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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
COMPENSAÇÃO
EXCEPÇÃO DE COMPENSAÇÃO
Sumário
I - Em face da redação do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, na redação atualmente em vigor a compensação deve ser sempre exercida através de reconvenção. II - É admissível a reconvenção em acção de divisão de coisa comum, onde não esteja em causa a indivisibilidade do prédio, através da qual a Ré pretende ver reconhecido um crédito sobre o autor no montante de 47.519,81€ correspondente aos encargos com os imóveis da responsabilidade de ambos que assumiu sozinha, relativos ao valor das prestações do empréstimo contraído por ambos, ao valor da quotização do condomínio, do seguro de vida e do edifício e das entradas de capital na aquisição, para que no momento do preenchimento do quinhão de cada um dos consortes, caso o imóvel seja adjudicado a um deles, quer na repartição do preço pelo qual venha a ser vendido a terceiro, opere a compensação do referido crédito, na proporção de metade. III - Tendo a Ré operado a compensação na contestação, por via de excepção, o juiz, ao abrigo dos poderes de gestão processual contidos no art.6º do CPC, visando ainda garantir a igualdade das partes, deve proferir despacho de aperfeiçoamento da contestação, no sentido de a Ré a convolar a excepção de compensação de créditos em reconvenção, devendo esta cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação. IV - Neste caso, a acção de divisão de coisa comum passa a prosseguir os termos do processo comum, e só posteriormente, se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO:
O autor, AA, divorciado, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua…, Sacavém, intentou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra a ré, BB, divorciada, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, no Carregado. Alegou, em síntese, que autor e ré são proprietários, em comum e partes iguais, da fração autónoma designada pela letra «R» correspondente ao 4.º andar direito, destinada a habitação e da fração autónoma designada pela letra «F» correspondente à subcave, arrecadação n.º 1 e estacionamento n.º 1, ambas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, no Carregado, atual União de Freguesias de Carregado e Cadafais, do concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da mesma união de freguesias, sendo indivisíveis e não pretendendo manter-se na indivisão.
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A ré contestou a ação, não tendo colocado em causa a indivisibilidade das frações autónomas nem a proporção das quotas, deduziu a exceção de compensação, pretendendo ver reconhecido um crédito sobre o autor no montante de 47 519,81 € correspondente aos encargos com os imóveis da responsabilidade de ambos que assumiu sozinha, relativos ao valor das prestações do empréstimo contraído por ambos, ao valor da quotização do condomínio, do seguro de vida e do edifício e das entradas de capital na aquisição, para que no momento do preenchimento do quinhão de cada um dos consortes, caso o imóvel seja adjudicado a um deles, quer na repartição do preço pelo qual venha a ser vendido a terceiro, opere a compensação do referido crédito, na proporção de metade.
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Foi fixada à causa o valor de 110 413,84 € (cento e dez mil quatrocentos e treze euros e oitenta e quatro cêntimos) – artigos 302.º, n.º 2, 299.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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A Senhora Juíza proferiu despacho procedendo ao julgamento sumário da causa, na fase declarativa, decidindo as questões suscitadas pelo pedido de divisão.
E nele indeferiu a exceção de compensação por inadmissibilidade legal e a contestação e julgou a ação procedente, declarando a indivisibilidade das frações autónomas acima identificadas.
Relegou-se para final a fixação da responsabilidade pelas custas.
Ordenou que, após trânsito, fossem os autos conclusos para ser designada data para a conferência a que se reporta o n.º 2 do art. 929.º do CPC.
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É o seguinte o teor do despacho proferido no Tribunal a Quo:
Considerado que não existiam nulidades ou excepções dilatórias, foi apreciada a excepção de compensação, com a prolação do seguinte despacho:
Da exceção de compensação
Dispõe o art. 266.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 2, alínea c), que a reconvenção é admissível «quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor». De acordo com o entendimento que se vem sedimentando na jurisprudência, a compensação de créditos implica sempre a dedução de reconvenção, não podendo, pois, ser arguida como exceção, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido – cf. acórdãos do TRL de 12-11-2015, do TRP de 8-7-2015 e do TRC de 7-6-2016, em www.dgsi.pt, proc. n.ºs 138557/14.0YIPRT.L1-2, 19412/14.6YIPRT-A.P1 e 139381/13.2YIPRT.C1, respetivamente. Como salientado por PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO «(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847.º, n.º 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584.º) (…). Considerando que o momento previsto no art. 3.º, n.º 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. (…)» - cf. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, Vol. I, Almedina, 2014, 2.ª Ed., em anotação ao art. 266.º, p. 259-260. No caso vertente, ressalta à evidência que o crédito invocado pela ré não se encontra judicialmente reconhecido. Pelo que apenas pela via do pedido reconvencional (que não foi deduzido) poderia operar a pretendida compensação, independentemente dos valores em causa.
Sucede que a ação especial de divisão de coisa comum segue duas tramitações distintas, consoante os autos permitam o julgamento sumário da causa ou o impossibilitem face à respetiva complexidade. Neste último caso, e apenas neste, o tribunal determinará o prosseguimento dos termos do processo comum. No primeiro caso, os autos mantêm a forma especial, aplicando-se o disposto no art. 294.º - cf. n.ºs 2 e 3 do art. 926.º do Código de Processo Civil. Ora, estabelece ainda o n.º 3 do art. 266.º do Código de Processo Civil que não é admissível reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos (que não é o caso) ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 37.º, com as necessárias adaptações. No caso em apreço, por um lado, é de decidir sumariamente a causa, como se esclareceu, sendo a forma de processo especial, que não admite articulados para além da petição inicial e da contestação, aplicando-se-lhe as regras dos incidentes na produção de prova, e a de processo comum, que comporta a dedução de pedido reconvencional por se lhe seguirem os demais articulados (réplica), incompatíveis. Por outro lado, a questão que seria suscitada na reconvenção não poderia ser sumariamente decidida, sem necessidade de mais prova, ao contrário da questão da divisão. Acresce que não se suscita qualquer questão quanto à determinação da quota de cada um dos consortes, nem o crédito invocado contende com a referida determinação. Em rigor, constituem questões totalmente irrelevantes para a atribuição da percentagem da quota dos consortes em confronto e, além disso, tratar-se-ia de direitos de crédito a discutir em ação declarativa comum intentada para o efeito, que não a vertente ação especial de divisão de coisa comum – cf. acórdãos do TRC de 28-1-2014 e do TRL de 8-5-2012, www.dgsi.pt, respetivamente proc. 201/12.9T2ALB.C1 e 2800/09.8T2SNT.L1-7. Termos em que se impõe concluir pela inadmissibilidade da invocação da exceção de compensação. Não existem nem foram arguidas quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
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O processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação das questões suscitadas com o pedido de divisão.
Com efeito, não foi contestada a indivisibilidade das frações autónomas a que se referem os autos. Impondo-se concluir que a prova testemunhal apresentada pela ré se reporta à matéria da exceção, que não foi admitida, não sendo, por isso, de produzir. Cumpre, pois, apreciar e decidir.
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FACTOS PROVADOS:
Estão assentes, porque documentalmente provados (certidão permanente do registo predial e cadernetas prediais de ambas as frações e certidão da sentença que decretou o divórcio) os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. A fração autónoma designada pela letra «R», correspondente ao quarto andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, no Carregado, atual União de Freguesias de Carregado e Cadafais, do concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º .../Carregado e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da mesma União de freguesias, destinada a habitação, encontra-se inscrita a favor do autor e da ré, em comum e partes iguais, pela apresentação n.º … de 13/03/2006 - cf. certidão permanente do registo predial da fração R de 30/10/2023 e caderneta predial urbana de 28/10/2023.
2. A fração autónoma referida em 1., destina-se a habitação, tem a área de 155 m2 e é composta por quatro divisões assoalhadas, cozinha, despensa, duas casas de banho, dois vestíbulos, duas varandas, arrecadação com o n.º 2 e estacionamento com o n.º 2 na cave e arrecadação no sótão do lado direito.
3. Pela apresentação n.º … de 13/03/2006 encontra-se inscrita hipoteca voluntária a favor de Banco Santander Totta, S.A. para garantia de empréstimo no valor máximo assegurado de 193 190,55 € sobre a fração autónoma referida em 1.
4. Em 2020 o valor patrimonial tributário da fração autónoma identificada, foi fixado em 106 174,88 € (cento e seis mil cento e setenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) – cf. caderneta predial urbana de 28/10/2023.
5. A fração autónoma designada pela letra «F», correspondente à arrecadação n.º 1 e estacionamento n.º 1 na subcave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, no Carregado, atual União de Freguesias de Carregado e Cadafais, do concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º .../Carregado e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da mesma União de freguesias, afeta a estacionamento coberto, encontra-se inscrita a favor do autor e da ré, em comum e partes iguais, pela apresentação n.º … de 17/04/2006 - cf. certidão permanente do registo predial da fração F de 30/10/2023 e caderneta predial urbana de 28/10/2023
6. A fração autónoma referida em 5., tem a área de 12,50 m2 e é composta de arrecadação e estacionamento.
7. Em 2022 o valor patrimonial tributário da fração autónoma identificada em 5, foi fixado em 4 238,96 € (quatro mil duzentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos) – cf. caderneta predial urbana de 28/10/2023.
8. Autor e ré casaram um com o outro, em 13 de maio de 2017, sem convenção antenupcial, casamento que foi dissolvido por divórcio sem consentimento do outro cônjuge decretado por sentença de 21 de março de 2018, transitada em julgado a 3 de maio de 2018, proferida pelo Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte no processo n.º 4675/16.0T8VFX – cf. certidão de 27/06/2019 da sentença com nota de trânsito em julgado.
Dispõe o art. 925.º, 1, do Código de Processo Civil que «todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas». Está assente que autor e ré são comproprietários de ambas as frações autónomas, na proporção de metade. Ora, qualquer das frações autónomas é insuscetível de divisão em substância nos termos do art. 209.º do Código Civil, a contrario sensu. Face à factualidade apurada, importa, assim, concluir que as frações autónomas identificadas são indivisíveis.
Pelo exposto e decidindo, indefiro a exceção de compensação por inadmissibilidade legal e a contestação e julgo a ação procedente, declarando a indivisibilidade das frações autónomas acima identificadas.
Relega-se para final a fixação da responsabilidade pelas custas.
Registe e notifique.
Após trânsito, conclua para ser designada data para a conferência a que se reporta o n.º 2 do art. 929.º do CPC.
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A Ré BB inconformada com o teor da decisão veio interpor recurso, concluindo da forma seguinte:
A) O Tribunal a quo julgou pela inadmissibilidade da invocação da exceção de compensação deduzida pela Ré/Recorrente em sede de Contestação, invocando que a compensação de créditos implica sempre a dedução de reconvenção.
B) Ora, da interpretação literal da alínea c) do n.º 2 do artigo 266º do CPC, resulta que a
compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não impõe, que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.
C) Salvo o devido respeito ao douto Tribunal, conclui-se que a decisão de inadmissibilidade da exceção de compensação é restritiva e castradora dos direitos de defesa da Ré/Recorrente, pondo, ainda, em causa o disposto no artigo 571º do CPC, o qual admite que na Contestação a Ré se defenda por impugnação e/ou por exceção.
D) Neste sentido, ao nível da defesa por exceção prevê o n.º 2 do artigo 571º do CPC que a defesa possa alegar factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que sirvam de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo Autor.
E) Ademais, o Tribunal a quo não considerou admissível a reconvenção quando ao pedido da Ré/Recorrente corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do Autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos no n.º 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
F) No entanto, à Ré/Recorrente não foi dada qualquer oportunidade de apresentar reconvenção, tendo-lhe sido vedada ainda a possibilidade de aperfeiçoar o seu articulado e elaborar um pedido reconvencional que consagrasse o crédito que pretendia ver reconhecido.
G) Ora, a não observância de convite de aperfeiçoamento do articulado da Ré/Recorrente, por forma a que a mesma pudesse deduzir pedido reconvencional a fim de lhe ser reconhecido o crédito, viola o princípio da adequação formal, nos termos do artigo 547.º do CPC, na medida em à Ré/Recorrente é vedada uma solução global e justa do litígio.
H) Ao deixar de valorizar os factos supramencionados, o Mmº Juiz do Tribunal a quo, limitou-se a determinar que as frações autónomas são insuscetíveis de divisão, declarando a indivisibilidade das frações, indeferindo a exceção de compensação por inadmissibilidade legal e a contestação, pelo que deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, nomeadamente quanto ao reconhecimento do crédito e à proporcionalidade respeitante ao Autor e à Ré/Recorrente.
I) Demonstrado nos autos que as frações em apreço é propriedade comum do Autor a e da Ré, e que o mesmo é impassível de divisão deveria o Tribunal a quo fixar as respetivas quotas.
J) Embora considere o Tribunal a quo que “Está assente que autor e ré são comproprietários de ambas as frações autónomas, na proporção de metade” o mesmo não se encontra especificado nem tão pouco é esclarecido, porquanto não teve o douto Tribunal especial atenção para o crédito que a Ré/Recorrente alegou ter em sede de Contestação.
K) Seria de extrema importância, a consignação e reconhecimento referente ao crédito relativos aos encargos assumidos pela Ré/Recorrente e a ausência de participação do Autor.
L) Pois, na realidade, é a Ré/Recorrente que tem direito a quota superior das frações, uma vez que foi a mesma, com recurso a capitais próprios a suportar os encargos decorrentes das frações desde Dezembro de 2016.
M) No âmbito da divisão de coisa comum, o que se pretende é aferir da divisibilidade ou não do imóvel e cessação da compropriedade (seja por adjudicação ou venda). Tal pedido, veiculado tanto na petição inicial como na contestação, relativo à indivisão das frações autónomas que estão em compropriedade -, insere-se na Acão de divisão de coisa comum, regulada nos artigos 925.º a 930.º, do Código de Processo Civil.
N) A Ré/Recorrente concordou com a indivisão da fração autónoma que está em compropriedade e deduzindo ainda o pedido de reconhecimento do crédito que detém sobre o Autor no montante de € 47.519,81 (quarenta e sete mil, quinhentos e dezanove euros e oitenta e um cêntimos), por forma a ser devidamente compensada na proporção de metade.
O) Assim, deveria ter de ser permitido à Ré/Recorrente que esta se defendesse mediante a invocação do seu direito de compensação por via de exceção, pelo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 266º do CPC deve ser interpretada em harmonia com o disposto no artigo 571º do CPC, no artigo 847º do Código Civil e no artigo 20º da CRP, no sentido que a reconvenção é admissível se a Ré/Recorrente pretender invocar a compensação até ao valor do contra crédito.
P) Nestes termos, tendo em conta o supra exposto, podendo ser proferida decisão de mérito desde já, quanto ao escopo ou objeto do pedido de divisão e indivisibilidade, considera a Ré/Recorrente que ainda que no âmbito do processo especial cabia ao Tribunal a quo o despacho-convite de aperfeiçoamento no sentido de cumprir as normas atinentes à dedução de reconvenção, ao abrigo dos princípios da adequação processual.
Q) No caso dos presentes autos, devia assim ter o Tribunal a quo decidido proferir despacho-convite de aperfeiçoamento à Ré/Recorrente, por forma a que esta apresentasse o seu pedido reconvencional, permitindo assim invocar a compensação do crédito através da dedução de reconvenção, de forma a obter uma solução global e justa do litígio.
R) Bem como o Tribunal a quo admitir a apresentação de provas, quer documental, quer testemunhal que se revelam necessárias para o bom conhecimento do mérito da causa, nomeadamente para o reconhecimento do crédito de € 47.519,81 (quarenta e sete mil, quinhentos e dezanove euros e oitenta e um cêntimos), respeitando a pretensão material de fundo da Ré de ser ressarcida dos valores que despendeu além da sua quota para uma solução justa do litígio.
S) Forçoso seraì de concluir que a DecisaÞo se impõe ser revogada e substituída por decisão que determine que no presente processo de divisão de coisa comum seja permita à Ré/Recorrente deduzir reconvenção, ao abrigo do princípio da adequação formal nos termos do artigo 547º do CPC, sendo admitida a prova testemunhal apresentada, com vista a ser devidamente reconhecido o crédito da Ré correspondente aos encargos relativos ao valor das prestações do empréstimo contraído por ambos, ao valor da quotização do condomínio, seguro de vida e do imóvel e das entradas de capital na aquisição, a ter em consideração no pagamento de tornas da Ré/Recorrente em caso de adjudicação ou no pagamento do preço em caso de venda judicial.
T) No caso em concreto, impunha-se que o tribunal tivesse proferido um despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar a Apelante/Ré a convolar a dedução da excepção da compensação de créditos em reconvenção - cumprindo, assim, as assinaladas normas atinentes à dedução de reconvenção (cfr. Arts. 193º, nº 3, 590º, nº 3 e 583º do CPC) -, não podendo avançar para o conhecimento do mérito sem que tal despacho vinculado tivesse sido proferido.
U) Na versão actual do CPC, no âmbito dos poderes de gestão inicial do processo (art. 590º do CPC), onde antes se dizia “pode o juiz”, determina-se agora que “incumbe ao juiz”, numa clara assunção de que o convite ao aperfeiçoamento deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um acto vinculado a ser praticado.
V) Assim, se ao juiz se afigurava que a contestação padecia de alguma irregularidade formal (no caso, erro na qualificação do meio processual utilizado e na formulação do mesmo), tem de convidar a parte ao seu aperfeiçoamento, sob pena de até poder incorrer, como referimos, numa nulidade pela inobservância de um acto prescrito na lei, que se repercutirá no exame e decisão da causa (cfr. art. 195.º nº 1 CPC).
Conclui no sentido de que a presente apelação deve ser recebida, julgada procedente, sendo a recorrida revogada, sendo antes proferido despacho de aperfeiçoamento, no sentido de ser a aqui apelante/Ré a convolar a excepção de compensação de créditos em reconvenção.
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Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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Questões a decidir:
-Se nos presentes autos de divisão de coisa comum a compensação invocada pela recorrente por via de excepção pode ser convolada em pedido reconvencional.
-Se o tribunal, ao abrigo dos poderes de gestão e adequação formal deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, no sentido de ser a aqui apelante/Ré a convolar a excepção de compensação de créditos em reconvenção, com a ulterior produção de prova.
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FUNDAMENTAÇÃO:
A-DE FACTO
A que consta do relatório supra.
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DE DIREITO:
Na presente acção de divisão de coisa comum, veio a Recorrente, por via da compensação, pedir que seja reconhecido um crédito sobre o autor no montante de 47 519,81 € correspondente aos encargos com os imóveis da responsabilidade de ambos que assumiu sozinha, relativos ao valor das prestações do empréstimo contraído por ambos, ao valor da quotização do condomínio, do seguro de vida e do edifício e das entradas de capital na aquisição, para que no momento do preenchimento do quinhão de cada um dos consortes, caso o imóvel seja adjudicado a um deles, quer na repartição do preço pelo qual venha a ser vendido a terceiro, opere a compensação do referido crédito, na proporção de metade.
O Código Civil prevê, como causa de extinção das obrigações, a compensação, ao dizer, no seu art. 847-1, que “[q]uando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor”, verificados que seja determinados requisitos.
A lei adjetiva tem, portanto, de salvaguardar mecanismos para o exercício deste direito potestativo (STJ 11.01.2011, 2226-07.7TJVNF.P1.S1; RG 11.10.2018, 646-14.0TBVCT-A.G, todos disponíveis em (www.dgsi.pt) do devedor na ação de cumprimento instaurada pelo seu credor (cf. art. 817 do Código Civil), independentemente da forma processual que for aplicável a esta.
A compensação constitui uma forma de extinção das obrigações. Tal instituto traduz-se num encontro de contas justificado, de acordo com a lição de Vaz Serra, “Compensação”, BMJ, n.º 21, 1952, pp. 5-6, “na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.”
Como resulta do art. 848-1 do Código Civil, não opera ipso iure, ao contrário do que sucedia no regime do Código Civil de 1867 e sucede noutros ordenamentos jurídicos, como o francês, o italiano ou o espanhol (cf. Mónica Duque, Comentário ao art. 848.º, AAVV, José Carlos Brandão Proença (coord.), Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Lisboa: universidade Católica Editora, 2018, p. 1270), em que basta a existência de créditos recíprocos (situação de compensação) para que os dois se considerem extintos; pressupõe uma manifestação de vontade de um dos credores-devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos (declaração de compensação).
Não é, portanto, do conhecimento oficioso do tribunal (RC 30.06.2015, 2943-13.2TBLRA.G1; RL 25.01.2017, 4420-15.8TBLSB-A.L1-4; RL 24.05.2018, 200-08.5TBVD-A.L1-8), opção legislativa explicada por Vaz Serra (loc. cit., p. 24) com a insuficiência do interesse geral na dispensa de dois atos de pagamento inúteis para sustentar um regime imperativo que valesse sem ou mesmo contra a vontade dos interessados.
Como é adquirido, a declaração de compensação constitui um negócio jurídico unilateral (Vaz Serra, loc. cit., p. 137; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 213). Tem natureza receptícia (art. 224) e não está sujeita a forma especial, podendo ser expressa ou tácita (arts. 217 e 219), desde que, neste último caso, decorra de factos que com toda a probabilidade a revelem. Pode ser emitida extrajudicial ou judicialmente, neste caso através de notificação judicial avulsa ou por via de ação, seja na petição inicial, seja na contestação.
A questão de saber qual o meio processual que o devedor demandado – e que é, simultaneamente, credor do seu credor – tem ao seu dispor para exercer o direito de compensar em juízo foi objeto de controvérsia na jurisprudência e na doutrina na sequência da alteração introduzida na redação da alínea b) do n.º 2 do art. 274 do CPC de 1961 operada pelo Decreto-Lei n.º 47690, de 11 de maio de 1967.
Tal alteração surgiu com o objetivo de harmonizar o CPC com o Código Civil de 1966. No regime anterior a este, não era admitida a compensação de dívida ilíquidas. Assim, para que a compensação fosse possível, era necessária a prévia liquidação judicial. Falava-se então em compensação judiciária. Em consonância, o art. 274-2, b) do CPC previa a utilização da reconvenção para a dedução de compensação quando se tratasse de liquidar a dívida e assim de operar, ope judicis, a compensação. Quando a dívida era líquida, a compensação operava por exceção, uma vez que ao tribunal apenas cabia constatar a sua verificação (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, Coimbra: Coimbra Editora, 1946, pp. 105-106). O Código Civil de 1966 passou a admitir a compensação de dívidas ilíquidas (art. 847-3), o que levou à referida alteração, passando a norma a referir-se à compensação tour court (“quando o réu se propõe obter a compensação”), perdendo sentido a alusão a uma “compensação judiciária.”
Perante a nova redação, surgiram três teses na doutrina uma primeira, defendida por Vaz Serra e Anselmo de Castro, que defendia que a compensação devia ser sempre invocada por exceção perentória, apenas envolvendo reconvenção nos casos em que o contracrédito do réu fosse superior ao crédito do autor e apenas se aquele pretendesse fazer valer o seu direito quanto à parte excedente; uma segunda, defendida por Eurico Lopes-Cardoso, Castro Mendes e Manuel de Andrade, que defendia que a compensação, por corresponder a uma pretensão autónoma, devia ser sempre invocada através de reconvenção; uma terceira, defendida por Antunes Varela, que defendia que a compensação devia ser invocada através de exceção, quando o contracrédito fosse de montante não superior ao crédito, e de reconvenção, quando fosse superior. Devia ser sempre deduzida através de reconvenção quando o contracrédito fosse ilíquido.
Esta controvérsia doutrinal, que se transpôs para a jurisprudência, levou o legislador a prever, no CPC aprovado pela Lei n.º 41-2013, de 26.06, atualmente em vigor, que a reconvenção é admissível “[q]uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” (art. 266-2, c)), o que corresponde à tomada de posição no sentido de consagrar que a compensação deve ser exercida através de reconvenção, como referem João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 454. No mesmo sentido, escrevem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 302 e ss., que “parece ter ficado claro que, com a nova redação, se pretendeu adotar a primeira solução (a invocação do contracrédito deve ser sempre operada através de reconvenção).”
Esta opção pela compensação-reconvenção é reforçada pela leitura de outros preceitos legais, indicados por João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, idem, a saber: o art. 530-3, segundo o qual, para efeitos de pagamento de taxa de justiça (e também de aferição do valor da causa, por força do disposto no art. 299-2, não se considera distinto o pedido reconvencional quando a parte pretenda obter a compensação de créditos até ao montante comum os créditos recíprocos; o art. 126-1, o), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, que atribui competência aos juízos do trabalho para as questões reconvencionais, incluindo expressamente nestas a compensação; o art. 48-1 da Lei dos Julgados de Paz, que exceciona da regra da inadmissibilidade da reconvenção nos julgados de paz a dedução da compensação. Não partilhamos, por isso, das reservas à sua adoção pelo legislador que são expressas por Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Lebre de Freitas - Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. p. 534, e Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 236.
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A compensação-reconvenção, redundando numa nova ação enxertada na ação de cumprimento pendente, pressupõe que o credor (autor) tenha as mesmas possibilidades de defesa que foram dadas ao devedor (réu). Trata-se de uma consequência do principio da igualdade de armas, que é corolário do princípio da igualdade entre as partes, consagrado no art. 4.º do CPC e imposto pelo art. 6.º da CEDH, a qual vigora diretamente na ordem interna por força do disposto no art. 8.º da CRP.
Essa função é desempenhada pela réplica na forma do processo comum de declaração.
Aqui chegados, deparámo-nos com uma dificuldade: a Ré não exerceu a compensação por via de reconvenção, mas por via de exceção.
Isto em nada contende com a procedência do recurso, como se concluiu, face a uma situação idêntica, no citado RL 23.02.2021, do qual respigamos a seguinte passagem:
“Há que atentar que o pedido deve ser interpretado e convolado em função do efeito prático-jurídico pretendido. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2016, Lopes do Rego, 842-10: “Na praxis judiciária, encontramos posições antagónicas sobre a possibilidade de convolação jurídica quanto ao pedido formulado – opondo-se um entendimento mais rígido e formal, que dá prevalência quase absoluta à regra do dispositivo, limitando-se o juiz a conceder ou rejeitar o efeito jurídico e a específica forma de tutela pretendida pelas partes, sem em nada poder sair do respetivo âmbito; e um entendimento mais flexível que – com base, desde logo, em relevantes considerações de ordem prática – consente, dentro de determinados parâmetros, o suprimento ou correção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa (vejam-se, em clara ilustração desta dicotomia de entendimentos, a tese vencedora e as declarações de voto apendiculadas ao acórdão uniformizador 3-2001).
Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor ou o réu proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão);
Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, ou do reconvinte, é o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.”
O efeito prático-jurídico que a apelante pretende é que sejam apreciados e decididos os contracréditos que invoca contra o requerente, sendo indiferente que tal apreciação ocorra sob a égide da figura processual da exceção ou da reconvenção, sendo esta atualmente obrigatória para estas situações (cf. Art. 266º, nº2, al. c), ex vi Art. 547º do Código de Processo Civil).
Tal importa que, na tramitação processual subsequente, haverá que observar que, como escreve Maria Gabriela Cunha Rodrigues, “A ação declarativa comum”, Revista Lusíada – Direito, n.º 11, Lisboa (2013), pp. 53-54, a reconvenção não deixa de ser facultativa, como resulta do n.º 1 do artigo 266.º do novo CPC. Trata-se de um poder do réu, o que significa que não fica precludida a possibilidade de fazer valer o direito que pretendia exercer em reconvenção em ação autónoma.
Ora, sendo a reconvenção facultativa, e invocando o réu a compensação por exceção, o que fará o juiz?
Perspetivando-se o recurso à reconvenção como um ónus, a solução mais justa e que se coaduna com o espírito do novo CPC (cf. artigos 7.º e 590.º), passa por convidar o réu ao aperfeiçoamento da contestação, devendo este cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação.”
No mesmo sentido, pode ver-se, na jurisprudência, RP 7.02.2022, 2191-20.5T8GDM e Ac. da RG de 27-10-23, Proc. nº 13066/23.6YIPRT-A.G1, publicado in www.dgsi.pt, que seguimos de perto.
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Sendo esse o regime na acção sob a forma de processo comum, vejamos o caso da acção divisão de coisa comum, a que corresponde a forma de processo especial.
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A questão que ora se coloca é de a saber se será admissível a dedução de reconvenção na acção-de-divisão-de-coisa-comum?
A jurisprudência não tem sido uniforme sobre esta problemática: há acórdãos que têm uma visão restritiva sobre a admissibilidade de formulação de pedido reconvencional em acção de divisão de coisa comum e, outros, que admitem a formulação desse pedido.
Assim, sem pretensões de exaustividade, podem mencionar-se, no primeiro sentido, os seguintes-acórdãos:
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-10-2003 (Coelho de Matos): “Em princípio é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação. Se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser-decidida”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-09-2018 (António Barroca Penha): “A ação especial de divisão de coisa comum admite reconvenção (reunidos que estejam os respetivos pressupostos substanciais) se houver contestação, pois o processo converte-se normalmente, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 3 do art.º 926º, do C. P. Civil, de processo especial em processo comum; a menos que as questões deduzidas na contestação/reconvenção possam ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum (art.º 926º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do C. P. Civil)”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-06-2020 (Teresa Sandiães): “Em acção especial de divisão de coisa comum, em que foi proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do art.º 926º, nº 2 e 929º, nº 2 do C.P.C., não é admissível pedido reconvencional relativo a realização-de-benfeitorias. (…)”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-11-2020 (Freitas Neto): “Estando em causa a finalidade de divisão de certa coisa comum, seguem-se os termos adequados a esse desiderato, previstos nos art.ºs 925º e ss. do CPC. Termos que sinteticamente se caracterizam pela adjudicação ou venda, se a coisa for indivisível, ou pela formação de lotes e sua adjudicação se a coisa for materialmente divisível, admitindo-se apenas a intervenção de prova pericial. Os requisitos que condicionam o avanço do processo de divisão podem ser atacados por diversas razões – não haver indivisão, haver obstáculo à sua extinção, não existir acordo sobre as quotas de cada, ou por outro fundamento. Passa então a ser necessária a existência de uma fase declarativa (sob a forma comum) enxertada na acção especial, fase essa que obviamente prejudica o início da fase “executiva” (assim dita por se destinar especificamente a acabar com a contitularidade do domínio). Em todo o caso, antes de introduzir a tramitação da acção comum para conhecer dessa questão prévia, o juiz pode tentar conhecê-la sumariamente como uma mera questão incidental, e só se entender que não há adequação do incidente regulado nos termos dos artigos 292º e ss. do CPC é que mandará seguir os termos da acção comum (art.º 926º, nºs 2 e 3, do CPC)”. Não se ajustando a reconvenção ao disposto na al. c) do nº 2 do art.º 266º do CPC – nem a nenhuma outra – a reconvenção não pode ser admitida. Também não se verifica o condicionalismo da 2ª parte do nº 3 do art.º 266º do nCPC, ou seja, que o juiz pode/deve autorizar a reconvenção ao abrigo do nº 2 do art.º 37º.
- Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021 (Anabela Dias da Silva): “A acção de divisão de coisa comum é assim uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa. Comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil. A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum.
Inexistindo qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa, e não tendo invocada em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a acção tem de ser totalmente procedente, encerrando-se a fase declarativa da acção.
O pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, e outras decorrentes da vida em comum havida entre as partes, com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cfr. n.º 2 do art.º 266.º do C.P.Civil.
Estando por força da lei encerrada a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, arrendada estava também a possibilidade de o juiz, à luz do preceituado no n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º do C.P.Civil, adequar a formas de processo (declarativos) para admitir o pedido reconvencional.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-09-2018 (Pedro Martins):“A pretensão de pôr termo à indivisão de coisa em compropriedade de dois unidos de facto não está dependente da ruptura da união de facto, tal como não o está a pretensão de um deles exigir do outro, em direito de regresso, aquilo que pagou no lugar do outro no âmbito dos contratos de empréstimo para compra do prédio em compropriedade feitos a ambos os unidos de facto, comproprietários do imóvel. Não haveria qualquer interesse na cumulação de pedidos relativos à divisão de coisa comum com pedidos relativos a créditos que um dos ex-unidos de facto tenha contra o outro, nem a apreciação conjunta de tais pedidos (e ainda de outros) seria indispensável para a justa composição do litígio; antes pelo contrário”.
Outra corrente jurisprudencial, de pendor “menos formalista” admite a formulação do pedido reconvencional quando estão em causa despesas feitas com a coisa a dividir ou o pagamento de prestações de empréstimo para a respectiva aquisição em valores superiores ao suportado pelo outro comproprietário, salientando-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Ac. do STJ de 25/05/2021(Jorge Dias)
«I- (…)
II- É a lei, art.º 926º, nº 3 parte final, do CPC que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum, a forma de processo comum.
III- Não faz sentido não admitir a reconvenção e remeter as partes para outra ação, para colocarem fim ao litígio relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família.
IV- Ao juiz compete, no cumprimento do dever de gestão processual, art.º 6º do CPC, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio.
V- No caso dos autos é manifesta a utilidade da admissão da reconvenção, quer para o tribunal quer para o réu, não sendo manifesta a incompatibilidade, nem a impossibilidade de adaptação processual. O art.º 926º, nº 3 do CPC a prevê.»;
- Ac. STJ, de 28/03/2023 (Manuel Aguiar Pereira):
“I.–Na acção de divisão de coisa comum é admissível a formulação de pedido reconvencional do réu tendente a demonstrar que na aquisição e manutenção da coisa comum declarada indivisível em substância, e por causa da situação de indivisão, realizou despesas de montante superior ao que lhe caberia em função da sua quota na comunhão ou compropriedade sobre o bem por forma a serem consideradas no apuramento do valor a repartir;
II.–Não impede o funcionamento do mecanismo da compensação a circunstância de os créditos do autor e da ré em relação ao bem comum serem ilíquidos no momento da formulação do pedido, já que o valor económico do direito de cada um deles só fica definido na conferência de interessados;
III.–Não se discutindo entre as partes nem a proporção na titularidade do direito sobre o bem comum nem a indivisibilidade deste em substância, tendo sido formulado pedido reconvencional pela ré com fundamento na titularidade de créditos sobre o autor decorrentes da sua participação nas despesas de aquisição e posterior satisfação de encargos bancários relativos ao bem comum, em valor superior ao da sua quota, deve o juiz admitir tal pedido e ordenar que a tramitação processual observe os termos do processo comum subsequentes à contestação (artigo 926.º n.º 3 do Código de Processo Civil).”
- STJ, de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2021 (Maria João Vaz Tomé): “Na ação especial de divisão de coisa comum, em que o Requerido, apesar de deduzir contestação, confessa o pedido da Requerente, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. No art.º 266.º, n.º 3, do CPC, o legislador salvaguarda a possibilidade de o juiz autorizar a reconvenção quando ao pedido do Requerido corresponda uma forma de processo diferente, nos termos previstos no art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo corpo de normas, com as necessárias adaptações. Traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. O poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido”
- Ac. do TRL de 08/06/2021 (Cristina Coelho), sumariado como segue:
«Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art.º 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.”
- Ac. do TRL de 13/07/2021 (Luís Filipe Sousa):
“II.– Numa ação de divisão de coisa comum são de admitir pedidos reconvencionais em que a Ré peticione o pagamento dos valores que despendeu na amortização do crédito à habitação além da sua quota de 50%, bem como os valores que despendeu em obras de melhoramento além da sua quota de 50% (cf. Artigos 6º, nº 1, 547º, 549º, nº 1, 266º, nº 2, alíneas b) e d), nº 3, sendo este em conjugação com o Art.º 37º, n.ºs. 2 e 3, todos do Código de Processo Civil).”;
- Ac. do TRL de 12/10/2021, (Ana Resende):
«1.–Na acção de divisão de coisa comum é admissível o pedido reconvencional para assegurar a justa composição do litígio, seguindo a ação os termos de processo comum para serem conhecidas ali as questões suscitadas
2.–Tal entendimento mostra-se como o que melhor densifica o poder/dever de gestão processual, que na harmonia com os demais pressupostos processuais permite a obtenção da efectiva composição do litígio, num afastamento cada vez maior de decisões de marcado cariz formal.»
- Ac. do TRL de 24/03/2022 (Arlindo Crua)
«I- Na acção de divisão de coisa comum surge como incontroverso que, determinando-se o seu prosseguimento sob os termos do processo comum, na efectivação da faculdade prevista no nº. 3, do art.º 926º, do Cód. de Processo Civil, em virtude das questões suscitadas pelo pedido de divisão não poderem ser sumariamente decididas, nada impede a dedução da reconvenção, pois, nesta situação, tudo se passa, até certo ponto, como se existisse identidade de forma do processo.
II- não é de sufragar a posição que admite a dedução de reconvenção (apresentada em sede de contestação) apenas na situação em que as questões deduzidas possam ser decididas sumariamente, nos quadros do nº. 2, do mesmo artº. 926º, sem necessidade de prosseguimento da causa sob a forma do processo comum;
III- sendo antes de adoptar o entendimento de admissibilidade da dedução de reconvenção, de forma a assegurar a justa composição do litígio, nas situações em que tenha sido suscitada a compensação de reclamado crédito, por despesas suportadas para além da quota respectiva sobre a coisa dividenda, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente da divisão;
IV- situação em que a acção de divisão de coisa comum deve prosseguir os termos do processo comum, na mesma já potencialmente previsto, para que sejam decididas tais questões, sendo que só posteriormente se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados
V- não obsta a tal convolação do processo especial em processo comum, naquela fase intermédia, o obstáculo processual ou adjectivo previsto no nº. 3, do art.º 266º, do CPC, que prevê acerca da admissibilidade da reconvenção, pois é este mesmo normativo que, desde logo, salvaguarda a possibilidade de o juiz a autorizar, mediante a remissão operada para os critérios enunciados nos nºs. 2 e 3, do artº. 37º, do mesmo diploma;
VI- efectivamente, as diversas formas processuais – especial e comum - não prosseguem uma tramitação manifestamente incompatível, obstaculizadora da admissibilidade da reconvenção, o que decorre, desde logo, da circunstância daquele processo especial já prever, numa sua fase eventual, o tramitar sob a forma do processo comum; (…)”;
- Ac. do TRG de 13/07/2022 (Maria Luísa Ramos):
“Em acções de divisão de coisa comum é admissível a dedução de pedidos de compensação por parte dos comproprietários relativamente aos montantes que pagaram para além da quota respectiva, sendo os mesmos apreciados e decididos em sede de processo comum e só depois se avançando para a fase executiva.”
- Ac. do TRL de 15/09/2022 (Maria José Mouro):
“I- É de admitir a reconvenção deduzida pelo R. em acção de divisão de coisa comum, quando este pretende obter o reconhecimento a seu favor de um crédito sobre a. a fim de obter a compensação na partilha do valor, através da adjudicação do imóvel ou venda a terceiro e repartição do valor, muito embora não tenha havido divergência das partes sobre a compropriedade e as quotas respectivas e sendo considerada a indivisibilidade do prédio.
II- Estamos no âmbito do factor de conexão material a que se reporta a alínea c) do nº 2 do art.º 266 do CPC, sendo que no que concerne à compatibilidade processual, haverá que ter em consideração o disposto na segunda parte do nº 3 do art. 266 do CPC, na sua conjugação com os nºs 2 e 3 do art.º 37 – não nos encontramos perante pedidos a que correspondam formas de processo que sigam uma tramitação manifestamente incompatível, sendo que para a justa composição do litígio releva a apreciação conjunta das pretensões da A. e do R., havendo conveniência naquela apreciação conjunta.”
- Ac. do TRP de 08/11/2022, (Rui Moreira):
“I- Numa acção de divisão de coisa comum, na qual o réu formula pedido reconvencional para reconhecimento e compensação da sua maior contribuição para a aquisição desse bem, não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objecto de cada um dos pedidos – da acção e da reconvenção – mas elas são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade intrínseca.
II- Não há qualquer acto a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objecto da outra pretensão.
III- Nessa hipótese, os poderes de gestão processual do juiz permitirão definir os termos da tramitação a observar, acolhendo a reconvenção sob a forma de processo comum, definindo o conteúdo dos direitos em litígio e prevenindo a necessidade de instauração de outras acções.»
- Ac. do TRL de 24/11/2022 (Vaz Gomes):
“Na acção de divisão de fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal onde se não discute a sua indivisibilidade, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de condenação da requerente a pagar-lhe as despesas referentes a encargos bancários, condomínio e IMI do prédio, procedendo-se à compensação desses valores com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à requerente, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.”
- TRL de 02/03/2023 (Carlos Castelo Branco):
“(…) V)- Na ação de divisão de coisa comum de prédio, onde não se discute a sua indivisibilidade, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, deve o juiz autorizar a apreciação da reconvenção do requerido – na qual este pretende obter o reconhecimento a seu favor, de crédito emergente de pagamentos de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição do prédio objeto da ação e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, sobre a requerente, a fim de obter a compensação do mesmo, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel - , de harmonia com o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, do CPC, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente.
VI)- Nessa situação, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferentes, há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo e evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu direito reconhecido – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), devendo adaptar-se o processado – cfr. artigo 37.º, n.º 3 do CPC – e ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum, de harmonia com o previsto no artigo 926º nº 3, do CPC.
- TRL, de 11/05/2023, (Higina Castelo):
“O pedido reconvencional deduzido em ação para divisão de coisa comum, com processo especial, pelo qual o reconvinte pretende ser ressarcido das despesas com a coisa (como IMI e seguro multirriscos) e/ou pelas prestações de amortização e juros do empréstimo hipotecário, que satisfez além da sua quota-parte, é admissível.”
- TRL, de 22-03-2022 (José Capacete): “Os valores alegadamente despendidos pela ré comuneira na amortização dos créditos à habitação, relacionados com a aquisição do imóvel, podem ser objeto de pedido reconvencional em processo especial de divisão de coisa comum”.
- TRL, de 13/07/2023 (Micaela da Silva Sousa):
“I– No âmbito de acção de divisão de coisa comum, quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio existente contende com as questões relativas aos valores despendidos para pagamento do empréstimo contraído para a aquisição da fracção autónoma em comum, em idêntica proporção, por ambos os comproprietários, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, com vista a uma efectiva composição do litígio.
II– Trata-se de interpretação consonante com os princípios que regem a lei processual civil, designadamente, da economia processual e eficácia da decisão.”
-Ac. ainda o Ac. do TRL de 28-9-2023, proc. nº2212/21.4T8PDL.L1-6, Relator Adeodato Botas.
Também a doutrina se pronuncia neste sentido
- Luís Filipe Sousa (Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição, pág. 107): “…o juiz pode admitir a reconvenção se houver um interesse relevante na sua apreciação naquele concreto processo especial de divisão de coisa comum ou se a apreciação conjunta das pretensões for indispensável para a justa composição do litígio. Em qualquer dos casos o juiz deve adaptar o processado à cumulação de objectos processuais (…) os actuais princípios da gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do art.º 266, nº 3 do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e economia processuais desde que não se postergue os demais princípios processuais, designadamente os do contraditório e da igualdade das partes”.
- Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, vol. II, pág. 366 e seg., anotação ao artº 926): “No que respeita à admissibilidade da reconvenção, a mesma é aceite pacificamente se for deduzida contestação que determine a abertura de uma fase declaratória comum, designadamente quando seja formulado o pedido de reconhecimento de que os réus são os únicos proprietários do prédio (…). Mas, atentos os princípios da gestão processual e da adequação formal, deverá ser feita uma aplicação mais ágil e flexível deste preceito, sendo de admitir a reconvenção como única causa para a abertura de uma fase declarativa no processo se, por exemplo, o réu invocar o direito a benfeitorias…”;
Teixeira de Sousa (Blog do IPPC – Jurisprudência 2020 (122), comenta: “Pelo exposto, nada impediria que, através da aplicação dos poderes de gestão processual (art.º 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), o pedido reconvencional relativo às benfeitorias fosse considerado admissível. Note-se que o exercício desses poderes pode ir para além do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º CPC, para o qual remete o art.º 266.º, n.º 3, CPC.
b)- Num outro plano, pode ainda perguntar-se se, na hipótese de o direito a benfeitorias pertencer à parte demandante, seria impensável admitir que esse direito pudesse ser feito valer na acção de divisão de coisa comum. Se não se descortinam razões para considerar inadmissível essa cumulação de pedidos pela parte demandante, então, por imposição do princípio da igualdade das partes, também a dedução de um idêntico pedido pela parte demandada não pode ser inadmissível”.
E o mesmo autor, no mesmo blog (Jurisprudência 2019 (18), comenta: “Por esta via, agora devidamente detalhada, afigura-se-nos possível, ainda que com o ónus da acrescida complexidade processual, compaginar numa só ação a apreciação dos pedidos vertidos no petitório e na contestação, sem que ocorra a prática de atos processuais inconciliáveis, “manifestamente incompatíveis”, logrando-se, então, cumprir princípios processuais fundamentais do nosso Código (vide epígrafe do Título I) no que concerne à garantia de acesso aos tribunais e ao dever, que impende sobre os tribunais, de gestão processual (artigos 2º e 6º do CPC)
Por força do princípio geral previsto no artigo 2.º, n.º 2, do Código do Processo Civil (CPC) relativo à garantia de acesso aos tribunais, no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum, haverá sempre todo o interesse, na medida do possível, em procurar discutir e decidir as questões que, para além da divisão, envolvam o prédio dividendo.
Vê-se, assim, que não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objecto de cada um dos pedidos – da acção, sob forma de processo especial, e da reconvenção, sob a forma de processo comum – mas que que são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade entre elas.
Não há qualquer acto a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objecto da outra pretensão.”
Por outro lado, é claro o interesse nessa solução: previne a necessidade de que as partes desenvolvam novo litígio, noutro processo, para o exercício de direitos que aqui podem ser exercidos e decididos de imediato.
Conclui-se, pois, inexistir qualquer obstáculo, existindo pelo contrário conveniência e utilidade, na admissão do pedido reconvencional deduzido pelo réu”.
Aderimos inteiramente a esta tese: inexiste obstáculo à admissibilidade de dedução de reconvenção em acção de divisão de coisa comum, mesmo nas situações em que a questão da indivisibilidade da coisa é pacífica, desde que a pretensão reconvencional, por despesas com pagamentos de prestações do crédito para aquisição da coisa e ou com benfeitorias/obras em quota superior à do comproprietário digam respeito à coisa a dividir.
No caso dos autos, a Recorrente veio pedir o reconhecimento de um crédito sobre o autor no montante de 47 519,81 € correspondente aos encargos com os imóveis da responsabilidade de ambos que assumiu sozinha, relativos ao valor das prestações do empréstimo contraído por ambos, ao valor da quotização do condomínio, do seguro de vida e do edifício e das entradas de capital na aquisição, para que no momento do preenchimento do quinhão de cada um dos consortes, caso o imóvel seja adjudicado a um deles, quer na repartição do preço pelo qual venha a ser vendido a terceiro, opere a compensação do referido crédito, na proporção de metade.
Estes valores comportam-se no seio daqueles que são admitidos em sede de reconvenção, segundo a tese a que aderimos, seguindo os termos exposto no Ac. do STJ de Deverá no caso o tribunal seguir o procedimento referido no Ac. do STJ de 26-01-2021, em que é Relatora Maria João Vaz Tomé.
Mas, antes disso, surge a questão da falta de dedução da compensação sobre a forma de reconvenção.
Assim sendo, e nos termos já exposto em cima, deverá ser proferido despacho de ao aperfeiçoamento da contestação, devendo esta cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação.
Em face do exposto, conclui-se que o recurso é procedente.
Para o efeito, a acção de divisão de coisa comum deve prosseguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, sendo que só posteriormente se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados.
III–DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, devendo no tribunal a quo ser proferido despacho de aperfeiçoamento da contestação, no sentido de ser a aqui apelante/Ré a convolar a excepção de compensação de créditos em reconvenção, devendo esta cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação, passando a acção de divisão de coisa comum a prosseguir os termos do processo comum, acima referidas, sendo que, só posteriormente, se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados.
Custas a cargo do Apelado.
Lisboa, 7 de Novembro de 2024
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Fátima Viegas