CONTRATO DE SEGURO
ALTERAÇÃO
APÓLICE ADICIONAL
CLÁUSULAS CONTRATUAIS
INTERPRETAÇÃO
FURTO DE PEÇA DE VEÍCULO
ACTOS DE VANDALISMO
Sumário

I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º:
i- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
ii- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II – Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
III – O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade).
IV - Uma apólice adicional, onde se acrescenta a cobertura de viaturas estacionadas em locais distintos dos que constavam na inicial, não faz alterar as condições gerais e particulares existentes inicialmente, a não ser que expressamente as revoguem ou alterem.
V - O furto de peças (consolas de comando de climatização, consolas de GPS, volantes, painéis de rádios, joysticks, consolas de mudanças, ópticas) de viaturas (38) parqueadas e à guarda da segurada, não está abrangido pelo contrato de seguro, quando neste consta uma cláusula onde se exclui a cobertura do “furto ou roubo isolado de peças e acessórios” (entendida como visando abranger a subtracção de elementos do veículo com valor próprio ou de alguma forma autonomizáveis, por confronto com o furto ou roubo integral de um veículo).
VI – Do mesmo modo, está excluída a cobertura do seguro por “actos de vandalismo”, quando a sua definição no contrato é “todo o acto de que resultam danos nos bens seguros e cujo exclusivo intuito do seu autor seja o de danificar tais bens”, o que exclui os prejuízos causados no veículo provocados pelo furto ou roubo.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
R, SA. intentou a presente acção com a forma comum contra G, SA. peticionando a condenação desta a pagar-lhe €385.585,87, acrescidos de €54.289,41 a título de juros de mora; e ainda juros vincendos desde a propositura da acção.
Alega, em suma, a Autora, que:
-  contratou com a T (posteriormente    incorporada na Ré), uma apólice de seguro multirriscos estabelecimento, conforme condições particulares, gerais, cláusulas particulares e condições especiais que juntou;
- em 2018 e 2019 a Autora teve um acréscimo na necessidade de parqueamento das viaturas e contratou o serviço de parqueamento de que necessitava à S;
- entre as 16h do dia 26 de Janeiro de 2019 e as 08h30m do dia 28/01/2019, nas instalações da S, ocorreu a vandalização e a subtracção de várias peças a 38 viaturas aí parqueadas e à guarda da Autora, da marca BMW;
- a entrada dos autores desse acto no espaço da S foi feita com recurso à destruição   de parte da cerca de vedação do espaço constituinte do parque;
- no dia 29/01/2019 foi feita a participação à Ré através do corretor AON, mas dada a morosidade da Ré na quantificação dos danos a Autora requisitou essa avaliação à Dekra Portugal S.A., no que despendeu a quantia de €2.804,40;
- na sequência da reparação dos danos verificados nas viaturas, em 29/11/2019, a Autora recebeu a factura emitida pela BMW, no valor de €387.781,47 que enviou à Ré, através da AON Portugal;
- a Autora recebeu resposta no sentido de inclinação para a não aceitação do sinistro;
- por não ter confirmação em tempo razoável da assunção ou declinação de responsabilidades por parte da Ré, a Autora procedeu ao pagamento integral da factura da BMW;
- só em 22/04/2022 é que a Autora recebeu a recusa no pagamento por parte da Ré;
- atentas as condições particulares, a apólice garante os sinistros decorrentes de actos de vandalismo e furto ou roubo;
- a Ré não poderá socorrer-se de cláusulas particulares para alicerçar a recusa no pagamento do sinistro uma vez que nas condições particulares não se encontram previstas as referidas cláusulas particulares contidas nas condições gerais da apólice;
- o que ocorreu na noite de 27/01/2019 foi puro vandalismo, o que foi retirado das viaturas não foram acessórios de usual comercialização, mas sim consolas de comando de climatização, consolas de GPS e volantes;
- para subtrair as peças que se constatou faltarem nas viaturas danificadas não seria necessária a destruição que se verificou;
- a Ré está em mora a partir do momento em que decorreram 30 dias sobre a data em que obteve o último orçamento de reparação das viaturas danificadas, em 30/10/2019.  
Citada, veio a apresentar Contestação:
- aceitando a celebração de um contrato de seguro multirrisco geral titulado pela apólice invocada pela Autora, com início em 2008;
- alegou que:
- na noite de 27/01 para 28/01 ocorreu um alegado furto de peças específicas de viaturas que se encontravam à guarda da Autora, sendo que, concluída a averiguação e analisado o contrato de seguro a Ré enviou um email à AON na qual comunica que o sinistro se encontra excluído da apólice;
- subsequentemente foi solicitado à Ré que, apesar da exclusão, efectuasse a peritagem aos 38 veículos, ao que a Ré acedeu, não tendo procedido à peritagem a 6 viaturas uma vez que estas já se encontravam reparadas;
- em momento algum a Autora configurou o sinistro como um acto de vandalismo, pois sempre procurou justificar o sinistro na cobertura de furto ou roubo;
- da leitura da cláusula aplicável aos veículos seguros resulta que o furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido. A Autora subscreveu estas condições particulares;
- não está em causa um acto de vandalismo porque a definição de Actos de Vandalismo não encaixa no caso concreto;
- Impugna os valores dos danos invocados;
- pugna pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Por Despacho de 24/04/2023 foi decidida a incompetência territorial, remetendo-se os autos ao Juízo Central Cível de Loures.
Por Despacho de 19/09/2023 foi decidida a incompetência territorial do Juízo Central Cível de Loures e os autos remetidos para o Juízo Central Cível de Lisboa.
Dispensada a Audiência Prévia e proferido Despacho Saneador, definiu-se o objecto do litígio e procedeu-se à enunciação dos temas da prova.
Realizada a Audiência de Julgamento foi decidida a acção, sendo proferida Sentença, da qual consta a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolve-se a Ré dos pedidos”.
É desta Sentença que vem pela Autora interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“1 - Os pontos 2, 5, 11 e 13 dos factos provados descrito matéria de facto provada, Fundamentos de Facto, da douta Sentença Recorrida, encontra-se incorretamente e indevidamente julgados, devendo ter sido outra a apreciação dos mesmos, bem como a orientação seguida pelo Tribunal Recorrido, o qual nunca os poderia dar como provados, com a extensão que efetuou.
2 - Por conseguinte, face à impugnação suscitada a 31 de março de 2022 pela Recorrente do documento nº1 junto com a Contestação, alicerce para que tal factualidade tenha sido dada como provada - pontos 2, 5, 11 e 13 dos factos provados - , conforme resulta da Fundamentação da matéria constante dos pontos 2 a 14 da douta Sentença Recorrida, conjuntamente com a causa de pedir elencada pela Autora e bem assim como resulta da prova testemunhal produzida, existem nos Autos concretos meios de prova que, considerados no seu conjunto com a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, impunham decisão diversa da Sentença ora colocada em causa e, concomitantemente, importam que esta matéria nunca pudesse ter sido dada como provada.
3 - Assim, deveria ter sido considerado julgado como não provado que:
- Em 2008, entre a Companhia de Seguros T, na qualidade de seguradora, e a Autora, na qualidade de tomadora, foi celebrado um contrato de seguro Multirriscos Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, e foram então emitidas as condições particulares juntas à contestação como doc. 1 e que se dão por integralmente reproduzidas (arts. 3º e 4º da contestação). – [Ponto 2 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto.
- A apólice em apreço foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à A. e parqueadas no Parque da S, pois a mesma, exactamente igual a esta, mas sem a menção desse parque da S, já se encontrava subscrita junto da Ré desde 2008 (art. 48º da p.i. e art. 3º da contestação). – [Ponto 5 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto.
- Na Cláusula Aplicável ao(s) Veículo(s) Seguro(s) constante das Cláusulas Particulares pode ler-se: “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido.” (art. 23º da contestação). – [Ponto 11 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto.
− No art 2.º das Condições Especiais, relativamente à cobertura “Actos de Vandalismos”, pode ler-se a seguinte definição: “Para efeito da presente cobertura, entende-se por Acto de Vandalismo, todo o acto de que resultam danos nos bens seguros e cujo exclusive intuito do seu autor seja o de danificar tais bens.” (art. 35º da contestação) ). – [Ponto 13 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto.
4 - Em bom rigor, e em complemento e cumprimento do ónus previsto na alínea c) do número 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, deveria ser a seguinte, sem prejuízo do poder atribuído a esta Desembargadoria, nos termos do artigo 662º nº1 do Código de Processo Civil, a decisão que deveria incidir sobre a matéria de facto impugnada:
- Entra a Companhia de Seguros T na qualidade de seguradora, e a Autora, na qualidade de tomadora, foi celebrado um contrato de seguro Multirriscos Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, e foram então emitidas as condições particulares juntas à Petição Inicial como doc. 3 e que se dão por integralmente reproduzidas (arts. 1º e 6º da Petição Inicial). – [Ponto 2 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto
- A apólice em apreço foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à A. e parqueadas no Parque da S, (art. 48º da p.i). – [Ponto 5 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto
- retirado– [Ponto 11 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto
- retirado – [Ponto 13 da matéria de facto provada, Fundamentos de Facto.
5 - O erro de julgamento ora invocado tem por base a impugnação do documento nº1 junto com a Contestação, efetuada pela Autora a 31 de março de 2022, tendo a Autora colocado em causa a assinatura desse mesmo documento, uma vez que o documento nº1 junto com a Contestação apenas vem assinado, presume-se, pelos Legais Representantes da Recorrida, e não pelos Legais Representantes da Recorrente, como sucede com os documentos nºs 3 a 6 da Petição Inicial.
6 - Ora se a Apólice já se encontra subscrita junto da Ré há mais de 15 anos, ou seja, pelo menos desde 2004, conforme articulado 48º da P.I., como pode o Tribunal Recorrido dar como provado que aquele documento junto como documento nº1 da Contestação é o contrato celebrado entre as partes «originariamente» em 2008?
7 - Inexiste prova testemunhal que se possa substituir à prova de que aquele documento é efetivamente o contrato de seguro celebrado entre as partes, conforme se retira do teor do artigo 394º nº1 do Código Civil, como nenhuma prova foi produzida quanto à veracidade de tal documento por parte da Recorrida, sendo certo que nenhuma testemunha ouvida atestou que o mesmo era efetivamente o contrato celebrado entre as partes.
8 - Tanto que, tendo a parte contrária impugnado tal documento (de fls. 156 e 157) quanto à letra e assinatura nele apostas e não tendo a Recorrida Seguradora (a apresentante do escrito) efectuado a prova da sua veracidade, é evidente que tal documento não pode fazer prova plena quanto ao conteúdo das declarações atribuídas ao autor nele constante, pelo que não pode o Tribunal Recorrido afirmar, qua tale, que aquele (documento nº1 junto com a Contestação) foi o contrato «originário», ou que foi o único contrato existente sem alterações até 2019.
9 - A Recorrente nunca afirmou que já se encontrava subscrita junto da Ré Recorrida apólice de seguro desde 2008, quando nem sequer está assinada pela Recorrente o documento nº1 junto com a Contestação, assim, além da impugnação da assinatura, não sabemos se esse documento é uma alteração ou um esquiço, cuja versão final pode, ou não, ter alterações, contudo, tal sempre competiria à Recorrida e não à Recorrente demonstrar…
10 - Ao invés, a Recorrente referiu que, nas cláusulas particulares do documento por si produzido, único que deverá ser dado como provado, não existe qualquer exclusão que leve a Recorrida a declinar a sua responsabilidade com base no «furto ou roubo isolado de peças».
11 - Verifica-se, deste modo, a violação dos artigos 444º nº1 do Código de Processo Civil e 342º, 374º nºs 1 e 2 e 376º do Código Civil, devendo ser apenas considerado, para fixação da matéria de facto, o contrato junto pela Recorrente, composto pelos documentos nºs 3 a 6 juntos com a Petição Inicial.
12 - Concluindo, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, nos termos do artigo 662º nº1 do Código de Processo Civil, deverá a Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, por assim o impor a violação do normativo atrás elencado, assim como a documentação existente e inexistente assim o impor.
13 - Ora a preconizada alteração da matéria de facto implica que inexista a exclusão alegada pela Recorrida, ou seja, de que «O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido», em 2019 encontrava-se em vigor o contrato de seguro sob a Apólice 0001828324, junto como documentos nºs 3 a 6 da Petição Inicial, o qual não previa tal exclusão.
14 - Assim, em caso algum, a Autora, ora Recorrente, admitiu que tenha a Ré, ora Recorrida, na conclusão da tramitação por análise exaustiva do processo relativo a este sinistro, recusar o pagamento dos danos nos viaturas parqueados no Parque da S ainda que alicerçando a sua recusa no referido nas “Cláusulas Particulares” contidas nas “Condições Gerais” da apólice, cuja observância, atento o próprio teor dessas “Cláusulas Particulares”, ao referir clara e expressamente “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares”, sublinhado nosso, se encontram claramente excluídas desta apólice, pois, clara e inequivocamente não se encontram referidas nas “Condições Particulares” desta apólice.
15 - Efectivamente, nas “Condições Particulares”, não se encontram expressamente previstas as referidas “Cláusulas Particulares”, contidas nas “Condições Gerais” da Apólice, isto, para que possam ser consideradas como integrantes do âmbito da Apólice, como aliás, reitera a Recorrente, expressamente referido nas próprias “Cláusulas Particulares”.
16 - Assim, salvo melhor opinião, não poderá a Recorrida socorrer-se dessas “Cláusulas Particulares” para alicerçar a recusa no pagamento do sinistro, por ineficácia superveniente das mesmas no caso em apreço, designadamente, no âmbito da Apólice n.º 0001828324 subscrita pela Recorrente
17 - Em conclusão, deverá ser o presente sinistro ser alvo de ressarcimento por parte da Recorrida, em virtude de o mesmo se encontrar coberto pela Apólice subscrita pela Recorrente e em virtude de inexistir cláusula alguma que o exclua, condenando-se a Recorrida no peticionado.
18 - Aqui chegados, independentemente da alteração da matéria fáctica, sempre se terá de se afirmar que existe erro de julgamento, no que diz respeito à decisão, proferida pelo Tribunal Recorrido, de que o sinistro em apreço está excluído da cobertura “Furto ou Roubo”, ou seja, entende a aqui Recorrente que, mesmo face à matéria de facto dada como provada, o presente sinistro sempre se teria de considerar coberto pela apólice subscrita junto da Recorrida.
19 - A interpretação veiculada pelo Tribunal Recorrido - a expressão «furto isolado de peças e acessórios» visa a subtração de elementos do veículo com valor próprio ou de alguma forma autonomizáveis, por confronto com o furto ou roubo integral de veículos -  não pode proceder, pois que, se porventura se verificar uma tentativa de furtou ou roubo, que se encontra coberto, mas que visava ou poderia visar peças de carro, por exemplo, roubo de jantes, em que os agentes são detidos antes de executar o ato ilícito, já não se encontra excluído pelo «furto ou roubo isolado de peças».
20 - De facto, entende a Recorrente que o tipo de exclusão da cobertura abrange tão só e somente peças que não impliquem um prejuízo considerável à viatura em causa ou que não se manifeste de tal forma desproporcional que implique a intervenção mecânica de reparação da viatura…
21 - Repare-se que as «peças» em causa que não foram retirado foram efetivamente acessórios fáceis de retirar, como jantes, pneus, emblemas, escovas, limpa parabrisas e ferramentas, «peças» estas que, mesmo havendo necessidade de forçar a carroçaria para chegar às mesmas, nunca implicaria que a viatura tivesse de ser intervencionada com a remontagem das peças e intervenção de bate-chapa e mecânica, pois são relativamente fáceis de substituir e montar…
22 - Diferente é o caso no que diz respeito à «peças» que foram efetivamente levadas, como o tendo sido: «Consolas de comando de climatização, consolas de GPS, volantes, painéis de rádios, joysticks, consolas de mudanças, óticas em dois carros…», ou seja, é entendimento da Autora que a referência a roubo isolado de peças deve ter referência não se a viatura é furtada ou roubada na sua totalidade, o que aí implicaria perder sentido diferenciar entre furto ou roubo, pois que seria na sua quase totalidade roubo, a não ser que os carros se encontrassem abertos, mas sim a peças que sua substituição não impliquem inviabilizar a utilização económica da viatura e que sejam fáceis de substituir e reparar…
23 - Pelo que, salvo melhor opinião, designadamente a de V. Exas., deverá ser de considerar inaplicável esta exclusão, encontrando-se o presente sinistro coberto pela presente apólice em apreço, condenando-se a Recorrida no pedido.
24 - Não obstante e concomitantemente, entende a aqui Recorrente que, face aos factos dados como provados, o presente sinistro configura um caso de vandalismo, coberto no âmbito da presente apólice.
25 - Não subscreve a Recorrente a interpretação efetuada pelo Tribunal Recorrido - que um declaratário comum entenderia que, para verificação desta cobertura, seria necessário duas condições ou requisitos cumulativos: a criação de danos nos bens seguros e que essa criação seja o único intuito ou objetivo do seu autor -  face ao grau de destruição patente para se chegar às peças retiradas das viaturas identificadas nos presentes Autos.
26 - Pois que, pese embora ter sido objetivo a retirada de «peças», e que tal desiderato implica a destruição de tabliers e cablagens aí existentes, também é verdade que resultou provado que «havia um grau de destruição elevado e desnecessário para o que levaram» e que «as fotografias e relatos evidenciam que se tratou de uma retirada de peças sem cuidado, à bruta» - resposta aos pontos 17 a 19 da matéria de facto dada como provada.
27 - Pois que o homem médio comum sabe que, para se retirar os «bens» em apreço, não é necessário perpetrar o nível de destruição que se verificou, ou seja:
28 - Para retirada do volante não é necessário destruir tabelier e/ou cablagens; - Para retirada de consolas de climatização, basta desconectar os cabos de ligação;
29 - Para retirada painel de rádios, basta desconectar os cabos de ligação;
30 - Para retirada de joystick não é necessário sequer mexer no tablier; - Para tirar consola de mudanças não é necessário mexer no tablier, bastando desconectar os cabos de ligação;
31 - A verdade é que existe uma intenção de «destruir por destruir», o que equivale a dizer que o presente sinistro sempre estaria coberto pela garantia de vandalismo, por terem sido levados a cabo atos desproporcionais, despropositados, sem motivo para tal destruição e com o propósito de destruir propriedade alheia.
32 - Pelo que sempre terá de ser a Recorrida condenada no pedido, por se considerar que o presente sinistro se encontra coberto pela garantia «Ato de Vandalismo» prevista na Apólice subscrita pela Recorrente e em apreço no âmbito dos presentes Autos.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão julgar o presente Recurso procedente por provado e, consequentemente, substituir a Sentença Recorrida nos precisos termos explanados nas presentes Alegações e Conclusões de Recurso.  Assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”.
A apresentou Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões:
1 - O fundamento essencial da discordância do Recorrente com a decisão proferida assenta num alegado erro de apreciação da prova e aplicação incorrecta das normas jurídicas aplicáveis. 
2 - Posição com a qual não se poderá concordar porquanto bem andou o Tribunal a quo quer na apreciação da prova produzida quer na douta decisão proferida. 
3 - Os factos dados como provados nos pontos 2, 5, 11 e 13 foram devidamente apreciados pelo Tribunal, não só pela prova documental junta aos autos como pela prova testemunhal produzida.
4 - Veja-se inclusive o depoimento da testemunha JG, testemunha e consultor actual da A que trabalhou durante décadas na Ré e que conhecia muito bem o contrato de seguro celebrado entre as partes por força das suas anteriores funções na Ré.  - “não considero uma situação de roubo ou furto isolado de acessórios que é uma exclusão” – minuto 18’ a 19’
5 - Inclusive perguntado directamente se o contrato de seguro excluía o roubo ou furto isolado de peças respondeu: “nas condições particulares … existe uma menção sobre isso!” – minuto 26’30’’ a 27’02’’
6- Assim entende a Ré que face à prova produzida não existem dúvidas que:
- Fruto de introduções contratuais e mantendo-se as clausulas anteriormente subscritas, à data do furto este cobria o parque onde ocorreu o sinistro, cobria os actos de vandalismo e o furto das viaturas no seu todo mas excluía o furto ou roubo isolado de peças. Clausula que consta taxativamente do contrato celebrado, designadamente das condições contratualizadas pelas partes e que não foi derrogada em nenhum momento.
- Assim a questão que se impunha ao Tribunal seria enquadrar os factos ocorridos no contrato o que foi devidamente efectuado pelo Tribunal a quo.
7 - Aliás, é exactamente por a Recorrente estar ciente da aplicabilidade desta clausula que veio aos autos defender que se trata de furto ou roubo pela sua dimensão e por outro lado que se tratam de actos de vandalismo como forma de fugir à exclusão.
8 - Note-se inclusive que os actos de vandalismo apenas foram alegados já em sede da presente acção nunca tendo sido antes defendida esta tese pela Recorrente.
9 - Com efeito, entendemos que a Recorrente o queira pôr em causa nesta fase mas é factual e amplamente provado que a alteração contratual ocorrida ao contrato de seguro tratou-se apenas de alargar a cobertura às viaturas parqueadas no Parque da S (e noutros locais de risco), mantendo-se as demais Condições Particulares em tudo que não possa considerar-se derrogado na alteração de 2019. 
10 - Importa efectivamente sublinhar que a apólice de 2019 é uma apólice adicional e não uma apólice nova, como resulta claro do seu teor.
11 - Aliás a Recorrente não faz qualquer prova que possa colocar isto em causa.
Posto isto,
12 - A Recorrente defendeu que a cláusula de furto ou roubo se deve entender como qualquer furto, quer seja de uma peça do veículo, quer seja do veículo no seu todo. 
13 - Contudo, sempre se dirá que no entendimento da recorrida não restam dúvidas que a cláusula de exclusão supra referida tem uma redacção directa e clara e é aplicável ao caso em apreço. 
14 - Da interpretação sistemática do contrato, e considerando as coberturas subscritas e as suas exclusões, é possível concluir que o termo “isolado” deve ser interpretado como o desaparecimento de uma ou mais peças em confronto com o furto ou roubo integral do veículo.
15 - Forçosamente se deverá concluir que bem andou o Tribunal quando deu como provados os factos constantes nos pontos 2 a 14 devidamente sustentados na prova documental junta ao autos e corroborada pela prova testemunhal produzida, designadamente a testemunha da A JG que bem conhecia o contrato celebrado por força de décadas de prestação de funções na Ré enquanto Director.
16 - Assim e como bem refere a douta sentença recorrida o âmbito da cobertura do “Furtou ou Roubo” consta das Condições Especiais (fls. 18 verso). 
17 - Tendo concluído que, diversamente ao que defende a Recorrente, o teor da 2ª página das Condições Particulares da apólice de 2008 continua a ser aplicável à Apólice Adicional pois nesta não consta qualquer derrogação neste particular. E note-se que também é aqui que ficou expressamente consignada a derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias. Portanto, continua a ser aplicável o disposto na cláusula particular aplicável aos VEÍCULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice”. Aliás, se assim não fosse, então a própria derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre deixava de ser aplicável. 
18 - Nestes termos acresce que na Cláusula Aplicável aos Veículos Seguros constante das Cláusulas Particulares pode ler-se: “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido.”. 
19 - Como tal, contrapondo o âmbito da cobertura do “Furtou ou Roubo” que consta das Condições Especiais com esta exclusão, a questão que se coloca agora é de saber se estamos ou não perante um furto ou roubo isolado de peças.
Naturalmente que sim. 
20 - Não há dúvidas que o furto consistiu na retirada dos veículos de diversas peças conforme documentado nos autos. 
21 - E como bem analisado pelo Tribunal a quo não se poderá afastar o conceito de furto isolado apenas porque ocorreu em vários carros. É evidente que “furto isolado de peças e acessórios” visa a subtracção de elementos do veículo com valor próprio ou de alguma forma autonomizáveis, por confronto com o furto ou roubo integral de veículos. Acresce ainda que a exclusão não refere que esses elementos se situem apenas no exterior do veículo, donde, a exclusão abrange o furtou ou roubo isolado de peças e acessórios dentro e fora do veículo.
22 - Por outro lado, e considerando os factos apurados e a prova junta aos autos concluiu o Tribunal a quo que “efectivamente as fotografias e os depoimentos demonstram que se tratou de uma retirada de peças sem cuidado, “à bruta”, e daí o nível de danos causados. Em todo o caso, a localização dos danos e o tipo de peças subtraídas não permitem concluir que a actuação das pessoas que assim procederam visasse a mera destruição ou tivesse esse objectivo. Pela localização e tipo de danos, o objectivo dos seus autores era mesmo o de retirar as peças que foram furtadas, não tendo certamente como preocupação “poupar” ao máximo o veículo.” Afastando-se assim qualquer possível enquadramento do sinistro em actos de vandalismo. E bem! 
23 - Aliás arriscamos em dizer que a prova produzida nem permitiria outra conclusão tal é a clareza com que se apresenta.
24 - Posto isto e face à prova produzida outra decisão não podia ter sido proferida pelo Tribunal a quo. 
25 - Efectivamente e mesmo que se aceite que a Recorrente nunca admitiu que as condições particulares de 2008 continuam a ser aplicáveis, mas também não provou que as mesmas tenham sido derrogadas. E nem podia!
 Termos em que deve ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
Na sequência do determinado por Acórdão datado de 11 de Julho de 2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
“O douto acórdão determinou a devolução dos autos ao Tribunal de 1.ª instância “para que aí seja devidamente motivada a decisão sobre os Factos 2, 5, 11 e 13, enquanto reportados ao documento expressamente impugnado pela Ré-Recorrente, nos termos dos artigos 444.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 374.º, 376.º e 342.º, do Código Civil.” (a recorrente é a Autora e não a Ré, sendo manifesto o lapso).
Resulta da fundamentação do douto acórdão (cfr. pág. 17 do douto acórdão) que está em causa a motivação dos factos 2, 5, 11, e 13, na medida ou no pressuposto em que assentariam nos documentos nºs 2 e 3 juntos pela Ré com a sua contestação, documentos estes que efectivamente foram impugnados pela Autora no seu req. de 31/03/2023.
Os referidos pontos respeitam à celebração do contrato de seguro em 2008, à sua alteração em 2019 e ao teor literal de cláusulas particulares e especiais aplicáveis.
Sucede que, os referidos documentos nºs 2 e 3 juntos pela Ré consistem num registo fotográfico (doc. 2 da contestação) e num email (doc. 3 da p.i.) e não foram valorados ou atendidos para prova dos factos sob os números 2, 5, 11 e 13, mas sim de outros, em conjugação com a prova testemunhal (que os contextualizou e narrou a sua génese tal como consta da fundamentação) no âmbito da livre valoração de documentos particulares impugnados.
Relendo a fundamentação da matéria de facto, vemos que os mencionados pontos 2, 5, 11 e 13 da decisão de facto assentam no teor literal da apólice de 2008 junta pela Ré como doc. 1 (documento não impugnado pela Autora) e nas Cláusulas Particulares e Condições Especiais da apólice juntas pela própria Autora como docs. nºs 2 e 3 da p.i. e na sua perspectiva aplicáveis (cujo teor literal não foi colocado em causa pela Ré que também não negou a sua aplicabilidade).
Foi a própria Autora que alegou no artigo 1º da p.i. que: “O A. contratou uma Apólice de Seguro Multirriscos Estabelecimento com a T, cfr. Condições Particulares; Condições Gerais; Cláusulas Particulares e Condições Especiais da Apólice de Seguro n.º 0001828324 que ora se juntam como Doc. 01; Doc. 02; Doc. 03 e Doc. 04 e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais”.
Repete-se, até ao encerramento da audiência final, a veracidade e genuinidade do documento nº 1 da contestação e dos documentos nºs 2 e 3 da p.i. não foi colocada em causa pela Autora/recorrente.
Salvo melhor opinião, não tendo ocorrido impugnação do teor da apólice e seu clausulado, o seu teor literal não era controvertido, mas quando muito a interpretação a fazer dos mesmos, pelo que entendemos ser de manter a fundamentação de tais pontos por não ter sido influenciada nem minimamente sustentada pelos docs. nºs 2 e 3 da contestação impugnados pela Ré quanto à sua veracidade e genuinidade”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar:
I – se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se existe algo a alterar quanto aos Factos 2, 5, 11 e 13 (os 2 e 5, que haveriam de ter uma distinta redacção e os 11 e 13, que haveriam de passar a não provados);
II - se a acção se mostra correctamente decidida, em face da factualidade apurada.
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Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto

O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[2]:
1 - A Autora é uma sociedade comercial que tem como objecto social a exploração de transportes nacionais e internacionais de mercadorias, bem como o aluguer de veículos, pesados e ligeiros, sem condutor, também prestando serviço de parqueamento de viaturas (art. 5º da p.i.).
2 - Em 2008, entre a Companhia de Seguros T, na qualidade de seguradora, e a Autora, na qualidade de tomadora, foi celebrado um contrato de seguro Multirriscos Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, e foram então emitidas as condições particulares juntas à Contestação como documento 1 e que se dão por integralmente reproduzidas (artigos 3.º e 4.º da Contestação).
3 - Nestas condições particulares pode ler-se, além de mais: 
Fica derrogada a exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias.
São aplicáveis as seguintes cláusulas particulares: 
VEICULO(S) SEGURO(S) 
Ao contrato aplicar-se-á o disposto na cláusula particular aplicável aos
VEICULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice” (arts. 4º e 26º da contestação).
4 - Em 2018 e 2019, em virtude do aumento do seu serviço, teve a Autora um acréscimo na necessidade de parqueamento de viaturas, e para o efeito contratou o serviço de parqueamento de que necessitava à S…, onde parqueia algumas das viaturas que se encontram ao seu cuidado (artigos 6.º e 7.º da Petição Inicial).
5 - A apólice em apreço foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à Autora e parqueadas no Parque da S, pois a mesma, exactamente igual a esta, mas sem a menção desse parque da S, já se encontrava subscrita junto da Ré desde 2008 (artigo 48.º da Petição Inicial e artigo 3.º da Contestação).
6 - Tal Apólice de Seguro Multirriscos Estabelecimento tem as Condições Particulares; Condições Gerais; Cláusulas Particulares e Condições Especiais juntas à Petição Inicial como documentos 1, 2, 3, 4, a fls. 11 a 21 verso, e que se dão por integralmente reproduzidas (artigo 1.º da Petição Inicial e artigo 3.º da Contestação).
7 - De acordo com as “Condições Particulares” da Apólice Adicional, a apólice garante, entre outros, os sinistros decorrentes de: 
a) Actos de Vandalismo, por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250 e um máximo de €5.000)
b) Furto ou Roubo por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250 e um máximo de €5.000) (artigo 37.º, n.º 1 da Petição Inicial).
c) As “Condições Particulares” da Apólice Adicional especificam ainda:
a) Quais os parques abrangidos pela Apólice, a saber, ---, e Parque ---;
b) Quais as viaturas abrangidas pela Apólice (UR2 / UR3); Viaturas Frota Própria (UR4) e Viaturas Parque T;
c) e quais os limites de garantia para cada parque, a saber, €23.000.000 (Vala do Carregado); €11.500.000 (Parque da S) e €30.277.000 (Parque ---) (artigo 37.º. n.º 2, da Petição Inicial).
9 - No artigo preliminar das Condições Gerais da Apólice de Seguro Multirrisco Estabelecimento (documento 2 da Petição Inicial) pode ler-se: “Entre a T e o Tomador de Seguro mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se o presente contrato de seguro de Multirrisco Estabelecimento, que se regula pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares desta Apólice, de harmonia com as declarações constantes da Proposta que lhe serviu de base e da qual faz parte integrante” (artigo 37.º ,n.º 3, da Petição Inicial).
10 - No introito das Cláusulas Particulares (documento 3 da Petição Inicial) pode ler-se “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares, ao contrato aplicar-se-ão seguintes Cláusulas Particulares” (artigo 39.º da Petição Inicial).
11 - Na Cláusula Aplicável ao(s) Veículo(s) Seguro(s) constante das Cláusulas Particulares pode ler-se: “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido.” (artigo 23.º da Contestação).
12 - No introito das Condições Especiais (documento 4 da Petição Inicial) pode ler-se “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares, e até aos limites nelas indicadas, ficam garantidos os danos, perdas e despesas a seguir identificados:” (artigo 37.º, n.º 4, da Petição Inicial).
13 - No artigo 2.º das Condições Especiais, relativamente à cobertura “Actos de Vandalismo”, pode ler-se a seguinte definição: “Para efeito da presente cobertura, entende-se por Acto de Vandalismo, todo o acto de que resultam danos nos bens seguros e cujo exclusivo intuito do seu autor seja o de danificar tais bens” (artigo 35º da contestação).
14 - Pela Apólice n.º 0001828324 e suas coberturas, paga a Autora o valor anual de  €73.522,24 (artigo 49.º da Petição Inicial).
15 - Em 01/10/2020 ocorreu a fusão, por incorporação, das Companhias “G, SA.” e “G, SA.” na “S, SA.”, entidade que detinha a T (artigo 2.º da Petição Inicial).
16 - Na mesma data (01/10/2020), a “S, SA.” alterou a sua denominação social para “G, SA.”, mantendo a mesma sede e o mesmo NIF (artigo 3.º da Petição Inicial).
17 - Entre as 16h do dia 26 de Janeiro de 2019 e as 08h e 30m, do dia 28 de Janeiro de 2019, em hora não concretamente apurada, nas instalações da S, pessoas não concretamente apuradas entraram no parque da S com recurso à destruição de parte da cerca da vedação, e procederam à subtracção de várias peças de 38 (trinta e oito) das viaturas aí parqueadas e à guarda da Autora, que para o efeito foram parcialmente danificadas, de marca BMW, a saber:
1. …;
2. …;
3. …;
4. …;
5. …;
6. …;
7. …;
8. …;
9. …;
10. …;
11. …;
12. …;
13. …;
14. …;  
15. …;
16. …;
17. …;
18. …;
19. …;
20. …;
21. …;
22. …;
23. …;
24. …;
25. …;
26. …;
27. …;
28. …;
29. …;
30. …;
31. …;
32. …;
33. …;
34. …;
35. ...;
36. ...;
37. …;
38. … (artigos 8.º e 9.º da Petição Inicial).
18 - Na ocasião tais pessoas procederam à retirada de consolas de comando de climatização, consolas de GPS, volantes, painéis de rádios, joysticks, consolas de mudanças, ópticas (em dois carros), não tendo sido retirados acessórios como jantes, pneus, emblemas, escovas limpa para-brisas, ferramentas (artigos 54.º e 55.º da Petição Inicial e 8.º da Contestação).
19 - Os danos causados com essa retirada localizavam-se no tablier dos veículos e na zona da consola das mudanças, tendo sido danificadas cablagens e pontualmente estofos, apresentando ainda os veículos dos quais foram retiradas as ópticas também danos no capô, pára-choques e guarda-lamas da parte da frente, sendo alguns dos danos desnecessários para a subtração das peças não encontradas junto das viaturas danificados mas efectuados com o objectivo de proceder à retirada de peças (arts. 8º e 56º da p.i. – resposta explicativa).
20 - Com excepção de duas viaturas ainda não matriculadas, as restantes viaturas apresentavam matrículas de 2016, 2017, e 2018, e tinham os quilómetros indicados nos respectivos relatórios de avaliação de danos juntos à Petição Inicial, destinando-se aos vários concessionários da BMW (art. 55º em parte da p.i.).
21 - A ocorrência supra referida foi participada à GNR da Azambuja no dia 28.01.2019, conforme Auto de Notícia da GNR datado de 08.02.2019, junto à Petição Inicial, como documento 07 (art. 11º da p.i.).
22 - Tendo dado origem ao Processo de Inquérito n.º 50/19.3GBCTX que correu termos no Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Norte – DIAP - Secção de Alenquer, que acabou por ser arquivado, por inexistência de indícios quanto à autoria dos factos denunciados (arts. 12º e 13º da p.i.).
23 - Em 29/01/2019, a Autora fez uma participação à sua corretora AON, conforme email junto à p.i. como doc. nº 9 e que se dá por reproduzido (art. 14º da p.i.).
24 - Visando quantificar os danos verificados nas viaturas à sua guarda, em 18/02/2019, a Autora requisitou, por si mesma, a uma empresa especialista em avaliação de danos de sinistros, a DEKRA PORTUGAL S.A., uma avaliação aos referidos danos (art. 15º da p.i.).
25 - Tal avaliação resultou nos Relatórios de Avaliação de Danos das trinta e oito viaturas, juntos à Petição Inicial como docs. 11 a 48 e que se dão por integralmente reproduzidos (art. 16º da p.i.).
26 - A Autora despendeu a quantia de €2.804,40 para avaliação dos prejuízos decorrentes dos danos provocados nas várias viaturas (art. 18º da p.i.).
27 - O perito da Ré deslocou-se ao local seguro na sequência do qual elaborou um relatório de vistoria datado de 28/03/2019, parcialmente junto à Contestação como doc. 2 (art. 9º da contestação).
28 - O perito concluiu que o furto terá sido realizado por indivíduos que conheciam o parque e a forma como o sistema de segurança estava organizado (art. 10º da contestação).
29 - Uma vez concluída a averiguação e analisado o contrato de seguro em causa, em 24/04/2019 a Ré enviou o email à AON (correctora), junto à Contestação como doc. 3, no qual se pode ler: 
Em resultado das peritagens realizadas no âmbito do processo em referência, concluímos que o evento consiste na subtração de peças isoladas de 37 viaturas que se encontravam no parque da S em Azambuja. 
De acordo com as Condições Gerais da Apólice, "Cláusula Aplicável aos Veículos Seguros" indica que "o furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido".
Ora, da análise ao contrato de seguro da apólice em causa, concluímos que essa exclusão não foi derrogada, o que implica o não enquadramento do evento reportado.
Nesta conformidade, a fim de concluirmos a regularização do processo, agradecemos o favor dos vossos comentários e da vossa anuência para o envio da nossa carta formal.
Ficaremos na expectativa das vossas notícias, e ao vosso dispor para qualquer esclarecimento.” (art. 12º da contestação).
30 - A corretora AON solicitou à Ré que efectuasse a peritagem aos 38 veículos, ao que a Ré acedeu (art. 13º da contestação).
31 - A Ré iniciou a avaliação dos danos em data não concretamente apurada, avaliação essa terminou em 14.10.2019 com a Peritagem ao veículo com chassis WBA5L31060G124663, e matrícula 06-TF-79 mandada efectuar pela Ré (arts. 19º e 20º da p.i.).
32 - As viaturas com os chassis WBAKT410500Z72616, de matrícula 76-UG-18; WBAXX110X00Y52318 de matrícula 76-UG-22; WBAJJ11000EF65292 de matrícula 82-VA-72; WBAJM71040G957803, de matrícula 84-UB-46; WBAKT41070LE50118 de matrícula 34-UU-19, e WBA6G110X0D931198 de matrícula 89-TF-18, não foram alvo de peritagem pela Ré (art. 21º da p.i.).
33 - A Ré não procedeu à peritagem dessas 6 viaturas, uma vez que estas já se encontravam reparadas e já existia inclusive facturação da BMW Portugal que tinha por base o relatório da Dekra (art. 14º da contestação). 
34 - Nos cinco primeiros casos supra referidos, a Ré socorreu-se dos relatórios de avaliação solicitados pela Autora, juntos como doc. 24; Doc. 26; Doc. 32, Doc. 33 e Doc. 41; e no último, o do chassis WBA6G110X0D931198 de matrícula 89-TF18, aceitou o valor da factura da BMW sem ter aproveitado o relatório de peritagem solicitado pela Autora (doc. 77) ou procedido à avaliação dos danos por empresa por si nomeada (art. 22º da p.i.).
35 - Após a reparação dos danos verificados nas viaturas, a Autora em 29.11.2019 recebeu factura emitida pela BMW, no valor de €387.781,47 (trezentos e oitenta e sete mil setecentos e oitenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), junta à Petição Inicial como doc. 51, relativa à reparação de todos esses danos, e que corresponde à soma das trinta e oito facturas emitidas pelos reparadores dos concessionários BMW à casa mãe (importador BMW), juntas à Petição Inicial como docs. 52 a 89 (arts. 24º e 25º da p.i.).
36 - A Autora procedeu ao envio da factura junta à p.i. como doc. 51 ao corrector AON Portugal (art. 26º da p.i.).
37 - Em resposta, recebeu o email junto à Petição Inicial como doc. 91 de 02/12/2019, onde se pode ler, além de mais: “(…) A Abordagem preliminar por parte da seguradora recai no sentido do sinistro não ser aceite. (…)” (art. 27º da p.i.).
38 - A Autora procedeu ao pagamento integral da factura emitida pela BMW, mediante pagamentos efectuados em 30.12.2019 e 29.01.2020 (art. 28º da p.i.).
39 - Em 13/04/2021, a Autora solicitou a intervenção da ASF, conforme carta por si enviada à ASF junta à Petição Inicial como doc. 95 (art. 35º da p.i.).
40 - Em 22/04/2021 a Autora recebeu um email da Ré comunicando a recusa no pagamento por parte da Ré, nos termos do email junto à Petição Inicial como doc. 94 (art. 33º da p.i.).
***
O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida (entendendo “a restante matéria articulada não mencionada como repetitiva, concluS, ou contendo matéria de direito”):
i- A matéria alegada pela Autora nos artigos da Petição Inicial:
ia - 19º (na parte em que a Ré tivesse iniciado a peritagem em 19/04/2019),
ib - 47º (que a Autora subscreveu, quer a apólice supra referida, quer todas as outras apólices junto da Ré, no seguimento das sugestões dadas pela própria Ré, no sentido de conferirem uma total cobertura de riscos emergentes de toda e qualquer responsabilidade que pudesse vir a ser assacada à Autora),
ic - 54º (na parte em que não tivessem retirados faróis e farolins),
id - 55º (na parte e no sentido em que as viaturas fossem maioritariamente novas);
ii - A matéria alegada pela Ré no artigo 37º (que os autores do furto retiraram as peças para que as mesmas pudessem depois ser colocadas em outros veículos), da Contestação.
****
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[3].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[4], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[5], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[6], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[7].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[8] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).
Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância[9] (sublinhado e carregado nossos).
Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[10].
O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[11].
Verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente, neste ponto cumprem o exigido, sendo certo que a insatisfação com o decidido pelo Tribunal se reporta, na essência, à apreciação da prova documental.
De facto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo “Não valorou corretamente a prova documental presente nos Autos”, uma vez que os factos 2 (Em 2008, entre a Companhia de Seguros T, na qualidade de seguradora, e a Autora, na qualidade de tomadora, foi celebrado um contrato de seguro Multirriscos Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, e foram então emitidas as condições particulares juntas à Contestação como documento 1 e que se dão por integralmente reproduzidas (artigos 3.º e 4.º da Contestação), 5 (A apólice em apreço foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à Autora e parqueadas no Parque da S, pois a mesma, exactamente igual a esta, mas sem a menção desse parque da S, já se encontrava subscrita junto da Ré desde 2008 (artigo 48.º da Petição Inicial e artigo 3.º da Contestação), 11 (Na Cláusula Aplicável ao(s) Veículo(s) Seguro(s) constante das Cláusulas Particulares pode ler-se: “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido.” (artigo 23.º da Contestação) e 13 (No artigo 2.º das Condições Especiais, relativamente à cobertura “Actos de Vandalismo”, pode ler-se a seguinte definição: “Para efeito da presente cobertura, entende-se por Acto de Vandalismo, todo o acto de que resultam danos nos bens seguros e cujo exclusivo intuito do seu autor seja o de danificar tais bens” (artigo 35º da contestação)), deveriam ser julgados não provados, em função da circunstância de o documento em que assentam ter sido por si impugnado.
A impugnação em causa resulta de a Recorrente ter posto em causa a veracidade e genuinidade dos documentos 2 e 3, juntos com a Contestação, dado não terem sido elaborados ou assinados por si e em função do que decorre do artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Civil  e do 374.º, 376.º e 342.º do Código Civil.
O Tribunal a quo, quanto aos factos em causa, teve oportunidade de escrever o seguinte:
“A matéria constante dos pontos 2 a 14 (relativa à celebração do contrato de  seguro, seu âmbito, teor literal das cláusulas e condições, e valor do prémio de seguro pago em 2019 pela Autora) resulta da análise da apólice nº 0001828324 e respectivas condições particulares de 2008, junta pela Ré como doc. 1 à contestação, e da respectiva alteração efectuada em 2019 conforme doc. 1 junto à p.i. contendo as condições particulares, e das Condições Gerais, Cláusulas Particulares e Condições Especiais, juntas pela Autora como docs. 2 a 4, cujo teor literal não foi colocado em causa pelas partes”.
“Na parte supra descrita e com a contextualização assinalada as testemunhas depuseram de forma sincera, não tendo sido obviamente atendidas as suas opiniões sobre a inclusão ou não do sinistro na cobertura do contrato de seguro, ou do que se deve entender como “furto isolado” matéria que naturalmente escapa à prova testemunhal, por incidir sobre a interpretação do contrato de seguro”.
Mais à frente (já na análise de Direito) o Tribunal a quo afirma ainda.
“Ora, resulta dos factos provados que em 2008, a Autora, na qualidade de  tomadora, e a então T, ora Ré, na qualidade de seguradora, celebraram um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, com efeito a 01/01/2008, tendo então sido emitidas as condições particulares da apólice, juntas à contestação como doc. 1. 
Nestas condições particulares ficou a constar na respectiva 2º página (fls. 245 dos autos), além de mais, o seguinte: 
“(…) Fica derrogada a exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias.
São aplicáveis as seguintes cláusulas particulares: 
VEÍCULO(S) SEGURO(S) 
Ao contrato aplicar-se-á o disposto na cláusula particular aplicável aos VEÍCULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice”.
É a própria Autora que diz, e tal ficou provado, que esta apólice foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à A. e parqueadas no Parque da S, pois a mesma, exactamente igual a esta, mas sem a menção desse parque da S, já se encontrava subscrita junto da Ré desde 2008.
Ou seja, tratou-se apenas de alargar a cobertura às viaturas parqueadas no Parque da S (e noutros locais de risco), mantendo-se as demais Condições Particulares em tudo que não possa considerar-se derrogado na alteração de 2019.
Importa efectivamente sublinhar que a apólice de 2019 é uma apólice adicional e não uma apólice nova, como resulta claro do seu teor (doc. 1 junto à p.i.).
De acordo com as “Condições Particulares” de 2019, a apólice adicional garantia em 2019, tal como em 2008, entre outros, os sinistros decorrentes de: 
Actos de Vandalismo, por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250,00 e um máximo de €5.000,00)
Furto ou Roubo por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250,00 e um máximo de €5.000,00).
Tal Apólice de Seguro Multirriscos Estabelecimento tem as Condições Particulares; Condições Gerais; Cláusulas Particulares e Condições Especiais juntas à petição inicial como Docs. 1, 2, 3, 4, a fls. 11 a 21 verso.
Embora na p.i. a Autora pareça pretender colocar a tónica do sinistro na cobertura “Actos de Vandalismo”, na participação que dirigiu à mediadora (doc. 9 da p.i) a Autora aludiu ao “assalto das viaturas” e “furtos violentos”, e na p.i. defende que o sinistro também se pode integrar na cobertura “Furto ou Roubo”.
Efectivamente, as coberturas potencialmente aplicáveis são duas: “Actos de Vandalismo” e “Furto ou Roubo”.
No artigo preliminar das Condições Gerais da Apólice de Seguro Multirrisco Estabelecimento (doc. 2 da p.i.) pode ler-se: “Entre a T e o Tomador de Seguro mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se o presente contrato de seguro de Multirrisco Estabelecimento, que se regula pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares desta Apólice, de harmonia com as declarações constantes da Proposta que lhe serviu de base e da qual faz parte integrante”. E no introito das Cláusulas Particulares (doc. 3 da p.i.) pode ler-se “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares, ao contrato aplicar-se-ão seguintes Cláusulas Particulares”.
O âmbito da cobertura do “Furto ou Roubo” consta das Condições Especiais (fls. 18 verso). Nos termos do respectivo art. 1º nº 2 “A garantia abrange  as perdas ou danos resultantes de furto ou roubo (tentado ou consumado), praticado no interior do local ou locais de risco, incluindo eventuais garagens e arrecadações quando devidamente fechadas, em qualquer uma das seguintes circunstâncias: a) Com arrombamento, escalamento e chaves falsas; b) Quando o autor ou autores do crime se introduzam furtivamente no local ou nele se escondam com intenção de furtar; c) (…)”.  
Aqui chegados importa desde já concluir que, diversamente do que defende a Autora na p.i., o teor da 2ª página das Condições Particulares da apólice de 2008 (fls. 245 dos autos) continua a ser aplicável à Apólice Adicional pois nesta não consta qualquer derrogação neste particular. E note-se que também é aqui que ficou expressamente consignada a derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias. Portanto, continua a ser aplicável o disposto na cláusula particular aplicável aos VEÍCULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice”. Aliás, se assim não fosse, então a própria derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre deixava de ser aplicável.
Com efeito, na Cláusula Aplicável ao(s) Veículo(s) Seguro(s) constante das Cláusulas Particulares (doc. 3 da p.i. a fls. 16 verso dos autos) pode ler-se: “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido”.
Verificado que o Tribunal a quo se não pronunciara sobre a questão decorrente da impugnação do documento em causa e da forma como a superara, foi determinado que o fizesse, sendo que, do Despacho proferido em conformidade, resulta que:
- os factos 2, 5, 11, e 13 respeitam à celebração do contrato de seguro em 2008, à sua alteração em 2019 e ao teor literal de cláusulas particulares e especiais aplicáveis;
- tais documentos (n.ºs 2 e 3 juntos com a Contestação) consistem num registo fotográfico (n.º 2) e num email (n.º 3) e não foram valorados ou atendidos para prova dos factos sob os números 2, 5, 11 e 13, mas sim de outros, em conjugação com a prova testemunhal (que os contextualizou e narrou a sua génese tal como consta da fundamentação) no âmbito da livre valoração de documentos particulares impugnados;
- os Factos 2, 5, 11 e 13 assentam no teor literal da apólice de 2008 junta pela Ré como documento n.º 1 (documento não impugnado pela Autora) e nas Cláusulas Particulares e Condições Especiais da apólice juntas pela própria Autora como documentos n.ºs 2 e 3 da Petição Inicial (cujo teor literal não foi colocado em causa pela Ré que também não negou a sua aplicabilidade);
- a Autora alegou no artigo 1.º da PI contratou “uma Apólice de Seguro Multirriscos Estabelecimento com a T, cfr. Condições Particulares; Condições Gerais; Cláusulas Particulares e Condições Especiais da Apólice de Seguro n.º 0001828324 que ora se juntam como Doc. 01; Doc. 02; Doc. 03 e Doc. 04 e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais”;
- os documentos n.º 1 da Contestação e n.ºs 2 e 3 da Petição Inicial, não foram colocada em causa pela Autora/Recorrente;
- não tendo ocorrido impugnação do teor da apólice e seu clausulado, o seu teor literal não era controvertido, mas apenas as interpretações que sobre ele se fazem.
Apreciando a questão, só pode concluir-se que não assiste qualquer razão à Recorrente.
De facto:
- o documento n.º 2, junto com a Contestação, corresponde a um conjunto de fotografias:
 ;
- e o documento n.º 3, junto com o mesmo articulado, corresponde a uma mensagem de correio electrónico datada de 24 de Abril de 2019:
xxx
Por outro lado, a apólice (n.º 0001828324) e condições gerais, especiais e particulares relativas ao contrato de seguro em causa nos autos (de 2008, juntas pela Ré como documento n.º 1 da Contestação; e de 2019 – correspondentes à alteração das Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais, juntas pela Autora com a Petição Inicial), não foram colocadas em causa pelas partes (não tendo, nomeadamente a Autora, impugnado o aludido documento n.º 1 da Contestação[12]).
Assim, o que acabamos por constatar é que apenas nas suas Alegações de recurso, a Autora veio “impugnar” o documento em causa, induzindo em erro não só o Tribunal ad quem, como a própria Ré, que nas suas Contra-Alegações dá como pressuposta a existência da aludida impugnação no tempo certo.
Vale isto por dizer, sabendo que, como decorre dos artigos 341.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, as provas têm por função “a demonstração da realidade dos factos”, e que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, perante a fundamentação produzida pelo Tribunal a quo quanto aos factos ora colocados em causa, perante a sua clareza, congruência e consistência de raciocínio expressa na análise crítica elaborada, só pode dizer-se e concluir-se que aquela se tem como inexpugnável: os Factos 2, 5, 11 e 13, resultam – de forma linear – da apólice do seguro contratado e das suas condições, iniciais de 2008 e posteriores de 2019 (sendo certo que, estas últimas, se reportam à mesma apólice, tendo servido apenas para alargar a cobertura às viaturas parqueadas nos locais de risco).
Tudo ponderado, não se vislumbra a necessidade de introduzir qualquer alteração ao decidido, por inexistir qualquer segurança na conclusão da existência de um erro de apreciação da prova relativamente a eles, existindo uma total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo[13].
Nada a alterar, portanto, no que respeita à factualidade apurada.
*
Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso assenta o decidido no seguinte processo de raciocínio:
I – Na acção está em causa é saber se a retirada de diversos elementos ou peças de 38 viaturas que se encontravam à guarda da Autora no parque da S e os danos nelas causados com tal retirada estão ou não cobertos pelo contrato de seguro.
II - Para responder a essa questão importa verificar qual é o âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado e qual a interpretação a fazer do seu clausulado.
III - Como afirma José Vasques (in Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, 1999, páginas 97 e 98): “O âmbito do contrato vem a consistir na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos (…) Sendo da conjugação da definição genérica (positiva) e da sua articulação com aspectos particulares (negativos), as exclusões, que resulta o âmbito do contrato”.
IV - Diz o mesmo Autor, a propósito da interpretação do contrato de seguro (ob. cit., páginas 350 e seguintes) que o regime interpretativo das cláusulas contratuais gerais se aplica às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas não às cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes, pelo que se lhes aplicam as regras de interpretação típicas do negócio jurídico.
V - As condições gerais do contrato de seguro devem ser interpretadas nos termos do artigo 10.º do DL n.º 446/85 de 25/10 (Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais), ou seja, de harmonia com as regras relativa à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (se as cláusulas forem ambíguas, têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real - teoria da impressão do destinatário – e esgotadas todas as hipóteses, na dúvida, prevalecerá o sentido mais favorável ao segurado - artigo 11.º, nºs 1 e 2).
VI - Em 2008, a Autora, na qualidade de tomadora, e a então T (ora Ré), na qualidade de seguradora, celebraram um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, titulado pela apólice nº 0001828324, com efeito a 01/01/2008, tendo então sido emitidas as condições particulares da apólice, juntas à Contestação como documento n.º 1.
VII - Nestas condições particulares ficou a constar na respectiva 2.ª página (fls. 245 dos autos), além de mais, o seguinte:
“(…) Fica derrogada a exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias.
São aplicáveis as seguintes cláusulas particulares:
VEÍCULO(S) SEGURO(S)
Ao contrato aplicar-se-á o disposto na cláusula particular aplicável aos VEÍCULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice”.
VIII - Esta apólice foi alterada em Janeiro de 2019, por forma a introduzir a cobertura relativa às viaturas confiadas à Autora e parqueadas no Parque da S, pois a mesma, exactamente igual a esta, mas sem a menção desse parque da S, já se encontrava subscrita junto da Ré desde 2008.
IX - A apólice de 2019 é uma apólice adicional e não uma apólice nova, como resulta claro do seu teor (documento n.º 1, junto à Petição Inicial).
X - De acordo com as “Condições Particulares” de 2019, a apólice adicional garantia em 2019, tal como em 2008, entre outros, os sinistros decorrentes de:
a) Actos de Vandalismo, por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250 e um máximo de €5.000)
b) Furto ou Roubo por recurso ao pagamento de uma franquia de 10% do valor do sinistro (com um valor mínimo de €1.250 e um máximo de €5.000).
XI - Tal Apólice de Seguro Multirriscos Estabelecimento tem as Condições Particulares; Condições Gerais; Cláusulas Particulares e Condições Especiais juntas à Petição Inicial como documentos n.º 1, 2, 3, 4, a fls. 11 a 21 verso.
XII – A Autora na Petição Inicial coloca a tónica do sinistro na cobertura “Actos de Vandalismo” (na participação que dirigiu à mediadora – documento n.º 9, junto com a PI), aludindo ainda ao “assalto das viaturas” e “furtos violentos”, defendendo que o sinistro também se pode integrar na cobertura “Furto ou Roubo”.
XIII - As coberturas potencialmente aplicáveis são duas: “Actos de Vandalismo” e “Furto ou Roubo”.
XIV – O artigo preliminar das Condições Gerais da Apólice de Seguro Multirrisco Estabelecimento (documento n.º 2 da PI) refere que: “Entre a T e o Tomador de Seguro mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se o presente contrato de seguro de Multirrisco Estabelecimento, que se regula pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares desta Apólice, de harmonia com as declarações constantes da Proposta que lhe serviu de base e da qual faz parte integrante”.
XV - No introito das Cláusulas Particulares (documento n.º 3 da Petição Inicial) refere-se que: “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares, ao contrato aplicar-se-ão seguintes Cláusulas Particulares”.
XVI - O âmbito da cobertura do “Furto ou Roubo” consta das Condições Especiais (fls. 18 verso) e, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 2, “A garantia abrange as perdas ou danos resultantes de furto ou roubo (tentado ou consumado), praticado no interior do local ou locais de risco, incluindo eventuais garagens e arrecadações quando devidamente fechadas, em qualquer uma das seguintes circunstâncias:
a) Com arrombamento, escalamento e chaves falsas;
b) Quando o autor ou autores do crime se introduzam furtivamente no local ou nele se escondam com intenção de furtar; (…)”.
XVII – Ao contrário do defendido pela Autora na Petição Inicial, o teor da 2.ª página das Condições Particulares da apólice de 2008 (fls. 245 dos autos) continua a ser aplicável à Apólice Adicional, pois nesta não consta qualquer derrogação neste particular.
XVIII - Ficou expressamente consignada a derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre prevista nas condições especiais de tempestade, inundações, danos por água e furto ou roubo, garantindo-se assim os bens seguros por estes riscos e nestas circunstâncias.
XIX - Portanto, continua a ser aplicável o disposto na cláusula particular aplicável aos VEÍCULO(S) SEGURO(S) previstas no impresso das condições gerais da apólice”. (se assim não fosse, então a própria derrogação da exclusão de bens móveis ao ar livre deixava de ser aplicável).
XX - Na Cláusula Aplicável ao(s) Veículo(s) Seguro(s) constante das Cláusulas Particulares (documento n.º 3 da PI, a fls. 16 verso) refere-se que “O furto ou roubo isolado de peças e acessórios não ficará em caso algum garantido”.
XXI - Contrapondo o âmbito da cobertura do “Furto ou Roubo” que consta das Condições Especiais com esta exclusão, a questão que se coloca agora é de saber se estamos ou não perante um furto ou roubo isolado de peças, situação que a verificar-se (como defende a Ré) corresponde a uma exclusão da cobertura por furto ou roubo de bens confiados.
XXII - As Cláusulas Particulares foram elaboradas sem prévia negociação individual pelo que devem ser redigidas de modo claro e perfeitamente inteligível (artigo 8.º do DL n.º 176/95, de 26/07 - ainda aplicável ao caso considerando que o contrato de seguro foi celebrado em momento anterior à entrada em vigor do DL n.º 72/2008, de 16/04, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro) e na fixação do sentido normal da declaração deve considerar-se que os termos utilizados na apólice exprimem o seu sentido ordinário e não o científico ou filosófico.
XXIII - Como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa de 26/06/2012 (Processo n.º 2095/08.0TVLSB.L1-7) o “sentido normal da declaração enquanto princípio basilar na interpretação das cláusulas do contrato de seguro significa que estas valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – artigo 236.º, nº 1, do Código Civil – sendo que o conceito de declaratário normal é tido por aquele que seja medianamente instruído e diligente (em capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração e, também, na diligência para recolher todos os elementos que possam auxiliar a descoberta da vontade real do declarante) colocado na posição do real declaratário, face ao comportamento do declarante.”.
XXIV - Entre a tarde do dia 26 de Janeiro de 2019 e a manhã do dia 28 de Janeiro de 2019, pessoas não concretamente apuradas entraram no parque da S com recurso à destruição de parte da cerca da vedação, e procederam à subtracção de várias peças de 38 das viaturas aí parqueadas e à guarda da Autora, que para o efeito foram parcialmente danificadas .
XXV - As peças retiradas foram consolas de comando de climatização, consolas de GPS, volantes, painéis de rádios, joysticks, consolas de mudanças, ópticas em dois carros, não tendo sido retirados acessórios como jantes, pneus, emblemas, escovas limpa para-brisas, ferramentas.
XXVI - E não se diga que não se trata de um furto isolado porque ocorreu em vários carros.
XXVII - Para um declaratário normal, medianamente instruído, a expressão “furto isolado de peças e acessórios” visa a subtracção de elementos do veículo com valor próprio ou de alguma forma autonomizáveis, por confronto com o furto ou roubo integral de veículos.
XXVIII - Atenta a evolução tecnológica dos carros compreende-se que estejam agora em causa neste tipo de furtos isolados, já não apenas jantes, pneus, emblemas ou escovas limpa para-brisas, mas também consolas, painéis de rádio, e comandos.
XXIX - A exclusão não refere que esses elementos se situem apenas no exterior do veículo, donde, a exclusão abrange o furtou ou roubo isolado de peças e acessórios dentro e fora do veículo.
XXX - Sendo claro que não foram furtados os veículos em si, afigura-se que estamos perante um furto isolado de peças e acessórios.
XXXI - O sinistro em apreço está excluído da cobertura “Furto ou roubo”.
XXXII - A subtracção das peças envolveu a danificação parcial das viaturas onde ocorreram os furtos, localizando-se os danos no tablier dos veículos e na zona da consola das mudanças, tendo sido danificadas cablagens e pontualmente estofos, e os veículos dos quais foram retiradas as ópticas, apresentaram também danos nos capots, pára-choques e guarda-lamas da parte da frente, sendo alguns dos danos desnecessários para a subtração das peças não encontradas junto das viaturas danificadas, contudo, ainda feitos com o objectivo de proceder à reiterada de peças, a que não foi indiferente certamente a rapidez com que tinham de actuar.
XXXIII - Como é normal nestes furtos, os seus autores não estão propriamente preocupados com a maior preservação possível das viaturas.
XXXIV - A Autora defende na PI que o que ocorreu foi “puro vandalismo” e que o sinistro se deve considerar coberto ou incluído na cobertura “Actos de Vandalismo” (defendendo que para um declaratário normal só pode ser entendido que se encontrava coberto o risco por toda a actuação “de alguém que visasse directamente danificar ou destruir a/as viatura/s, ou que tivesse conhecimento que com a sua actuação fosse possível a danificação e destruição da/s viatura/s, apesar de não ser este o fim último querido que visasse” (artigo 45.º da PI).
XXXV - No introito das Condições Especiais (documento n.º 4 da PI) pode ler-se que, “Quando expressamente previstas nas Condições Particulares, e até aos limites nelas indicadas, ficam garantidos os danos, perdas e despesas a seguir identificados:”.
XXXVI - As Condições Especiais aplicáveis contemplam a definição do que deve entender-se por “Actos de Vandalismo” para efeito de tal cobertura (e é a ela que temos de nos ater em primeiro lugar, ou seja, não podemos interpretar o âmbito da cobertura ignorando a sua definição contratual), relevando o artigo 2.º, das Condições Especiais, relativamente à cobertura “Actos de Vandalismos” e sob a epígrafe “Definição”, onde se lê: “Para efeito da presente cobertura, entende-se por Acto de Vandalismo, todo o acto de que resultam danos nos bens seguros e cujo exclusivo intuito do seu autor seja o de danificar tais bens” (carregado nosso).
XXXVII - A definição é clara, inescapável, e não desvirtua a própria cobertura, isto é, não se trata de lhe retirar qualquer conteúdo, ou de contrariar uma razoável expectativa no tocante aos riscos cobertos, mas sim de os circunscrever.
XXXVIII - Com esta definição, ao apelar-se expressamente ao exclusivo intuito, o normal declaratário, o homem médio colocado na posição da Autora, entenderia lendo aquela cláusula que a seguradora quis mesmo afastar as situações, que são frequentes, em que os danos causados no veículo ocorreram como meio (ainda que necessário) para alcançar outro desiderato, mormente o furto de peças, ainda que os autores tenham previsto e aceite a verificação dos danos, sendo sabido que para retirar peças com interesse comercial no interior dos veículos na zona do tablier (estaremos sempre falar de consolas, rádios, comandos, écrans) alguma destruição da zona envolvente terá sempre de acontecer.
XXXIX - Nos termos em que se encontra redigida tal cláusula, não bastaria uma actuação que revelasse desconsideração total e gratuita pelos bens alheios, ou de quem não pudesse deixar de prever, e de aceitar, que, com a sua actuação, seria possível a danificação e destruição dos veículos, apesar de não ser este o fim primacialmente pretendido: o normal declaratário entenderia que face ao seu teor a cláusula exige mesmo duas condições ou requisitos cumulativos, que passam pela criação de danos nos bens seguros e que essa criação seja o único intuito ou objectivo do seu autor.
XL - A vandalização para furtar ou roubar não está coberta porque não estamos perante uma vandalização operada com esse exclusivo intuito.
XLI - Resulta dos factos provados que os danos verificados nas viaturas apenas ocorreram nas viaturas de onde foram retiradas peças ou acessórios e para efeitos desta retirada, o objectivo foi a retirada de peças ou acessórios e para isso os meliantes não olharam a meios, sendo certo que a maior parte dos elementos retirados implicavam destruição de tabliers e das cablagens aí existentes, assim como os danos no capô e guarda lamas apenas surgiram em torno da retirada das ópticas (em duas viaturas).
XLII - Ainda que em linguagem corrente possamos dizer que os veículos foram “vandalizados” atento o tipo e nível de destruição verificada, do que se tratou foram de danos causados com o objectivo de furtar ou subtrair elementos do tablier e ópticas, preservando os elementos furtados a sua integridade: os estragos não foram perpetrados com o exclusivo intuito de danificar tais bens ou os envolventes (como sucederia por exemplo com os riscos feitos nos painéis das viaturas com material contundente).
XLIII - Nesta conformidade, o sinistro também não se inclui no âmbito da cobertura “Actos de Vandalismo” tal qual se mostra definida no contrato, não sendo devida indemnização pela seguradora, com o que a acção terá de improceder.
*
Perante esta explanação completa, metódica e fácil de seguir e compreender, os raciocínios expostos têm-se como claros, escorreitos e muito bem fundamentados.
Convém, entretanto, e antes de mais, assinalar que as pretendidas alterações à matéria factual não foram consideradas, sendo que, a pretensão recursória da Autora, para poder obter vencimento, implicava o seu deferimento.
Mantendo-se a factualidade apurada incólume, face ao rigor e acerto com que as questões jurídicas chamadas à colação são escalpelizadas na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ficam dispensadas grandes considerações neste momento, sob pena de pura repetição de argumentos.
A Recorrente apresentou nesta acção uma narrativa apetecível, possível de ter ocorrido e construída de forma coerente, mas com um problema… não só não a logrou provar, como recorre a argumentos “de última hora” e sem correspondência com a realidade processual adquirida nos autos (como sucede com a questão já verificada da não impugnação de vários documentos).
Por outro lado, a interpretação feita pelo Tribunal a quo das Cláusulas aplicáveis é linear e não merece qualquer reparo, inexistindo qualquer “erro de julgamento”.
Quer quanto à questão do “furto isolado de peças” (em que a Autora faz uma construção manifestamente fantasiosa, uma vez que é aos factos apurados em concreto que temos de nos ater e deles resulta que apenas concretas peças foram furtadas nos veículos, ainda que com inevitáveis danos colaterais: pretender que aquela expressão apenas abarcasse “acessórios fáceis de retirar”, não faz qualquer sentido), quer quanto à definição de “actos de vandalismo” (que é clara e não permite que nela se abarquem situações, como a dos autos, em que o intuito de furto é ostensivo e não há um “exclusivo intuito” de danificar os veículos).
A prova produzida pela Autora foi - efectivamente - muito fraca: dizia Álvaro de Campos, "Continua o Fernando Pessoa com aquela mania, que tantas vezes lhe censurei, de julgar que as coisas se provam"[14], mas, quando tal não ocorre, há que tirar consequências.
In concretu, era à Autora que cabia - indubitavelmente - a prova do que alegava e não o logrou fazer em Tribunal, circunstância que – naturalmente – só pode ser resolvida contra si[15].
Nada a apontar ao decidido, portanto: a acção foi julgada improcedente e bem e o recurso terá também de o ser.
*
Assim, tudo visto e ponderado, vai a Sentença confirmada.
*
Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[16].
Recorrente e Recorrida escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", dar razão à Ré, considerando improcedente o recurso da Autora (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[17]).
*
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, julgar improcedente o recurso do Autor e, em consequência, confirmar a Sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor-Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 05 de Novembro de 2024
Edgar Taborda Lopes
Diogo Ravara
Paulo Ramos de Faria
_______________________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[3] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332.
[4] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[5] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200.
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205.
[7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[8] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10(…)).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12,(…)).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[9] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos.
[10] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18 [consultado a 08/07/2024].
[11] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html  [consultado a 08/07/2024]
Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro.
[12] Efectivamente, no Requerimento de 31 de Março de 2023 a Autora apenas “tendo sido notificada da junção de documentos com a contestação apresentada, vem impugnar a veracidade e genuinidade dos documentos 2 e 3, dado não terem sido elaborados ou assinados pelo A., e este desconhecer (e não ter obrigação de conhecer) tal veracidade e genuinidade, pelo que os impugna nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 444.º do CPC e 366.º e 368.º do Código Civil”.
[13] Como tivemos oportunidade de escrever (tendo como Adjuntos os Juízes Desembargadores Luís Filipe Pires de Sousa e José Capacete) no Acórdão desta Relação de 14 de Fevereiro de 2023 (Processo n.º 895/21.4T8FNC-B.L1-7) – valendo aqui as mesmas considerações – cabe “ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova” sendo que só se deve “alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância”.
[14]  Citado por Teresa Sobral Cunha, na introdução de O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, Relógio d'Água, 1997, página ix.
[15] Cfr., Acórdão da Relação do Porto de 10 de Novembro de 2009 (Processo n.º 588/09.0YRPRT-Guerra Banha).
[16] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[17] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.