Estando em causa a violação de uma norma supletiva – art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil- enferma de vício de anulabilidade a deliberação da assembleia de condóminos que fixou uma quota extraordinária para custear as despesas com as obras nas paredes exteriores dos Blocos do prédio, a suportar pelos condóminos de forma igualitária.
I – Relatório
I.1 – relatório
AA, autora, apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 6 de Junho de 2024 que julgou procedente o recurso de apelação apresentado pelos réus e, em consequência:
«(…) revoga a decisão recorrida nos segmentos impugnados e, assim, se julga a acção totalmente improcedente, considerando-se que,
- a deliberação constante da acta da assembleia de condóminos n.º 23 é anulável e que caducou o direito de a autora a impugnar;
- a deliberação constante da acta da assembleia de condóminos n.º 24 é válida.».
A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. O Acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o artigo 1424°, n.°1 do Código Civil.
B. Prevê o artigo 1424°, n.°1 do CC: "Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções ".
C. A expressão "Disposição" constante do n° 1 do artigo 1424° do CC refere-se apenas a norma legal/preceito.
D. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14/11/2017, processo n.º 19657/13.6YYLSB-A.L 1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde ficou referido: " Os significados de "disposição" que encontramos no Código são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código "disposição" como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o Código se refere a tal, fala em "cláusula" ou em "estipulação". Em abono da nossa conclusão, repare-se: i) quando o Código Civil ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é "salvo estipulação em contrário", como, entre outros, sucede nos artigos 274, n.°1, 420, 448, n.°l, 550, 852, n.° 1, 862, 882, n.°2, 921, n.°3, 1046, 1073, n°2, 1074, n° 1 e 5, 1096, 1138, n.°2, 1183; ii) o Código distingue claramente "disposição" e "estipulação" no sentido que expusemos, como sucede nos artigos 393, n.° 1 ("por disposição da lei ou estipulação das partes"), 772, n.° 1 ("Na falta de estipulação ou disposição especial da lei") ou 777, n.° 1 ("Na falta de estipulação ou disposição especial da lei"). Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424, in Código Civil Anotado, II, Artigos 1251. ° a 2334.°, Ana Prata (coord), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a "disposição" referida non.° 1 do art 1424 ser disposição legal ou disposição do título constitutivo, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: "A conjugação do n.° 1 do art. 1424 com o n.°2 do mesmo artigo e com o art. 1418, n.°s 1 e 2, leva-nos apensar que, no caso em apreço, a expressão "salvo disposição em contrário " abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do título constitutivo (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos" ".
E. Não existe disposição legal que permita que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício sejam pagas em partes iguais ou em proporção da respectiva fruição, ou seja, sem ter em conta a proporção do valor das fracções.
F. As deliberações que estipulem o valor das despesas necessárias à conservação das partes comuns em partes iguais, sem atender à proporção do valor das fracções, são violadoras da lei e, por isso, fulminadas com nulidade e não apenas com mera anulabilidade, nos termos do artigo 280° do CC.
G. A deliberação constante da ata 23 que definiu a quota extraordinária para execução de obras de conservação a pagar por cada condómino, por igualdade, é nula e não apenas anulável, podendo ser impugnada a todo o tempo, uma vez que não está dependente de qualquer prazo de caducidade, até porque o artigo 1433°CC apenas se refere deliberações anuláveis.
H. Também a deliberação constante da ata 24 é igualmente nula com os mesmíssimos fundamentos exarados para a deliberação constante da ata 23, uma vez que decorre desta última. Ou seja, a ata 24 e sua deliberação não existiria sem a ata 24.
I. As nulidades invocadas são-no a todo o tempo, de conhecimento oficioso, sem se encontrar definido qualquer prazo de caducidade de acordo com o artigo 280° do CC.
J. O Recurso deve ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo ser revogado o acórdão recorrido e, consequentemente, serem declaradas nulas as atas 23 e 24.
Os recorridos apresentaram contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:
A. A douta decisão recorrida que julgou procedente o recurso dos aqui Recorridos e em resultado disso, mesmo, julgou a ação totalmente improcedente, encontra-se perfeitamente fundamentada de direito, e, por conseguinte, não necessita de ser defendida.
B. Com o presente recurso visa a recorrente, sindicar tal decisão argumentando que:
C. A expressão “disposição” constante no nº. 1 do artº. 1424º. do Código Civil quer significar norma legal/preceito.
D. Logo, inexistindo norma legal que preveja que o valor das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício sejam pagas em partes iguais, uma deliberação que assim decida é nula nos termos do artigo 280º. do Código Civil.
E. Propugna, desse modo, pela nulidade das deliberações – em discussão – constantes da Ata 23 (vinte e três) e Ata 24 (vinte e quatro).
F. Entendem os Recorridos que não lhe assiste qualquer razão.
G. Por um lado, a norma do artº. 1424º. nº1 do Código Civil é uma norma supletiva.
H. Pois, tal norma admite que o seu critério normativo seja afastado por “disposição em contrário”.
I. Por outro, terá de concluir-se que a expressão “disposição em contrário”, constitui, para este efeito, não só uma norma legal, mas também o título constitutivo da propriedade horizontal, o Regulamento do Condomínio e bem assim o acordo de todos os condóminos.
J. Consequentemente, a deliberação da Assembleia de Condóminos sobre o pagamento da quota extraordinária para realização obras na fachada do edifício, por igualdade – Ata 23 (vinte e três) – afastando, assim, a regra prevista no nº 1 do artº. 1424º., não está ferida de nulidade.
K. Com efeito, o critério base para se aferir se uma norma é imperativa, e, logo nula, retira-se da letra do próprio preceito.
L. In casu, resulta da expressão “salvo disposição em contrário…” expressa no nº. 1 do Artº1424º, do Código Civil, que, o aí estipulado, só vigora se os Condóminos não estipularem regime diverso.
M. Ou seja, deixa na disponibilidade dos Condóminos, por acordo, em Assembleia, estabeleceram regime diverso para a contribuição dos encargos – o que aconteceu in casu.
N. De salientar que, a deliberação em causa – por referência à Ata 23 (vinte e três) – não é permanente, pois tem um fim objetivo/único (a execução das obras da fachada do edifício) e, por isso, esgota-se com o seu pagamento.
O. Essa, mesma, deliberação, pela razão referida na conclusão precedente não afeta a posição de futuros condóminos.
P. De resto, atento o que antecede, não pode colher a asserção da Recorrente de que “disposição” quer significar “norma legal/preceito”.
Q. Tanto mais que, o artº. 9º. do Código Civil colocou expressamente a letra como limite ao sentido, tendo estabelecido no nº. 2 que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. - Itálico nosso.
R. De sorte que, conjugando o limite imposto pelo legislador à busca do sentido com o texto do nº. 1 do artº. 1424º. do Código Civil, não há nada que legitime a conclusão defendida pela Recorrente na sua conclusão c).
S. Tanto mais que, se o legislador tivesse pretendido atribuir à norma carácter imperativo teria expressado no texto da norma “disposição legal em contrário”.
T. Ademais a deliberação em análise, por referência à Ata 23 (vinte e três), não ofende a ordem pública, na medida em que não estão em causa interesses da coletividade/ gerais ou inderrogáveis.
U. Atento o supra avançado resta concluir que a deliberação da Assembleia de Condóminos, do dia 27/04/2018 (Ata 23), que definiu o valor da quota extraordinária para execução das obras do edifício, a pagar por cada condómino, por igualdade, sem o quórum exigido, é tão somente anulável, nos termos do disposto no artº. 1433º. do Código Civil.
V. Em razão do que, a contar da data da Assembleia da Ata 23 – 27/04/2018 – a Recorrida dispunha de 60 (sessenta) dias para impugnar tal deliberação, conforme previsto no nº. 4. do artº. 1433º. do Código Civil.
W. Não obstante, a Autora/Recorrente não impugnou tal deliberação no prazo de que dispunha.
X. Pois, deu entrada da Ação de Impugnação no dia 02/07/2019 no âmbito do processo nº 1711/19.2... (conforme provado nos autos), logo muito para além do prazo fixado no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil.
Y. Veja-se que, tendo em consideração a data da assembleia, 27/04/2018, a Autora/Recorrente dispunha até ao dia 26/06/2018, para dar entrada da Acão de Anulação.
Z. Porém, conforme resulta dos autos a aqui Recorrente só deu entrada da Acão em 2019.
AA. De sorte, que caducou o direito da Recorrente/Autora impugnar a deliberação em causa.
BB. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao declarar que “a deliberação constante da ata da assembleia de condóminos nº. 23 é anulável e que caducou o direito de a autora a impugnar.”
CC. Acresce que, a deliberação constante do ponto 4 da ordem de trabalhos da Ata 24 (vinte e quatro) não é de todo nula, e muito menos enferma de qualquer vicio de ilegalidade.
DD. Trata-se de uma deliberação que visou aprovar Dívidas dos Condóminos, por referência à quota extraordinária para pagamento das obras na fachada do edifício.
EE. É inelutável que tal deliberação, pelo conteúdo que integra, não se insere no âmbito do nº. 1 do artº. 1424º. do Código Civil.
FF. Antes se insere na regra constante do nº. 3 e 4 do artº. 1432º. do Código Civil.
GG. Pelo que tendo sido aprovada a dívida da Recorrente por maioria de 503,67% (quinhentos e três vírgula sessenta e sete por cento) do valor total do Edifício, tendo as deliberações sido tomadas em segunda sessão, devidamente convocada, é perfeitamente válida.
HH. Tal deliberação apenas poderia perder eficácia se a Recorrente/Autora tivesse impugnado a deliberação que aprovou a quota extraordinária para pagamento das obras da fachada do edifício por igualdade (ata 23), tempestivamente, o que, se retira do que antecede, não aconteceu.
II. Destarte, tal deliberação é válida.
JJ. O Recurso deve, pois, improceder “tout en court”, mantendo-se a decisão recorrida.
Termos em que deve, o presente recurso, ser julgado improcedente e não provado, devendo ser mantida a decisão do douto Acórdão da Relação do Porto que considerou que, a deliberação constante da Ata da Assembleia de Condóminos n.º 23 é anulável e que caducou o direito de a autora a impugnar; e a deliberação constante da Ata da Assembleia de Condóminos n.º 24 é válida.”
O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:
1. Interpretação do art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A aqui A. propôs acção de condenação sob a forma comum contra o Condomínio Edifício ..., NIF ... ... .25, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de... – Juiz 1, processo n.º 1711/19.2...
2. Foi entendimento deste Tribunal que faltava personalidade judiciária ao condomínio, pelo que deveriam ser os próprios condóminos que votaram favoravelmente na deliberação em causa que deveriam ser accionados.
3. Motivo pelo qual foi extinta a instância.
4. A A. é dona e legítima proprietária da fracção “BN” (pequena loja), localizada no Bloco B, situada ao nível do piso zero quatro, inscrita na matriz predial urbana no artigo ..36.
5. Em acta de assembleia geral de condóminos realizada em 03/05/2019, consta que foi aprovado no ponto quatro da ordem de trabalhos, que a A. tem em dívida o valor de quotas extraordinárias para a execução das obras na fachada do edifício, no valor total de 684,56€ (85,57€ X 8).
6. Tal deliberação foi votada favoravelmente pelos RR., proprietários das fracções, pertencentes ao Condomínio Edifício ..., sito na Estrada ..., Entradas ..., freguesia de ..., concelho de ..., NIF ... ... .25.
7. No que diz respeito à A. é referido concretamente na mencionada acta:
“Fracção BN – Bloco B – situada ao nível do piso zero quatro, propriedade do Sr. Condómino AA, deve o valor total de € 684,56 (seiscentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente a 8 (oito) meses, de quota extraordinária (Setembro de 2018 a Abril de 2019) estando a mesma fixada em € 85,57 (85,57 x 8 =684,56), conforme Acta vinte e três”.
8. Termina a acta 24 no que diz respeito ao ponto quatro da ordem de trabalhos referindo:
“Assim, ainda no Ponto Quatro, foram aprovados por 503,67% (quinhentos e três vírgula sessenta e sete por cento) do valor total do Edifício, as contribuições e quotas extraordinárias, acima identificadas, devidas ao Condomínio, com identificação nominal dos respectivos Condóminos devedores”.
9. A deliberação que definiu o valor a pagar por cada condómino a título de quota extraordinária para a execução das obras na fachada do Edifício não é proporcional à permilagem da sua fracção (3,7800 permilagem), mas sim dividido de igual modo por cada um dos condóminos, independente da permilagem.
10. A mesma não foi aprovada, conforme resulta da acta n.º 23, por maioria de dois terços do valor total do prédio, tendo existido ainda oposição por parte de alguns condóminos.
11. Requisitos esses que também não foram cumpridos na deliberação constante do Ponto 4 da assembleia geral de condóminos de 03/05/2019, que aprovou as quotas extraordinárias devidas pela A. e de outros condóminos.
12. No que concerne à quota extraordinária, a pagar de modo igualitário por todos os condóminos, para realização das obras na fachada do Edifício, a mesma foi deliberada e aprovada na Assembleia Geral Ordinária (ponto três da Acta vinte e três) realizada no dia 27 de Abril de 2018.
13. A Autora foi devidamente convocada para a Assembleia em questão, mediante aviso convocatório - cf. doc. 2.
14. A Autora, pese embora devidamente convocada, não esteve presente na referida Assembleia, nem se fez representar.
15. O aviso protocolar relativo à entrega da Acta resultante da Assembleia Geral Extraordinária (Acta 23) foi assinado em 24/05/2018, por CC, marido da Autora, cf. doc. 3.
16. A Acta vinte e três não foi remetida por carta registada com aviso de recepção.
17. O marido da Autora recebeu-a em mão e assinou o recibo de recepção.
18. A Acta vinte e três não foi impugnada judicialmente.
19. A deliberação constante do ponto 4 da ordem de trabalhos da Assembleia do dia 03/05/2019, acerca das dívidas dos condóminos, foi tomada pela maioria 503,67% (quinhentos e três vírgula sessenta e sete por cento) do valor total do Edifício, tendo as deliberações sido tomadas em segunda sessão, devidamente convocada.
20. A deliberação que aprovou a quota extraordinária para execução das obras da fachada do edifício, por igualdade – ponto 3 (três) da Acta 23 (vinte e três) – apresenta como motivo justificativo da deliberação o facto da referida deliberação seguir o critério e procedimento habitual das últimas deliberações da Assembleia, no que respeita às obras no Telhado.
21. Resulta das deliberações constantes da Acta Dezanove, Assembleia-Geral Ordinária, realizada no dia 24/04/2015, respectivamente, ponto 3, que foi aprovada uma quota extraordinária para pagamento de execução de obras no telhado por igualdade, aprovadas por unanimidade dos presentes, que representavam 462,276% do valor total do edifício, cf. doc. 5.
22. O mesmo se aplica em relação a obras a levar cabo também nos telhados (primeira fase de intervenção), cf. Acta Dezasseis, cfr. doc. 6.
23. Também o critério da igualdade na repartição das despesas foi aplicado no aumento de quotas do Condomínio, aqui Réu, veja-se a Acta Vinte e Um, junta como doc. 7., bem como no pagamento de uma dívida às Águas de Paredes, cf. Acta Avulsa junta como doc. 8, pagamento de reparação dos elevadores, Acta Nove, cf. doc. 9.
24. Outra despesa que foi também paga de modo igualitário, é o caso do seguro obrigatório.
25. No que toca à deliberação de quotas extraordinárias necessárias ao pagamento de despesas comuns extraordinárias do Condomínio do edifício ... das quais supra se referiu as mais recentes, sempre foram aprovadas segundo o critério da igualdade e não através da aplicação da regra da permilagem.
26. Tais deliberações foram sempre tomadas pela maioria dos presentes, nalguns casos com unanimidades dos presentes, e, noutros, havendo até votos contra – e sempre as deliberações foram aceites por todos, sem qualquer contestação.
27. Tais deliberações nunca foram impugnadas e todos os Condóminos procederam ao pagamento das quotas extraordinárias aprovadas.
28. Não existe nem nunca existiu Regulamento do Condomínio, do prédio aqui em causa – cfr. Acta da 2ª. Sessão da Audiência Prévia.
Interpretação do art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil
Em causa nesta acção encontra-se a deliberação da assembleia de condóminos que estabeleceu que a quota extraordinária para realização de obras na fachada do edifício seria suportada por todos os condóminos, em partes iguais, bem como a deliberação relativa à quantia em dívida da responsabilidade da autora resultante do não pagamento dessa quota extraordinária.
A A. considera que ambas as deliberações, adoptadas por maioria dos condóminos presentes nessas assembleias - constantes da acta 23 e 24 – são nulas, e, nessa medida impugnáveis a todo o tempo, por contrariarem regra imperativa que determina que «as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções» - constante do art.º 1424, n. 1 do Código Civil.
O Tribunal de 1.ª instância considerou que:
«(…) Assim, por tudo o exposto, concluímos serem nulas (não meramente anuláveis) as deliberações em causa nos autos – constantes das Actas nº23 e nº24, tomadas em assembleias gerais que decorreram com a presença de condóminos representativos de 344,08% e de 503,67% (respectivamente) do valor total do prédio, pelas quais foi deliberado que todos os proprietários das fracções do condomínio comparticipassem de forma igualitária nas despesas com as obras gerais nas paredes exteriores dos Blocos do prédio em causa (acta nº23) e que aprovou as contribuições e quotas extraordinárias, na acta identificadas, devidas ao condomínio, com identificação nominal dos respectivos condóminos devedores, nomeadamente da aqui Autora, por tais deliberações violarem a norma do nº1, do art. 1424º, do C.C.
A acção de nulidade de deliberação de assembleia de condóminos não está dependente de qualquer prazo de caducidade, pois que o art.1433º, do C.C., apenas se aplica às deliberações anuláveis. (…)”
III - DECISÃO.
Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente e, em consequência decide-se:
- declarar a nulidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais constantes das actas n.ºs 23 e 24, no que se refere ao valor das quotas extraordinárias a pagar por cada condómino para realização das obras na fachada do edifício, por violadores do nº. 1 do artigo 1424.º do C.C.».
Diversa conclusão foi atingida pelo tribunal recorrido, em recurso de apelação interposto pelos réus, com os seguintes pressupostos:
«(…) estamos perante uma disposição de natureza supletiva, que se aplica apenas e se as partes não tiverem disposto de forma contrária, com vimos.
E, assim, uma deliberação da assembleia de condóminos que viole o disposto no n.º 1 do artigo 1424.º enfermará de anulabilidade, em virtude da referida previsão legal não ser imperativa podendo ser afastada pelo título constitutivo da propriedade horizontal ou pelo Regulamento do Condomínio, como se decidiu no já citado acórdão deste Tribunal de 10.10.2022.
Anulabilidade por estar em causa a violação de norma supletiva, o n.º 1 do artigo 1424.º e, não nulidade por não estar em causa norma de natureza imperativa.
Com efeito, a norma contida no n.º 1 do artigo 1424.º, atinente ao regime de responsabilidade dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição das partes comuns, não é uma norma de interesse e ordem pública, que estabeleça direitos inderrogáveis dos condóminos, decidiu já o STJ através do acórdão de 8.2.2001 in CJ, I, 105.
(…) Assim, resulta manifesto, ostensivo, mesmo, que quando a autora deu entrada da acção em 2.7.2019 no âmbito do processo 1711/19.2..., já tinha caducado o seu direito de acção de anulação da primeira deliberação – a reportada ao pagamento da quota extraordinária para execução das obras nas fachadas do Edifício ... por igualdade.
(…) E, sobre esta matéria não existe dúvida – o termo inicial do prazo de caducidade da acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos - quando não tenha sido solicitada assembleia extraordinária - coincide com a data da deliberação impugnada, tenham os impugnantes estado presentes ou não na assembleia de condóminos em que foi tomada a deliberação impugnada.
Neste sentido, cfr., entre muitos outros, acórdãos do STJ de 19.6.2019 e de 11.11.2021 e deste Tribunal de 23.11.2020, apud citado acórdão de 10.10.2022.
O raciocínio que viemos expendendo atá ao presente teve sempre como pressuposto esta primeira deliberação.
Isto porque a segunda, a constante da acta 24 – reportada à aprovação das dívidas dos condóminos – na sequência daquela primeira, é certo, não é inválida.
Esta deliberação não cabe na previsão do artigo 1424.º, nem depende das formas de aprovação aí exigidas.
Esta deliberação acerca das dívidas dos condóminos cai na regra constante do nº. 3 e 4 do artigo 1432.º, desde logo, por maioria dos votos representativos do capital investido.
(…)Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder total, provimento à apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida nos segmentos impugnados e, assim, se julga a acção totalmente improcedente, considerando-se que,
- a deliberação constante da acta da assembleia de condóminos n.º 23 é anulável e que caducou o direito de a autora a impugnar;
- a deliberação constante da acta da assembleia de condóminos n.º 24 é válida.»
A norma em questão, art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil, sob a epígrafe (Encargos de conservação e fruição) estabelece:
1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções.
Tendo em conta os critérios interpretativos constantes do art.º 9.º do Código Civil apenas poderemos concluir que dela consta que, na falta de outra regra, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções, decorrendo a sua natureza supletiva da expressão inicial “Salvo disposição em contrário”. Não apresenta esta norma qualquer característica que permita qualificá-la, por si própria, ou integrada no instituto a que respeita como sendo imperativa.
Esta norma integra-se no Livro III - Direito das coisas, no seu Título II - Do direito de propriedade-, Capítulo VI – Propriedade horizontal – Secção III – Direitos e encargos dos condóminos - do Código Civil.
O art.º 1418.º n.º 2, b) indica que o título constitutivo de propriedade horizontal pode ainda conter, o regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas. Logo aqui localizamos uma possível disposição em contrário, expressamente prevista no Código Civil à regra supletiva que veio a ser estabelecida no art.º 1424.º, n.º 1.
O título constitutivo da propriedade horizontal – que pode conter o regulamento do condomínio disciplinando o uso, fruição e conservação das partes comuns - pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos, e, na falta desse acordo suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas fracções se destinam – art.º 1419.º do Código Civil, neste caso se encontrando mais situações a que pode terá de ser aplicada a expressão “Salvo disposição em contrário” do art.º 1424.
Sabemos igualmente que não é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição – art.º 1420º, n.º 2 do Código Civil. Nos edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal há, obrigatoriamente partes comuns, taxativamente referidas no art.º 1421.º, n.º 1 do Código Civil, estabelecendo o art.º 1422.º, n.º 1 do Código Civil que os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis, sendo que o art.º 1424.º não pode deixar de ser lido como uma concretização do princípio aqui enunciado, quando estejam em causa despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, que o legislador pretendeu flexibilizar de molde a poder adaptar-se ao concreto condomínio em causa, tendo em conta a sua conformação, forma de utilização e vontade dos condóminos.
Olhar o art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil como uma norma imperativa que apenas poderia ser afastada por disposição legal expressa, não só contende com o texto da lei, como com as regras que vimos enunciando na lógica sistemática em que se inserem no Código Civil. A título exemplificativo, para clarificar a diferença, encontramos uma norma imperativa no art.º 1430.º, n.º 2 quanto à determinação dos votos de cada condómino, contabilização que não pode ser alterada por acordo de todos os condóminos ou deliberação da assembleia de condóminos.
Do art.º 1424.º do Código Civil resulta que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, preenchidos os pressupostos constante do seu n.º 2. Há despesas referentes a partes comuns que apenas são suportadas por alguns condóminos, art.º 1424.º, n.º 2, 3, 4 do Código Civil.
Caso o estado de conservação das partes comuns que o título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino afecte o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afecto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respectivas despesas de reparação na proporção do valor das suas fracções, salvo se tal necessidade de conservação decorrer de facto que lhe seja imputável – n.º 6 do art.º 1424.º do Código Civil.
Importa, pois, em seguida definir se, para além do título constitutivo de propriedade horizontal que incorpore um regulamento do condomínio que discipline o uso, fruição e conservação das partes comuns, as deliberações dos condóminos em assembleia de condóminos pode estabelecer que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício sejam pagas pelos condóminos em partes iguais e não na proporção do valor das suas fracções.
Estabelece o art.º 1430.º do Código Civil que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador reunindo esta, pelo menos uma vez por ano para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano. Desde que a aprovação das despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e a repartição do seu pagamento pelos condóminos em partes iguais conste da ondem de trabalho da convocatória para a assembleia de condóminos, com a informação de esta última deliberação ter que ser aprovada por unanimidade dos votos nada obsta a que tal possa ser deliberado, tendo em conta tal seria bastante para alterar o título constitutivo de propriedade horizontal ou o regulamento do condomínio nos termos do disposto no art.º 1419.º, n.º 3 do Código Civil.
Na presente situação, seguindo a matéria de facto provada, verifica-se que houve uma assembleia de condóminos realizada no dia 27 de Abril de 2018, documentada na acta 23 que aprovou, por maioria simples, uma quota extraordinária, a pagar de modo igualitário por todos os condóminos, para realização das obras na fachada do Edifício. A A., apesar de regularmente convocada para essa assembleia não esteve presente, nem se fez representar.
O aviso protocolar relativo à entrega da Acta resultante da Assembleia Geral Extraordinária (Acta 23) foi assinado em 24/05/2018, por CC, marido da Autora, que a recebeu em mão e assinou o recibo de recepção. As deliberações constantes da referida acta não foram judicialmente impugnadas.
Tendo em conta a data desta deliberação – 24/05/2018 – e as regras de aplicação da lei no tempo constantes do art.º 12.º do Código Civil a esta deliberação aplica-se o regime fixado pelo Decreto Lei 47344/66 de 25.11, que estabelecia que:
«1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das fracções»
com a redacção decorrente do Decreto Lei 267/94 de 25.10 que passou a dispor no n.º 2:
«Artigo 1424.º
[...]
1 - ...
2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4 - (Anterior n.º 3.)».
O Decreto Lei 267/94 de 25.10 no seu preâmbulo refere, com interesse para a interpretação do normativo em causa e das demais regras deste instituto jurídico que:
(…) 1. A propriedade horizontal constituiu, ao longo deste século, e principalmente a partir da 1.ª Guerra Mundial, um instrumento indispensável à ultrapassagem das sucessivas crises de habitação que se tem deparado às populações.
A concentração demográfica, associada ao desenvolvimento industrial, a escassez dos solos, a procura intensa destes por parte dos investidores imobiliários, as novas técnicas e materiais utilizados na construção, correspondem a alguns dos factores que explicam o acolhimento que este instituto recebeu nos diferentes ordenamentos contemporâneos. Permitindo o acesso à propriedade por segmentos da população a que aquela estaria vedada por razões económicas e representando um poderoso meio de incremento da edificação, a propriedade horizontal acabaria por ser vista com favor, também, pelo legislador português.
Assim, em 1948, quando se intentou resolver os gravíssimos problemas habitacionais com que se defrontava o País e se procedeu à revisão da lei do inquilinato, iniciou-se a preparação do diploma legal destinado a regular o artigo 2335.º do Código Civil de 1867 em moldes que permitissem uma evolução paralela à que se registava no resto da Europa.
Mas só alguns anos volvidos surgiu o Decreto-Lei n.º 40333, de 14 de Outubro de 1955, que enquadrou, de forma particularmente feliz, a propagação do condomínio que, ao longo da década seguinte, ocorreu em Portugal.
Em 1967, este diploma foi revogado e substituído pelo capítulo VI do título II do livro III do Código Civil.
Embora dando continuidade ao teor das soluções mais importantes consignadas na disciplina anterior, o legislador de 1967 optou por abandonar a regulamentação de muitos dos aspectos anteriormente contemplados.
Esta omissão, logo criticada por uma parte da doutrina, suscitou, desde cedo, questões e problemas de interpretação, objecto de abundante jurisprudência. E, simultaneamente, fizeram avultar algumas dificuldades de aplicação desfavoráveis ao progresso do instituto, dificuldades essas acentuadas com o decurso do quarto de século entretanto vivido.
Crê-se ser chegada a altura de aperfeiçoar regras e adaptar outras à evolução entretanto verificada.
Para tanto, foram ponderados os ensinamentos do direito comparado sem, todavia, modificar o rumo escolhido pela lei antecedente, que, como é sabido, afastou a ideia societária perfilhada pelos direitos anglo-saxónicos e a prevalência da compropriedade das partes comuns seguida pela Wohnungseigentum alemã. Procurou-se ainda preservar a sistemática e o estilo do Código Civil, que, além do mais, apresentam as vantagens da divulgação e do melhor conhecimento pelos práticos. E, por fim, nunca foi esquecido o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar.
Neste contexto e tendo presentes as observações enunciadas, decidiu-se estender o âmbito de incidência do instituto, por forma a ser possível submeter ao respectivo regime conjuntos de edifícios. Salvaguardou-se, porém, a interdependência das fracções ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio.
Visou-se ainda superar as questões suscitadas acerca do conteúdo do título constitutivo, distinguindo as menções obrigatórias das facultativas e diversificando, positivamente, o regime da propriedade horizontal.
Finalmente, modificaram-se algumas normas com o objectivo de favorecer a conservação e o melhoramento dos edifícios e explicitaram-se outras, em matéria da organização do condomínio, com a finalidade de alcançar soluções mais eficientes, ajustadas a uma administração que, por via de regra, é levada a cabo por condóminos sem preparação profissional específica e destituídos de experiência de gestão.».
O art.º 5.º da Lei n.º 32/2012 de 14 de Agosto apenas adicionou um novo número ao art.º 1424.º, mantendo a redacção dos seus números anteriores:
«Artigo 1424.º
[...]
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.».
Resulta evidente desta norma que é possível, e a lei assim o admite – salvo estipulação em contrario - repartir as despesas de conservação do imóvel em partes iguais pelos condóminos, ou, os condóminos serem por elas responsáveis na proporção do valor das suas fracções. Se nada estiver estipulado a esse respeito são por elas responsáveis na proporção do valor das suas fracções de acordo com o disposto no art.º 1424.º, n.º 1 do Código Civil.
Na situação presente nem o título constitutivo de propriedade horizontal regia esta matéria, nem existe um regulamento do condomínio que sobre tal regule, e, consequentemente não há qualquer estipulação regulamentar que conste como menção facultativa daquele título que pudesse fundamentar a exigência de que a sua alteração só pudesse ser válida se constante de escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos – art.º 1419.º do Código Civil.
A deliberação constante da acta n.º 23 reporta-se a uma concreta obra de conservação do imóvel, esgotando-se com ela e não incluindo qualquer regra que seja aplicável às demais obras de conservação. Ao que consta da matéria provada, esta deliberação repete o mesmo tipo de procedimento anteriormente adoptado para obras do mesmo tipo, e para o seguro obrigatório, tornando claro a sua vigência limitada no tempo, e a sua conformação casuística ao tipo de despesa em questão.
Assim, pelas razões aduzidas nos dois parágrafos anteriores não é possível recolher para esta deliberação o regime legal previsto para a modificação do título constitutivo de propriedade horizontal com violação de lei.
As deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do disposto no art.º 1433.º são anuláveis quando contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Mesmo que se entendesse que a deliberação tinha de ser aprovada por acordo de todos os condóminos, ou com uma maioria qualificada, apesar de nas relações entre si, estarem sujeitos, de um modo geral, quanto às partes comuns, às limitações impostas aos comproprietários de coisas imóveis – art.º 1422.º - e estes força do disposto no art.º 1407.º, nas deliberações relativas à administração seguirem o regime do art.º 985º e decidirem por maioria, excepto estipulação expressa em contrário, sempre o vício de que a mesma enfermaria era apenas reconduzido à anulabilidade.
A nulidade é, no nosso sistema jurídico, reservada aos vícios mais graves de que possam enfermar os negócios jurídicos. Por estarmos perante uma norma supletiva, isto é, não imperativa, não é aplicável o disposto no art.º 294.º do Código Civil.
Não havendo norma expressa que sancione com a nulidade o eventual vício quanto ao quórum de aprovação da deliberação constante da acta 23, apenas a cláusula geral do art.º 280.º do Código Civil poderia atingir tal desiderato.
Todavia, por não estar em causa qualquer negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei, à ordem pública, ofensivo dos bons costumes, ou indeterminável, é inaplicável na presente situação o disposto nos art.º 280.º e 281.º do Código Civil.
Assim o eventual vício quanto ao quórum de aprovação da deliberação constante da acta 23, apenas poderia feri-la de anulabilidade cujo regime permite a invocação pelos interessados no ano subsequente à cessação do vício, como estabelecido no art.º 287.º Código Civil.
A autora não reagiu contra esta deliberação pela forma constante do art.º 1433.º do Código Civil pelo que a mesma se consolidou, não mais podendo ser arguida de anulável, permanecendo válida e exequível.
A acta 24 contém deliberações que a autora apenas impugna por entender serem nulas as deliberações constantes da acta 23.
Não sendo já possível, à data de propositura desta acção, discutir qualquer eventual vício de que enfermasse a deliberação quanto ao valor da quota extraordinária para despesas, e, sua repartição pelos condóminos, constante da acta 23, por ter caducado o direito da autora de a impugnar judicialmente, não é possível vir a suscitar quanto à acta 24, onde se efectua apenas o cálculo do montante que a autora era devedora ao condomínio, seguindo os critérios aprovados na acta 23, então já não impugnável, o teor da deliberação desta constante, por esta não enfermar de qualquer vício, nem a autora ter indicado um qualquer vício de que padecessem as deliberações constantes da acta 24.
Pelas indicadas razões, improcede o recurso.
Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, atento o seu decaimento.
Ana Paula Lobo (relatora)
Orlando dos Santos Nascimento
Fernando Baptista Oliveira