MEDIDAS DE COACÇÃO
REQUISITOS GERAIS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
NECESSIDADE
ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE
PERIGO DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
Sumário

I. A aplicação de qualquer das medidas de coação serve propósitos exclusivamente processuais, de garantia do bom andamento do processo e efeito útil da decisão final.
II. Com exceção do Termo de Identidade e Residência (artigo 196.º CPP), a sua aplicação depende da existência de indícios da prática de crime, bem assim como a concreta demonstração de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas do § 1.º do artigo 204.º CPP, a mais de congruentes com a sua necessidade, adequação e proporcionalidade.
III. As referidas circunstâncias dependem de uma dimensão concreta e razoável, sob pena de poderem ser invocados em todos os casos, e isso não ser compaginável com a conceção de um Estado de Direito Democrático, baseado no respeito e na garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais
IV. O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas tem de emergir de circunstâncias que revelem um previsível comportamento no futuro imediato por banda do arguido, resultantes da sua atitude ou atividade, aferidas no momento da decretação da medida. Não podendo fundar-se num prenúncio abstrato arreigado a um qualquer suposto «alarme social».

Texto Integral

I – Relatório
a. No âmbito dos presentes autos de inquérito, a correrem termos na Procuradoria da República de …, foi requerido ao Mm.o Juiz de Instrução Criminal de …, do Juízo de Competência Genérica de … – do Tribunal Judicial da comarca de …, o primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Realizado este, considerando-se haver fortes indícios da prática de oito crimes de abuso sexual de menores em situação particularmente vulnerável, previsto no artigo 172.º, § 1.º, als. a) e b) e § 2.º, por referência ao disposto no § 3.º do artigo 171.º, ambos do Código Penal (CP) e um crime de perseguição, previsto no artigo 154.º-A, § 1.º CP, veio a ser judicialmente imposta ao arguido AA, nascido a …/…/1971, com os demais sinais constantes dos autos, as medidas de coação julgadas ajustadas à prevenção dos perigos de continuação da atividade criminosa, perturbação do decurso do inquérito e de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas (artigo 204.º, § 1.º, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal (CPP), concretamente a suspensão do exercício da profissão de …, prevista na al. a) do § 1.º do artigo 199.º CPP e proibição de contactos com BB, de 16 anos de idade (melhor identificada a fls. 145), prevista na al. d) do § 1.º do artigo 200.º CPP; e obrigação de apresentação periódica no posto policial mais próximo da sua residência, de 15 em 15 dias (artigo 198.º CPP).

b. Inconformado com o assim decidido, veio o referido arguido interpor o presente recurso, rematando as respetivas motivações com as seguintes conclusões (1):

«I -O Despacho recorrido fez tábua rasa de todas as declarações que o arguido prestou, decidindo fazer um juízo apriorístico da prova indiciária que contra si é inexistente, sem procurar a justeza do cotejo entre as suas declarações e das declarações das testemunhas, que se repetem, ou no meio do argumento, distribuem entre si as falas de modo a que o enredo seja quase perfeito.

II- Estabelece o nº 1 do artigo 204º do C.P. Penal, as condições da aplicação das medidas de coação, para além do termo de identidade e residência, do qual se pode ler “1.Nenhuma medida de coação, à exceção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto não se verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”.

III- Para além das condições especiais de aplicação de cada uma das medidas de coação, é necessário que se verifiquem as em primeiro lugar e, resulta de que nenhuma medida de coação, para além do termo de identidade ou residência, pode ser aplicada se no caso concreto não se verificar (…).Quer isto dizer que, a aplicação de qualquer outra medida de coação não pode ser aplicada se no caso concreto, não se verificar qualquer uma das circunstâncias constantes das alíneas a) a c), o que na perspetiva do arguido/ recorrente não foi de modo nenhum fundamentado, não foram indicados quaisquer factos concretos referentes à pessoa do arguido, que possam inabalavelmente sustentar as medidas de coação aplicadas e das quais se recorre.

IV- O arguido é pessoa de bem, não irá fugir, aliás se o seu perfil fosse esse e se de facto temesse o que lhe imputam teria tido tempo para fugir, desde fevereiro que conhecia a existência do processo, só foi constituído arguido em 15 de Maio, para comparecer ao Primeiro Interrogatório Judicial percorreu 1000Km (500Km de ida/ 500km de volta), por isso no caso concreto o perigo não se verifica.

V- Não se verifica, também no caso concreto o estabelecido na alínea b) do artigo 204º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente procura distância de quem terá deturpado o seu estar, terá deturpado a sua pessoa, sendo pessoa de bem , terá de se proteger, por isso jamais terá interesse em perturbar o inquérito, não foram no caso concreto indicado quaisquer factos que se possam em concreto imputar ao arguido, a que viessem a consubstanciar qualquer perigo.

VI- Por último temos o perigo da continuidade da atividade criminosa, ora também neste seguimento o douto despacho é minguo na fundamentação, nenhum facto concreto ou convicção existe de que haja perigo da continuação da ativada criminosa, aliás nem crime existe.

VII- A aplicação das medidas de coação que se recorre são desajustadas, violadoras da dignidade do arguido e do princípio basilar da presunção de inocência, princípio constitucionalmente consagrado.

VIII-É uma pessoa bem vista no meio onde vive.

IX- O arguido nunca teve contacto com o sistema judicial.

X- A ausência de indícios fortes coadjuvada coma previsão do arquivamento do processo, ou na previsível absolvição depois de estar a vivenciar o horror de imputações ignóbeis.

XI-Face aos condicionalismos pessoais do arguido, à manifesta deficiência da indiciação, à não verificação dos pressupostas do artigo 204º do Código de Processo Penal deverá assim serem revogadas de imediato as medidas de coação impostas suspensão do exercício da profissão de .., em qualquer estabelecimento de …., privado público e obrigação de apresentações períodicas junto do posto policial mais próximo da sua residência de 15 em 15 dias.

XII- O douto despacho recorrido fez incorreta apreciação dos factos e violou o nº 2 artigo 32º, e o artigo 18º da Constituição da República Pública, o nº1 do artigo 204º, artigo 193º do Código de Processo Penal.

XIII-Pelo que deve ser revogado o despacho que decretou a suspensão do exercício da profissão de …, em qualquer estabelecimento de …, privado ou público e obrigação de apresentações períodicas junto do posto policial mais próximo da sua residência de 15 em 15 dias, por excessivas infundam entas e violadoras do princípio da legalidade.»

c. O recurso foi admitido.

Na sua resposta o Ministério Público junto do Tribunal recorrido sustentou a justeza da decisão recorrida, sintetizando a sua argumentação, do seguinte modo:

«1. As medidas de coação aplicadas ao recorrente bastam-se com a existência de indícios da prática do crime, não sendo exigível a existência de fortes indícios.

2. Sem prejuízo, existem, de facto, fortes indícios da prática dos crimes em causa pelo recorrente.

3. No caso concreto temos 23 alunos que apresentaram uma queixa conjunta à direção da Escola que frequentam e, posteriormente, ao Ministério Público, visando comportamentos inadequados do …, aqui recorrente.

4. Desses 23 jovens, foram ouvidas, perante Magistrado do Ministério Público, 10 alunas, cfr. autos de inquirição de fls. 127 a 152, daí resultando, em conjugação com a queixa supra referida, a indiciação do aqui recorrente e a sua consequente sujeição a primeiro interrogatório.

5. Todas as declarações prestadas até então pelas jovens foram coerentes isoladamente e ente si, nomeadamente no que diz respeito à preferência efetiva do professor, aqui recorrente, pelo contato – físico e falado - com alunas do género feminino; a forma de o mesmo atuar sobre estas, com toques físicos dissimulados e aparentemente justificados por uma qualquer regra, como é o caso da retirada dos telemóveis do bolso de trás das calças das alunas ou o uso de colares por parte das alunas.

6. Todas relataram terem assistido ou saberem pelos intervenientes a situações de:

- Atuação suspeita apenas sobre alunas do género feminino;

- Toques injustificados e não autorizados no corpo das jovens, suas alunas;

- Uso frequente de expressões com conotação sexual dirigidas às jovens, suas alunas;

- Referência frequente à beleza, físico e roupas das jovens, suas alunas;

- Mexer, sem autorização nas mochilas e telemóveis dos alunos, nestes com vista a conseguir aceder à galeria de fotografias;

- Assistência em sala de aula apenas às alunas do género feminino, em detrimento total dos alunos do género masculino.

- Reuniões à porta fechada e mesmo trancada com algumas jovens, suas alunas;

- Contato físico constante, de forma injustificada e não consentida, com a aluna BB;

- Formulação de proposta de atribuição de nota 20 a … à BB, em troca de “algo” entre eles, como compensação;

7. Todas relataram terem receio do que o professor lhes poderia fazer se manifestassem o desagrado daquelas condutas, tendo algumas relatado que aquele marcava faltas a alunos que estavam presentes e não marcava a alunas que faltavam, consoante gostasse ou não das mesmas, havendo ainda registo de coação a pelo menos duas alunas (BB e CC) caso denunciassem o que se passava na sala, com a porta trancada.

8. Resultou também evidente que todas as jovens visadas ficavam desconfortáveis, incomodadas e se sentiram invadidas no seu espaço e liberdade com tais comportamentos do recorrente, pois que todas foram perentórias em afirmar que nunca pretenderam ou consentiram qualquer toque por parte do recorrente.

9. Resulta ainda unânime de todos os depoimentos prestados que o “alvo” preferido e constante do recorrente era a aluna BB, bastando a leitura das declarações da própria e das demais testemunhas, para perceber que o recorrente persistia na sua conduta de forma constante, mais intensa e gravosa com a mesma, falando mesmo algumas das jovens em “fetiche”.

10. Uns são testemunhas dos outros e todos corroboram as declarações de cada um, como bem notou o Tribunal “a quo”.

11. O recorrente quer que se desconsidere todos esses depoimentos e se considere apenas a sua versão, que passa unicamente por negar os factos, socorrer-se desse lugar comum da cabala e da cabeça fantasiosa de todos estes jovens e alegar ser pessoa de respeito e sem antecedentes criminais.

12. Não foi apurado qualquer facto que pudesse inculcar a ideia de uma cabala coletiva, pelo que não pode a mesma ser considerada para simplesmente afastar os indícios fortes que existem do cometimento dos factos pelo recorrente, sustentados em todos os mencionados depoimentos.

13. Não pode, pois, merecer provimento o alegado a respeito pelo recorrente, pelo que deve ser indeferido.

14. O Tribunal “a quo” considerou existir os perigos de continuação da atividade criminosa; perturbação do inquérito e da paz e tranquilidade públicas.

15. A forma como o recorrente nega os factos e não reconhece qualquer inadequação na sua conduta, associado ao facto de ter chegado mesmo, quando intimidado pela queixa apresentada, a tentar amedrontar as alunas, vitimas, coagindo-as, revela não só o sentimento de impunidade que até então o dominava, mas também que não interiorizou a gravidade da sua atuação, antes persistindo que a mesma é normal e só revela cuidado para com as suas alunas.

16. Este encadeamento de factos, ainda que nesta fase embrionária do processo, demonstra bem que se o recorrente continuar a dar aulas, vai continuar a agir da mesma forma porque, na sua versão disforme, é uma conduta normal e zelosa do seu papel enquanto ….

17. As medidas de coação num todo, são as necessárias, adequadas e proporcionais às exigências de prevenção geral e especial do caso.

18. Mormente a medida de coação de suspensão do exercício da profissão de …, em qualquer estabelecimento de …, público ou provado, é a única suscetível de impedir que o recorrente persista neste seu comportamento.

19. Não existe qualquer falta de fundamentação da decisão de aplicação das medidas de coação, no que à verificação dos perigos diz respeito.

20. A falta de fundamentação do despacho de aplicação de medida de coação, a existir – o que não se concebe e apenas se concede para efeitos de demonstração de raciocínio – sempre enquadraria uma nulidade sanável, em face da enunciação taxativa das nulidades insanáveis do artigo 120º do Código de Processo Penal.

21. Nestes termos, ainda que existisse a alegada falta de fundamentação, sempre a mesma teria que ser arguida no próprio ato - leitura da decisão - a que o recorrente assistiu e antes desse ato ter terminado, cfr. estatuído no artigo 120º, nº 3, alínea a) do Código de Processo Penal, sob pena de ficar sanada.

22. Pelo que, ainda que existisse – que não existe - sempre a referida nulidade estaria sanada.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, foi dada vista nos autos ao Ministério Público, que referiu não se mostrar justificada a medida de coação de apresentações periódicas do arguido em posto policial, concordando no demais com a posição afirmada na resposta ao recurso.

e. Observado o contraditório o arguido/recorrente veio reiterar o teor das conclusões do seu recurso.

f. Foi efetuado o exame preliminar, determinando-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP). (2)

Colocando-se à apreciação desta instância de recurso as seguintes questões: i) nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação; ii) indícios da prática dos ilícitos imputados; iii) requisitos da aplicação das medidas de coação; iv) adequação e proporcionalidade das medidas de coação aplicadas.

2. Decisão recorrida

A decisão recorrida, na parte que concerne à atuação do recorrente, tem o seguinte teor:

«Mostram-se fortemente indiciados nos presentes autos os seguintes factos já supramencionados neste Auto e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e também que:

O arguido aufere o salário mensal no valor de 1.370,00€.

Atualmente o arguido encontra-se de baixa médica, auferindo apenas 55% do salário mencionado em 1.

O arguido reside com a mãe, em casa própria desta.

O arguido contribui mensalmente com a quantia de cerca de 350,00€, para as despesas com a habitação.

Por conta da situação em causa nos autos o arguido iniciou consultas médicas na especialidade de …, encontrando-se medicado.

O arguido, como habilitações literárias, tem a licenciatura.

O arguido não tem condenações anteriores registadas.

*

Tais factos indiciados são sustentados pelos seguintes elementos de prova indiciária juntos aos autos:

a) Prova Documental:

- Autos de Inquirição, de fls. 127 a 152;

- Certificado de Registo Criminal de fls 94.

*

A convicção do Tribunal no apuramento dos factos indiciados, acima elencados, assenta na análise e ponderação crítica e conjugada de toda a prova documental, constante dos autos, designadamente e elencada antecedentemente, incluindo nos depoimentos das testemunhas prestados em sede de inquérito e ainda nas declarações do arguido prestadas no dia de hoje quer quanto aos factos por que vem indiciado quer quanto à sua situação económico financeira.

Apesar da prerrogativa legal que assiste ao arguido, o mesmo pretendeu prestar declarações, tendo, assim, o Tribunal recolhido a sua versão dos factos.

Ora, em termos gerais o arguido negou a prática de todos os factos por que vem indiciado e que supra se discriminaram, circunstanciando sempre e apresentando justificação relativamente a diversos episódios ocorridos, mas nunca com o contexto dado nos factos indiciados (pedagógico e no âmbito das suas funções de …).

Em suma, nega ter tocado no corpo das suas alunas, ter proferido expressões constantes dos factos indiciados e ter tido reuniões à porta trancada com as mesmas. Por outro lado, negou algumas questões efetuadas aos alunos na reunião ocorrida no início do ano letivo, tendo contextualizado o motivo pelo qual julgou relevante a mesma e bem assim as perguntas efetuadas.

O arguido prestou as suas declarações de forma serena, circunstanciada, objetiva e clara.

Ora, apesar de a fase dos presentes autos ser embrionária, a verdade é que foram já ouvidos a maioria dos alunos envolvidos e conforme resulta dos teores dos Autos de Depoimento juntas aos autos a fls. 127 a 152.

Dos teores dos depoimentos prestados pelos jovens, todos alunos do arguido em causa nos autos, resulta que os mesmos foram, na sua totalidade, circunstanciados, serenos, objetivos e que pareceram firmes ao tribunal, tendo em parte sido coerentes, no seu todo e analisados de forma individual, mas também coerentes ou consonantes, uma vez confrontados uns com os outros.

Não obstante alguns dos factos indiciados terem ocorrido apenas na presença do arguido e de um só jovem, do relato efetuado por todos é possível extrair, de forma consentânea, o modo de o arguido atuar, cuja descrição foi efetuada de forma consentânea.

Assim, a prova que se encontra já carreada nos autos faz completa tábua rasa da versão apresentada pelo arguido. O mesmo será dizer que a sua versão não encontra, neste momento, qualquer sustentação.

Vejamos.

Da análise de cada um dos depoimentos dos jovens ouvidos em sede de inquérito, resulta uma descrição dos factos em que cada um deles participou diretamente, sendo que todos os jovens, relatam episódios que se passaram consigo mesmos, idênticos, e que aconteceram a outros colegas, os quais foram por si presenciados, todos com o mesmo sentido, e até com pormenores específicos consentâneos, quer no que foi referido pelo arguido, a quem foi dirigido, quem lá se encontrava, e a conduta do mesmo e reações dos jovens que a isso assistiram.

Os mencionados jovens ouvidos em sede de inquérito pertencem todos à mesma turma, e os episódios relatados surgem logo no início do ano letivo, e no primeiro ano letivo em que o arguido lecionou naquela Escola.

Donde, não adveio qualquer elemento nos autos que permitam concluir que todos aqueles jovens (e cujos depoimentos foram consentâneos) se encontrem em conluio, não obstante, ter sido essa a justificação apresentada pelo arguido e nenhuma outra, i.e., não resulta, por ora, dos autos, a existência de qualquer conflito entre os jovens e o professor que justifique a (falsidade da) denúncia apresentada. Ainda quanto à BB, atenta a nota facultada pelo arguido em nada permitiria concluir que a mesma tivesse qualquer intenção de criar factos que não correspondam à realidade. Ao invés, os jovens foram consentâneos ao referir que o arguido tinha uma preferência por aquela aluna.

Ademais, de todos os factos relatados pelos jovens extrai-se uma conduta insinuosa do arguido, por vezes até subtil, mas de cariz sexual e de ocorrência frequente, tendo vindo a estender-se ao longo do ano letivo, e de forma escalonada e cada vez mais evidente e exposta.

Da análise dos depoimentos dos jovens extrai-se uma versão consolidada pela corroboração efetuada entre uns e outros e de acordo com os factos que se mostram indiciados.

Pelo que, de tudo o supra exposto, atenta a prova já carreada para os autos resulta a inexistência de corroboração e credibilidade da versão apresentada pelo arguido, em sede de interrogatório judicial.

Quanto às condições pessoais e de vida do arguido e os últimos contatos estabelecidos pelo arguido com a vítima, os mesmos resultam indiciadas das próprias declarações do mesmo prestadas em sede de interrogatório judicial e as condenações anteriores o tribunal considerou o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

*

Assim, e sem prejuízo do que se vier a apurar no decurso do inquérito, os elementos de prova recolhidos até ao presente momento, permitem concluir pela existência de fortes indícios da prática pelo arguido da factualidade supra elencada, pelo que temos por preenchido o requisito dos “fortes indícios” a que alude o artigo 202.º, n. º1, do Código de Processo Penal.

*

Tal factualidade é suscetível de integrar a prática pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de:

- 8 (oito) crimes de abuso sexual de menores, previsto e punido pelo artigo 172.º, n.ºs 1, alínea a) e b), e 2, por referência ao n. º3, do artigo 171.º, ambos do Código Penal;

- 1 (um) crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n. º1, do Código Penal.

Nos termos do disposto no artigo 172.º, n.ºs 1, alínea a) e b), e n. º2, por referência ao n.º3 do artigo 171.º, ambos do Código Penal, “Quem praticar ou levar a praticar ato descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior relativamente a menor entre 14 e 18 anos: a) em relação ao qual exerça responsabilidades parentais ou que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência; ou b) abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor; (…)” e “Quem praticar ato descrito nas alíneas do n.º3 do artigo anterior, relativamente a menor compreendido no número anterior deste artigo e nas condições aí descritas, é punido com pena de prisão até um ano”.

Concomitantemente refere-nos o artigo 171.º, n.º3, do Código Penal que “Quem: a) importunar menor de 14 anos, praticando ato previsto no artigo 170.º; ou b) atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos; c) aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais; (…)”.

Igualmente, determina o artigo 154.º-A, n.º1, do Código Penal que “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”.

Determina também o n.º 3 e 4, daquele normativo a possibilidade de aplicação de pena acessória de proibição de contato com a vítima.

Nos presentes autos não se vislumbra, por ora, a existência de qualquer causa que, porventura, possa isentar o arguido de responsabilidade ou que demonstre a extinção do procedimento criminal – artigo 192.º, n.º6, do Código de Processo Penal.

*

Cumpre, assim, determinar quais as medidas de coação adequadas à situação pessoal do arguido, apurando se se mostram verificados algum dos perigos previstos no artigo 204.º, do Código de Processo Penal que justifique a aplicação de qualquer outra medida coativa para além do Termo de Identidade e Residência já prestada pelo arguido e, em caso afirmativo, qual a mais adequada, suficiente e proporcional para acautelar tais perigos, nos termos do disposto no artigo 193.º, do Código de Processo Penal.

De notar que constitui condição geral de aplicação de qualquer medida de coação a constituição prévia de arguido (artigo 192.º, do Código de Processo Penal), o que se verifica no caso objeto dos presentes autos.

As medidas de coação e de garantia patrimonial constituem meios processuais limitadores da liberdade pessoal que visam acautelar a eficácia do procedimento criminal, aplicáveis a arguidos sobre os quais recaiam indícios ou fortes indícios da prática de um crime.

Nesse sentido, a aplicação de uma medida de coação deverá respeitar os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, e bem assim ao princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no artigo 32.º, n. º2 da Constituição da República Portuguesa.

Assim sendo, a medida de coação mais gravosa – prisão preventiva – apenas poderá ser aplicada quando se imponha a necessidade de uma prisão antes do julgamento e todas as outras medidas de coação previstas na lei se mostrem inadequadas ou insuficientes, tendo a sua aplicação caráter subsidiário e excecional.

Uma medida de coação será adequada se, com a sua aplicação, se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se traduz um obstáculo ou é ineficaz para realização das exigências cautelares que o caso requer.

Já o Princípio da Proporcionalidade impõe que a medida de coação a aplicar se apresente em medida exata, ou proporcional, à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

O Princípio da Necessidade consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os efeitos do arguido.

Ora, as medidas de coação a aplicar deverão ser as que se encontram previstas na lei (artigo 191.º, n.º1, do Código de Processo Penal), nos artigos 196.º, a 202.º, do Código de Processo Penal, escalonadas de forma progressiva e proporcional à gravidade dos crimes indiciados. São elas, respetivamente: termo de identidade e residência (mera constituição de arguido); caução (crime punível com pena de prisão); apresentação periódica (crime punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses; suspensão do exercício de funções (crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos); proibição e imposição de condutas (fortes indícios de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos); e prisão preventiva (fortes indícios da prática de crime com pena de máximo superior a 5 anos, crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos).

No que diz respeito concretamente à prisão preventiva, para além dos pressupostos especiais do artigo 202.º, do Código de Processo Penal, a sua aplicação deverá também obedecer aos requisitos gerais das medidas de coação previstos nos artigos 191.º, a 194.º, do Código de Processo Penal, supramencionados.

Para além do supramencionado a aplicação de qualquer medida de coação deverá obedecer aos requisitos enunciados no artigo 204.º, do Código de Processo Penal, os quais se deverão verificar no momento da aplicação da medida. Tais requisitos respeitam à verificação de fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação de inquérito, nomeadamente para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de que este continue a atividade criminosa ou perturbe a ordem e a tranquilidade públicas.

Ora, os requisitos mencionados deverão ser analisados caso a caso e em função do contexto de cada situação, não podendo assentar em juízos de mera possibilidade de verificação.

No que diz respeito à verificação da fuga ou perigo de fuga, este não decorre apenas da gravidade da sanção criminal em que o arguido poderá incorrer, mas também de fatores relacionados com o caráter do arguido, sua casa, ocupação, suas condições pessoais e de vida e os laços que tem com o país onde é investigado.

O perigo de perturbação da instrução probatória, é maior nas fases preliminares do processo, podendo verificar-se tendo em consideração a gravidade e tipos de crime em causa e pela complexidade da investigação.

Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias de onde resulte que, perante a personalidade do arguido, e circunstâncias dos factos seja formulado um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de factos idênticos (tendo por base elementos objetivos dos quais se possa inferir que o arguido em liberdade continuaria a atividade criminosa).

Já o perigo de perturbação grave da ordem ou tranquilidade públicas verifica-se quando ocorram factos objetivos capazes de demonstrar que a libertação do arguido poderia causar intranquilidade e desordem públicas.

Os factos indiciados nos presentes autos evidenciam fortemente um comportamento insinuoso, com subtileza, brincadeira e até dissimulada, mas com foros de manipulação, de carater sexual, que se vem a desencadear há algum tempo, e de forma escalonada, e igualmente uma atuação com elevada precaução na medida em que o arguido atuava, ainda que indiciariamente, o mais isoladamente possível, sem que terceiros presenciassem e, por outro, de forma destemida, à frente de todos os alunos, em contexto de sala de aula ou escolar, no exercício das suas funções de … e ….

Pelo tempo em que tais atos indiciados foram praticados, tal conduta descrita adotada pelo arguido permite gerar um ambiente junto dos jovens em causa nos autos de impotência e de receio, tanto mais agravado pela posição ocupada pelo arguido, i.e. pela relação aluno-… existente entre os jovens e o arguido.

Tal carater do arguido é patente igualmente, pelo teor das expressões proferidas, pelos atos subtis perpetrados no corpo dos jovens, aproveitando que retira o telemóvel do bolso das calças que trajavam, e o uso de colar por parte de outra jovem; pelos locais e a forma como abordava os jovens (na sala de aula; em sala fechada; e desacompanhados).

Acresce que o conhecimento pelo arguido da existência de queixa não o fez coibir-se de manter a sua atuação, coagindo as vítimas, revelando um sentimento de impunidade.

Ademais, o arguido encontra-se temporariamente de baixa médica, permitindo-lhe ter disponibilidade de tempo para praticar factos idênticos aos que se mostram indiciados nestes autos, agravado pelo facto de o arguido ser conhecedor do local onde as vítimas estudam, onde residem, onde têm momentos de lazer, e o seu contato (nomeadamente redes sociais), o que faz perigar a continuidade da atividade criminosa por parte do arguido e bem assim a perturbação de inquérito, essencialmente para a conservação da prova, considerando que o arguido conhece a maioria das testemunhas ouvidas em inquérito podendo, até ao Julgamento, exercer algum tipo de pressão sobre as mesmas, e essencialmente sobre as vítimas que ainda não prestaram declarações para memória futura em sede de inquérito, o que é compatível com a personalidade evidenciada, deturpando, assim, ou inviabilizando o depoimento destas numa fase crucial dos autos.

O alarme social é elevado neste tipo de crimes. Ademais, os factos indiciados nos autos foram praticados numa zona pacata, em meio escolar, onde tipos de crimes como os dos presentes autos têm uma repercussão na sua rápida divulgação junto da comunidade, o que já se verificou (atenta a divulgação do caso pela comunicação social) causando assim, e inevitavelmente intranquilidade junto desta, acentuada pelo facto de o seu autor ser … na comarca, verificando-se o perigo de perturbação da tranquilidade e ordem pública.

Ademais, não se mostra previsível que ao arguido, em sede de julgamento, venha a ser imposta pena privativa de liberdade, prevendo-se, porém, no máximo, a condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução, sopesando o teor do seu certificado de registo criminal (e do qual nada consta, quanto à prática de crimes de idêntica natureza), e a gravidade dos factos objeto dos presentes autos e a alternatividade de penas que os tipos de crime de que o arguido vem indiciado preveem.

Assim, atendendo à personalidade do arguido, tendo igualmente por base a gravidade dos crimes pelos quais o arguido vem indiciado, a moldura penal abstrata dos mesmos, conclui-se que a aplicação de Termo de Identidade e Residência não se mostra suficiente para acautelar os perigos que se verificam no caso em concreto e que infra se referirão.

A fim de acautelar os perigos supramencionados, reputa-se por adequada, necessária e proporcional a aplicação de medida de coação não detentiva, pois com a aplicação daquela acautelar-se-ão suficientemente os perigos que no caso em concreto se verificam.

No que diz respeito às medidas não detentivas a lei estabelece-as nos artigos 196.º, a 200.º, do Código de Processo Penal, de forma escalonada, considerando a gravidade dos factos.

Assim, determina o artigo 200.º, n. º1, do Código de Processo Penal que, existindo fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, poderá impor-se ao arguido, de forma cumulativa ou separada, determinadas obrigações e taxadas nas diversas alíneas daquele normativo.

Atendendo ao facto que o arguido encontra-se colocado na Escola que as vítimas frequentam, sendo inclusivamente seu… impõe-se ponderar o estipulado no artigo 199.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Penal: “Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida de coação, a suspensão do exercício de profissão, função ou atividade públicas ou privadas.”.

Ademais, nos termos do disposto no artigo 198.º, do Código de Processo Civil “Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de se apresentar a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, tomando em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita.”.

Ora, um dos crimes cuja prática o arguido vem indiciado constitui crime doloso e é punível com pena de prisão de máximo igual a 3 anos e o outro tipo legal de crime é punido com pena de prisão até 1 ano e com pena acessória de proibição de contato com a vítima.

Atendendo ao que supra se referiu e bem assim aos perigos que se verificam no caso em concreto e que importa acautelar, e que supra se descreveram, considera-se justo e adequado aplicar ao arguido a medida de coação de obrigação de não contatar, por qualquer meio, com a vítima BB e com qualquer testemunha destes autos, (artigo 200.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Penal), incluindo o afastamento do local de residência e de ensino da vítima.

Para além disso, considerando a personalidade evidenciada pelo arguido e que se extrai dos factos indiciados nos autos, relativamente à vítima BB, e bem assim os perigos que importam acautelar e que supra se expuseram julga-se justo e adequado aplicar ao arguido a medida de coação de suspensão do exercício da profissão de …, nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Já no que se refere aos crimes de abuso sexual pelos quais o arguido vem indiciado, e tendo por base a personalidade evidenciada pelo arguido e que supra se expôs, julga-se justo e adequado aplicar ao arguido a obrigação de apresentação periódica a um certo órgão de polícia criminal, de 15 em 15 dias.

Perante tais perigos e com os fundamentos – de facto e de direito- supra aduzidos, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, a 193.º, 196.º, artigo 1.º, 198.º, n.º1 e 2, 199º, n.º1, alínea a), e 200.º, n.º1, alínea d), 204.º, alíneas b), e c) do Código de Processo Penal, julga-se como adequado, necessário e proporcional às exigências cautelares que ao caso se impõem que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medidas de coação:

i) Termo de identidade e de residência já prestado;

ii) obrigação de não contatar, por qualquer meio, com a vítima e qualquer testemunha destes autos, incluindo o afastamento do local de residência e de ensino da vítima.

iii) Suspensão do exercício da profissão de …, em qualquer estabelecimento de …, privado ou público;

iv) Obrigação de apresentação periódica junto de posto policial mais próximo da sua residência, de 15 em 15 dias.»

3. Das questões suscitadas no recurso

3.a Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação Alega o recorrente, de modo algo vago, nas motivações 32.º e 37.º e depois, sem melhor concretização, na conclusão 3.ª, que o despacho recorrido carece da devida fundamentação, no concernente à concretização dos factos indiciados, às provas existentes e aos pressupostos das medidas de coação de coação aplicadas, com isso implicitamente alegando haver vulneração das suas garantias de defesa. Nesta parte o Ministério Público, na sua resposta, considera estar a decisão recorrida devidamente fundamentada. Mais acrescenta que, em todo o caso, tal nulidade – a existir - teria de ter sido arguida na própria diligência em que a decisão recorrida foi proferida, em conformidade com o estatuído no § 3.º do artigo 120. CPP, sob pena de ficar sanada. Pois bem.

Está claro que o princípio da fundamentação das decisões judiciais integra, em processo criminal, as garantias de defesa do arguido, em conformidade com o disposto no artigo 205.º, do artigo 32.º, § 1.º e 5.º e 20.º, § 4.º da Constituição.

«É a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão». (3) Sendo neste contexto que se insere a norma prevista no § 6.º do artigo 194.º CPP, a qual refere que o despacho de aplicação das medidas de coação contém, sob pena de nulidade:

«a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;

b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

c) A qualificação jurídica dos factos imputados;

d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º»

O dever de fundamentação giza permitir «a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina». (4)

Efetivamente, a fundamentação das decisões judiciais cumpre, simultaneamente, uma função de caráter objetivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjetivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários. (5)

No concernente à decisão de aplicação de medida de coação, a falta de fundamentação constitui uma causa típica de nulidade (artigo 194.º, § 6.º CPP), a qual, na medida em que não se encontra entre as causas elencadas no artigo 119.º CPP (geradoras de nulidade insanável) é dependente de arguição (por isso sanável).

Daí que, de harmonia com o estatuído nos § 1.º, 2.º e 3.º, al. a), do artigo 120.º do mesmo código – como bem refere o Ministério Público -, o prazo de arguição de tal nulidade pelo recorrente, porque respeita a «ato a que o interessado assist(iu)», decorre até que «o ato esteja terminado». Desde logo, portanto, perante o tribunal de primeira instância.

Ora, compulsando os autos, constatamos que a pretensa nulidade não foi suscitada no tempo (na data em que foi proferido – 15mai2024) nem perante o órgão próprio (o juiz que a proferiu), sendo apresentada apenas em sede recursiva, dirigida a este Tribunal, no dia 14 de junho, sendo, pois, extemporânea. Isto é, ainda que existisse, sempre estaria sanada.

Não se deixará, porém, de referir que o despacho ora sob impugnação conheceu de todas as questões de que podia e que lhe cabia conhecer.

Poderá, naturalmente, questionar-se o respetivo mérito, como o presente recurso também faz, nos termos que adiante se conhecerão.

Para encerrar este fundamento recursivo, sempre se dirá que a decisão recorrida se mostra formalmente bem estruturada relativamente ao juízo sobre a verificação dos factos concretos indiciados (com referência às pessoas envolvidas, às datas e locais e ao modo de atuação do arguido e dos demais envolvidos). E, bem assim, quanto ao elenco preciso das provas em que aqueles se firmam aos ilícito que se considerou integrarem. Pode, naturalmente, como se deixou dito, discordar-se do decidido, mas o apodo da falta de fundamentação à decisão recorrida carece, este sim, de sustentação.

3.b Dos indícios da prática dos crimes imputados

Para contrariar o relato dos factos constante do despacho recorrido, o arguido/recorrente refere, no essencial, que o tribunal não ponderou a razoabilidade das suas declarações face às que foram produzidas pelas testemunhas. Não atendendo, nomeadamente, ao modo como estas «distribuem entre si as falas, de modo a que o enredo seja quase perfeito.»

Mas a crítica é injusta, porquanto o despacho recorrido refere o que é inarredável: os autos contêm um significativo acervo de depoimentos testemunhais (de alunos do arguido) que foram «circunstanciados, serenos, objetivos» e que, não obstante os atos descritos serem quase sempre pessoais (alguns dos factos indiciados terão ocorrido apenas na presença do arguido e de um só jovem), há um sentido único nesses depoimentos. E não havia (pelo menos naquele momento) nenhum sinal de haver conluio ou qualquer outra razão mensurável que permitisse desmerecer a respetiva credibilidade.

E, como o despacho recorrido também deixa claro, as declarações prestadas pelo arguido foram ponderadas, evidenciando-se o modo como foram prestadas e o sentido que tiveram. Mas apesar do seu modo «sereno, circunstanciado, objetivo e claro», na ponderação global não mereceram credibilidade.

O quadro probatório bastamente referenciado no despacho recorrido não deixa nenhuma espécie de dúvida, em termos indiciários, acerca da existência dos factos que ali estão narrados. Tendo estes uma gravidade intrínseca autoevidente, por serem indiciadores da verificação de condutas do arguido subsumíveis (pelo menos) à prática de ilícitos de abuso sexual de menores em situação particularmente vulnerável, previstos no artigo 172.º, § 1.º, als. a) e b) e § 2.º, por referência ao disposto no § 3.º do artigo 171.º ambos do CP.

O mesmo se dizendo relativamente ao ilícito de perseguição (artigo 154.º-A CP), com referência à menor BB.

Esta incriminação giza proteger uma dimensão específica da liberdade pessoal. Sendo de execução livre, já que a ação típica pode ser preenchida através de uma plêiade variadas condutas, de modo reiterado, o que o torna também um crime habitual.

Os seus elementos constitutivos objetivos são constituídos pela ação do agente (consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, direto ou indireto); a adequação da ação a provocar medo ou inquietação naquela ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da ação.

Sendo o elemento subjetivo constituído pelo dolo, em qualquer das modalidades do artigo 14.º CP, isto é, pelo conhecimento dos elementos objetivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.»

O foco óbvio na menor BB e os indícios da atuação do arguido, constante e repetida, comprometia a liberdade de determinação desta, nessa medida constituindo o assédio demandado.

3.c Dos requisitos da aplicação das medidas de coação e da adequação e proporcionalidade das medidas de coação aplicadas

As medidas de coação - previstas nos artigos 196.º a 202.º CPP - podem ser definidas como medidas estaduais coativas que cerceiam direitos, liberdades e garantias, reputadas necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Subjazem-lhes diversos princípios, aos quais se referem os artigos 191.º a 195.º CPP. Desde logo o da constituição como arguido (artigo 192.º, § 1.º – [o que implica que sobre o agente impendam os indícios menos exigentes consagrados no CPP – vd. artigo 58.º/1); o da legalidade (artigo 191.º); judicialidade (artigo 194.º, § 1.º); o da proporcionalidade em sentido amplo (artigo 193.º); o da prévia audição do arguido (artigo 194.º, § 4.º); o da fundamentação especial do despacho aplicativo (artigo 194.º, § 6.º e 8.º); o da precariedade (decorrente ab initio, por interpretação extensiva, do artigo 28.º, § 2.º da Constituição (CRP), e depois 212.º a 218.º CPP. Para além do - embora necessariamente comprimido quanto ao conflito de direitos em causa - o princípio da presunção de inocência do arguido – artigo 32.º, § 2.º CRP.

Para que possa ser aplicada qualquer das medidas de coação previstas na lei – à exceção do TIR (artigo 196.º CPP) -, o processo deverá conter indícios (fortes, nalguns casos) da prática de um crime, bem assim como a demonstração de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas do § 1.º do artigo 204.º CPP. Devendo o juiz ter sempre presentes os direitos de defesa atribuídos ao arguido pelo artigo 32.º, § 1.º CRP; e a presunção de inocência (artigo 32.º, § 2.º do mesmo diploma), pois a sujeição a uma medida de coação tem de ser comunitariamente suportável face à possibilidade de estar a ser aplicada a um presumível inocente.

As medidas de coação são aplicáveis até ao trânsito em julgado da decisão e estão, apenas e tão-só, ao dispor do processo. Isto é, servem propósitos e objetivos exclusivamente processuais, razão pela qual são habitualmente designadas como endoprocessuais. (6) Com o que, a imposição de uma medida de coação não corresponde - de modo algum -, a uma condenação antecipada. Nem produz, como efeito útil, a revogação do princípio da presunção de inocência (já que até ao trânsito em julgado de decisão que o condene este se presume inocente).

A decisão recorrida aplicou ao arguido as medidas de coação de suspensão do exercício da profissão de …, prevista na al. a) do § 1.º do artigo 199.º CPP; a proibição de contactos com a menor BB (que tem … anos de idade), prevista na al. d) do § 1.º do artigo 200.º CPP; e a obrigação de apresentação periódica no posto policial mais próximo da sua residência, de 15 em 15 dias (artigo 198.º CPP).

Para tanto considerou emergirem três perigos que importaria acautelar: perigo de continuação da atividade criminosa; perigo de perturbação do decurso do inquérito; e perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas (artigo 204.º, § 1.º, als. a), b) e c) CPP. Como deixámos referido, com exceção do Termo de Identidade e Residência, só podem ser aplicadas outras medidas de coação se em concreto se verificar alguma das circunstâncias previstas nas três alíneas do § 1.º do artigo 204.º CPP. O raciocínio empreendido foi o seguinte: «o arguido encontra-se temporariamente de baixa médica, permitindo-lhe ter disponibilidade de tempo para praticar factos idênticos aos que se mostram indiciados nestes autos, agravado pelo facto de o arguido ser conhecedor do local onde as vítimas estudam, onde residem, onde têm momentos de lazer, e o seu contacto (nomeadamente redes sociais), o que faz perigar a continuidade da atividade criminosa por parte do arguido e bem assim a perturbação de inquérito, essencialmente para a conservação da prova, considerando que o arguido conhece a maioria das testemunhas ouvidas em inquérito podendo, até ao Julgamento, exercer algum tipo de pressão sobre as mesmas, e essencialmente sobre as vítimas que ainda não prestaram declarações para memória futura em sede de inquérito, o que é compatível com a personalidade evidenciada, deturpando, assim, ou inviabilizando o depoimento destas numa fase crucial dos autos. O alarme social é elevado neste tipo de crimes. Ademais, os factos indiciados nos autos foram praticados numa zona pacata, em meio escolar, onde tipos de crimes como os dos presentes autos têm uma repercussão na sua rápida divulgação junto da comunidade, o que já se verificou (atenta a divulgação do caso pela comunicação social) causando assim, e inevitavelmente intranquilidade junto desta, acentuada pelo facto de o seu autor ser … na comarca, verificando-se o perigo de perturbação da tranquilidade e ordem pública.»

Lembremos o que já afirmámos supra: os perigos a que se reporta o artigo 204.º do CPP têm de ter uma dimensão concreta razoável, sob pena de poderem ser invocados em todos os casos. Não sendo isso compaginável com a conceção de um Estado de Direito Democrático,

baseado no respeito e na garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º da Constituição), consagrados em preceitos que são de aplicabilidade direta (artigo 18.º, § 1.º da Constituição).

Contrariamente ao que foi decidido na primeira instância - com a exceção evidente do perigo de continuação da atividade criminosa (se e quando o arguido regressar ao serviço), sendo que para já ele encontra-se de baixa médica, justamente na sequência dos acontecimentos que lhe são imputados – os demais perigos inventariados não logram um estribo mínimo na realidade!

Não basta afirmar a existência de um potencial perigo de o arguido vir a contactar as testemunhas já ouvidas e outras que ainda importará ouvir, para as convencer a não deporem ou a alterarem os depoimentos já prestados (relativamente aos que já o fizeram); ou que isso é «compatível com a personalidade evidenciada», como se isto fora algo autoevidente! Mas não é. Se assim fora neste caso, sempre existiria este perigo em todos os casos!

Seria necessário que algo de concreto se pudesse apontar ao arguido nesse sentido. Mas não apenas nada disso emerge dos factos indiciariamente apurados, como a decisão recorrida nada a tal propósito precisa!

E relativamente ao alegado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, a decisão recorrida também não aporta nenhum facto (sequer indício) de uma qualquer atuação do arguido, no futuro, que possa ser perturbadora da ordem e tranquilidade públicas, quedando-se em impressões vagas de caráter subjetivo. Contrariamente ao que vem pressuposto na decisão recorrida, este perigo (de resto como os demais previstos nas alíneas do § 1.º do artigo 204.º CPP) tem de resultar de circunstâncias concretas, de que possa emergir previsível comportamento no futuro imediato por banda do arguido, resultantes da sua atitude ou atividade, aferidas no momento da decretação da medida. Não podendo tal perigo fundar-se num prenúncio abstrato arreigado a um suposto «alarme social» - o qual a al. c) do § 1.º do artigo 204.º, de resto, não prevê! O Juízo recorrido - na esteira do Ministério Público - vê em tal inciso normativo uma exigência de intervenção judicial, gizando, em boa verdade, uma finalidade de «prevenção geral» - que é evidentemente ilegítima. (7) Efetivamente, a aplicação de medidas de coação, não logrará legitimação constitucional (artigos 18.º, § 2.º e 32.º, § 2.º da Constituição) - por violação do princípio da presunção de inocência - se se afastar das finalidades exclusivamente processuais (garantia do bom andamento do processo e efeito útil da decisão final). Não o logrará desde logo se assentar – como visto - em considerações de prevenção geral ou especial, promotoras de uma punição antecipada do acusado. A verdade é esta: não há nos autos – nem consta da decisão recorrida - qualquer sinal do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas! As circunstâncias do caso, relativas à prática concreta dos factos ilícitos descritos e à proximidade proporcionada pela vida escolar entre … e alunos, tornam indubitável a existência do perigo de continuação da atividade criminosa (mas só se e quando o arguido voltar ao serviço). Neste estribo - e só neste -, em que a decisão recorrida também se firma, esse perigo se evidencia real e concreto. E, nessa medida, a suspensão do exercício das funções …, bem assim como a proibição de contactos com a menor BB, constituem os meios de coação adequados ao quadro circunstancial indiciariamente apurado e proporcional aos ilícitos cuja prática se indicia.

A referência à «personalidade evidenciada» pelo arguido - seja ela qual for - é só por si insuficiente para determinar a apresentação quinzenal no posto policial mais próximo da sua residência (artigo 198.º CPP)! Tanto mais quanto o arguido é um homem de meia idade, com profissão conhecida, com morada conhecida e sem antecedentes criminais. Ficando sem se compreender bem a necessidade dessas preconizadas apresentações, no contexto das finalidades do processo (e só a estas respeita a aplicação de medidas de coação – conforme já se deixou dito).

É neste exato sentido que assinala o Ministério Público, nas considerações tecidas junto desta instância de recurso, na vista prevista no artigo 417.º CPP, referindo concretamente que:

«Esta medida mostra-se vocacionada, em primeira linha, para a prevenção do perigo de fuga, ainda que não muito intenso, atento o facto de ser aplicada a arguido em liberdade.

Ora salvo sempre melhor entendimento, não resulta do despacho em crise a existência de um “assinalável” perigo de fuga por parte do arguido.

Aliás e em bom rigor o que ressalta dos autos é que o arguido compareceu no tribunal de …, no seguimento de notificação feita para tal efeito.

Mais resulta dos autos que a sua residência se situa no … do país (na área metropolitana …) distando cerca de 500 Km de ….

Também se assinala como dado positivo o facto de o arguido não ter utilizado o factor “distância” para, de alguma forma, se eximir ou dificultar a sua comparência em Tribunal.»

E por assim ser, efetivamente, tal medida de coação não poderá manter-se.

Em suma: a matéria indiciariamente demonstrada nos autos exige que se acautele que o arguido não volte ao convívio dos menores que dele se queixam ou a trabalhar em idênticas circunstâncias com quaisquer outros, com os quais pudesse haver o risco de repetição de atos da mesma natureza dos que se indiciam.

Nessa medida mostram-se fundadas as medidas de coação de suspensão do exercício da profissão de …, prevista na al. a) do § 1.º do artigo 199.º CPP; bem assim como a proibição de contactos com BB, prevista na al. d) do § 1.º do artigo 200.º CPP.

Devendo o demais que se decretou ser revogado, por desnecessário. Termos em que o recurso é merecedor de parcial provimento.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Revogar a obrigação de apresentação quinzenal do arguido no posto policial mais próximo da sua residência (artigo 198.º CPP);

b) Manter o demais determinado no despacho judicial recorrido (a medida de coação de suspensão do exercício da profissão de …, prevista na al. a) do § 1.º do artigo 199.º CPP; bem assim como a proibição de contactos com BB, prevista na al. d) do § 1.º do artigo 200.º CPP);

c) Sem custas (artigo 513.º, § 1.º CPP).

Évora, 5 de novembro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Carla Oliveira

Jorge Antunes

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1 Apenas as «conclusões», isto é: o «resumo das questões discutidas na motivação» (por todos cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, p. 1136, nota 14).

2 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

3 Maria de Fátima Matamouros, A fundamentação da decisão como discurso legitimador do poder judicial – Boletim Informação e Debate – A.S.J.P. - IVª série – n.º 2, dez2003, p. 112.

4 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1993, 2.ª edição, Verbo, p. 294.

5 Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2018, Univ. Católica Editora, p. 71.

6 Neste sentido, por todos, cf. André Lamas Leite, Violência doméstica e extinção de medidas de coação processual – em louvor da Relação do Porto, Revista do MP, n.º 175 (2023), p. 79.

7 Neste sentido, sem divergências, cf. por todos, António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, Almedina, 2021, p. 390; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, p. 602, nota 15 ao comentário ao artigo 204.º; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 3. Ed., 2002, Verbo, p. 269; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 2016, p. 137; Eduardo Maia Costa, A presunção de inocência do arguido na fase de inquérito, Rev. MP n.º 92 (out/dez 2002, pp. 74 e 75); Maria João Antunes, O Internamento de Imputáveis em Estabelecimentos destinados a Inimputáveis, Coimbra Editora, 1993, p. 1253; Vítor Sequinho dos Santos, 2008, Medidas de Coação, revista do CEJ, n.º 9, p. 131. Cf. tb. acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 23set.1998, caso I. A. c. França, 28213/95, pp. 32/33; acórdão TRÉvora, de 26jun2007, proc. 1463/07-1, relator António João Latas; acórdão do TRÉvora, de 13nov2012, proc. 148/12.9JBLSB-C.E1, relatora Ana Barata Brito; acórdão do TRÉvora, de 15dez2016, proc. 799/16.2 PAOLH-A.E1, relator Carlos de Campos Lobo; acórdão do TRLisboa, de 12fev2019, proc. 165/18.5PGSXL-A.L1-5, relator Artur Vargues; acórdão do TRCoimbra, de 22fev2023, proc. 1142/22.7JACBR-B.C1, relator Vasques Osório. Questionando a constitucionalidade da previsão normativa de tal «perigo», pode ver-se Elisabete C. Sousa, Os Requisitos Gerais de Aplicação das Medidas de Coação, 2021, Almedina, pp. 123 ss., maxime p. 133. E no nosso entorno cultural e perante normação semelhante, em Espanha, o ali denominado «risco para a ordem pública» - artigos 503.º e 504.º LECr (lá também muitas vezes designado na prática forense como «alarme social» foi declarado inconstitucional, por violação do artigo 17.º da Constituição, pela STC 47/2000, de 15 de fevereiro (cf. Ramon Ragués i Vallès, La prisión provisional como ultima ratio, Marcial Pons, 2023, p. 130).