nos órgãos vitais ou até a sua morte. 26. A Autora foi ainda invadida por uma angústia permanente, agravada quando sentia qualquer dor ou alteração na zona da mão onde sabia estar a dita agulha, com receio que esta se pudesse ter movimentado ou provocado alguma lesão na mão direita ou no resto do corpo. 27. Viu ainda o seu sono e descanso afectado, uma vez que receava que os movimentos nocturnos do seu corpo e, em particular, da sua mão, pudessem provocar a deslocação da agulha e, consequentemente, ocorrerem danos permanentes ou até a sua morte. 28. Passou também a ter receio de se movimentar no dia-a-dia, bem como em tocar ou pegar em objectos, realizar as tarefas diárias em sua casa, realizar simples movimentos ou esforços, ir às compras, realizar simples tarefas de lazer ou passeio, lavar roupa/louça, cozinhar, arrumar, entre outras. 29. Receio ainda, e de forma permanente, que a agulha que se encontrava no interior do seu corpo pudesse provocar uma infecção local ou generalizada, levando a sequelas na mão ou braço direito ou noutra parte do corpo, incluindo a possibilidade de uma septicémia. 30. Sempre que a Autora sentia qualquer sintoma como uma simples febre ou mal-estar, associava essa situação à agulha que se encontrava na sua mão direita e, por tal, vivia sobressaltada e angustiada com receio de eventuais complicações de saúde. 31. Toda esta situação afectou a sua vida familiar, já que a Autora praticamente deixou de realizar quaisquer tarefas domésticas e familiares, as quais tiveram que ser asseguradas pelo seu marido e filho. 32. Sendo ainda a Autora hipertensa, diabética e já tendo sofrido de depressão, a Autora teve necessidade de se sentir acompanhada e sofria quando tinha que ficar sozinha, com receio que algo lhe acontecesse e que não tivesse amparo. 33. A Autora sofreu ainda uma angústia permanente com receio de perder o seu emprego e de vir a ter dificuldades financeiras, devido à paragem forçada no seu trabalho, bem como devido à diminuição do seu rendimento mensal. 34. A Autora foi obrigada a submeter-se a uma cirurgia à zona dorsal da mão direita, para remoção da agulha que lá se encontrava, o que veio a ocorrer no dia 31/05/2017, no Centro Hospitalar ..., E.P.E. 35. Tal cirurgia provocou dor e sofrimento físico e psicológico à Autora, bem como os tratamentos realizados no período pós-operatório, nomeadamente com a realização de curativos e a retirada das linhas de sutura (vulgo “pontos”). 36. A Autora ficou ainda a padecer para o resto da sua vida de um dano estético, provocado pela cicatriz derivada da cirurgia a que foi submetida. 37. Além disso, a Autora durante e após o período de cicatrização passou a ter o pulso direito inchado e com ligeiras dores, o que antes não acontecia. 38. A Ré representa-se sob a forma de um estabelecimento privado, dedicado ao sector da medicina, o qual permite aos respetivos utentes aceder a serviços de cuidados de saúde e diagnóstico, prestados por médicos autorizados, disponibilizando, para esse efeito, as suas instalações e equipamentos. 39. Os médicos que prestam serviços nas suas instalações fazem-no de forma independente e responsável, com plena autonomia técnica e isenção. 40. No exercício da sua actividade, os médicos que prestam serviços nas instalações da Ré não recebem dela quaisquer orientações ou instruções quanto à prática da sua profissão, não sendo condicionada, sob qualquer forma, a sua ciência, prática, isenção e independência. 41. A competência, técnica e científica e o poder de diagnosticar, recomendar tratamentos ou realizar procedimentos médicos (incluindo qualquer género de exame) pertence exclusivamente ao médico, não tendo a R. qualquer intervenção no campo da relação médico-paciente. 42. No dia 29/10/2015, a Autora dirigiu-se às instalações da Ré, no intuito de realizar exame médico de diagnóstico, denominado electromiograma. 43. O electromiograma (doravante também designado por EMG) consiste numa técnica de diagnóstico e avaliação de doenças neuromusculares, por via da qual se realiza um estudo de condução nervosa, destinado a avaliar a função dos nervos e músculos e a transmissão entre ambos. 44. O referido exame é realizado por um médico especializado e o respetivo procedimento traduz-se na leve inserção de agulha no músculo a ser avaliado; A agulha encontra-se conectada a um fio condutor e funciona como que uma “antena” que deteta padrões de transmissão entre o músculo e os nervos que lhe estão associados, transmitindo esses padrões e sinais para um aparelho que os processa e os disponibiliza para análise do médico. 45. Para efeito da realização do EMG, apenas uma parte da referida agulha, normalmente uma pequena parte, de dimensão reduzida, é introduzida no corpo do paciente. 46. O EMG é frequentemente utilizado como meio de avaliação/diagnóstico desde há largos anos, afigurando-se como um procedimento comum e amplamente praticado e reconhecido pela sua segurança, apresentando um risco quase nulo para o paciente. 47. Os riscos normalmente associados à realização do procedimento em apreço consistem em desconforto e possível formação de pequenos hematomas ou leve sangramento nos locais de introdução de agulha. 48. A agulha normalmente utilizada no âmbito do procedimento (agulha concêntrica) é formada de um material oco e dobrável, 49. O estabelecimento privado que a Ré representa exerce a sua atividade há vários anos e, nas suas instalações, vários médicos especialistas realizaram tal exame, 50. Desde o ano de 2004, por vezes sem que se tenha verificado, por alguma vez, situação de quebra de agulha. 51. No momento da deslocação da Autora ao estabelecimento da Ré para efeito da realização do EMG, foi devidamente informada do tipo de exame a realizar, forma do procedimento e riscos inerentes, tendo-lhe sido entregue o documento informativo junto com a contestação. 52. Do referido documento consta toda a informação relevante quanto ao exame em causa, incluindo potenciais riscos. 53. A Autora optou por realizar o exame nas instalações da Ré, com o médico especialista, de nome BB. 54. O Dr. BB, médico especialista, exerce clínica há vários anos e goza de vasta experiência na realização de eletromiogramas, tendo executado esse procedimento ao longo da sua via profissional por inúmeras vezes, muitas delas no estabelecimento privado da Ré, sendo reconhecido pelos seus pares como um profissional sério, competente e diligente. 55. À altura, o referido médico prestava serviços no estabelecimento da Ré, sendo que, esta última não interferia na relação estabelecida entre ele e os pacientes, cabendo exclusivamente ao médico, com plena autonomia e isenção, a realização de exames, a escolha do local e tempo da sua realização. 56. O EMG requerido pela Autora tinha por objeto o membro superior direito, exame para o qual o Dr. BB estava habilitado. 57.O exame, de natureza simples, isento de riscos de relevo e por inúmeras vezes executado por aquele médico, consistiu na inserção de apenas uma agulha em determinadas zonas do membro superior direito da paciente, nomeadamente o braço e antebraço, a fim de captar padrões de transmissão entre determinados músculos e os nervos associados. 58. As mãos da Autora (e, designadamente, os músculos presentes nessa parte dos membros superiores) não constituíam objecto do EMG e, nesse sentido, não foram alvo de análise/estudo, durante a sua realização, as mãos da A. – nomeadamente a mão direita - não foram sujeitas a qualquer penetração de agulha, por parte do médico. 59. Foi utilizada apenas uma agulha concêntrica nova e descartável, com um total de 3 (três) centímetros de comprimento. 60. E, durante a realização do exame, apenas uma pequena fracção da agulha utilizada foi introduzida na pele da paciente, até atingir os músculos pretendidos; 61. O EMG realizado à Autora teve duração inferior a 30 (trinta) minutos e decorreu sem qualquer complicação, transtorno ou condicionante, não se tendo verificado qualquer situação anormal. 62. A Ré possui funcionário incumbido da tarefa de se deslocar aos gabinetes médicos, uma vez concluídos os exames, a fim de conferir e recolher instrumentos e material descartável, tendo em vista o seu correcto tratamento/destruição. 63. No caso de electromiogramas, é sua função conferir a presença de todos os instrumentos e sua conformidade, incluindo a agulha utilizada, cabendo-lhe levantar desconformidade no caso de situação anormal; 64. No caso da Autora, não foi levantada qualquer desconformidade, circunstância que indica e corrobora a presença da agulha utilizada no âmbito do exame. 65. O EMG da Autora foi realizado e concluído de forma bem-sucedida, sem falhas ou ocorrências estranhas que, no âmbito deste tipo de procedimentos seriam, aliás, fácil e imediatamente detetáveis. 66. A correta realização do EMG da Autora é confirmada pelo correlativo estudo obtido, na medida em que revela resultados normais e expectáveis, 67. Circunstância que não ocorreria se, a agulha tivesse partido, uma vez que não seria transmitido qualquer sinal para o aparelho recetor. 68. As mãos da Autora nunca foram alvo de inserção de agulha, no decurso do EMG; 69. O EMG realizado à Autora implicou tão-somente a introdução de uma pequena parte da agulha na pele e até ao músculo; 70. No seu EMG foi utilizada tão-somente uma agulha, controlada e monitorizada visualmente pelo médico, pelo que, se uma fração da mesma quebrasse, tal circunstância seria imediatamente detetável por ele e pela própria paciente; 71. A agulha utilizada no âmbito do exame é indicada e preparada para esse efeito, sendo fabricada de material dobrável e não quebrável. 72. Uma vez concluído o exame, a Autora abandonou o estabelecimento da R. sem apresentar qualquer queixa ou reclamação; 73. E, nesse seguimento, a Autora também não se deslocou ao estabelecimento da Ré nem lhe apresentou quaisquer queixas ou anunciou qualquer complicação decorrente da realização do EMG. 74. Apenas em março do ano de 2017, foi comunicado à Ré a situação alegada nestes autos, referente à presença de agulha na parte dorsal da mão direita da Autora. 75. Do teor do documento n.º 4 anexo à petição inicial, respeitante a relatório de episódio de emergência médica da Autora, resulta que a sua admissão ao serviço de emergência foi motivada, por ela, em função da presença de “…corpo estranho no 2º dedo da mão dta (agulha metálica) com cerca de 1 ano de evolução, aquando de uma sessão de acupuntura.” 76. O exame realizado pela Autora no estabelecimento da Ré foi prescrito por médico, no âmbito da prática de medicina convencional; o próprio impresso de requisição de exame (P1), anexo à petição inicial determina a realização de “estudo electro miográfico”; no estabelecimento da Ré. 77. A Ré celebrou com Interveniente, com efeitos a partir de 01/11/2008 um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, sendo a atividade segura a prestação de serviços médicos e laboratório de análises clínicas, conforme condições particulares, condições gerais e condições especiais 78. O contrato garante a responsabilidade civil que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua atividade profissional expressamente referida nas condições particulares ou nas condições especiais da apólice (art. 2º das condições gerais). 79. Conforme consta das condições particulares, foram contratadas as condições especiais 300 (“Médico”) e 305 (“Laboratório de Análises Clínicas”). 80. O capital seguro corresponde a um limite de indemnização anual e por sinistro de € 100.000,00 (cem mil euros). 81. Foram estipuladas contratualmente franquias a cargo da segurada: - na cobertura de “medicina” (todas as especialidades desde com cirurgia, cirurgia geral, ginecologia / obstetrícia, angiologia e anestesiologia): 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 1.000,00 (mil euros) e o máximo de € 5.000,00 (cinco mil euros), por sinistro; 82. Na cobertura de “medicina” (restantes especialidades): 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 500,00 (quinhentos euros) e o máximo de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), por sinistro; 83. Na cobertura de “análises clínicas”: 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e o máximo de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), por sinistro. 84. A Interveniente foi citada para contestar a presente acção no dia 05/11/2018. 85. Nem a Autora nem a Ré participaram à Interveniente o alegado sinistro em questão. 86. O alegado sinistro ocorreu em 29/10/2015. 87. Consta do parecer elaborado pela Srª Drª EE (OM ...) Assistente Hospitalar Graduada de Neurofisiologia Clínica do Colégio da Subespecialidade de EEG e Neurofisiologia Clínica o seguinte: 1. Em que consiste o exame designado "eletromíografia" realizado à Autora? a. A Eletromiografia (EMG) é um exame neurofisiológico que permite estudar a função dos nervos periféricos, raízes nervosas, músculos ou função da junção neuromuscular. O exame tem dois componentes: Estudos de condução nervosa e estudo de deteção. OS estudos de condução nervosa consistem na aplicação de um estímulo elétrico num determinado nervo e no registo da sua atividade motora e sensitiva. O EMG de deteção consiste no estudo dos músculos em repouso e após contração muscular voluntária, através de um elétrodo agulha. 2. Quais os pontos em que, para o exame em causa, é preciso "picar"? a. Os músculos a serem estudados por EMG de deteção (agulha) dependem das regiões anatómicas a serem estudadas, de acordo com o quadro clínico. 3. Quais os pontos em que a Autora foi "picada"? a. De acordo com a relatório anexo foi efetuado EMG de deteção nos músculos deltóide, bicipete braquial, tricipete braquial e flexor carpíulnaris (traduzido como flexor cubital do carpo) à direita. 4. Os pontos "picados" ficam assinalados nos gráficos e relatório do exame? Sim, esses pontos estão assinalados no relatório do exame 5. Qual o tipo de agulhas utilizados neste exame (material, comprimento e diâmetro)? a. Existem dois tipos de elétrodos de registo de agulha comumente utilizados: são elétrodos monopolares e elétrodos concêntricos. A agulha monopolar é um eixo sólido de aço inoxidável revestido completamente com Teflon, exceto pela ponta cónica de metal. É essa ponta de metal que atua como superfície de registo. A agulha tem tipicamente 25 a 75 mm de comprimento e 0,36 a 0,46 mm de diâmetro, com uma superfície de gravação de 0,28 a 0,34 mm2. O eletrodo de agulha concêntrica é uma agulha hipodérmíca de aço inoxidável com uma platina central ou fio de prata nicromo de aproximadamente O, 1 mm de diâmetro. A cânula tem comprimento e diâmetro semelhantes aos da agulha monopolar. De salientar que estas dimensões podem variar ligeiramente entre cada fornecedor /marca, As agulhas mais pequenas (25mm) são utilizadas em bebes, durante o exame de músculos pequenos e finos, como os músculos faciais. As agulhas maiores são usadas em indivíduos obesos, principalmente quando alguns músculos profundos precisam ser examinados. A maioria dos músculos, na maioria dos doentes, podem ser alcançados adequadamente com um elétrodo de agulha 37 a 50 mm (diâmetro 0.46mm). 6. Há registos na literatura médica da quebra de agulhas durante a realização de eletromiografias7 a. Na literatura existem apenas dois relatos de quebra de agulha durante a realização de EMG, um no períneo e outro nos músculos paraespinhais (BMJ Case Rep. 2016 Nov 11;2016:bcr2016216059. doi: 10.1136/bcr- 2016-216059.PMID: 27836836; Electromyogr Clin Neurophysiol 2000;40:323-325), atribuída ao uso de agulhas reutilizáveis pelo seu desgaste, situação não identificada desde que são utilizadas agulhas descartáveis, com uma maior flexibilidade e ausentes do risco de desgaste. 7. Se sim, em que percentagem de exames, quais as causas e consequências? a. Não existem estatísticas quanto à % de ocorrências uma vez em toda a literatura apenas dois casas estão descritos. Em qualquer dos casos descritos o doente, o evento foi de imediato identificado e os doentes foram submetidos a uma cirurgia para retirada da agulha. 8. Sem sim, é possível o médico examinador não se aperceber da quebra da agulha? a. Não é possível o médico examinador não se aperceber da quebra da agulha. 9. Na hipótese teórica de uma agulha se partir, é possível que a mesma se desloque dentro do corpo? a. Não é possível que este tipo de objeto sofra deslocação dentro do corpo. 10. Com· os elementos constantes dos autos, é possível concluir que o objeto extraído da mão da Autora é parte de uma agulha utilizada numa eletromiografia? Ou pode ter resultado de outro procedimento, nomeadamente, acupuntura? a. Com os elementos constantes dos autos não é possível concluir que o objeto extraído da mão da Autora é parte de uma agulha utilizada numa eletromiografia ou uma agulha de acupuntura. 1- O EMG de deteção foi efetuado em algum musculo da mão? a. tendo em conta os dados fornecidos no relatório, o EMG de detecção não terá sido efectuado em nenhum músculo da mão 2- A localização do fragmento (2Q espaço interdigital) é compatível com os músculos estudados? a. A localização do fragmento (22 espaço interdigital!) não é compatível com a descrição dos músculos estudados. 3- É possível uma agulha de EMG partir sem haver imediata alteração nos traçados eletrorniografícos? a. Se houver quebra/danos de um elétrodo nomeadamente de uma agulha o sinal elétrico obtido será de deficiente qualidade e muito duvidosamente será possível obter registos passiveis de interpretação. 4- Há casos reportados de fractura de agulha de EMG como complicação deste exame? a. Na literatura existem apenas dois relatos de quebra de agulha durante a realização de EMG, um no períneo e outro nos músculos paraespinhais (BMJ Case Rep. 2016 Nov 11;2016:bcr2016216059. doi: 10.1136/bcr-2016-216059.PMID: 27836836; Electromyogr Clin Neurophysiol 2000;40:323-325), atribuída ao uso de agulhas reutilizáveis pelo seu desgaste, situação não identificada desde que são utilizadas agulhas descartáveis. 5- É do conhecimento do Colégio algum caso semelhante? a. O Colégio da Subespecialídade de Neurofisiologia clinica, não teve ate à data conhecimento de qualquer caso semelhante. 6- O Colégio concorda com a Indicação imediata que foi dada a quando do conhecimento do caso e antes da remoção do fragmento que seria imprescindível a análise do fragmento? a. O Colégio da Subespecialidade de Neurofisiologia clínica concorda que seria imprescindível a análise do fragmento, uma vez que uma agulha de EMG tem características diferentes de todas as outras agulhas. 7- A imagem do rx anexo é compatível com a de um fragmento de agulha de EMG (Spesmedica)? a. As imagens disponíveis não permitem afirmar que tipo de objeto corresponde aos fragmentos identificados em imagem de Rx 8- É possível que o fragmento metálico retirado à doente e não analisado possa corresponder a outro tipo de material metálico (por exemplo usado em acupunctura) que não uma agulha de EMG? a·. Sim é possível que o fragmento metálico retirado possa corresponder a outro objeto que não uma agulha de EMG. 9- É credível que um neuroftsiologista experiente possa quebrar uma agulha de EMG_ na realização de um exame e disso não dar notificação imediata? a. Um neurofisiologista experiente, no caso em questão procederá de imediato à notíficação e procedimento de acordo com o evento em questão tomando de imediato, diligencias para remoção do mesmo. 1. É possível ocorrer a fratura de uma agulha utilizada num eletromiograma ou numa eletroneurografia? a·. será extremamente improvável que uma agulha concêntrica homologada segundo as normas de qualidade da UE, se quebre 2. Ainda que a probabilidade de ocorrer a fratura da agulha seja baixa, é possível que tal ocorra? a. Sim é possível 3. Qual a flexlbilídade típica eletromiograma/eletroneurografia? de uma agulha utilizada a. As agulhas homologadas segundo as normas de qualidade da UE, tem marcada flexibilidade de forma a minorar o risco de traumatismo 4. É possível afirmar, sem margem para dúvida, que a agulha utilizada num eletromiograma/eletroneurografia nunca poderá partir durante a realização de um exame deste tipo? a. será extremamente improvável que uma agulha concêntrica homologada segundo as normas de qualidade da UE, se quebre, embora não se possa afirmar a impossibilidade de quebra 5. Se durante a realização de um eletromiograma/eletroneurografia a agulha utilizada partir, o traçado eletromiografico a ocorrer é registado? a. Se houver quebra/danos de um elétrodo nomeadamente de uma agulha o sinal elétrico obtido será de deficiente qualidade e muito duvidosamente será possível obter registos passiveis de interpretação. 6. A agulha utlizada num eletromiograma/eletroneurografia é idêntica a agulha utlizada na acupunctura? a. As agulhas utilizadas no EMG, quer concêntricas quer monopolares são diferentes das agulhas utilizadas na acunpunctura. Estas são eletrodos de aço inoxidável com um fio condutor central de ponta biselada ou cónica 7. De acordo com a imagem de Rx junta aos autos, é possível concluir que o fragmento que nela se observa é de agulha de acupunctura? a. As imagens disponíveis não permitem afirmar que tipo de objeto corresponde aos fragmentos identificados em imagem de Rx 8. O estudo eletrorniograrna/eletroneurografia do membro superior direto incluí picadas na mão do paciente? b. Depende dos territórios a serem estudados. No caso em questão tendo em conta os dados fornecidos no relatório, o EMG de detecção não terá sido efectuado em nenhum músculo da mão 9. De acordo com o relatório do eletromiograma elaborado pela Ré, é possível concluir sem margem para duvidas que a Autora não foi picada na mão direita? õ. tendo em conta os dados fornecidos no relatório, o EMG de detecção não terá sido efectuado em nenhum músculo da mão 10. É credível afirmar que o fragmento visível no raio-X junto aos autos podia provocar dor e inflamação na mão da Autora? a. Apenas os exames clínicos detalhados poderiam identificar a localização e características da dor, de forma a poder afirmar ou negar a implicação dos referidos fragmentos nas queixas clinicas da doente. Resposta aos esclarecimentos adicionais pretendidos Quesito 3 qual a flexibilidade típica de uma agulha utilizada num electromiograma/electroneurografía? - a mesma apenas refere que a flexibilidade está marcada, mas não esclarecem como, em que valores, qual a escala utilizada nem tão pouco se as mesmas são muito ou pouco flexíveis; Resposta: As agulhas de e/etromiografia são extremamente flexíveis, podendo sofrer deformações marcadas, com ângulos de 180° sem que se quebrem, conforme pode ser demonstrado em imagem anexa (agulha NATUS tamanho 37 mmx26G). Não existindo, no entanto, valores ou escalas que determinem o grau de flexibilidade de uma agulha de eletromiografia. Quesito 8 - O estudo electromiograma/electroneurografia do membro superior direito inclui picadas na mão do paciente? - a resposta foi de que não teria sido efectuado o EMG em nenhum músculo da mão, mas isso não foi o que se questionou. Resposta: Um estudo eletromiográfico do membro superior pode incluir estudo dos músculos da mão, caso a clinica o justifique.” 88º-“Consta das CONCLUSÕES do relatório pericial: A_ data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 17-09-2017. - Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 227 dias. - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 227 dias. Quantum Doloris fixável no grau 2/7. - Sem Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.”.
2.2. E considerou como não provados os factos seguintes: 1.Tal exame foi realizado nas instalações da Ré, sob as suas instruções e direcção, por um técnico seu e com a elaboração de um relatório por uma médica neurologista com cédula profissional válida junto da Ordem dos Médicos. 2. Pese embora o exame tenha sido realizado por um médico Ré a não tendo a Ré providenciado pela resolução do problema criado ou dispondo-se a sequer pagar as despesas/perda a que a Autora foi sujeita. 3. Devido à actuação da Ré e ao facto de ter sido deixada uma agulha cm no interior da zona dorsal da mão direita da Autora, esta viu-se forçada a ter de deixar de trabalhar, Agulha que estava na mão da Autora tinha a qual tinha um comprimento aproximado de 4 cm. 4. No exame a agulha foi inserida, entre outros locais, na zona dorsal da mão direita da Autora. 5. A dor na mão direita da Autora veio a intensificar-se e a agravar-se após a realização do dito exame. 6. Fosse força da actuação da Ré, a Autora foi obrigada a submeter-se a uma cirurgia à zona dorsal da mão direita, para remoção da agulha. 7. No caso da Autora, o material foi tratado nos termos descritos em entre os riscos nunca há o da quebra de agulha tornando impossível a sua fractura. 8. A Agulha é material não oco. 9. Não é conhecido registo da ocorrência de quebra de agulha utilizada em EGM, 10. O material utilizado pelo médico responsável no âmbito do exame (incluindo agulha e aparelho) foi fornecido pelo Gabinete de Estudos Neurofisiológicos e encontrava-se em perfeitas condições e sem qualquer defeito aparente, circunstância atestada pelo próprio médico que inspecionou e verificou a conformidade de todo o material, antes de iniciar o exame. 11. No final do exame, o médico conferiu, uma vez mais, os instrumentos utilizados, tendo este atestado a presença dos mesmos e, nomeadamente, da agulha utilizada, tendo verificado que a mesma se encontrava normal e intacta; 12. Fosse por causa de ter uma agulha com cerca de 4 cm no interior da zona dorsal da mão direita da Autora, que esta viu-se forçada a ter de deixar de trabalhar.
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3. Da nulidade da sentença
Invocando a existência de contradição entre os factos dados como provados e os facos dados como não provados, a recorrente diz que a sentença se torna ininteligível, referindo, ainda, que ao longo da sentença proferida, existem várias passagens que tornam a sentença obscura, ambígua e dificultam a sua perceção.
Ora, nos termos do disposto no art. 615.º do CPC, a sentença é nula, entre outros, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c) do nº 1 do art. 615.º, do CPC).
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
É pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão, ou a contradição entre factos provados e factos não provados, não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.
Já os vícios da sentença, invocados pela apelante, quando menciona a ininteligibilidade, obscuridade e ambiguidade, podem, a verificar-se, configurar a nulidade da sentença.
Ora, uma sentença deve considerar-se obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade.
Contudo, só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.
Por sua vez, a ambiguidade tem lugar quando à decisão podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.
Mas deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade da sentença. (neste sentido, cfr. acórdão do STJ, de 11-04-2007, disponível em dgsi.pt).
Assim, apenas deve concluir-se pela ininteligibilidade da sentença, quando devido a uma qualquer obscuridade ou ambiguidade, a sentença, submetida a uma adequada interpretação, se não tornar clara ou não puder atribuir-se-lhe um sentido ou significado unívoco.
No caso, a apelante vem invocar a contradição entre vários factos dados como provados e como não provados, e se é certo que a matéria de facto se mostra algo confusa e até repetitiva, não consideramos que se verifique a invocada ininteligibilidade da sentença.
Concretizando:
No que diz respeito à alegada contradição entre os factos não provados 1 e 2, e os factos provados 3, 11, 42 e 53, não restam dúvidas de que o exame foi realizado nas instalações da ré, pelo médico identificado, que é o que interessa para a decisão.
Por outro lado, parece-nos evidente que o facto provado 11, não pode ser interpretado no sentido de que a ré assumiu a responsabilidade pela situação como foi apresentada pela autora, mas apenas que admitiu a reclamação nos termos expostos e configurados pela autora, o que leva a concluir que não existe contradição entre este facto provado e o facto não provado 2.
No que se refere à contradição entre o facto não provado 3, e os factos provados 13, 14, 15 e 16, fácil é concluir que tal contradição não existe, desde logo, porque o que o facto não provado refere é que não se provou que a autora deixou de trabalhar devido à atuação da ré, e não que não tivesse deixado de trabalhar, fosse pela presença de uma agulha na mão ou por outro motivo.
O mesmo, aliás, vale para a alegada contradição entre o facto não provado 4, e os factos provados 8, 11, 16, 21 e 22.
O facto não provado 4, apenas significa que não se provou que a agulha foi inserida, e deixada, na mão da autora, no exame realizado nas instalações da ré, e não que não estivesse uma agulha na zona dorsal da mão direita da autora.
Quanto aos factos não provado 5 e provados 6 e 7, aparenta efetivamente existir uma contradição, a qual, contudo, é apenas aparente, já que os referidos factos provados indicam a existência de dor na parte dorsal da mão direita da autora, a qual terá surgido após a realização do exame em causa, sem, contudo, se saber quando ao certo tal dor teve início, já que o exame que levou a que se encontrasse a agulha e se determinasse a respetiva extração, apenas ocorreu em 2017, mais de um ano após o dito exame. Assim, quando no facto não provado 5, se fala em intensificar-se e agravar-se a dor na mão da autora, o certo é que, na versão da decisão a quo, não existe prova cabal de que tal dor e a respetiva intensificação, resultou da realização do exame em causa, pelo que não existe contradição entre os factos referidos.
Finalmente, a alegada contradição entre o facto não provado 12, e os factos provados 13, 14, 15, 16 e 21, também não ocorre.
Ao contrário do que apelante refere, o facto não provado 12, não nega que a autora tenha deixado de trabalhar devido à agulha que foi deixada na sua mão, apenas dando como não provado que essa mesma agulha tivesse 4 cm de comprimento.
Assim, pese embora a redação dos diferentes factos não se possa considerar a melhor e mais clara, é perfeitamente possível entender o seu significado, não ocorrendo a invocada contradição entre os factos provados e não provados, nem, consequentemente, a ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade da sentença, improcedendo, assim, o recurso, com fundamento em nulidade.
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Nas suas alegações insiste a apelante, ainda, em que deve dar-se como não provado o facto provado 53, por a seu ver, desse facto resultar que foi a autora quem escolheu o médico que realizou o exame referido nos autos. Consequentemente, pretende também que não deve considerar-se determinado segmento da motivação da sentença que dará a entender que foi a autora quem escolheu o médico para realizara o exame, devendo dar-se como provado que a autora não escolheu o médico e que ocorreu erro por parte desse mesmo médico.
Refere que entende estar-se perante uma ambiguidade e até uma contradição do Tribunal, fazendo menção ao art. 615.º, nº 1, al. c) do CPC, pelo que se supõe que está, ainda, a invocar nulidade da sentença.
Como já referido supra, é pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão, ou a contradição entre factos provados e factos não provados, não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.
No caso, parece-nos que estamos já no âmbito da impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento. Contudo, como a apelante não menciona, nas suas conclusões, tal facto como devendo ser alterado, diremos, desde já, que não ocorre a invocada ambiguidade ou contradição, desde logo, porque o facto provado 53, quando refere que “A Autora optou por realizar o exame nas instalações da Ré, com o médico especialista, de nome BB.”, não está a afirmar que foi a autora/apelante quem escolheu o médico, sendo certo que é um facto que o médico que realizou o exame foi o aí identificado.
A apelante parece entender que a ação foi julgada improcedente por ter sido a mesma a escolher o médico e a ré nada ter a ver com o exame em causa, mas não é isso que resulta da decisão, como veremos adiante.
Também não se compreende a interpretação que a apelante faz do excerto da motivação que pretende ver desconsiderado, ou seja, “A Ré, invocou a pertinente matéria fáctica do exercício de medicina privada, por parte do médico, nas suas instalações que se limitou a facultar o uso das suas instalações porquanto a intervenção cirúrgica a que o autor foi sujeito ocorreu no âmbito de um contrato de prestação de serviços e, não se acha constituída nenhuma relação obrigacional entre o Hospital e a Autora.”, por, alegadamente, o tribunal a quo dar a entender que foi a autora quem escolheu o médico para realizar o exame, quando se limita a plasmar a versão trazida aos autos pela ré, o que é coisa bem diferente de ser o tribunal a fazer essa afirmação.
Finalmente, a pretensão, repetida várias vezes, de ser dado como provado que o médico identificado cometeu um erro aquando da realização do exame e, consequentemente, ser revogada a decisão e proferida outra que condene a ré, é uma questão para decidir aquando da apreciação da questão de direito.
Improcede, assim, também este fundamento do recurso.
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4. Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento de facto
Prossegue a recorrente, invocando erro de julgamento de facto, por entender que deveriam ter sido considerados como não provados, determinados factos provados que indica.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto que pretende ver alterados, indica a prova a reapreciar e sugere a decisão a proferir, pelo que se considera que se mostram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
Posto isto, tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.
Analisemos, então, se assiste razão à apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
A autora começa por impugnar os factos provados 50 e 71:
Facto provado 50: “Desde o ano de 2004, por vezes sem que se tenha verificado, por alguma vez, situação de quebra de agulha”.
Facto provado 71: “A agulha utilizada no âmbito do exame é indicada e preparada para esse efeito, sendo fabricada de material dobrável e não quebrável”.
No que diz respeito ao facto provado 50, resulta do relatório pericial junto aos autos que na literatura existem apenas dois relatos de quebra de agulha durante a realização de EMG, mas com o esclarecimento que a quebra foi atribuída ao uso de agulhas reutilizáveis pelo seu desgaste, situação não identificada desde que são utilizadas agulhas descartáveis.
O facto provado 50, na sequência do que consta do facto provado 49, refere-se à realização do exame em causa na clínica ré, sendo que as regras da experiência comum e da dedução lógica, permitem concluir no sentido do que do facto consta, já que se apenas são conhecidos dois casos descritos na literatura, é porque não terá ocorrido qualquer outro.
Acresce que o facto, ao contrário do que a apelante terá entendido, não refere que os dois casos conhecidos terão acontecido em 2004, mas apenas que a ré realiza tais exames desde 2004.
De qualquer modo, esse facto não seria impeditivo da condenação da ré, já que poderia sempre ocorrer na situação concreta, a quebra da agulha, ainda que tal nunca tivesse acontecido antes.
O facto provado 71 retira-se do que consta do parecer junto aos autos, não havendo sequer sido alegado que não foi usada no exame realizado à autora, a agulha adequada para o efeito. O facto de se dizer que se trata de uma agulha dobrável e não quebrável, constitui a regra, o que não impede a existência de exceções, como os dois casos referidos no mesmo parecer.
Impugna a recorrente, ainda, os seguintes factos que foram dados como provados, e que pretende ver considerados como não provados:
- facto provado 58: “As mãos da Autora (e, designadamente, os músculos presentes nessa parte dos membros superiores) não constituíam objecto do EMG e, nesse sentido, não foram alvo de análise/estudo, durante a sua realização, as mãos da A. – nomeadamente a mão direta – não foram sujeitas a qualquer penetração da agulha, por parte do médico.”
- facto provado 59: “Foi utilizada apenas uma agulha concêntrica nova e descartável, com um total de 3 (três) centímetros de comprimento”.
- facto provado 60: “E, durante a realização do exame, apenas uma pequena fracção da agulha utilizada foi introduzida na pele da paciente, até atingir os músculos pretendidos”.
- facto provado 61: “O EMG realizado à Autora teve duração inferior a 30 (trinta) minutos e decorreu sem qualquer complicação, transtorno ou condicionante, não se tendo verificado qualquer situação anormal”.
- facto provado 68: “As mãos da Autora nunca foram alvo de inserção de agulha, no decurso do EMG”.
- facto provado 69: “O EMG realizado à Autora implicou tão-somente a introdução de uma pequena parte da agulha na pele e até ao músculo”.
- facto provado 70: “No EMG foi utilizada tão-somente uma agulha, controlada e monitorizada visualmente pelo médico, pelo que, se uma fração da mesma quebrasse, tal circunstância seria imediatamente detetável por ele e pela própria paciente”.
Vejamos.
No que diz respeito ao primeiro dos factos referidos (facto provado 58) e ao facto provado 68, os mesmos resultam do relatório do exame junto aos autos, o qual refere as partes do braço da autora que foram objeto do mesmo, bem como do parecer da especialidade que explica o teor desse relatório.
Quanto aos demais factos impugnados, consta do relatório do exame realizado que a eletromiografia foi realizada com agulha concêntrica, podendo presumir-se, segundo as regras da experiência comum, que tal agulha fosse nova e descartável, já que resulta do parecer da Subespecialidade de EEG e Neurofisiologia Clínica, que é esse tipo de agulhas que é utilizado atualmente.
Já quanto ao comprimento da agulha, entendemos que não há prova concreta sobre a respetiva medida, pelo que se elimina essa parte do facto 59.
Por sua vez, os restantes factos referidos, relacionados com a realização do exame, correspondem ao que resulta do que consta do parecer já mencionado, em conjugação com o relatório do exame, datado de 29-10-2015, nos quais se refere o tipo de exame, os locais do corpo da autora onde o exame foi feito, o que corresponde aos locais onde a agulha terá sido inserida, resultando também do parecer que se tivesse havido algum problema no decurso da realização do exame, o médico se teria apercebido e isso teria ficado registado no resultado do exame, nomeadamente nos respetivos gráficos, o que não ocorreu no caso, como se retira do relatório já mencionado e da análise que do mesmo foi feito e consta do mencionado parecer.
Aliás, a autora, apesar de afirmar que foi inserida uma agulha na mão, não sabe dizer os outros locais do braço onde tal aconteceu, porque disse que não pode olhar para agulhas, já que até desmaia, o que tira credibilidade ao seu depoimento, pelo menos, nesse aspeto.
A forma como o exame se processou foi também explicada pelo depoimento da testemunha DD, a qual subscreveu o relatório do exame, juntamente com o médico que o realizou, e que, embora não tendo estado presente durante a realização do exame, referiu, com interesse, que apenas é utilizada uma agulha, que se a agulha partir isso se reflete no monitor, explicando o procedimento habitual e referindo que não ocorreu qualquer anormalidade.
Por outro lado, não foi feita qualquer prova no sentido de que o exame não teria decorrido de forma normal, já que a autora não logrou fazer prova de que o objeto que lhe foi retirado da mão, correspondia à agulha que teria sido usada para executar o exame, nem sequer que o exame passou, em algum momento, pela inserção da agulha na mão direita da autora.
Nada há, pois, a alterar nos mencionados factos impugnados, com exceção do comprimento da agulha usada, pelo que se elimina essa parte do facto provado 59.
Finalmente, entende a apelante também que devem ser dados como não provados os factos provados 51 e 57, porque a mesma disse que não teve conhecimento dos riscos que o exame envolvia e que não foi informada dos respetivos procedimentos.
São os seguintes os factos em causa:
51. No momento da deslocação da Autora ao estabelecimento da Ré para efeito da realização do EMG, foi devidamente informada do tipo de exame a realizar, forma do procedimento e riscos inerentes, tendo-lhe sido entregue o documento informativo junto com a contestação.
57. O exame, de natureza simples, isento de riscos de relevo e por inúmeras vezes executado por aquele médico, consistiu na inserção de apenas uma agulha em determinadas zonas do membro superior direito da paciente, nomeadamente o braço e antebraço, a fim de captar padrões de transmissão entre determinados músculos e os nervos associados.
Ora, relativamente à entrega do documento informativo, à autora, para além de o mesmo ter sido referido por FF, representante da ré, as regras da experiência comum permitem concluir que tal acontece sempre que se procede a um exame desse tipo, exigindo alguns, até, que o utente assine um consentimento.
Quanto ao facto provado 57, resulta da documentação junta aos autos (relatório do exame) em que consiste o exame e tal foi também explicado no parecer já mencionado, pelo que nada há a alterar.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto, com a exceção referida supra, quanto ao comprimento da agulha utilizada.
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5. Do erro de julgamento de direito
Tal como a ação foi configurada pela autora/recorrente, estamos perante uma situação de responsabilidade civil médica, a qual pode ter simultaneamente, natureza extracontratual e contratual, como se vem entendendo na jurisprudência.
Tendo a autora/recorrente realizado o exame em causa, na Clínica ré, ainda que através de um médico a cuja relação com a ré, a autora é alheia, a realização do exame ocorreu no âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos – previsto no art. 1154.º do Código Civil, contrato que é definido como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, pelo que, estamos no domínio da responsabilidade civil contratual entre a autora e a ré.
No contrato de prestação de serviços em causa, o resultado mencionado no citado art. 1154.º do Código Civil, consiste na realização do exame e elaboração do respetivo relatório com as conclusões, empreendendo quem o realiza, todos os meios adequados à obtenção de tal resultado.
Por sua vez, perante uma situação de responsabilidade civil contratual, como referido supra, cabe fazer prova da verificação dos respetivos requisitos (que correspondem aos da responsabilidade civil extracontratual), como sejam, a prática de um ato (ou a omissão), ilícito, culposo, a verificação de um dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dito dano – arts. 483.º e 798.º do Código Civil.
A grande diferença entre os dois tipos de responsabilidade civil está na presunção de culpa prevista no art. 799.º, n º 1 do Código Civil, quanto à responsabilidade contratual.
Assim, considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, nos termos do referido art. 799.º, nº1 do CC, que consagra uma presunção de culpa do devedor.
Contudo, a presunção, como do próprio preceito resulta, refere-se, unicamente, à culpa, pelo que não fica a autora dispensada de fazer a prova (segundo as respetivas regras do ónus da prova – art. 342.º, nº 1 do CC) da existência do contrato e da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo.
Há, ainda, que considerar que no caso de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir, ou seja, a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.
No caso, a autora invocou a relação contratual com a clínica ré, mas não logrou fazer prova, desde logo, da prática de um qualquer ato ilícito por parte da clínica ou do médico que realizou o exame em causa, e que seria a introdução de uma agulha no dorso da mão direita da autora e a quebra dessa agulha, deixando parte da mesma no interior da mão.
O ónus da prova destes factos, cabia à autora/recorrente, como referido supra, e apenas uma vez feita esta prova, caberia, então, à ré, por forma a ver-se ilibada da responsabilidade, ilidir a presunção de culpa mencionada, fazendo prova de que o médico agiu de acordo com as leges artis.
Sucede que, em termos de prova surge o problema de o objeto retirado da mão da autora ter sido deitado para o lixo, já que no centro hospitalar eliminaram o objeto, pelo que não houve forma de saber o que era em concreto.
E também só cerca de um ano após o exame, é que há queixas da autora sobre a dor na mão, sendo que até aí era o problema das tendinites de que já sofria.
Lidos todos os registos clínicos e ouvido o depoimento da médica de família, e, ainda, analisado o parecer da especialidade que analisou o relatório de exame que foi entregue logo na altura, bem como os respetivos registos gráficos, conclui-se que não há qualquer evidência de a autora ter sido picada na mão.
Acresce, ainda, que quando a autora foi ao Centro Hospitalar, já em 2017, falou em acupuntura, apesar de agora dizer que nem sabia o que isso era e como se chamava o exame que fez, o que se afigura pouco credível, até porque se a autora tivesse relacionado a situação com o exame realizado na Clinica Ré, certamente que o teira referido.
Ora, assim sendo, da matéria de facto provada e não provada resulta que para além de a autora não ter logrado fazer a prova dos requisitos da responsabilidade civil que lhe competia fazer, não se provou igualmente, a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados de harmonia com as leges artis, pelo que se impõe concluir no sentido de que a ré sempre logrou ilidir a presunção de culpa.
Bem andou, pois, o tribunal a quo, quando julgou a ação improcedente.
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente (art. 527.º do CPC).
Porto, 2024-11-07
Manuela Machado
Paulo Duarte Teixeira
António Carneiro da Silva