ARTIGO 330º
Nº2
DO CPP
DESISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO PARTICULAR
Sumário

Independentemente da notificação do assistente, e do mesmo se encontrar, ou não presente, na audiência de julgamento, tendo o respetivo mandatário faltado à mesma, sendo essa falta que está em causa, e que, por ter sido dada pela segunda vez, originou a decisão recorrida, no sentido de se considerar essa falta como desistência da acusação particular, com base no preceituado no artigo 330º, nº 2 do CPP, não ocorrendo, por isso, qualquer nulidade, ou censura ao despacho recorrido.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. Nos Autos de Processo Comum, com intervenção do tribunal singular, nº 511/20.1T9TMR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, em 6 de Dezembro de 2023, na acta de audiência de discussão e julgamento, foram proferidos os seguintes despachos:

“Uma vez que o assistente se encontra regularmente notificado com carta registada com prova de receção a 27-10-2023, constante com a refª … em pessoa de AA, nos termos do disposto artº 113 nº 2 e nº 7 al. c) do CPP, em 30-10-2023 e ainda as testemunhas notificadas igualmente notificadas conforme resulta nas das provas de receção juntas aos autos em 09 e 14 de Novembro, não compareceram e nem justificaram a sua falta e caso não venham a alegar e a comprovar a imprevisibilidade da mesma, nos termos do disposto nos artº 117º nº2 e 116 ambos do CPP, considera-se a falta justificada e condena-se os faltosos em 4 UC´s, cada um.

Quanto ao requerimento sobre a referência … no dia de hoje, apesar de subscritor do mandatário do assistente, o mesmo é estranho a estes autos, pelo que se determina que se extraia do sistema e se remeta ao processo em causa.

O Ilustre Mandatário do assistente não compareceu nem justificou a sua falta.

Compulsados os autos, constata-se em 24-02-2022 foi recebida a acusação particular e designada data para realização de audiência de julgamento para 29-06-2022 pelas 10:30.

O ilustre causídico foi notificado nos termos do artº 151º, em 26-02-2022(conforme refª …) e nada disse.

No próprio dia 29-06-2022 (data da audiência de julgamento) o mesmo causídico dirigiu requerimento a estes autos a solicitar o adiamento por motivos de saúde, o que foi deferido por despacho de 01-07-2022.

Em 13-03-2023, por douto despacho, foi designado novas datas para o dia 27 e 28 de Novembro de 2023.

Sucede que, por efeito de despacho do Conselho Superior da Magistratura foi atribuído à aqui signatária estes autos, por acumulação de funções e, nesta sequência, por despacho de 16-10-2023 foram dadas sem efeito as datas designadas para os dias 27 e 28 de novembro e em sua substituição, foi designada data para a realização da audiência de julgamento os dias 6 e 13 de dezembro de 2023.

Deste despacho foi o ilustre causídico e mandatário do assistente notificado, nos termos do artº 151º, cuja notificação se encontra sob a refª … datada de 17-10-2023 e lida pelo próprio no mesmo dia.

No prazo previsto artº 151 CPC, o mandatário nada disse, pelo que as datas de 6 e 13 de dezembro ficaram, de forma definitiva, agendadas.

Dispõe o artº 330º nº 2 co CPP: "Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido."

Entende o Tribunal em face do adiamento da audiência de julgamento designado para o dia 29-06-2022 que o único adiamento legalmente possível se mostra preenchido e mesmo que ainda assim não fosse, uma vez que o ilustre mandatário do assistente não justificou a sua falta, tal circunstância, e salvo melhor entendimento, equivale como a desistência da acusação.

Pelo exposto e uma vez que o arguido se encontra aqui presente determino que o mesmo informe, neste ato, se se opõe à referida desistência.”

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“Uma vez que o mandatário do assistente, pela segunda vez, faltou à audiência de julgamento agendada para o dia de hoje, considerando que esta 2ª falta equivale a desistência da acusação particular, uma vez que não houve oposição do arguido, assim, uma vez que o arguido vem acusado do crime de difamação p. e p artº 180º nº1 CP e um crime de injúria p. e p pelo artº 181º CP, crimes de natureza particular, conforme o art 188º nº 1 e em face do disposto no art 330º nº 2 parte final CPP e ainda artº 116 nº2 do CP ex vi art 117º no mesmo diploma, homologo a presente desistência, pela presente sentença e declaro extinto o procedimento criminal contra o arguido BB.

Assim sendo, dou sem efeito a 2ª data.

Desconvoque todos os intervenientes aqui presentes e ainda os faltosos.

Extraia certidão do presente despacho e de todos os requerimentos e notificações supra referidas e remeta à Ordem Deontológica da Ordem dos Advogados, para os fins tidos por convenientes.

Notifique, dê baixa e insira em marcadores.

Oportunamente mostrando-se os autos cabalmente cumpridos, arquive-se.”

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2. Não se conformando com o teor deste último despacho, dele recorreu o assistente, CC, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“§ Conclusões:

1- O Processo e respetivo despacho é nulo, porque o assistente não foi notificado para comparecerem audiência de discussão e julgamento, não tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento.

2- A falta de notificação resultou na não comparência do assistente e é segundo essa não comparência ( não podendo considerar-se falta já que o assistente não se encontrava notificado) que o Tribunal a quo profere despacho de homologação de desistência.

3- O mandatário constituído requereu o reagendamento da primeira data devido a Covid-19, sendo a sua falta justificada.

4- O Tribunal adiou a segunda data, por motivo estranho e que nada teve que ver com a agenda ou impedimento do mandatário do assistente.

5- Por sobreposição de datas de julgamento, só conhecida no dia 28 de novembro de 2023, por lapso do Tribunal de …, que adiou a mesma para dia 06 de dezembro, só no dia 03 de dezembro, data em que remeteu requerimento ao Tribunal foi possível dar conta da impossibilidade de comparecer no dia 06 de dezembro, requerendo a realização da audiência na segunda data, dia 13 de dezembro.

6- O Tribunal de … funcionou nesse dia, tendo lido Sentença no processo 891/22.4…, processo em que o mandatário está também constituído.

7- A realização de audiência de discussão e julgamento no dia 13 e considerando que o motivo de impedimento justifica a impossibilidade e falta do mandatário não criaria, assim, qualquer transtorno para o Tribunal, que poderia e devia ter atendido ao pedido e requerimento para realização de audiência de discussão e julgamento na segunda data, dia 13 de dezembro.

8- De acordo com uma interpretação extensiva do principio da plenitude de assistência do Juiz, mas ainda respeitando o seu elemento garantistico e teleológico, a Juiz que deveria ter decidido e presidio à audiência de discussão e julgamento.

9- A contrário do que julgou a Mm.ª magistrada do Tribunal a quo, a falta do mandatário deveria ter sido considerada justificada.

10- Repare-se que a mesma magistrada já teria considerado, num outro processo em que o mandatário representava arguido que correu termos no Tribunal de …, injustificada a falta no caso de sobreposição de julgamentos.

11- Tal como parecer e jurisprudência do Conselho de Deontologia da OA, que ora se junta e dá por integralmente reproduzida, assistia na altura, como assiste agora ( sendo analogicamente recortável a relevância material deste nosso recurso, com o caso decidido pelo conselho de Deontologia da OA) razão ao mandatário subscritor e assistente recorrente.

12- O despacho que homologa a desistência vem viciado com erro notório na apreciação da prova, diga-se, na apreciação dos factos e tramitação anterior que a Mm.ª Juiz não teve o cuidado de verificar.

13- Vem ainda o despacho ferido do vicio previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, já que ,é notório que a Dr.ª Juiz do Tribunal a quo não se apercebeu que o assistente não teria sido notificado.

14- Se um dos fundamentos para a homologação da desistência é o de que faltou o assistente e se se provar, como parece ser de elementar evidência, que o assistente não estava notificado, existe uma contradição entre a fundamentação e o despacho, nunca sendo possível ao Tribunal considerar que o assistente faltou quando na verdade nem sequer notificado estaria.

15- Tudo considerado, tal como se acredita que V/ Ex.ª sapientemente farão, deverá o processo baixar À primeira instância para que prossiga para a fase de julgamento e produção de prova.”

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3. O recurso foi admitido, ao mesmo tendo respondido, quer o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, quer o arguido BB, ambos pugnando pela sua improcedência.

- O Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, apresentou as seguintes conclusões, na resposta ao recurso apresentado pelo assistente:

“I. O princípio da plenitude de assistência dos Juízes destina-se a salvaguardar a imediação entre o julgador e a prova produzida, evitando a introdução de distorções geradas pelo corte na apreensão da prova e na formulação do juízo sobre a causa sub judice gerado pela substituição do magistrado que preside à audiência final.

II. Ora, no caso, a audiência final não se havia ainda iniciado quando foi proferido o despacho que determinou a acumulação de serviço da magistrada titular do Juízo Local Criminal de … que, passou, por essa via, a desempenhar funções no Juízo Local Criminal de ….

III. Efectivamente, o julgamento não se havia ainda iniciado, já que a primeira audiência de julgamento havia sido adiada pela falta do representante do assistente.

IV. A falta de notificação do assistente, nos termos do art.º 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, não inquina a decisão proferida.

V. O representante do assistente foi devidamente notificado, em 17/10/2023 e, ainda assim, faltou na data designada.

VI. Este faltou, efectivamente, e de forma justificada por motivos de saúde, à primeira audiência de julgamento agendada. E veio a faltar novamente – justificadamente ou não, tal não é relevante para a aplicação da parte final do art.º 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez eu se tratava de segunda falta – no dia 06/12/2023.

VII. A presença do assistente não era obrigatória, em nada alterando, a sua presença ou ausência, a pertinência da aplicação do art.º 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

VIII. O facto de o adiamento ter resultado da iniciativa do próprio Tribunal de …, justificado pela necessidade de compatibilizar agendas entre o serviço desempenhado pela magistrada que passou a titular aqueles processos nos Juízos Locais de … e de …, em nada pode justificar a ausência do representante do assistente.

IX. Efectivamente, o mesmo foi notificado nos termos e para os fins previstos no disposto no art.º 151.º do Código de Processo Civil, em 17/10/2023, nada tendo oposto às datas designadas, pelo que não poderá agora vir invocar uma indisponibilidade, que então não existia, para vir imputar a causa da sua ausência ao Tribunal.

X. Saliente-se finalmente, que o art.º 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal prevê valer como desistência a mera existência de duas faltas à audiência de julgamento, sem necessidade de se tratar de faltas injustificadas (se a falta for injustificada bastará uma), pelo que o motivo da falta é aqui de pouca ou nenhuma importância.”

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- O arguido apresentou as seguintes conclusões na resposta ao recurso, apresentado pelo assistente:

I- Nos termos do disposto no artigo 411º, nº 1, alínea b) do CPP: “O prazo para interposição de Recurso é de 30 dias e conta-se: Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;”

II - A referida sentença foi proferida em 06-12-2023, tendo sido depositada na secretaria em 11-12-2023.

III- Deste modo, o prazo de 30 dias para interposição do recurso terminaria em 23-012024, ou, quando muito, considerando a prática do acto no 3º dia de multa, em 26-01-2024.

IV - O presente recurso deu entrada no Tribunal em 29-01-2024, pelo que deveria ter sido considerado intempestivo e não deveria ter sido admitido pelo tribunal, o que, desde já, se requer.

V- Após a primeira falta do mandatário do recorrente, a audiência de julgamento nos presentes autos foi agendada para os dias 27 e 28 de Novembro de 2023.

VI- Posteriormente, os presentes autos foram atribuídos a magistrada diferente, e por respectiva impossibilidade de agenda, tudo conforme consta do despacho datado de 16-102023, e que foi devidamente notificado ao mandatário do recorrente, por notificação electrónica, sob a refª … datada de 17-10-2023 e lida pelo próprio no mesmo dia, foram designadas novas datas (6 e 13 de Dezembro de 2023) para a audiência de julgamento.

VII - A referida notificação foi feita nos termos para os efeitos do artigo 151º CPC.

VIII - O mandatário do recorrente nada requereu ao tribunal, pelo que as datas de 6 e 13 de dezembro ficaram, de forma definitiva, agendadas.

IX - Ora, se o mandatário já tinha conhecimento, como o próprio refere na sua motivação, de que se encontrava impossibilitado de comparecer naquelas datas, devido a outra diligência previamente agendada, poderia ter comunicado essa impossibilidade ao tribunal.

X - No dia 06 de Dezembro de 2023, o mandatário do assistente faltou à audiência de julgamento.

XI - O mandatário do recorrente já havia faltado, uma vez, em 29-06-2022, alegadamente, por se encontrar infectado com COVID, não tendo feito prova desse facto, na medida em que juntou aos autos o comprovativo de um teste positivo de um terceiro, completamente alheio aos autos.

XII - Pelo que, bem andou a Mmª Juiz “a quo”, ao lançar mãos do preceituado no artº 330º nº 2 do CPP, uma vez que o julgamento já havia sido adiado por uma vez, por falta do 6 representante do assistente.

XIII - Assim, dispõe o referido artigo que: “Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se da falta de representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido."

XIV - Não houve preterição do princípio da plenitude de assistência dos Juízes (aflorado no sentido em que deveria ter sido a magistrada que iniciou e reagendou a audiência a presidir à mesma).

XV - É certo que foi outra magistrada diferente que agendou a primeira audiência de julgamento, a tal que foi adiada a pedido do mandatário do recorrente, por, alegadamente, se encontrar com COVID!

XVI - No entanto, conforme se pode constatar nos autos, ao julgamento não foi iniciado nessa data, não tendo, sequer sido, aberta sessão de julgamento!

XVII - Depois, alega o recorrente haver “erro notório entre a fundamentação (quando refere que o assistente foi notificado) e a decisão de homologar a desistência de queixa pela falta do assistente e advogado”.

XVIII - Porém a falta do assistente, ao contrário do referido pelo recorrente, não serviu de fundamento à decisão recorrida,

XIX - Nem o poderia ter servido, porquanto a disposição legal com base na qual foi proferida tal decisão, a saber o artigo 330º, nº 2 do CPP, refere-se expressamente à falta do representante do assistente, e não à falta do próprio assistente!

XX - Independentemente da presença, ou falta, do assistente, o seu mandatário faltou, pela segunda vez, à audiência de julgamento, tendo sido esta falta que originou a decisão recorrida, no sentido de considerar essa falta como desistência da acusação particular, com base no preceituado no artigo 330º, nº 2 do CPP.”

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4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos do qual, secundando a posição do Exmo. Colega, junto da 1ª instância, pugnou no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pelo assistente e pela confirmação integral do despacho recorrido.

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5. Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, veio o assistente reiterar pela procedência do seu recurso, concluindo que, mesmo que se considerem improcedentes as alegações relacionadas com o principio da plenitude do Juiz, da falta de pressupostos para a desistência de queixa, por força 330.º do CPP, são inválidos todos os actos subsequentes à falta de notificação do assistente, pelo que deve o recurso proceder, mesmo que, tal como na resposta do MP ao presente recurso, se trate de mera irregularidade.

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6. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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7. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:

- Da violação do princípio da plenitude de assistência do Juiz, considerando que os presentes autos foram tramitados por diferentes magistrados judiciais, em momentos sucessivos dos autos;

- Da nulidade do processado e do despacho recorrido, por falta de notificação do assistente para a data de realização da audiência de discussão e julgamento na data de 6 de Dezembro de 2023 ; e

- Da falta de pressupostos para a desistência de queixa, por força do art. 330.º nº 2 do CPP.

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8. Apreciando:

Para a apreciação das suscitadas questões importa considerar como assentes os seguintes factos, resultantes dos autos:

- Em 24-02-2022, foi recebida a acusação particular e designado o dia 29-06-2022 pelas 10:30 h, para realização de audiência de discussão e julgamento.

- O ilustre Mandatário do assistente foi notificado, dessa data, nos termos do artº 151º do CPC, em 26-02-2022 (conforme refª …) e nada disse.

- No próprio dia 29-06-2022 (data da audiência de discussão e julgamento), o ilustre Mandatário do assistente dirigiu requerimento aos autos a solicitar o adiamento da audiência, por motivos de saúde, o que foi deferido, por despacho de 01-07-2022.

- Em 13-03-2023, foram designadas novas datas para a realização da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente os dias 27 e 28 de Novembro de 2023.

- Por despacho de 16-10-2023, foram dadas sem efeito as datas designadas para os dias 27 e 28 de Novembro e, em sua substituição, foram designadas novas datas para a realização da audiência de julgamento, mais concretamente os dias 6 e 13 de Dezembro de 2023.

- Do despacho que designou tais datas para a realização do julgamento (dias 6 e 13 de Dezembro de 2023) foi o ilustre mandatário do assistente notificado, nos termos e para os efeitos do artº 151º do CPC [ notificação que se encontra sob a refª …, datada de 17-10-2023, e lida pelo próprio no mesmo dia], à qual nada respondeu, ou requereu.

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- Da violação do princípio da plenitude de assistência do Juiz, considerando que os presentes autos foram tramitados por diferentes magistrados judiciais, em momentos sucessivos dos autos:

Veio o assistente alegar ter havido preterição do princípio da plenitude de assistência dos Juízes, na medida em que a Magistrada que iniciou e reagendou a audiência não foi a mesma que a ela presidiu, no dia 6 de Dezembro de 2023.

Apreciando:

É inequívoco que a Mmª Juiz a quo que adiou a primeira data para realização da audiência de julgamento, a pedido do Mandatário do recorrente, por motivo de doença, agendada para o dia 29 de Junho de 2022, ou que reagendou as subsequentes datas para a sua realização, sempre por despacho proferido nos autos, sem abertura de qualquer sessão de audiência de julgamento, não foi a mesma que presidiu ao julgamento, realizado no dia 6 de Dezembro de 2023.

Com efeito, veja-se que o Mandatário do assistente requereu, no dia 28-06-2022, o adiamento do julgamento, tendo o referido adiamento sido deferido, por despacho datado de 01-07-2022, ou seja, já após a data que se encontrava agendada para o julgamento (29-06-2022), não tendo, nessa data, se iniciado o julgamento .

O mesmo sucedeu nos momentos posteriores, em que se procedeu ao reagendamento da data de realização da audiência de discussão e julgamento, sempre por despacho proferido nos autos, sem abertura de sessão de audiência de discussão e julgamento, termos em que, claramente, não se verifica qualquer preterição do princípio da plenitude de assistência dos Juízes, nesta parte improcedendo o recurso

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- Da nulidade do processado e do despacho recorrido, por falta de notificação do assistente para a realização da audiência de discussão e julgamento, na data de 6 de Dezembro de 2023:

Assiste razão ao recorrente quando o mesmo vem sustentar que o assistente não estava regularmente notificado para a audiência de discussão e julgamento, agendada para o dia 06.12.3023, nos termos decorrente do art.º 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, que não foi respeitado, uma vez que não houve notificação expressa ao mesmo da designação de tal data.

Cumpre precisar, contudo, que a falta de notificação do assistente, ao contrário do que é por si referido, não serviu de fundamento à decisão recorrida, porquanto a disposição legal, com base na qual foi proferida tal decisão - artigo 330º, nº 2 do CPP - refere-se, expressamente, à falta do representante do assistente, e não à falta do próprio assistente, tendo, no caso, a decisão ora recorrida, assentado na segunda falta do representante do assistente, sobre a qual não existe qualquer dúvida, não havendo, por isso, a alegada nulidade do despacho recorrido.

Recorde-se que o Ilustre Mandatário do assistente faltou, efectivamente, e de forma considerada justificada, por motivos de saúde, à primeira audiência de julgamento, agendada para o dia 29.06.2022, vindo a faltar novamente, justificadamente ou não, à sessão agendada para o dia 06.12.2023, o que não é relevante para a aplicação da parte final do art.º 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que se tratava de segunda falta.

E não se sustente, como pretende o recorrente, que desconhecia tal data, uma vez que foi devidamente notificado da mesma, em 17/10/2023, nada opondo à mesma, nos termos do art. 151º do CPC, e, ainda, assim, faltou na data designada.

Relativamente à alegada nulidade, pela não notificação do assistente para a data de 06.12.2023, designada para realização do julgamento, a mesma não pode proceder, já que o assistente, não obstante não estar regularmente notificado de tal data, não pode vir invocar que desconhecia que o julgamento se ia realizar naquela data, porquanto, conforme consta dos autos [cf. o que se mostra consignado na informação, com a referência …, dos autos, em 20.12.2023], o mesmo deslocou-se ao Tribunal de … – Secção de Proximidade de …, naquela data (06.12.2023), já após a hora designada para a audiência (15h35m), invocando que se teria equivocado no tribunal, e que alegadamente se teria deslocado ao Tribunal de …, convicto de que seria este o local da audiência de julgamento, ou seja, no próprio dia 06.12.2023, o assistente, compareceu no tribunal do julgamento, ainda que para além da hora marcada para a sua realização, termos em que a alegada nulidade se mostra sanada, nos termos do art. 121º nº 2 do CPP.

Alega, ainda, o recorrente haver erro notório entre a fundamentação (quando refere que o assistente foi notificado) e a decisão de homologar a desistência de queixa pela falta do assistente e advogado, bem como o vício do art. 410º nº 2 al b) do CPP, já que é notório que o juiz não se apercebeu que o assistente não teria sido notificado.

Como já vimos, a falta do assistente, ao contrário do referido pelo recorrente, não serviu de fundamento à decisão recorrida, que, apoiada no artigo 330º, nº 2 do CPP, se refere expressamente à falta do representante do assistente, e não à falta do próprio assistente, pelo que não existe qualquer dos invocados vícios, previstos no art. 410º nº 2, designadamente o erro notório, ou qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Resta, pois, concluir que, independentemente da notificação do assistente, e do mesmo se encontrar, ou não presente, na audiência de julgamento, sempre o seu ilustre mandatário teria faltado à mesma, sendo essa falta que está em causa, e que, por ter sido dada pela segunda vez, originou a decisão recorrida, no sentido de se considerar essa falta como desistência da acusação particular, com base no preceituado no artigo 330º, nº 2 do CPP, não ocorrendo, por isso, qualquer nulidade, ou censura ao despacho recorrido.

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- Da falta de pressupostos para a desistência de queixa, por força do art. 330.º nº 2 do CPP.:

Já vimos que, após a primeira falta do mandatário do recorrente, a audiência de julgamento nos presentes autos foi agendada para os dias 27 e 28 de Novembro de 2023.

Posteriormente, os presentes autos foram atribuídos a magistrada diferente, e por respectiva impossibilidade de agenda, tudo conforme consta do despacho datado de 16-10-2023, e que foi devidamente notificado ao mandatário do recorrente, por notificação electrónica, sob a refª …, datada de 17-10-2023, e lida, pelo próprio, no mesmo dia, foram designadas novas datas (6 e 13 de Dezembro de 2023) para a audiência de julgamento.

A referida notificação foi feita, nos termos para os efeitos do artigo 151º CPC, e o Ilustre mandatário do recorrente nada requereu ao tribunal, pelo que as datas de 6 e 13 de Dezembro de 2023 ficaram, de forma definitiva, agendadas, não podendo, agora, vir argumentar que já tinha conhecimento de que se encontrava impossibilitado de comparecer naquelas datas, devido a outra diligência previamente agendada, quando não comunicou essa impossibilidade ao tribunal, aquando da notificação que lhe foi feita, nos termos e para os efeitos do art. 151º do C.P.C.

Considerando que o Ilustre mandatário do recorrente já havia faltado, uma vez, à audiência de julgamento, em 29-06-2022, por se encontrar alegadamente infectado com COVID, ao faltar, novamente, à audiência no dia 06 de Dezembro de 2023, bem andou a Mmª Juiz “a quo”, ao lançar mão do preceituado no artº 330º nº 2 do CPP, uma vez que o julgamento já havia sido adiado por uma vez, por falta do representante do assistente.

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- Decisão:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente, confirmando-se o douto despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Ucs.

(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 5 de Novembro de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Laura Maurício

Manuel Soares