CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NULIDADE DA DECISÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
RESPONSABILIDADE
PESSOA COLECTIVA
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
ABSOLVIÇÃO
Sumário

1- Prevendo-se, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 25.º e 39.º, n.º 4 do RCOLSS, quais as menções e demais requisitos que a decisão judicial deve conter, é à luz das mesmas – e não do art.º 374.º do Código de Processo Penal – que deve ser aferida a sua validade e regularidade, designadamente para efeitos do disposto no art.º 379.º. n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, este sim aplicável, devidamente adaptado, por força do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, por sua vez aplicável ex vi art.º 60.º do RCOLSS.
2- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, não se confunde com erro de julgamento, quer na vertente de insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (insindicável em sede de recurso para a Relação de decisão judicial proferida em processo de contra-ordenação laboral), quer na de verificação ou não verificação dos elementos objectivo e subjectivo da infracção em resultado da errada indagação, interpretação e aplicação do direito.
3- No regime jurídico das contra-ordenações laborais vigora o princípio da responsabilidade autónoma, pelo que a indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse do arguido não é relevante para preenchimento do tipo legal da infracção ou verificação de circunstâncias agravantes que tenham sido consideradas.
4- Sendo admissível, em sede de processo de contra-ordenação laboral, o arquivamento do mesmo por rejeição da acusação, este, enquanto acto de saneamento do processo, conforme decorre inequivocamente do art.º 311.º do Código de Processo Penal, há-de operar-se através da decisão da impugnação judicial por simples despacho, ficando precludido se o juiz a decidir mediante audiência de julgamento (cfr. art.º 39.º, n.ºs 1, 2 e 3 do RCOLSS); nesta última situação, a concluir-se que, não obstante o prosseguimento dos autos, a acusação enferma de deficiências insanáveis, a consequência a extrair é a absolvição do arguido.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
O presente recurso foi interposto pela arguida XX, S.A., por não se conformar com a sentença que, decidindo o recurso de impugnação judicial por ela interposto de decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho, concluiu:
«Pelo exposto, julgo a impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência:
1) Absolvo a Arguida relativamente à prática da contraordenação muito grave, a título de negligência, p. e p. pelos artigos 15.º, n.ºs 2, al. c), e 14, da Lei 102/2009, de 10/09, e artigos 554.º, n.ºs 4, al. e), e 5, e 556.º do Código do Trabalho - processo n.º 242100061;
2) Condeno a Arguida pela prática de uma contraordenação muito grave, a título de negligência, p. e p. pelos artigos 15.º, n.ºs 12 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10/09, e artigos 554.º, n.ºs 4, al. e), e 5, e 556.º, n.º 1, do Código do Trabalho, no pagamento de uma coima no valor de €9.180,00 (nove mil cento e oitenta euros) - processo n.º 242100060;
3) Condeno a Arguida pela prática de uma contraordenação muito grave, a título de dolo, p. e p. pelos artigos 25.º, n.ºs 1 e 8, e 554.º, n.ºs 4, al. e), e 5, do Código do Trabalho, no pagamento de uma coima no valor de €30.600,00 (trinta mil e seiscentos euros) - processo n.º 242100062;
4) Efetuo o cúmulo jurídico das duas coimas suprarreferidas, condenando a Arguida no pagamento da coima única no valor de €34.000,00 (trinta e quatro mil euros), por cujo pagamento respondem também, solidariamente com a Arguida, os seus administradores, nomeadamente a presidente do conselho de administração AA (NIF ...) e os vogais BB (NIF ...) e CC (NIF ...).
Custas a cargo da Arguida / recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 Uc’s – artigo 94º, n.º 3, do RGCO, e artigo 8.º, n.º 7, do RCP e Tabela III, anexa ao mesmo, ex vi artigos 59º e 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.»
Formula as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso de vem interposto da sentença proferida no dia 20 de Março de 2024, a qual manteve, em parte. a decisão proferida pelo Subdirector do CENTRO LOCAL DO OESTE da AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, condenando a Recorrente pela prática de uma contra-ordenação muito grave, a título de negligência, p. e p. pelos artigos 15.º, n.ºs 12 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 554.º, n.ºs 4, alínea e), e 5, e 556.º, n.º 1, do Código do Trabalho, no pagamento de uma coima no valor de € 9.180,00 (nove mil cento e oitenta euros), e pela prática de uma contra-ordenação muito grave, a título de dolo, p. e p. pelos artigos 25.º n.ºs 1 e 8, e 554.º, n.ºs 4, alínea e), e 5, do Código do Trabalho, no pagamento de uma coisa no valor de € 30.600,00 (trinta mil e seiscentos euros), acrescida de custas no montante de 3 UC, e não se conformando com a mesma, doravante designada por «decisão recorrida».
2. Da decisão recorrida (matéria de facto provada) não consta a descrição dos elementos objectivos e subjectivos das contra-ordenações imputadas, (não contém matéria de facto suficiente que permita dar como provada a violação, pela Recorrente, do tipo objectivo de ilícito previsto no artigo 15.º, n.º 12, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, pois a prescrição à trabalhadora DD de dois exames complementares de diagnóstico [ecografia das partes moles e EMG], porque não efectuada em contexto ou por causa de exame periódico de medicina no trabalho, não pode ser considerada «exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as acções necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho; a falta de narração dos concretos factos que permitiriam atestar a concreta capacidade de trabalho das trabalhadoras EE e FF, não permite dar como verificada a existência de conduta discriminatória da recorrente «em razão, nomeadamente, de […], capacidade de trabalho reduzida […]», tal como dispõem os artigos 25.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, do Código do Trabalho; e a falta de narração da intenção primordial da Recorrente [motivações da Recorrente e posterior interpretação da sequência lógica entre as motivações do agir e o desfecho da acção] não permite dar como provado que a Recorrente representou o risco de discriminar a trabalhadora DD e que se conformou com esse risco de resultado, estando, assim, excluído o dolo do tipo, particularmente na modalidade de dolo eventual), nomeadamente os que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na falta de cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz ou estava em condições de prestar, com o sentido do respectivo desvalor, razão pela qual a decisão recorrida é NULA por vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e por violação do princípio IN DUBIO PRO REO, sendo certo que tal vício, sendo insuprível, sob pena de violação do princípio do acusatório e do princípio da vinculação temática, tem como consequência jurídica a ABSOLVIÇÃO da Recorrente, nos termos dos artigos 338.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
3. Da decisão recorrida, que manteve a decisão administrativa, não consta a fundamentação quanto à determinação da medida da coima, ou seja, não existe nem consta da decisão recorrida a fundamentação respeitante às circunstâncias que determinaram a medida sanção, limitando-se o Tribunal a quo a colocar chancela sobre o iter seguido pela decisão administrativa, omitindo a avaliação e determinação da medida da coima aplicada, omitindo, portanto, um julgamento acerca da bondade e correcção da determinação e escolha da coima aplicada pela decisão administrativa, razão pela qual, a decisão recorrida, ao ter omitido uma apreciação acerca da correcção da escolha e determinação da coima é NULA por força do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável aos presentes autos ex vi do artigo 60.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e do artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
4. A decisão recorrida (e a acusação) não identifica a pessoa física que alegadamente não agiu com a diligência devida e o cuidado a que estava obrigada, porquanto não assegurou a realização ou pagamento dos exames solicitados pelo médico do trabalho, no âmbito da medicina do trabalho, como lhe era imposto por lei; e não identifica qual a pessoa física que alegadamente estabeleceu um tratamento diferenciado e discriminatório entre a trabalhadora DD e as trabalhadoras EE e FF quanto à justificação de faltas, em razão de limitações físicas e inerente reduzida capacidade para o trabalho da trabalhadora DD, sabendo que tal conduta era ilícita e conformando-se com ela, o que constitui violação do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e configura NULIDADE da decisão recorrida, de harmonia com o preceituado nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, em consonância com o preceituado no artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, impondo-se, assim, a absolvição da Recorrente.
5. Considerando que, por força da lei, a decisão da autoridade administrativa remetida a juízo equivale a uma acusação, que os factos aduzidos pelas partes constituem o objecto do processo e thema decidendum, e que da decisão administrativa não constam factos que permitam, enquanto realidades, acontecimentos ocorridos e espácio-temporalmente determinados, constatáveis objectivamente, extrair as inferências relevantes para o preenchimento dos elementos típicos de determinada conduta, afigura-se que faltando na mesma o necessário enquadramento fáctico, outra decisão se impunha ao Meritíssimo Juiz a quo, nomeadamente a de absolver a Recorrente com o subsequente arquivamento do processo, nos termos e para os efeitos das citadas disposições legais, razão pela qual, o Tribunal a quo, ao não ter rejeitado a decisão administrativa (enquanto acusação manifestamente infundada), violou o disposto nos artigos 39.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, bem como o disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi dos artigos 60.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, pelo que incorreu em erro de julgamento da matéria de direito.
6. Considerando que o fim associado à determinação de perda ou não perda de retribuição não englobou, nos casos de uma personalidade determinada por motivações normais como é o caso da Recorrente, a aceitação da diferenciação ou discriminação de uma trabalhadora (uma vez que as faltas consideradas justificadas, até oito horas mensais, podem não determinar a perda da retribuição, atendendo, nomeadamente, à avaliação de desempenho – cfr. pontos 54), 55) e 58) da matéria de facto provada), então resulta por demais evidente que a Recorrente não se conformou com aquele resultado, o que exclui o dolo do tipo, padecendo a decisão recorrida, assim, de erro de julgamento da matéria de direito por violação do artigo 14.º, n.º 3, do Código Pena, devendo a Recorrente ser absolvida da prática de contra-ordenação muito grave, p. e p. pelos artigos 25.º n.ºs 1 e 8, e 554.º, n.ºs 4, alínea e), e 5, do Código do Trabalho.
7. Da decisão recorrida não consta provado que a prescrição de 13.08.2019 tenha sido efectuada em contexto ou por causa de exame periódico de medicina no trabalho, assim como também não consta se essa mencionada prescrição foi feita a pedido da trabalhadora DD ou se foi feita por livre e espontânea vontade da médica, para que fosse exigível à Recorrente um especial dever de cuidado, razão pela qual, não resultando da matéria provada, a nível de ilicitude, que a Recorrente tenha assumido comportamento perigoso, violando as regras legais que determinam ser a entidade empregadora responsável pelo suporte e pagamento dos exames prescritos em sede de saúde no trabalho, e não resultando da matéria provada, a nível da culpa, que a Recorrente tenha adoptado uma atitude leviana ou de descuido, omitindo os mais elementares deveres de cuidado, é por demais evidente não estar provado qualquer comportamento negligente da Recorrente, padecendo a decisão recorrida, assim, de erro de julgamento da matéria de direito por violação do artigo 15.º, alíneas a) e b), do Código Penal, devendo a Recorrente ser absolvida da prática de contra-ordenação muito grave, a título de negligência, p. e p. pelos artigos 15.º, n.ºs 12 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, e artigos 554.º, n.ºs 4, alínea e), e 5, e 556.º, n.º 1, do Código do Trabalho.»
O Ministério Público na 1.ª instância não apresentou resposta ao recurso.
Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
2. Objecto do recurso
De acordo com o art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 50.º, n.º 4, do RCOLSS, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a decidir são:
- nulidade da decisão recorrida:
a) por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) por falta de fundamentação da decisão quanto às circunstâncias que determinaram a medida da sanção;
c) por falta de indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da recorrente;
- erro de julgamento da matéria de direito:
a) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 311.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal;
b) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 14.º, n.º 3, do Código Penal;
c) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 15.º do Código Penal.
3. Fundamentação de facto
3.1. Factos considerados provados:
# Da decisão impugnada / acusação:
1) No dia 06/02/2020, pelas 10 horas, a inspectora autuante, acompanhada pela inspectora do trabalho GG, efectuou uma visita inspetiva ao local de trabalho com a designação “ZZ”, sito na ..., onde a Arguida desenvolve a sua atividade comercial, com vista a verificar as condições de trabalho dos trabalhadores afetos àquele local em concreto;
2) Neste local de trabalho estão afetos cerca de 30 trabalhadores e funciona um laboratório que é constituído pelo laboratório de ensaios de microbiologia e pelo laboratório de ensaios de química analítica;
3) A equipa inspetiva foi recebida pela responsável e diretora do laboratório de ensaios, Eng.ª HH, trabalhadora da Arguida com a categoria profissional de engenheira química;
4) No laboratório de ensaios de química analítica funciona a equipa de ... (...), constituída pelas analistas II, DD e JJ;
5) A empresa tem o serviço de segurança e saúde no trabalho organizado na modalidade de serviço externo, assegurado pela empresa YY, S.A. e, internamente, o representante do empregador para acompanhamento dos serviços externos é assegurado pela Dr.ª KK;
6) A trabalhadora DD foi admitida como trabalhadora da Arguida em 3 de abril de 2006, com a categoria profissional de analista de 1ª;
7) A ficha de aptidão para o trabalho da trabalhadora DD, preenchida pela médica do trabalho, Dr.ª LL, relativa ao exame de saúde periódico realizado em 04/01/2017 indica como fatores de risco profissional a iluminação, a movimentação manual de cargas, trabalho com equipamentos dotados de visor, posições incorretas e químicos e consigna como resultado de aptidão para a sua função que a trabalhadora está apta condicionalmente, recomendando que, em situações de agudização clínica deve evitar cargas acima do 2,5 Kg e tarefas com movimentos repetitivos e de torção por solicitação do membro superior direito (dominante);
8) A ficha de aptidão para o trabalho da mesma trabalhadora, preenchida pela mesma médica do trabalho, relativa ao exame de saúde realizado em 09/03/2018, indica como fatores de risco profissional a iluminação, a movimentação manual de cargas, trabalho com equipamentos dotados de visor, posições incorretas, esforços e/ou movimento extremados, disposição incorreta dos componentes do posto de trabalho, queda de materiais ou objetos, utilização de equipamentos de trabalho, exposição a poeiras, aerossóis, fumos, gases e vapores e consigna como resultado de aptidão para a sua função que a trabalhadora está apta condicionalmente, mantendo as mesmas recomendações da ficha de aptidão anterior;
9) A ficha de aptidão para o trabalho da mesma trabalhadora, preenchida pela mesma médica do trabalho, relativa ao exame de saúde realizado em 13/08/2019, indica os mesmos fatores de risco profissional e consigna como resultado de aptidão para a sua função que a trabalhadora está apta condicionalmente e que, por motivo de saúde e de presumível doença profissional, se mantêm as recomendações da ficha de aptidão anterior;
10) Na consulta relativa ao exame de saúde realizado em 13/08/2019 a médica do trabalho prescreveu à trabalhadora DD dois exames complementares de diagnóstico: ecografia das partes moles e EMG;
11) A trabalhadora DD solicitou à Arguida a marcação dos referidos exames complementares de diagnóstico e em 03/10/2019 ainda não tinha obtido resposta;
12) Em 16.03.2020 a inspetora autuante notificou a Arguida para, além do mais:
… informar qual o tratamento que deu para a realização dos exames complementares de diagnóstico referidos no ponto 10);
… descrever e fundamentar, relativamente às recomendações efetuadas nas fichas de aptidão referidas nos pontos 7), 8) e 9), a forma como pôs em prática o procedimento previsto nos 3º, 4º, 5º e 6º parágrafos das páginas 5 e 6 da norma SOPGen001597/2 relativa à Gestão de Medicina do Trabalho;
13) Em resposta à notificação de 16.03.2020 a Arguida:
i. … informou que a realização dos exames complementares de diagnóstico foi encaminhada para a medicina familiar da trabalhadora e que não efetuou quaisquer diligências para a execução dos mesmos;
ii. … informou que “Por forma a dar cumprimento aos pontos 3 e 6 do Procedimento Gestão de Medicina do Trabalho "SOPGen001597/2", o Departamento de Recursos Humanos e os Serviços de SHT desenvolveram um ficheiro de controla de todos os exames (inclui exames complementares de diagnóstico) necessários efetuar a todos os colaboradores, nomeadamente à colaboradora DD. A título exemplificativo, o documento “Controlo Medicina-DD” demonstra a metodologia e os dados monitorizados. Na instalação da XX, S.A....existe uma pasta onde constam, por ordem alfabética, a última ficha de aptidão de cada um dos colaboradores que prestam serviço neste estabelecimento. Desta forma, cumpre-se o disposto no n.º 4 do Procedimento Gestão de Medicina do Trabalho "SOPGen001597/2". Esta pasta é atualizada pela representante da empresa para as matérias de HST. O disposto no n.º 5 do Procedimento Gestão de Medicina do Trabalho "SOPGen001597/2" é cumprido, uma vez que a avaliação de riscos é efetuada com a empresa de prestação de serviços internos, no entanto é entregue uma cópia Médica do Trabalho, sempre que há alteração do documento. Mais se informa que qualquer ficha de aptidão, cujo resultado contenha recomendações ou restrições, e comunicada às chefias diretas do colaborador em causa. Em simultâneo, os serviços HST estabelecem em conjunto com as chefias as medidas ou as ações a implementar, de fora a que as tarefas desempenhadas pelos colaboradores sejam executadas preservando a saúde dos mesmos”;
iii. … apresentou um documento de “controlo medicina – DD”, no qual se encontra registado a data do exame periódico realizado em agosto de 2019, as datas de agendamento dos exames de análises e ECG, a data do exame de saúde ocasional a pedido da Arguida, realizado em março de 2020, o respetivo resultado (apto condicional) e as observações do exame ocasional (as mesmas da ficha de aptidão anterior, acrescentando-se “aguarda reconhecimento de doença profissional já participada”, mas que não concretiza, nem descreve nem fundamenta as eventuais alterações e que medidas foram adotadas em função das limitações reportadas nas fichas de aptidão para o trabalho relativas à trabalhadora DD desde janeiro de 2017;
14) A Arguida não suportou os encargos relativos à realização dos exames referidos no ponto 10);
15) Na identificação de perigos, avaliação e controlo de riscos, datada de janeiro de 2020, apresentada no dia da visita inspetiva, no que diz respeito ao trabalho desenvolvido pelos analistas, o risco de lesão musculo esquelética está associado à movimentação manual de cargas, relativamente à qual são identificadas as medidas de controlo existentes;
16) Com exceção do trabalho desenvolvido na sala de lavagens relativamente ao qual aponta o risco de lesão musculo esquelética decorrente de movimentos repetitivos e esforço dos pulsos, ombros, cotovelos e membros inferiores, a referida identificação de perigos, avaliação e controlo de riscos não identifica outros fatores de risco que pudessem originar lesões músculo-esqueléticas dos membros superiores, como por exemplo os movimentos repetitivos e esforços e/ou movimentos extremados;
17) De uma forma geral as funções dos analistas passam por efetuar análises de estabilidade, que englobam diferentes ensaios, como por exemplo, o doseamento, compostos relacionados e o ensaio de humidade que implicam, entre outras tarefas preparar soluções, efetuando trasfega manual entre recipientes, retirar cada comprimido dos blisters e triturá-los manualmente num almofariz, com o auxílio de um pilão; e análises de libertação. Aos ensaios referidos acresce o ensaio dos corantes;
18) Para efetuar este ensaio é necessário retirar o revestimento de cada comprimido que, antes era efetuado de forma mecânica com o auxílio de um x-ato, passando depois a ser efetuado com ao auxílio de uma pinça, mergulhando-se cada comprimido numa solução durante o tempo necessário para que o revestimento se liberte na solução;
19) Para além destes ensaios, os analistas também têm que efetuar o despejo dos resíduos que resultam do seu trabalho, o que implica movimentação manual de cargas acima dos 2,5 Kg;
20) A trabalhadora MM, admitida como analista, terminou a respetiva licenciatura em 2015, e nessa sequência foi requalificada na carreira técnica assessora de laboratório, assim como a trabalhadora NN;
21) A trabalhadora DD em 24 de junho de 2019, foi alvo de um procedimento disciplinar por alegadamente ter desobedecido a uma ordem do seu superior hierárquico, a que foi aplicada a sanção de dois dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, sanção esta que a trabalhadora impugnou em tribunal;
22) Em 2019 a Arguida não pagou à trabalhadora DD o prémio por altura do Natal, já pago em anos anteriores, justificando a não atribuição do prémio nesse ano com base na avaliação de desempenho negativa, e devido à instauração de um procedimento disciplinar por a trabalhadora ter desobedecido ilegitimamente à ordem dada pela sua chefia direta;
23) No que diz respeito à avaliação de desempenho de 2019 da equipa ..., constituída pelas trabalhadoras II, DD e JJ, em relação ao objetivo 4, associado ao desempenho médio mensal, a trabalhadora DD obteve uma classificação de 2, a trabalhadora II obteve uma classificação de 4,5 e a trabalhadora JJ teve uma classificação de 4;
24) De acordo com o manual do avaliador, a avaliação é feita a partir de uma escala de 5 pontos (são aceites pontuações intermédias) conforme as seguintes indicações: a pontuação de 1 corresponde a “fraco” (inexistente na prestação do colaborador), a pontuação 2 corresponde a “ a melhorar” (pouco presente na prestação do colaborador), a pontuação 3 corresponde a “regular” (presente habitualmente na prestação do colaborador) a pontuação 4 corresponde a “Bom” (presente maioritariamente na prestação do colaborador) e a prestação de 5 corresponde a “excecional” (sempre presente na prestação do colaborador, sendo que as pontuações de graus extremos (1 e 5) carecem de justificação pelo avaliador;
25) De acordo com o quadro 4.4.2.3.1 relativo aos indicadores de desempenho da equipa, do relatório de atividades datado de 22/07/2020 a média mensal de lotes da equipa é 13, sendo que a média de lotes mensal da trabalhadora II é 13 (coincidente com a média da equipa), a da trabalhadora DD é de 12,5 (0.50 abaixo da média da equipa) e da trabalhadora JJ é de 13,50 (0,50 acima da medida da equipa);
26) No ano de 2018, a média de lotes mensal de lotes de libertação ponderados foi de 8,8 para II e JJ e de 7,7 para DD e na classificação do objetivo 4, relativo ao desempenho médio mensal, na avaliação de desempenho do ano de 2018 a trabalhadora II obteve uma classificação de 4,5, a trabalhadora JJ obteve uma classificação de 4 e a trabalhadora DD obteve uma classificação de 3;
27) Em 28/12/2020 a equipa inspetiva realizou uma segunda visita inspetiva ao mesmo local de trabalho, no decurso da qual foram questionadas HH e OO sobre a razão que justifica a diferença de classificação, no referido objetivo 4, entre a trabalhadora DD (classificada com 2) e II (classificada com 4,5), tendo a interlocutora remetido a resposta para a nota constante no início do relatório que refere que a trabalhadora DD tem limitações físicas que restringem o tipo de análises que consegue realizar autonomamente e implicam a realização de tasks partilhados, não estando a ser atribuídos nenhum dos ensaios cromatográficos de análise de produto acabado (doseamento e compostos relacionados), nem de dissolução;
28) A trabalhadora DD através de e-mail em 20/09/2019, informou a Diretora do departamento HH com conhecimento à sua chefe direta OO que necessitava ausentar-se no dia 27/09/2019, por motivo de ida a uma consulta no ..., a qual não mereceu oposição;
29) Em 18/10/2019, através de e-mail a trabalhadora DD comunicou à diretora HH que necessitava de faltar ao serviço no dia 28/10/2019, por motivo de ida a uma consulta no ..., entregando a respetiva justificação;
30) No dia 28/10/2019, entre as 09h30m e as 11h00m a trabalhadora DD esteve numa consulta de neurofisiologia na clínica “WW”, sita em ..., entregando a respetiva justificação à Arguida;
31) A Arguida considerou como faltas justificadas, com perda de retribuição, as ausências no período da manhã (4 horas) dos dias 27/09/2019 e 28/10/2019, que abrangeu o período das consultas, e como faltas injustificadas as ausências no período da tarde (4 horas) dos dias 27/09/2019 e 28/10/2019 por entender ser alheia ao facto das consultas terem sido realizadas na zona do ..., e considerou ainda perda de retribuição no período da manhã (4 horas) do dia 28/09/2019 (por corresponder esta a um sábado, dia de descanso da trabalhadora, imediatamente posterior ao dia da falta que considerou injustificada – cfr. artigo 256º, n.º 3, do Código do Trabalho);
32) A trabalhadora EE no dia 12/02/2020, entre as 08h25m e as 10h44m, esteve presente numa consulta de hematologia no Centro Hospitalar TT, e esta falta foi considerada justificada o dia inteiro, sem perda de retribuição;
33) A trabalhadora FF no dia 07/02/2020, entre as 11 e as 13 horas, esteve no Centro de Saúde de... (...) para uma consulta, sendo que a Arguida também considerou esta falta justificada, com retribuição durante todo o dia (09h ás 17h) em que a trabalhadora faltou;
34) A Arguida não agiu com a diligência devida e o cuidado a que estava obrigada, porquanto não assegurou a realização ou pagamento dos exames solicitados pelo médico do trabalho, no âmbito da medicina do trabalho, como lhe era imposto por lei;
35) Ao atuar nos termos descritos nos pontos 31) a 33), a Arguida estabeleceu um tratamento diferenciado e discriminatório entre a trabalhadora DD e as trabalhadoras EE e FF quanto à justificação de faltas, em razão limitações físicas e inerente reduzida capacidade para o trabalho da trabalhadora DD, sabendo que tal conduta era ilícita e conformando-se com ela, não tendo demonstrado a existência de motivos concretos e objetivos que justifiquem a diferença de tratamento nem que a mesma não assenta em qualquer fator de discriminação;
36) A Arguida desenvolve a atividade principal de “Indústria e comércio de produtos e especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos, dietéticos, de higiene, dermacosméticos e alimentar” - CAE 21201 – sendo legalmente representada pela presidente do conselho de administração AA (NIF ...) e pelos vogais BB (NIF ...) e CC (NIF ...);
37) No ano de 2019 a Arguida apresentou um volume de negócios no valor de €111.171.764,00;
# Da impugnação judicial:
38) O ZZ, referido no ponto 1) integra o UU cujas principais atividades são as seguintes:
 Execução experimental de estudos de estabilidade dos medicamentos desenvolvidos pelo XX, S.A.;
 Controlo de Qualidade de medicamentos e libertação de lotes para o mercado europeu;
 Caracterização in vitro (perfis de dissolução) de medicamentos a serem incluídos em ensaios clínicos;
 Suporte técnico à área regulamentar no âmbito de registo de medicamentos com o objetivo de obtenção de autorização de introdução no mercado;
39) O UU encontra-se organizado em cinco equipas (...1, ...2, ...3, ...4 e ...5);
40) As equipas ...1, ...2 e ...4 estão maioritariamente focadas na execução experimental de estudos de estabilidade de produto acabado;
41) A equipa ...5 é responsável pelo suporte técnico à área regulamentar no âmbito de resposta a ofícios farmacêuticos solicitados por autoridades regulamentares;
42) E a equipa ...3 é a única responsável pelas atividades de controlo de qualidade e libertação de lotes de produto acabado no mercado europeu, de diferentes tipos de medicamentos, entre os quais, medicamentos para a área cardiovascular e para a área oncológica, para que os mesmos possam entrar no circuito comercial, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional.
43) Atentas as limitações físicas da trabalhadora DD, consignadas nas fichas de aptidão referidas nos pontos 7) e 8), em 2018 a Arguida transferiu a trabalhadora da equipa ... para a equipa ...;
44) O trabalho experimental realizado nas equipas ...1, ...2 e ...4, apesar de também ser análise de produto acabado (comprimidos, cápsulas, etc.) como na equipa ..., implica um ritmo de trabalho experimental no laboratório mais intenso e prolongado;
45) Ao invés, na equipa ...3, dedicada ao trabalho analítico de controlo de qualidade de lotes de produto acabado destinados a comercialização, há um menor número de lotes para analisar em simultâneo, podendo se intercalar com mais frequência o trabalho de registo e tratamento de dados com o trabalho experimental;
46) A realização das análises de produto acabado, que embobam os seguintes ensaios: Aparência; Identificação – HPLC; Identificação – Corantes; Identificação IV; Massa média e uniformidade de massa; Determinação água – KF; Perda de peso por secagem; Dureza e dimensões; Doseamento e uniformidade de dosagem – HPLC; Compostos relacionados – HPLC; Dissolução; Solventes Residuais;
47) Em consequência das limitações físicas de que padecia, evidenciadas nas fichas de aptidão referidas nos pontos 7), 8) e 9), a trabalhadora DD:
a) … não conseguia executar os seguintes ensaios:
 Identificação – HPLC: não executa por ser método cromatográfico e implicar trituração prévia de comprimidos;
 Doseamento e uniformidade de dosagem – HPLC: não executa por ser método cromatográfico e implicar trituração prévia de comprimidos;
 Compostos relacionados – HPLC: não executa por ser método cromatográfico e implicar trituração prévia de comprimidos;
 Dissolução: não executa por implicar movimentação de cargas que podem em algumas situações ser superiores a 2,5 Kg;
 Solventes Residuais: não executa por implicar encapsulamento e desencapsulamento de frascos.
b) … conseguia executar parcialmente os ensaios seguintes, necessitando que os colegas de trabalho executassem parte dos mesmos:
 Identificação – Corantes: é necessário que os colegas de trabalho removam manualmente o revestimento dos comprimidos, quando aplicável;
 Identificação IV: é necessário que os colegas de trabalho triturem os comprimidos;
 Determinação água – KF: é necessário que os colegas de trabalho triturem os comprimidos;
 Perda de peso por secagem: é necessário que os colegas de trabalho triturem os comprimidos.
c) …. apenas conseguia executar os ensaios seguintes, sem necessitar que os colegas de trabalho executassem parte dos mesmos:
 Aparência
 Massa média e uniformidade de massa
 Dureza e dimensões
 Identificação – Corantes, desde que não implique remoção manual do revestimento dos comprimidos.
48) Devido às limitações físicas de que padecia a trabalhadora DD, evidenciadas nas fichas de aptidão referidas nos pontos 7), 8) e 9), a mesma passou a ser auxiliada na realização dos ensaios por outros colegas que asseguravam, nomeadamente, a preparação prévia de comprimidos por trituração ou a abertura de cápsulas ou o desencapsulamento de frascos ou o carregamento de pesos mais elevados;
49) Apesar das limitações físicas descritas nas suas Fichas de Aptidão, a trabalhadora DD conseguia, em regra, executar os ensaios relativos à análise de matérias-primas ou excipientes sem necessitar que os colegas de trabalho executassem parte dos mesmos uma vez que, por se tratar de matéria prima (pó), não implicavam trituração prévia como no caso de comprimidos, apenas não conseguindo executar o ensaio de Determinação de Solventes Residuais por implicar encapsulamento e desencapsulamento de frascos;
50) No UU o número de solicitações para a análise de matérias-primas ou excipientes é muito reduzida, sendo mais representativa nas instalações da Arguida sitas em ...;
51) Neste enquadramento, a Arguida através de comunicação datada e entregue à trabalhadora DD no dia 01 de Julho de 2020, comunicou-lhe a transferência temporária do seu local de trabalho para as instalações da Recorrente, sitas na Rua..., a partir do dia 13 de Julho de 2020, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«XX, S.A., vem, pela presente, comunicar-lhe, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 196.º, do Código do Trabalho, e ao abrigo do acordo constante na cláusula quarta do contrato de trabalho celebrado em 03 de Abril de 2006 («O local de prestação de trabalho será nas instalações da 1ª outorgante sitas em ..., assumindo no entanto e desde já o 2º outorgante o compromisso de se deslocar ou ser transferido para qualquer outro local, desde que tal mudança ou transferência seja necessária à actividade comercial da 1.ª outorgante.»), a transferência temporária do seu local de trabalho para as instalações da Empresa sitas na Rua..., a partir do dia 01 de Julho de 2020 e por um período previsível de 2 (dois) anos, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
Atentas as limitações físicas que se encontram descritas nas suas últimas Fichas de Aptidão, para o caso de situações de agudização clínica, ou seja, evitar cargas acima dos 2,5 Kg e evitar tarefas com movimentos repetitivos e de torção, por solicitação do membro superior direito (dominante), na maioria dos casos, para as análises de produto acabado, a sua possibilidade de contribuição é muito reduzida.
Assim, está apenas a ser-lhe atribuída, por exemplo, a realização de ensaios de determinação automática de dimensões e dureza, titulação automática por reação Karl-Fisher, métodos de identificação UV ou identificação por reação química.
E mesmo para estes ensaios, a preparação prévia de comprimidos por trituração ou a abertura de cápsulas ou o desencapsulamento de ampolas têm de ser realizada por outros colegas de trabalho.
Por outro lado, não lhe estão a ser atribuídos quaisquer dos ensaios cromatográficos de análise de produto acabado (doseamento, compostos relacionados) nem de quantificação de dissolução.
Ao invés, no caso de tarefas envolvendo a análise de matérias primas ou excipientes (normalmente contendo apenas ensaios físicos e de Química Clássica), apesar das limitações físicas que se encontram descritas nas suas últimas Fichas de Aptidão, consegue, por norma, realizar a totalidade dos ensaios, sem que o trabalho tenha de ser partilhado com outros colegas de trabalho.
Porém, o número de solicitações para estas análises é muito reduzido no ..., sito na ... (no ano de 2020 foi feita, até à presente data, a análise de apenas 6 lotes dos referidos excipientes).
Pelo contrário, nas instalações da Empresa sitas na Rua..., encontra-se a área em que a análise de matérias primas e excipientes é mais representativa.
Aqui chegados, importa ter presente que, nos termos do disposto no artigo 194.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, quando outro motivo do interesse da empresa o exija.
Acresce que, de acordo com a cláusula quarta do contrato de trabalho celebrado em 03 de Abril de 2006, «O local de prestação de trabalho será nas instalações da 1ª outorgante sitas em ..., assumindo no entanto e desde já o 2º outorgante o compromisso de se deslocar ou ser transferido para qualquer outro local, desde que tal mudança ou transferência seja necessária à actividade comercial da 1.ª outorgante.»
Nestes termos, considerando que, nas instalações da Empresa sitas na Rua..., se encontra a área em que a análise de matérias primas e excipientes é mais representativa, e que, no caso de tarefas envolvendo a análise de matérias primas ou excipientes, apesar das limitações físicas que se encontram descritas nas suas últimas Fichas de Aptidão, consegue, por norma, realizar a totalidade dos ensaios, sem que o trabalho tenha de ser partilhado com outros colegas de trabalho, o interesse da Empresa exige a transferência temporária do seu local de trabalho para essas instalações, a partir do dia 13 de Julho de 2020 e por um período previsível de 2 (dois) anos, pois, nessas instalações poderá efectuar o trabalho de uma forma mais autónoma, independente e produtiva.»
52) A trabalhadora DD, através da comunicação subscrita pela Dra. PP, na qualidade de Advogada da mesma, e que foi enviada à Administração da Recorrente, no dia 07 de Julho de 2020, opôs-se à referida a transferência temporária do seu local de trabalho
53) Através de comunicação datada e enviada no dia 09 de Julho de 2020, a Arguida respondeu à Senhora Dra. PP (com conhecimento à trabalhadora DD através de carta registada com aviso de receção datada de 09 de Julho de 2020 e expedida no dia 10 de Julho de 2020) nos termos seguintes:
«Acusamos a recepção da v/comunicação de 07 de Julho de 2020, sobre o assunto em epígrafe, que mereceu a nossa melhor atenção, e apenas lamentamos que V. Exa. não tenha tido a mesma diligência em responder ao e-mail que lhe foi enviado pelo Advogado da XX, S.A., Senhor Dr. QQ, no dia 25 de Maio de 2020, o qual, até à presente data ainda não teve qualquer resposta.
No que respeita à v/comunicação de 07 de Julho de 2020 sobre a transferência temporária de local de trabalho da n/trabalhadora DD, a mesma padece de evidentes equívocos.
Assim, desde logo, V. Exa. refere que não foi cumprido o prazo legal de comunicação prévia previsto no artigo 196.º, do Código do Trabalho.
Vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 196.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o empregador deve comunicar a transferência ao trabalhador, por escrito, com 8 ou 30 dias de antecedência, consoante esta seja temporária ou definitiva.
A transferência de local de trabalho da n/trabalhadora DD é temporária.
A transferência de local de trabalho da n/trabalhadora DD foi-lhe comunicada no dia 01 de Julho de 2020.
No dia 01 de Julho de 2020, foi comunicada à n/trabalhadora DD, a transferência temporária de local de trabalho a partir do dia 13 de Julho de 2020.
Nestes termos, é por demais evidente que foi cumprido o prazo legal de comunicação prévia previsto no artigo 196.º, do Código do Trabalho.
Por outro lado, a Empresa não consegue compreender a que se refere V. Exa. quando afirma que «em momentos que não convém à empresa não reconhecem as referidas limitações (físicas)».
Na verdade, as limitações físicas da n/trabalhadora DD foram, desde sempre, tidas em consideração pela Empresa, nomeadamente, e desde logo, na reestruturação e alargamento do quadro de pessoal do Departamento, ocorrido em 2018, tendo a mesma sido integrada numa Equipa de trabalho (internamente designada por Equipa ..., dedicada ao trabalho analítico de Controle de Qualidade de Lotes destinados a comercialização), onde as tarefas atribuídas comportam menos lotes a analisar em simultâneo.
No que respeita à duração da transferência temporária de local de trabalho da n/trabalhadora DD, V. Exa. refere que, de acordo com a lei, não pode exceder os 6 meses.
Porém, V. Exa. omite que, nos termos do disposto no artigo 194.º, n.º 3, do Código do Trabalho, a transferência temporária não pode exceder 6 meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
In casu, pelos motivos constantes da comunicação da Empresa datada de 01 de Julho de 2020, a transferência temporária de local de trabalho da n/trabalhadora DD para as suas instalações sitas na Rua..., é exigida pelo interesse da Empresa, pelo que a duração da mesma poderá exceder os 6 meses, sendo o período previsível de 2 anos referido na comunicação da Empresa datada de 01 de Julho de 2020 apenas e tão-só isso mesmo, ou seja, um período previsível, cuja duração até poderá ser de apenas 3, 6 ou 9 meses, por exemplo, porque dependerá, única e exclusivamente, da duração das limitações físicas da n/trabalhadora DD.
Finalmente, quanto ao invocado prejuízo sério da n/trabalhadora DD com a transferência temporária de local de trabalho, importa ter presente que o mesmo não pode consubstanciar-se num mero transtorno ou medir-se simplesmente pelo acréscimo da distância ou do tempo de deslocação, mas deve ser entendido no sentido de dano relevante, com alteração substancial das condições de vida do trabalhador, não se restringindo aos prejuízos patrimoniais, podendo reflectir-se em aspesctos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica.
Porém, v/comunicação de 07 de Julho de 2020, V. Exa. limita-se a alegar que a transferência temporária de local de trabalho da n/trabalhadora DD consubstancia-se numa distância superior a 70 kms diários.
Nestes termos, a Empresa não reconhece o invocado prejuízo sério da n/trabalhadora DD com a transferência temporária de local de trabalho.
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 194.º, n.º 4, do Código do Trabalho, a Empresa custeará as despesas da n/trabalhadora DD decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação com a transferência temporária de local de trabalho.
Por último, na v/comunicação de 07 de Julho de 2020, V. Exa. omite que o acordo constante na cláusula quarta do contrato de trabalho celebrado em 03 de Abril de 2006 com a n/trabalhadora DD («O local de prestação de trabalho será nas instalações da 1ª outorgante sitas em ..., assumindo no entanto e desde já o 2º outorgante o compromisso de se deslocar ou ser transferido para qualquer outro local, desde que tal mudança ou transferência seja necessária à actividade comercial da 1.ª outorgante.»).
Nestes termos, informamos V. Exa. que, no caso da n/trabalhadora DD não comparecer nas instalações da Empresa, sitas na Rua..., a partir do dia 13 de Julho de 2020, incorrerá em faltas injustificadas, com as consequências retributivas e disciplinares que se encontram legalmente previstas.
E, no caso da n/trabalhadora DD comparecer nas instalações da Empresa, sitas na ..., a partir do dia 13 de Julho de 2020, então, será legitimamente impedida de prestar trabalho.
A Empresa enviará uma cópia da presente comunicação à n/trabalhadora DD.»
54) Nas avaliações de desempenho de 2018 e 2019 a trabalhadora DD teve as seguintes avaliações:

Avaliação 2018Avaliação 2019
Desempenho2,221,38
Atuação Profissional0,790,51
Atitude pessoal0,800,20
Total3,812,09

55) Na avaliação de desempenho da trabalhadora DD de 2018 tinha sido salientado como ponto de melhoria para 2019 a aplicação de mais esforço na procura de estratégias que permitissem aumentar o desempenho mensal, o que não sucedeu;
56) A progressão de carreira na Arguida não é automática, pois não se define pelo mero decurso do tempo ou pela obtenção de habilitações académicas, sendo igualmente dependente da Avaliação de Desempenho periodicamente efetuada;
57) A atribuição do prémio anual na Arguida depende de uma avaliação da performance profissional do trabalhador (espelhada pelo resultado da Avaliação de Desempenho), do ajustamento comportamental, nível de absentismo, não tendo sido pago à trabalhadora DD em 2019 em função da avaliação de desempenho negativa e da instauração de um procedimento disciplinar;
58) Na Arguida, as faltas consideradas justificadas, até oito horas mensais, podem não determinar a perda da retribuição, por proposta da chefia e decisão da Diretora de Recursos Humanos, atendendo, nomeadamente, ao histórico de absentismo, à avaliação de desempenho, à disponibilidade para compensar o tempo da falta, à ausência de antecedentes disciplinares.
3.2. Factos considerados não provados:
# Da decisão impugnada / acusação:
1) A trabalhadora DD acabou por recorrer ao serviço nacional de saúde para realizar os exames complementares de diagnóstico referidos no ponto 10) dos factos provados;
2) O trabalho desenvolvido na sala de lavagens referido no ponto 16) dos factos provados não é desempenhado por analistas, mas sim por trabalhadoras auxiliares de laboratório e de limpeza, identificadas no organograma;
3) A tarefa de despejar os resíduos foi a única tarefa que a trabalhadora DD deixou de fazer, na sequência de um acidente de trabalho sofrido em 18/11/2019, tendo continuado a executar todas as restantes tarefas que implicam movimentos repetitivos e de torção do membro superior, como retirar os comprimidos do blister, triturar comprimidos no almofariz com o pilão e descascar comprimidos com x-ato, tarefa essa que realizava pedindo ajuda aos colegas;
4) A trabalhadora DD continuou a reportar às suas chefias as dificuldades em realizar determinadas tarefas que lhe foram dadas, nomeadamente o ensaio dos corantes, por ter de utilizar a mão direita em movimentos repetitivos (retirar os comprimidos do blister e proceder à sua lavagem), sem que a Arguida lhe retirasse essas tarefas, e, a partir de 18/11/2019 informou a trabalhadora de que quando fosse necessário solicitasse o auxilio das colegas de equipa, tal como já vinha fazendo;
5) Apesar de as fichas de aptidão médica, em três anos consecutivos (2017, 2018, 2019), consagrarem que a trabalhadora DD, estava apta condicionalmente para a função com a recomendação de que deve evitar tarefas com movimentos repetitivos e de torção por solicitação de membro superior, associados a esforços e/ou movimentos extremados, a Arguida não assegurou que a mesma não realizasse tarefas que implicassem esses mesmos movimentos;
6) A Arguida não garantiu a identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades desenvolvidas naquele serviço, com vista à eliminação dos mesmos ou, se inviável, à redução dos seus efeitos, nomeadamente o risco de lesões músculo-esqueléticas dos membros superiores resultante de movimentos repetitivos e esforços e/ou movimentos extremados, por parte dos analistas;
7) O documento apresentado pela Arguida relativo à descrição de funções da trabalhadora DD e datado de 2015, é generalista e não é esclarecedor quanto às tarefas por si desempenhadas;
8) A trabalhadora DD terminou a sua licenciatura em 2014 e o mestrado em 2016, e manifestou por diversas vezes aos seus superiores a vontade de desempenhar tarefas de complexidade superior de acordo com as habilitações adquiridas, sem obter resposta por parte da Arguida;
9) A Arguida nunca deu à trabalhadora DD a oportunidade de progredir na carreira profissional, ao contrário do que aconteceu com as trabalhadoras, MM e NN que também terminaram a licenciatura e/ou mestrado já ao serviço da empresa, embora tal tivesse sido solicitado pela trabalhadora;
10) Desde que foi admitida a trabalhadora DD, tal como todos os trabalhadores sempre recebeu por altura do natal um prémio, pago pela Arguida;
11) A Arguida não tinha previamente definidos os critérios objetivos de atribuição desse prémio que dava a todos os trabalhadores;
12) A Arguida não justificou objetivamente o não pagamento do prémio de 2019 à trabalhadora DD;
13) O objetivo 4 (desempenho médio mensal), mensurável e quantificável, é classificado a partir dos indicadores de desempenho da equipa (período de janeiro a dezembro de 2019), expressos no quadro 4.4.2.3.1 relativo à média mensal de lotes analisados, do relatório de atividade, datado de 22/07/2020;
14) No desempenho objetivo, medido em percentagem das trabalhadoras II, DD e JJ relativo ao período de janeiro a dezembro de 2019 verifica-se que a trabalhadora DD apresenta um quadro intermédio, nunca inferior a 8%, comparativamente com as outras colegas, as quais em que alguns indicadores e nalguns meses apresentaram resultados de 0%;
15) Os registos da atividade diária executada pelas trabalhadoras DD, JJ e II em 2019 demonstram que:
… ao longo do ano de 2019, a trabalhadora DD executou a generalidade do trabalho (Doseamentos, compostos relacionados, dissolução, corantes, dureza, aspeto, desagregação, titulação por KF, entre outros) e que, só após 18/11/2019, data em que ocorreu o acidente de trabalho, passou a executar as tarefas em sistema de task partilhados;
… a atividade diária executada pelas trabalhadoras JJ e II até meados do mês de novembro de 2019 (Doseamento, compostos relacionados, dissolução, aspeto, dureza, desagregação, corantes, titulação por KF, entre outros) é semelhante à atividade desempenhada pela sua colega de equipa DD;
16) A Arguida não fundamentou com critérios objetivos as pontuações negativas dadas à trabalhadora DD, assentando maioritariamente a sua avaliação no facto da trabalhadora DD ter limitações físicas que restringem o tipo de análises que conseguia realizar autonomamente, e de necessitar da ajuda dos colegas para a realização de algumas tarefas, e em critérios subjetivos que foram determinantes na avaliação final dada à trabalhadora, nomeadamente a ponderação do relacionamento interpessoal com a chefia e a identificação com a missão da organização;
17) Devido a diferença de tratamento, a trabalhadora DD sentiu-se discriminada e prejudicada pela Arguida, nomeadamente em razão da reduzida capacidade para o trabalho por motivos de saúde, e por ter exercido o seu direito de contestar em tribunal o processo disciplinar de que foi alvo em julho de 2019;
18) A Arguida não agiu com a diligência devida e o cuidado a que estava obrigada por, tendo sido identificado pelo menos uma trabalhadora que apresentava um quadro clínico condicionado na execução de determinadas tarefas, não ter garantido a identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades desenvolvidas naquele serviço, com vista à eliminação dos mesmos ou, se inviável, à redução dos seus efeitos;
19) A Arguida estabeleceu, relativamente à trabalhadora DD em comparação com as trabalhadoras II e JJ, um tratamento diferenciado no que diz respeito à avaliação de desempenho;
20) A Arguida estabeleceu, relativamente à trabalhadora DD um tratamento diferenciado em relação a todos trabalhadores no que diz atribuição de prémios;
# Da impugnação:
21) Os exames complementares de diagnóstico referidos no ponto 10) dos factos provados (ecografia das partes moles e EMG) não foram prescritos pela médica do trabalho na consulta e em contexto de medicina do trabalho realizada à trabalhadora DD em 13 de Agosto de 2019, tendo sido prescritos a pedido da própria trabalhadora, fora do contexto do exame periódico de medicina do trabalho, sendo alheios ao mesmo;
22) Devido às limitações físicas de que padecia a trabalhadora DD evidenciadas nas fichas de aptidão referidas nos pontos 7), 8) e 9) dos factos provados, na realização das análises de produto acabado, apenas lhe estava a ser atribuída pela trabalhadora OO a realização de ensaios de determinação automática de dimensões e dureza, a titulação automática por reação Karl-Fisher, métodos de identificação UV e IV, identificação por reação química, não lhe sendo atribuídos quaisquer ensaios cromatográficos de análise de produto acabado (doseamento do princípio ativo e determinação de compostos relacionados), nem de quantificação de dissolução, nem de determinação de solventes residuais por cromatografia gasosa;
23) Nas avaliações de desempenho de 2018 e 2019 as trabalhadoras MM e NN tiveram avaliações superiores às da trabalhadora DD (referidas no ponto 55) dos factos provados) em todas as componentes, nomeadamente as seguintes:

Avaliação 2018MMNN
Desempenho2,72,64
Atuação Profissional0,900,83
Atitude pessoal0,800,80
Total4,404,27
Avaliação 2019MMNN
Desempenho2,72,58
Atuação Profissional0,880,84
Atitude pessoal0,80,80
Total4,384,22


24) No dia 15 de Maio de 2019, no UU, a trabalhadora DD, no âmbito de uma auditoria, recusou-se a realizar um doseamento de substância ativa por HPLC num lote de produto acabado, desrespeitando a sua chefia direta, virando-lhe as costas e resolveu dedicar a totalidade do dia, apenas, à realização da análise de HPLC, não rentabilizando o seu tempo de trabalho com outras tarefas que poderiam ter sido realizadas paralelamente.
4. Apreciação do recurso
4.1. A Recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida:
a) por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) por falta de fundamentação da decisão quanto às circunstâncias que determinaram a medida da sanção;
c) por falta de indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da Recorrente.
Vejamos.
Estabelece o art.º 60.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09 (RCOLSS), sob a epígrafe «Direito subsidiário», que, sempre que o contrário não resulte daquela lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.
Por seu turno, estabelece o art.º 41.º, n.º 1 do regime geral das contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, também com a epígrafe «Direito subsidiário», que, sempre que o contrário não resulte daquele diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
Ora, dispõe o art.º 39.º do RCOLSS:
Decisão judicial
1 - O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
5 - Em caso de absolvição, o juiz indica porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.
Por outro lado, na medida em que a decisão judicial pode basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa, tem interesse atender ao teor do art.º 25.º do mesmo diploma, na parte em que dispõe:
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:
a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material.
(…)
5 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infracção.
6 - A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.
Apesar de invocar estas disposições legais, a Recorrente não retirou das mesmas o seu sentido normal e útil, conforme ao princípio básico do direito segundo o qual só se recorre ao direito subsidiário quando inexista norma que directamente regule a situação em causa.
Com efeito, prevendo-se nos termos das disposições conjugadas dos arts. 25.º e 39.º, n.º 4 do RCOLSS quais as menções e demais requisitos que a decisão judicial deve conter, é à luz das mesmas – e não do art.º 374.º do Código de Processo Penal – que deve ser aferida a sua validade e regularidade, designadamente para efeitos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, este sim aplicável, devidamente adaptado, por força do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, por sua vez aplicável ex vi art.º 60.º do RCOLSS.
Constata-se, pois, que o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social é menos exigente do que o Código de Processo Penal nesta matéria, o que, para além de consentâneo com a menoridade dos valores e interesses sociais envolvidos nos ilícitos de mera ordenação social, comparativamente com os ilícitos criminais, atende ainda a que, havendo recurso para a Relação, esta, em regra, apenas conhece da matéria de direito (art.º 51.º, n.º 1 do RCOLSS), ou seja, como diz António Santos Abrantes Geraldes1, “[o] recurso em matéria de facto está limitado às situações referidas no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pelo que, em regra, a Relação apenas aprecia matéria de direito, funcionando, na prática, como tribunal de revista”, em termos que se podem equiparar aos do Supremo Tribunal de Justiça no processo penal.
Aqui chegados, verifica-se que a Recorrente invoca como 1.º fundamento de nulidade da decisão recorrida (Conclusão 2.ª), precisamente, a insuficiência para a mesma da matéria de facto provada, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, em virtude de não conter factualidade atinente: a que a prescrição médica tenha sido efectuada em contexto ou por causa de exame periódico de medicina no trabalho; à concreta capacidade de trabalho das trabalhadoras EE e FF; e ao dolo eventual na discriminação da trabalhadora DD.
Antes de mais, sublinha-se que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, não está prevista como causa de nulidade da decisão no art.º 379.º, n.º 1, al. a), sendo sim um fundamento de recurso susceptível de determinar o reenvio do processo para novo julgamento, se necessário, de acordo com o art.º 426.º, ambos do mesmo diploma legal.
Posto isto, é certo que, nos termos do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do art.º 50.º, n.º 4 do RCOLSS, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou c) erro notório na apreciação da prova.
Isto é, para além da sua tipicidade, “[t]êm tais vícios da matéria de facto, deste modo, de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos (v. Ac. do STJ de 31/1/90, BMJ-393º, pág. 333; Ac. do STJ de 20/6/90, Col. STJ, 1990, T. 3, pág. 22; Ac. do STJ de 11/6/92, BMJ-418º, pág. 478; Ac. do STJ de 8/1/97, BMJ-463º, pág. 189; Ac. do STJ de 5/3/97, BMJ-465º, pág. 407; Ac. do STJ de 9/4/97, BMJ-466º, pág. 392; Ac. do STJ de 17/12/97, BMJ-472º, pág. 407; Ac. do STJ de 27/1/98, BMJ-473º, pág. 148; Ac. do STJ de 10/2/98, BMJ-474º, pág. 351; e Ac. do STJ de 9/12/98, BMJ-482º, pág. 68), não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo (v. Ac. do STJ de 19/12/90, BMJ-402º, pág. 232) e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo (v. Ac. Rel. de Coimbra de 5/2/97, BMJ-464º, pág. 627).
Os vícios da matéria de facto em referência não podem, designadamente, ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pelo recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art.º 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art.º 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos”2.
Concretizando, conforme ensina o Prof. Germano Marques da Silva3, no que respeita à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, "[é] necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida".
Ora, ao contrário do pretendido pela Recorrente, a decisão recorrida não apresenta quaisquer lacunas relevantes da matéria de facto provada, designadamente:
- sob os pontos 9) e 10) consta factualidade demonstrativa de que a prescrição médica foi efectuada em contexto ou por causa de exame periódico de medicina no trabalho;
- da matéria de facto provada resulta que a trabalhadora DD apresentava limitações físicas e inerente reduzida capacidade para o trabalho e dos pontos 28) a 33) e 35), em particular, consta que a Arguida estabeleceu um tratamento diferenciado entre aquela e as trabalhadoras EE e FF quanto a justificação de faltas, em razão daquelas limitações físicas e reduzida capacidade para o trabalho, o que é uma ilação lógica de nada constar quanto à capacidade de trabalho das trabalhadoras EE e FF;
- sob o ponto 35) descreve-se o elemento subjectivo / dolo eventual na discriminação da trabalhadora DD.
Conforme resulta do acima exposto, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com erro de julgamento, quer na vertente de insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, aqui insindicável, quer na de verificação ou não verificação dos elementos objectivo e subjectivo da infracção em resultado da errada indagação, interpretação e aplicação do direito.
Neste sentido, veja-se a numerosa jurisprudência citada no Parecer do Ministério Público, para que se remete.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
A Recorrente invoca, como 2.º fundamento de nulidade da decisão recorrida (Conclusão 3.ª), a falta de fundamentação quanto à determinação da medida da coima.
Diz-se na sentença recorrida:
«- Das coimas:
A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação, conforme determina o n.º 1 do artigo 18.º do RGCO.
Para fixar as coimas parcelares a decisão impugnada ponderou os seguintes elementos:
(…) - No que toca à gravidade das contraordenações, são imputadas à Arguida contraordenações três (3) contraordenações classificadas pela lei como muito graves.
- Nada se apurou em concreto quanto ao benefício económico retirado da prática da contraordenação, contudo o mesmo cifrar-se-á, pelo menos, na vantagem económica que a Arguida retirou em termos concorrenciais, nomeadamente, por não assumir os encargos com os exames de diagnóstico que foram requisitados em sede de medicina no trabalho, e no valor do prejuízo sofrido pela trabalhadora pela incorreta justificação de faltas, por comparação com uma empresa concorrente que cumpra tais regras.
- Quanto à situação económica, foi considerado o volume de negócios referente ao ano de 2019, no valor de € 111.171.764,00 (relatório único).
- A medida da coima reflete a culpa da Arguida, por um lado, baseada numa atuação negligente por violação de deveres de cuidado a que estava obrigada por lei. E, por outro, numa atuação dolosa na sua dimensão mais leve, na medida em a Arguida que agiu com determinação na obtenção do resultado a que se propôs”.
Após tal ponderação, as coimas aplicadas pela decisão impugnada à Arguida por cada uma das infrações cuja condenação se confirma, foram aplicadas pelos seus limites mínimos ou seja:
- pela contraordenação muito grave, a título de negligência, p. e p. pelos artigos 15.º, n.ºs 12 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10/09, e 554.º, n.º 4, al. e), e n.º 5, e 556.º, n.º 1, do Código do Trabalho - processo n.º 242100060: coima no valor de €9.180,00;
- pela contraordenação muito grave, a título de dolo, p. e p. pelos artigos 25.º, n.ºs 1 e 8, e 554.º, n.º 4, al. e), e n.º 5, do Código do Trabalho – processo n.º 242100062: coima no valor de €30.600,00.
Assim sendo, não podendo o valor das coimas ser inferior e não podendo o tribunal agravá-las (cfr. artigo 72º-A do RGCO), nenhum reparo há que fazer ao valor das coimas parcelares.
- Do cúmulo jurídico das coimas:
Determinadas as coimas unitárias importa proceder ao seu cúmulo jurídico, tendo presente o disposto no artigo 19º do RGCO, condenando a Arguida numa coima única que não pode ser inferior ao valor da coima unitária aplicada de valor mais elevado - €30.600,00 – nem exceder a soma do valor das coimas concretamente aplicadas - €39.780,00 (€30.600,00 + €9.180,00).
Dentro de tal moldura e ponderando a ilicitude global da conduta da Arguida, tendo presente o número de infrações e os fatores já aludidos no âmbito da determinação das coimas parciais, considero adequada e proporcional a fixação da coima única em € 34.000,00.»
Relembrando-se que, de acordo com o art.º 39.º, n.º 4 do RCOLSS, o juiz deve fundamentar a sua decisão, designadamente, quanto às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa, só resta concluir que a decisão recorrida não padece da omissão em apreço e, por conseguinte, não é nula4.
A Recorrente invoca, como 3.º fundamento de nulidade da decisão recorrida (Conclusão 4.ª), a falta de indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da recorrente.
Nos termos do art.º 548.º do Código do Trabalho, constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima. E, de acordo com o art.º 551.º, n.º 1 do mesmo diploma, o empregador é o responsável pelas contra-ordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respectivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.
A este propósito, veja-se o Parecer n.º 11/2013, de 16 de Setembro, do Ministério Público - Procuradoria-Geral da República5, em cujo sumário se diz:
“5 - A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num "defeito estrutural da organização empresarial" (defective corporate organization) ou "culpa autónoma por défice de organização", quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
6 - A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.
7 - O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva.”
Trata-se de entendimento acolhido pacificamente na jurisprudência, conforme se exemplifica com o Acórdão da Relação de Lisboa de 26-04-2022, proferido no processo n.º 664/21.1Y4LSB.L1-56, em cujo sumário se refere:
“– Contrariamente ao Código Penal que exige no art.11 um facto individual de conexão entre quem age e a pessoa coletiva (em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem), o art.º 7, do Regime Jurídico das contraordenações não faz referência a tal conexão, sendo as pessoas coletivas e as pessoas singulares colocadas em posição de igualdade: ambas são indiferenciadamente destinatárias das normas que tipificam contraordenações e das coimas nelas cominadas.
– Compreende-se a diferença de regimes do Código Penal e do Regime Jurídico das contraordenações, pois apesar da responsabilidade contraordenacional não dispensar o pressuposto da culpa, esta é distinta da culpa penal já que a culpa jurídico-penal implica um juízo de censura sobre o comportamento do agente, enquanto no direito de mera ordenação social o que ocorre é um juízo de mera advertência social, efetuado pelas autoridades administrativas.
– Considerando a complexidade que pode ter uma organização empresarial, em certos casos pode tornar-se ineficaz a procura de identificação do agente concreto, uma vez que um ato poderá passar por mais de um órgão, não sendo por vezes fácil determinar a pessoa concreta que agiu, exigindo-se, apenas, a certeza que a infração foi cometida no seio da instituição (pessoa coletiva).
– No regime contraordenacional é admissível a imputação de um facto à pessoa coletiva sem que seja necessária a ocorrência de uma transferência da culpa e da ação dos agentes individuais para a pessoa jurídica pois esta, ao nível das contraordenações, possui culpa própria.”
Retornando à situação dos autos, desde logo se constata que a 1.ª infracção pela qual a Recorrente foi condenada – falta de marcação ou pagamento de exames médicos – traduz-se numa omissão de conduta, pelo que, pela natureza das coisas, pressupõe que nenhuma pessoa singular tenha efectuado a marcação ou pagamento.
De qualquer modo, provou-se que a Arguida não diligenciou pela realização ou pagamento dos exames médicos, assim como se provou que a Arguida considerou injustificadas ou justificadas com perda de retribuição as faltas da trabalhadora DD, diferentemente de duas colegas, nos termos acima consignados, como a Recorrente, aliás, reconhece, contestando a ilicitude e censurabilidade de tais condutas.
A este propósito, reproduz-se pela sua pertinência o que se diz no seguinte segmento do Parecer do Ministério Público:
«Quanto ao primeiro facto é a própria Recorrente que defende e assume a não obrigatoriedade da assunção do pagamento dos mencionados exames médicos, facto de que deu conhecimento à ACT- veja-se o facto provado sob o nº 13,- e que constitui um dos fundamentos da impugnação judicial da decisão administrativa, como resulta da referida peça processual.
Não se vê como pode a Recorrente, com um mínimo de seriedade, defender a nulidade da sentença com fundamento na não menção da pessoa física que recusou a realização dos referidos exames, quando é ela própria que, nas suas diversas interacções com a ACT, enjeita de forma sistemática, essa responsabilidade.
O mesmo se diga quanto à conduta discriminatória de que a trabalhadora foi alvo.
Como decorre da fundamentação da matéria de facto, o facto provado sob o nº 31 resultou expressamente reconhecido pela Arguida, quer no doc. 13 anexo ao auto de notícia, quer na própria impugnação.
Ora, reconhecendo a Recorrente a posição por si assumida quanto à justificação das faltas das trabalhadoras e nomeadamente, quanto à não justificação das faltas da trabalhadora DD, mostra-se demonstrada a paternidade da mencionada decisão, sem que seja necessário precisar se a mesma foi veiculada por intermédio do departamento de recursos humanos da Recorrente, da Diretora do Departamento HH ou da chefe direta da trabalhadora, OO.»
Em suma, no regime jurídico das contra-ordenações laborais vigora o princípio da responsabilidade autónoma, pelo que a indicação das pessoas singulares que actuaram em nome e no interesse da Arguida não é relevante para preenchimento do tipo legal da infracção ou verificação de circunstâncias agravantes que tenham sido consideradas.
Por outras palavras, a decisão recorrida não é omissa quanto à descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, o que basta para que não padeça de qualquer nulidade relacionada com a fundamentação de facto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 25.º e 39.º, n.º 4 do RCOLSS e art.º 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, aplicável por força do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, por sua vez aplicável ex vi art.º 60.º do RCOLSS.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.
4.2. A Recorrente invoca erro de julgamento da matéria de direito:
a) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 311.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal;
b) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 14.º, n.º 3, do Código Penal;
c) por violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 15.º do Código Penal.
A Recorrente sustenta, em 1.º lugar, que o tribunal recorrido deveria ter rejeitado a acusação constituída pela decisão da autoridade administrativa remetida a juízo, na medida em que não constam do mesmo factos que permitam o preenchimento dos elementos típicos das infracções imputadas, conforme antes demonstrado (Conclusão 5.ª).
Ora, é certo que, em processo de contra-ordenação laboral, a decisão administrativa, em caso de impugnação judicial, vale como acusação ao ser apresentada ao juiz pelo Ministério Público, nos termos do art.º 37.º do RCOLSS, e tem de observar o disposto no art.º 25.º deste diploma, acima transcrito, designadamente deve conter a descrição dos factos imputados ao arguido.
Todavia, a entender-se que é admissível nessa sede o arquivamento do processo por rejeição da acusação, este, enquanto acto de saneamento do processo, conforme decorre inequivocamente do art.º 311.º do Código de Processo Penal, há-de operar-se através da decisão da impugnação judicial por simples despacho, ficando precludido se o juiz a decidir mediante audiência de julgamento (cfr. art.º 39.º, n.ºs 1, 2 e 3 do RCOLSS), como sucedeu no caso em apreço; nesta última situação, a concluir-se que, não obstante o prosseguimento dos autos, a acusação enferma de deficiências insanáveis, a consequência a extrair é a absolvição do arguido7.
De qualquer modo, retornando ao caso em apreço, constata-se que a Recorrente nada concretiza quanto à alegada insuficiência da matéria de facto constante da decisão administrativa/acusação, limitando-se a remeter para as insuficiências antes apontadas à decisão judicial, que, de qualquer modo, se julgaram não verificadas (v. ponto 4.1.).
Acresce ainda que, compulsada a decisão administrativa, só pode concluir-se que observa inteiramente o preceituado no citado art.º 25.º do RCOLSS, como bem refere o Ministério Público no seguinte trecho do seu Parecer:
«No caso em apreço verificamos que a decisão da autoridade administrativa contém todos os requisitos exigíveis consagrados no mencionado artigo: procede à identificação do sujeito responsável pela infração, à descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, à indicação das normas segundo as quais se pune e à fundamentação da decisão, fixando ainda a coima em cúmulo jurídico.
Mostrando-se a decisão administrativa completa quanto aos mencionados requisitos formais e de conteúdo, inexistia fundamento para que fosse determinado o arquivamento dos autos.»
Em face do exposto, improcede também o recurso nesta parte.
A Recorrente invoca, seguidamente, violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 14.º, n.º 3, do Código Penal (Conclusão 6.ª), na medida em que, podendo as faltas consideradas justificadas, até oito horas mensais, determinar ou não a perda da retribuição, atendendo, nomeadamente, à avaliação de desempenho, conforme pontos 54), 55) e 58) da matéria de facto provada, resulta por demais evidente que a Recorrente não se conformou com um resultado de discriminação entre as trabalhadoras identificadas, o que exclui o dolo.
Vejamos.
Resulta da aplicação devidamente adaptada do art.º 14.º, n.º 3 do Código Penal que, quando a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.
Sobre a infracção em apreço, provou-se com interesse o seguinte:
28) A trabalhadora DD através de e-mail em 20/09/2019, informou a Directora do departamento HH com conhecimento à sua chefe directa OO que necessitava ausentar-se no dia 27/09/2019, por motivo de ida a uma consulta no ..., a qual não mereceu oposição;
29) Em 18/10/2019, através de e-mail a trabalhadora DD comunicou à directora HH que necessitava de faltar ao serviço no dia 28/10/2019, por motivo de ida a uma consulta no ..., entregando a respetiva justificação;
30) No dia 28/10/2019, entre as 09h30m e as 11h00m a trabalhadora DD esteve numa consulta de neurofisiologia na clínica “WW”, sita em ..., entregando a respectiva justificação à Arguida;
31) A Arguida considerou como faltas justificadas, com perda de retribuição, as ausências no período da manhã (4 horas) dos dias 27/09/2019 e 28/10/2019, que abrangeu o período das consultas, e como faltas injustificadas as ausências no período da tarde (4 horas) dos dias 27/09/2019 e 28/10/2019 por entender ser alheia ao facto das consultas terem sido realizadas na zona do ..., e considerou ainda perda de retribuição no período da manhã (4 horas) do dia 28/09/2019 (por corresponder esta a um sábado, dia de descanso da trabalhadora, imediatamente posterior ao dia da falta que considerou injustificada – cfr. art.º 256.º, n.º 3, do Código do Trabalho);
32) A trabalhadora EE no dia 12/02/2020, entre as 08h25m e as 10h44m, esteve presente numa consulta de hematologia no Centro Hospitalar TT, e esta falta foi considerada justificada o dia inteiro, sem perda de retribuição;
33) A trabalhadora FF no dia 07/02/2020, entre as 11 e as 13 horas, esteve no Centro de Saúde de... (...) para uma consulta, sendo que a Arguida também considerou esta falta justificada, com retribuição durante todo o dia (09h às 17h) em que a trabalhadora faltou;
35) Ao actuar nos termos descritos nos pontos 31) a 33), a Arguida estabeleceu um tratamento diferenciado e discriminatório entre a trabalhadora DD e as trabalhadoras EE e FF quanto à justificação de faltas, em razão das limitações físicas e inerente reduzida capacidade para o trabalho da trabalhadora DD, sabendo que tal conduta era ilícita e conformando-se com ela, não tendo demonstrado a existência de motivos concretos e objectivos que justifiquem a diferença de tratamento nem que a mesma não assenta em qualquer factor de discriminação;
54) Nas avaliações de desempenho de 2018 e 2019 a trabalhadora DD teve as seguintes avaliações:

Avaliação 2018Avaliação 2019
Desempenho2,221,38
Atuação Profissional0,790,51
Atitude pessoal0,800,20
Total3,812,09

55) Na avaliação de desempenho da trabalhadora DD de 2018 tinha sido salientado como ponto de melhoria para 2019 a aplicação de mais esforço na procura de estratégias que permitissem aumentar o desempenho mensal, o que não sucedeu;
58) Na Arguida, as faltas consideradas justificadas, até oito horas mensais, podem não determinar a perda da retribuição, por proposta da chefia e decisão da Diretora de Recursos Humanos, atendendo, nomeadamente, ao histórico de absentismo, à avaliação de desempenho, à disponibilidade para compensar o tempo da falta, à ausência de antecedentes disciplinares.
Em face do exposto, como é bom de ver, a argumentação da Recorrente improcede inteiramente, por duas ordens de razões.
Desde logo, as faltas da trabalhadora DD só em parte foram consideradas justificadas, tendo sido consideradas injustificadas as ausências nos períodos da tarde, enquanto as faltas das trabalhadoras EE e FF foram consideradas justificadas na totalidade, sem que se vislumbre qualquer fundamento para a diferenciação.
As faltas consideradas injustificadas, para além da perda de retribuição, relevam para outros efeitos importantes na posição do trabalhador da empresa, designadamente disciplinares e perda de antiguidade, pelo que, nesta parte tão significativa da factualidade, sempre seria irrelevante a alegação da Recorrente.
Acresce que, mesmo na parte em que as faltas foram consideradas justificadas, não se provaram factos suficientes para demonstrar que a diferenciação quanto à perda de retribuição que foi imposta à trabalhadora DD e não o foi às trabalhadoras EE e FF teve enquadramento no provado sob o ponto 58), pois para tanto não basta o que se provou sob os pontos 54) e 55).
Improcede, pois, a pretensão da Recorrente.
Finalmente, a Recorrente sustenta que se verifica violação pela decisão recorrida do disposto no art.º 15.º do Código Penal (Conclusão 7.ª), na medida em que, não estando provado que a prescrição médica de 13.08.2019 foi efectuada em contexto ou por causa de exame periódico de medicina no trabalho, nem se foi feita a pedido da trabalhadora DD ou por livre e espontânea vontade da médica, não está provado qualquer comportamento negligente da Recorrente.
Vejamos.
Decorre da aplicação devidamente adaptada do art.º 15.º do Código Penal que age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
Sobre a infracção em apreço, consideraram-se provados, com interesse, os seguintes factos:
9) A ficha de aptidão para o trabalho da mesma trabalhadora, preenchida pela mesma médica do trabalho, relativa ao exame de saúde realizado em 13/08/2019, indica os mesmos factores de risco profissional e consigna como resultado de aptidão para a sua função que a trabalhadora está apta condicionalmente e que, por motivo de saúde e de presumível doença profissional, se mantêm as recomendações da ficha de aptidão anterior;
10) Na consulta relativa ao exame de saúde realizado em 13/08/2019, a médica do trabalho prescreveu à trabalhadora DD dois exames complementares de diagnóstico: ecografia das partes moles e EMG;
11) A trabalhadora DD solicitou à Arguida a marcação dos referidos exames complementares de diagnóstico e em 03/10/2019 ainda não tinha obtido resposta;
12) Em 16.03.2020 a inspetora autuante notificou a Arguida para, além do mais:
… informar qual o tratamento que deu para a realização dos exames complementares de diagnóstico referidos no ponto 10);
(…)
13) Em resposta à notificação de 16.03.2020 a Arguida:
i. … informou que a realização dos exames complementares de diagnóstico foi encaminhada para a medicina familiar da trabalhadora e que não efectuou quaisquer diligências para a execução dos mesmos;
(…)
iii. … apresentou um documento de “controlo medicina – DD, no qual se encontra registado a data do exame periódico realizado em agosto de 2019, (…)
14) A Arguida não suportou os encargos relativos à realização dos exames referidos no ponto 10);
34) A Arguida não agiu com a diligência devida e o cuidado a que estava obrigada, porquanto não assegurou a realização ou pagamento dos exames solicitados pelo médico do trabalho, no âmbito da medicina do trabalho, como lhe era imposto por lei;
Por outro lado, considerou-se não provada a seguinte factualidade alegada pela Arguida no recurso de impugnação judicial:
21) Os exames complementares de diagnóstico referidos no ponto 10) dos factos provados (ecografia das partes moles e EMG) não foram prescritos pela médica do trabalho na consulta e em contexto de medicina do trabalho realizada à trabalhadora DD em 13 de Agosto de 2019, tendo sido prescritos a pedido da própria trabalhadora, fora do contexto do exame periódico de medicina do trabalho, sendo alheios ao mesmo.
Em suma, ao contrário do sustentado pela Recorrente, resulta à saciedade da factualidade provada que os dois exames complementares de diagnóstico (ecografia das partes moles e EMG) foram prescritos pela médica do trabalho na consulta relativa ao exame periódico de medicina do trabalho realizado em 13/08/2019, pelo que a conduta da Arguida foi manifestamente negligente ao não diligenciar pela sua realização ou pagamento.
Improcede, pois, o recurso na totalidade.
5. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Lisboa, 6 de Novembro de 2024
Alda Martins
Francisca Mendes
Maria José Costa Pinto
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1. Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pág. 169.
2. Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2005, in www.dgsi.pt.
3. Curso de Processo Penal, ed. Verbo, 2000, III Vol, pp. 339-342.
4. V. Acórdão da Relação de Guimarães de 29-06-2017, proferido no processo n.º 4318/16.2T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
5. Publicado no Diário da República n.º 178/2013, Série II de 2013-09-16, páginas 28814 – 28827.
6. Disponível em www.dgsi.pt.
7. V. Acórdão da Relação de Guimarães de 30-06-2016, proferido no processo n.º 808/16.5T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.