EMPREITADA
DANOS EM PRÉDIO CONTÍGUO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PASSIVA
CONDENAÇÃO
Sumário

1. No âmbito de um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil que preveja que a prestação da seguradora deve ser feita diretamente ao lesado, tem este o direito próprio sobre aquela de pagamento valor da indemnização que lhe seja devida, nos termos e limites estabelecidos em tal contrato de seguro.
2. Na intervenção principal passiva provocada pelo réu segurado prevista na al. a) do n.º 3 do art. 316.º do Cód. Proc. Civil, requerida com o propósito de obter a condenação solidária da interveniente seguradora no pedido de pagamento do valor da indemnização, formulado pelo autor na petição inicial, ocorre o exercício sub-rogatório do direito deste lesado (referido no ponto anterior) por parte do réu.
3. Na defesa do princípio dispositivo (art. 3.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), a legitimação do tribunal para condenar o interveniente no pedido constante da petição inicial (não dirigido contra o terceiro), redirecionando-o e adaptando-o à “relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir”, decorre do pedido de tutela presente no requerimento de intervenção.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Vizinha, L.da, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade Empreiteira, L.da, e Dona da Obra, L.da, pedindo a condenação das rés, solidariamente, no pagamento de:
i. a quantia total de € 207.980,35, acrescida de IVA (…) e dos juros de mora (…);
ii. o valor dos danos futuros que a mesma vier a sofrer decorrentes:
1. da impossibilidade de a autora utilizar as frações autónomas sem restrições no uso das varandas;
2. do atraso ou da impossibilidade de a autora celebrar os contratos de compra e venda das frações autónomas (…), que serão posteriormente liquidados (…).
Para tanto, alegou que a primeira ré executou obras num prédio da segunda, tendo esta execução causado danos num prédio contíguo da autora.
Citadas as rés, ofereceu a ré Sociedade Empreiteira a sua contestação, defendendo-se por exceção dilatória (já apreciada) e por impugnação. Requereu a intervenção principal provocada de Companhia de Seguros, S.A.. Contestou também a ré Dona da Obra, defendendo-se por exceção dilatória (já apreciada) e por impugnação. Também requereu a intervenção principal provocada de Companhia de Seguros, S.A..
Foi admitida a intervenção principal de Companhia de Seguros, S.A., como associada das duas rés, tendo a interveniente apresentado contestação, alegando não estarem os sinistros alegadamente ocorridos cobertos pelas apólices por si emitidas, acrescentando que estas contemplam limites de cobertura e franquias.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, concluindo nos seguintes termos:
(…) [C]ondeno as rés, solidariamente, a pagar à autora a quantia equivalente ao custo da reparação dos danos causados pela obra levada a cabo no prédio da 2.ª ré identificados no facto provado com o n.º 30, até ao valor máximo de 122.575,00 Euros, a apurar em liquidação de sentença e deduzido, quanto à ré seguradora, do valor da franquia de 15% desse valor, no mínimo de € 2.500,00 e máximo de € 25.000,00.
Mais condeno as rés a pagar à autora os juros vencidos e vincendos sobre tal quantia, desde a data da citação até integral pagamento.
Absolvo as rés do mais peticionado
Inconformada, a ré Dona da Obra apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
3. Em primeiro lugar, a (…) ora recorrente (…) não pode ser responsabilizada, a título de responsabilidade objetiva, pelos danos advenientes do exercício da atividade de construção levada a cabo pela ré Sociedade Empreiteira (…);
4. Em segundo lugar, (…) a ré Sociedade Empreiteira assumiu expressa e contratualmente perante a autora (…) que procederia a limpezas diárias/semanais de eventuais detritos / resíduos (…);
5. Em terceiro lugar, e ao contrário do que sustenta o tribunal a quo (…), não foi efetuada qualquer (…) demonstração de um nexo de causalidade (…);
6. Em quarto lugar, o tribunal a quo cometeu (…) erro de julgamento (…) ao ignorar que as limpezas levadas a cabo pela ré Sociedade Empreiteira (…) foram, por si só, causa-efeito de diversos dos alegados danos (…);
7. (…) [E]xiste uma contradição entre os factos provados n.os 26 e 30 da matéria de facto dada como provada (…);
8. Em quinto lugar, (…) não há qualquer fundamento para aplicar ao caso concreto (…) [os] artigos 1347.º e 1349.º do Código Civil (…);
[Omissis]
10. Em sexto lugar, não ficaram demonstrados danos por parte da autora (…);
11. Em sétimo lugar, verifica-se, em qualquer caso, uma situação de culpa do lesado excludente da pretensa responsabilidade civil objetiva da ora recorrente (…);
12. Por fim, (…) não há qualquer fundamento para o tribunal a quo ter utilizado o mecanismo de condenação em sentença genérica (…).
A autora, Vizinha, apelada, contra-alegou, requerendo a ampliação do objeto do recurso e interpondo recurso subordinado, concluindo, no essencial:
5. (…) [D]eve ser modificada a resposta à matéria de facto ao ponto 49 nos seguintes termos:
[Omissis]
20. Em todo o caso, (…) sempre se dirá que, mesmo considerando uma condenação genérica, a mesma deveria ser acrescida de IVA.
A ré Dona da Obra, apelante e apelada (recurso subordinado), respondeu à ampliação do objeto do recurso (recurso independente) e contra-alegou (recurso subordinado), pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida, quanto à matéria objeto da ampliação e do recurso subordinado.
A interveniente Companhia de Seguros contra-alegou (recurso subordinado), pugnando pela improcedência da apelação subordinada interposta pela autora, Vizinha.
Inconformada, a interveniente Companhia de Seguros também apelou da sentença, concluindo, no essencial:
[Omissis]
24. Os diversos eventos genericamente referidos na decisão de facto não encontram enquadramento em nenhuma das apólices em causa nos autos (…). (…)
28. Ora, a autora não provou o preenchimento, pelo menos, as condições das als. b) e c) [do n.º 2 da cláusula de cobertura de “Danos a imóveis contíguos” ], ou seja, que, antes do início das obras, a 1.ª ré (segurada) tivesse adotado todas as precauções necessárias à prevenção de qualquer dano ao imóvel da autora e entregue à [interveniente]. um relatório sobre o estado desse imóvel, respetivamente (sendo que essa prova também não foi feita pela 1.ª ré). (…)
37. Impõe-se a procedência da exclusão prevista na al. g) e no ponto ii) desta alínea do art. 10.º das condições gerais da apólice n.º 11171781 e na mesma alínea e no mesmo ponto do art. 7.º das condições gerais da apólice n.º 11171486.
50. [O] o tribunal a quo (…) raciocinou como se [os] danos fossem o resultado de um só evento (…), quando a franquia, para ser calculada, não poderá deixar de incidir (…) sobre o valor dos danos resultantes de cada um dos eventos. (…)
58. Ponderando a gravidade das culpas das partes – da autora (que omitiu o seu dever de colaboração na reparação e mitigação dos danos), da 1.ª ré (…) e da 2.ª ré (…) –, bem como as consequências que delas resultaram, (…) a culpa da autora deverá ser fixada em 1/3 ou, no mínimo, 1/4 medida em que a indemnização à autora, a apurar em sede de liquidação, deverá ser reduzida.
A autora, Vizinha, apelada, contra-alegou, requerendo a ampliação do objeto do recurso, concluindo, no essencial:
4. [D]ever ser modificada a resposta à matéria de facto ao ponto 49 nos seguintes termos:
[Omissis]
As rés Sociedade Empreiteira e Dona da Obra, apeladas, contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.
A apelante, interveniente Companhia de Seguros, respondeu à ampliação requerida pela autora apelada, Vizinha, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida, quanto à matéria objeto da ampliação do âmbito do recurso.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As questões de facto a decidir são enunciadas nas conclusões das diferentes alegações de recurso, acima transcritas.
As questões de direito a tratar serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.
*
B. Fundamentação
B.A. Factos provados (conforme decidido pelo tribunal ‘a quo’)
[Omissis]
B.B. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
[Omissis]
A fundamentação de facto da decisão final passa a ter o seguinte teor:
1. Titularidade dos imóveis
1 – O direito de propriedade sobre o prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito na rua (...), n.º 15, Lisboa (…), encontra-se inscrito a favor da autora pela Ap. 224 de 15 de junho de 2016 convertida em definitiva pela Ap. 535 de 17 de agosto de 2016.
2 – Por sua vez, o direito de propriedade sobre o prédio urbano confinante com o da autora, situado no n.º 11 da mesma rua (…), encontra-se inscrito a favor da 2.ª ré pela Ap. 2274 de 15 de março de 2017 convertida em definitiva pela Ap. 3230 de 30 de junho 2017.
3 – O prédio pertencente à autora sofreu obras de reabilitação entre 2016 e 2019, também executadas pela ré Sociedade Empreiteira, que incluíram a renovação de fachadas e cobertura.
4 – Em 14 de março de 2019, a 1.ª ré ainda se encontrava a efetuar os trabalhos de limpeza direta na obra referida no ponto 3 – também por si executada – após realização de reparações de pós-venda.
2. Realização de obras no prédio da 2.ª ré
5 – Em outubro/novembro de 2018, foram iniciadas as obras de reconstrução/renovação no prédio pertencente à 2.ª ré.
6 – As referidas obras foram executadas pela ré Sociedade Empreiteira.
7 – Em novembro de 2018, a ré Sociedade Empreiteira levantou um andaime justaposto à fachada do imóvel da 2.ª ré que confronta com o prédio da autora, ocupando parte do espaço aéreo do logradouro deste prédio.
8 – Tendo, para esse fim, aberto um buraco no muro que dá para o logradouro do prédio da autora.
9 – Por meio de acordo ajustado com a ré Sociedade Empreiteira, a autora declarou autorizar a montagem do andaime, na condição de a 1.ª ré proceder à limpeza diária/semanal da sujidade e detritos da obra que caíssem no prédio da autora.
10 – O andaime instalado pela 1.ª ré sobre o prédio da autora – nos termos referidos no ponto 7 – tinha uma dupla rede de proteção.
3. Queda de detritos no prédio da autora e tentativa de reparação pela ré Sociedade Empreiteira
11 – A partir de janeiro de 2019, começaram a cair no prédio da autora (zona exterior – logradouro, estacionamento e varandas das frações do r/c e demais andares da fachada que dá para o mencionado logradouro e para o prédio vizinho) cascalho e outros detritos provenientes da obra que a ré Sociedade Empreiteira estava a realizar no prédio da 2.ª ré.
12 – Nos primeiros meses, de maior intensidade de obra, nomeadamente janeiro, fevereiro e março de 2019, altura em que se procedeu à demolição parcial do prédio da 1.ª ré, alguns resíduos passaram para o prédio da autora.
13 – A 1.º ré utilizou uma grua para transporte de materiais da obra da ré Sociedade Empreiteira sobre o estacionamento da autora, de onde caiam detritos da obra sobre esse estacionamento e nas varandas das frações que dão para esse estacionamento.
14 – As escadas interiores, janelas e molduras em pvc do prédio da autora foram atingidas por pedaços de cimento provenientes das obras do prédio da 2.ª ré.
15 – A queda destes detritos afetou, principalmente, a fachada lateral do edifício da autora orientada a sudoeste e a cobertura do mesmo.
16 – A autora, desde o seu início, alertou a ré Sociedade Empreiteira para os danos que esta estava a causar no seu imóvel.
17 – Em 7 de março de 2019, em resultado de um erro de cálculo de um técnico da ré Sociedade Empreiteira, aquando da betonagem no piso superior do edifício pertencente à 2.ª ré, um balde metálico, içado por uma grua, ao ser deslocado, passou pelo espaço aéreo do imóvel da autora, podendo ter percorrido um trajeto que evitava este espaço, e embateu no telhado do imóvel da autora, abrindo-se, caindo argamassa sobre o telhado do prédio da autora.
18 – A ré Sociedade Empreiteira procedeu à reparação parcial dos danos causados no telhado do prédio da autora.
19 – Na sequência do incidente de 7 de março de 2019, a 1.ª ré interveio, tendo criado vários corredores de circulação desde a entrada até às zonas afetadas pelo acidente, tendo removido a maior parte da argamassa de imediato, colocado uma manga plástica na cobertura para impedir a entrada de água das chuvas e limpado todas as varandas e caleira com bastante água, diluindo a argamassa, para impedir que a mesma secasse.
20 – Na sequência do pedido da autora de 30 de março de 2019, a 1.ª ré agendou limpeza do local, tendo obtido resposta favorável e efetuado a limpeza do estacionamento e zona do logradouro.
21 – A 1.ª ré continuou a realizar limpezas semanalmente ou mesmo diariamente no estacionamento e zona do logradouro do prédio da autora durante os meses seguintes;
22 – Em agosto de 2019, os problemas de queda de detritos da obra no prédio da autora mantinham-se.
23 – No dia 12 de agosto de 2019, foi emitida a licença de utilização do prédio da autora.
24 – No dia 13 de agosto de 2019, a autora interpelou a ré Sociedade Empreiteira para que a mesma, no prazo de 5 dias: (i) verificasse o estado do local de montagem do estaleiro e das varandas; (ii) indicasse o prazo para a realização de trabalhos de limpeza, recuperação / reparação / substituição das partes danificadas; (iii) calendarizasse esses mesmos trabalhos; e (iv) estabelecesse as medidas de segurança necessárias.
25 – Neste seguimento, no dia 16 de agosto de 2019, foram realizadas algumas limpezas pela ré Sociedade Empreiteira
26 – A autora não permitiu que a ré Sociedade Empreiteira continuasse as limpezas, passando a exigir à mesma a apresentação prévia de um plano de intervenção técnico detalhado, antes de lhe conceder autorização para a realização de qualquer limpeza.
27 – Na sequência da carta que lhe foi enviada pela autora em 14 de agosto de 2019, a 1.ª ré respondeu em 3 de setembro de 2019, disponibilizando-se, novamente, para realizar qualquer trabalho de limpeza adicional que se revelasse necessário, e que a autora identificasse como necessário.
28 – Em 9 de setembro de 2019, a autora comunicou a situação de queda de detritos da obra e danos causados à Sociedade-Mãe, L.da, promotora imobiliária do imóvel pertencente à 2.ª ré (doravante Sociedade-Mãe)
29 – No dia 12 de setembro de 2019, o prédio da autora apresentava danos nos revestimentos exteriores e nos elementos construtivos dispostos na fachada lateral do edifício, exposta à zona de obras e ao estaleiro do prédio da 2.ª ré – cfr. cópia do relatório do ISQ de 18 de setembro de 2019 junto como Doc. N.º 6.
30 – O ISQ, entidade que realizou uma inspeção ao prédio da autora no dia 12 de setembro de 2019, recomendou, no seu relatório “a realização de uma análise de risco às proteções aplicadas no estaleiro da obra contígua pois, por considerar que, pela quantidade de matérias projetados, não estava garantida a segurança dos utilizadores do prédio sito no n.º 15, o que limita a normal utilização do mesmo (…).
31 – A autora transmitiu às rés o teor do relatório elaborado pelo ISQ e a recomendação feita pelo mesmo.
32 – Quando recebeu o relatório do ISQ elaborado a 18 de setembro de 2019, a 1.ª ré enviou à autora, em 20 de setembro de 2019, uma comunicação a solicitar autorização para realizar limpeza e reparar as situações identificadas nas varandas, estacionamento e zona do logradouro, no dia 25 de setembro de 2019, tendo a autora aceite.
33 – Em 20 de setembro de 2019, pela Sociedade-Mãe foi convocada uma reunião entre as rés Dona da Obra e Sociedade Empreiteira para verificação das medidas de segurança implementadas, conforme documento 14 junto pela ré Dona da Obra, que aqui se dá por transcrito.
34 – Em 24 de setembro de 2019, realizou-se uma reunião extraordinária entre as rés Dona da Obra e Sociedade Empreiteira, cujo teor ficou consignado em ata, conforme documentos 15 e 16 juntos pela ré Dona da Obra, que aqui se dão por transcritos.
35 – Nos dias 25 de setembro de 2019 e 26 de setembro de 2019, a ré Sociedade Empreiteira realizou novas limpezas e reparações no imóvel.
36 – Das limpezas levadas a cabo resultou o seguinte:
a) A remoção das manchas de cimento das varandas metálicas causou danos à pintura das mesmas;
b) A remoção das manchas de cimento das pedras nas varandas levou ao aparecimento de manchas opacas em vários locais;
c) Em algumas janelas tornaram-se visíveis marcas de arranhões provenientes da limpeza;
d) Nas zonas de zinco no 4.º andar apareceram novas manchas, assim como marcas devido ao “raspar” dessas zonas.
37 – Em outubro de 2019, continuavam a cair detritos da obra nas varandas do prédio da autora.
38 – A 17 de outubro de 2019, a 1.ª ré informou a autora que iria proceder à desmontagem do andaime, e pediu assim autorização para aceder ao imóvel, adiantando que poderiam cair detritos (por ser normal desta atividade), e que em data a agendar limpariam todas as áreas afetadas.
39 – A 25 de outubro de 2019, a 1.ª ré pediu novamente autorização à autora para realizar as limpezas necessárias, informando a data, hora, nome da empresa de limpezas incumbida de proceder à limpeza das varandas e o número de funcionários adstritos ao serviço (2 da empresa de limpezas para as varandas e 1 trabalhador da obra para a zona do logradouro).
40 – Após troca de comunicações entre as partes, no dia 28 de outubro de 2019, foram realizadas limpezas no prédio da autora.
41 – Na data prevista para realização da limpeza, 28 de outubro de 2019, não foi completada essa tarefa, não tendo a autora dado acesso a algumas frações do edifício onde a mesma deveria ter lugar, tendo o departamento de pós-venda da 1.ª ré enviado comunicação a 6 de novembro de 2019 a solicitar o agendamento de nova data para continuar as operações.
42 – No dia 6 de novembro de 2019, a ré Sociedade Empreiteira contactou a autora com o intuito de agendar datas para a realização dos trabalhos de limpeza/reparação ainda em falta, conforme mapa que enviou, não tendo sido agendada qualquer data para o mesmo com a justificação de ter sido necessário arrendar algumas das frações em que deveria ocorrer a limpeza, para minimizar os prejuízos, propondo-se a autora avisar a ré assim que as mesmas estivessem acessíveis, considerando que, embora importantes, as limpezas já teriam pouco ou nenhum efeito na reparação dos danos causados.
4. Estragos patenteados e termo da tentativa de reparação pela ré Sociedade Empreiteira
43 – Em 27 de novembro de 2019, o prédio da autora apresentava o seguinte estado, resultante da projeção de resíduos da obra em curso no prédio vizinho, sem prejuízo do teor do ponto 35 – factos provados – e do ponto 36 – factos provados –, e resultante, quanto às als. l) a n), da instalação, utilização e, ou, remoção dos andaimes pela 1.ª ré:
a) Resíduos de argamassa sobre a telha cerâmica, distribuídos pela generalidade da superfície da pendente orientada a sudeste, na cobertura do piso 4;
b) Resíduos de argamassa sobre a película de tinta do revestimento das mansardas no piso 4;
c) Resíduos de argamassa aderentes sobre o revestimento da caleira periférica, no piso 4;
d) Acumulação de resíduos/ detritos provenientes da atividade de construção na caleira, no piso 4;
e) Resíduos de argamassa na grelha da chaminé e no revestimento de pintura sobre reboco nos respetivos paramentos, no piso 4;
f) Resíduos de argamassa aderentes ao revestimento da pintura das guardas metálicas, no piso 1 a 4;
g) Resíduos de argamassa aderentes e ligeiros danos associados a desgaste superficial em caixilhos exteriores, nos vãos exteriores do R/C a piso 4;
h) Resíduos de argamassa aderentes a cantarias no R/C a piso 4;
i) Ligeiras manchas esbranquiçadas em pedras de cantaria do piso da varanda, no piso 1;
j) Resíduos de argamassa sobre a fachada rebocada e pintada, no R/C a piso 3;
k) Resíduos de argamassa projetados sobre equipamentos de ar condicionado, no R/C a piso 3;
l) Escorrências, fissuras, furações sem propósito atual e ausência de reboco nas paredes ou muro divisório;
m) Escorrências, fissuras, furações sem propósito atual, ausência de reboco e câmara de segurança danificada, nos muros envolventes;
n) Destacamento de tela de impermeabilização na extremidade da laje de cobertura do compartimento para lixos.
44 – Em 16 de dezembro de 2019, a autora enviou uma nova carta às rés, interpelando as mesmas para que, no prazo de cinco dias úteis, (i) adotassem as medidas de segurança adequadas, bem como para que (ii) apresentassem um plano de intervenção relativo à reparação dos danos no seu prédio ou, alternativamente, para que (iii) procedessem ao pagamento do custo dessas reparações no valor de € 193.571,25.
45 – Nos dias 19 de dezembro de 2019 e 14 de janeiro de 2020, a ré Sociedade Empreiteira e a 2.ª ré, respetivamente, responderam à referida carta (…).
46 – A 2.ª ré chamou a atenção para, alegadamente, estar a desenvolver todas as diligências junto da ré Sociedade Empreiteira, para assegurar a não existência de danos na propriedade da autora e para assegurar que as limpezas fossem efetivadas, solicitando à autora o acesso ao edifício (…).
47 – A ré Sociedade Empreiteira afirmou que tentou agendar várias intervenções no local, sem obter qualquer resposta por parte da autora, mostrando-se disponível para dar início aos trabalhos (…).
48 – A autora não deu acesso aos locais a intervencionar à ré Sociedade Empreiteira, apresentando como justificação não lhe ter sido previamente fornecido um plano técnico de intervenção, faseado, calendarizado, que incluísse a metodologia a ser aplicada e a forma de solucionar os danos.
49 – Desde 12 de agosto de 2019, por causa das obras a decorrer no prédio vizinho, a autora ficou impedida de arrendar algumas das frações autónomas pertencentes ao seu imóvel sem restrições no uso das varandas.
50 – Em geral, os resíduos de argamassas construtivas, se não forem limpos ou removidos antes de secarem totalmente, tendem a aderir às superfícies (porosas ou arejadas) com as quais estão em contacto, após o que a sua limpeza ou remoção pode não garantir a devolução de tais superfícies ao seu estado anterior, só sendo possível o restauro dos elementos construtivos afetados mediante a sua reconstrução parcial ou substituição.
5. Eliminação dos estragos por terceiro
51 – No dia 24 de janeiro de 2020, a autora declarou adjudicar à Sociedade Construções M. Salvador & Filhos, L.da, a execução de trabalhos na fachada esquerda e cobertura do prédio sito na rua (...), n.º 15, no valor total de € 156 955,00, conforme documento intitulado “Contrato de Empreitada”, datado de 24 de janeiro de 2020, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Cláusula l
Objecto
l. O objeto da Empreitada é realização pelo Empreiteiro, no Prédio, de trabalhos de recuperação e limpeza por danos causados por obra anexa, de acordo com a planificação e especificações melhor descritas no Projeto junto ao presente Contrato como Anexo I.
2. A Empreitada terá as características que constam da lista de trabalhos e preços prevista no Projeto.
3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, as Partes reconhecem que a Proposta de Orçamento relativa à Empreitada e junta ao presente Contrato como Anexo I não contempla a inclusão dos trabalhos e valores relativos à instalação de andaimes de cobertura no estaleiro de construção (que todavia já se encontram incluídos no Preço) (…). (…)
Cláusula 4
Prazo
l. O Empreiteiro obriga-se a concluir a Empreitada até 26 de maio de 2020, obrigando-se para tal o Empreiteiro a iniciar os trabalhos da Empreitada no dia 27 de janeiro de 2020. (…)
Cláusula 5
Preço e Forma de Pagamento
l. O preço global e não revisível a pagar pelo Dono de Obra, ao Empreiteiro é de EUR 156.955,00 (cento e cinquenta e seis mil novecentos e cinquenta e cinco Euros), acrescidos do IVA à taxa legal aplicável em vigor (o “Preço”). (…)
52 – O “Anexo I” referido no ponto 51 – factos provados –, também designado de “Mapa de Quantidade”, datado de 8 de novembro de 2019, tem, no essencial, o seguinte conteúdo:

DesciçãoUni.Quant.Preço UnitTotal
Estaleiro 11 950,00 €
Montagem d estaleiro,incluino andaimes para a execução da empreita manutenção do mesmo e desmontagem no fim da obra. 1,0011 950,00 €11 950,00 €
1Cobertura 53 425,00 €
1.1Remoção da telha existente na lateral esquerda do edifício.vg1,0010 500,00 €10 500,00 €
1.2Fornecimento e aplicação de nova telha, conforma as boas praticas de aplicação do material.g,0040 250,00 €40 250,00 €
1.3Pintura de chaminé, com tinta acrílica, conforme o existente, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabamento. 5,00175,00 €875,00 €
1.4Execução de limpeza e pintura de claraboia, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabamento.vg1,001 800,00 €1 800,00 €
2Vãos Exteriores 29 850,00 €
1 
Remoção e substituição de chapas de zinco existentes nos vãos da fachada esquerda do edifício.un5,003 700,00 €18 500,00 €
2.2Remoção e fornecimento de vãos exteriores idênticos aos existentes, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabamento:
2.2.1Com 1,20 x 1,90 m.un1,001 600,00 €1 600,00 €
2.2.2Com 1,20 x 2,10 m.u1,001 750,00 €1 750,00 c
2.2.3Com 1,20 x 2,80 m.un2,002 450,00 € 4 900,00 €
22.4Com1,20 x 4,00 m.un1,003 100,00 €3 100,00 €
3Serralharias 13 200,00 €
3.1Execução de lixagem e nova pintura de gradeamentos de varandas, incluindo preparação de superfícies, aplicação de primários, acabamento final com tinta de esmalte em três demãos, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabamento.ml110,00120,00 €13 200,00 €
4Pintura 8 400,00 €
Execução de pintura em paredes exteriores, com tinta acrílica, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabament. 220,0030,00 €6 600,00 €
2Execução de pintura em tubos de queda, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restantes trabalhos, para um bom acabamento.ml30,0060,00 €1 800,00 €
5Cantarias 5 750,00 €
5.1Execução de limpeza, reparação e aplicação de hidrofugante nos elementos em pedra, incluindo todos acabamentos e remates necessários, e restante trabalhos, para umbom acabamento:
5.1.1Soco, cunhais e cimalhas.vg1,003 500,00 €3 500,00 €
5.1.2Molduras de vãos.vg1,002 250,00 €2 250,00 €
TOTAL 122 575,00 €

6. Apólice n.º 11171781 (Sociedade Empreiteira – atividade de construção CAR)
53 – A ré Sociedade Empreiteira e a interveniente Companhia de Seguros declararam acordar nos termos constantes do documento n.º 15 junto aos autos pela primeira, emitido pela segunda, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONDIÇÕES PARTICULARES
MODALIDADE DE SEGURO DE APÓLICE (…)
ENG CONSTRUÇÃO – AP ABERTA11171781
(…)CAPITAL SEGURO
7 500 000,00 €
(…)
TOMADOR DO SEGUROSEGURADO
SOCIEDADE EMPREITEIRA LDA. (…)Ver Condições Particulares
(…)
SEGURADO
SOCIEDADE EMPREITEIRA, LDA., na qualidade de adjudicatário e Empreiteiro Geral, a indicar caso a caso, na qualidade do Dono de Obra e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores, tarefeiros, consultores, projetistas, fiscalização e qualquer outra entidade que intervenha na obra por conta do Tomador do Seguro na obra objeto deste seguro.
OBJECTO SEGURO
O objeto do seguro é cobrir os danos que ocorram nas obras e trabalhos de montagem que a Sociedade Empreiteira, LDA., realize em território português, segundo a fórmula de APÓLICE ABERTA.
(…)
LIMITE DE INDEMNIZAÇÃO / VALOR MÁXIMO POR OBRA
Estabelece-se como limite máximo por obra segura € 5 000 000,00 para as garantias de Danos Materiais e € 150 000,00 para a garantia de Responsabilidade Civil.
VALORES SEGUROS (GARANTIAS E LIMITES):
GARANTIASLIMITES
(…) (…)
Y Responsabilidade Civil extensível ao período de manutenção, de acordo com o disposto nas Condições Gerais e Especiais€ 150 000,00
(…) (…)
(…)
A garantia Y de Responsabilidade Civil, abrange as reclamações, por sinistro, em consequência de danos materiais, corporais e prejuízos consecutivos/emergentes para as coberturas a seguir discriminadas:
(…)
– Responsabilidade Civil Contíguos/Adjacentes
(…)
FRANQUIAS
Ao abrigo do Artigo 4º das Condições Gerais, aplicar-se-ão a todos e a cada um dos sinistros garantidos as franquias seguintes:
COBERTURAS FRANQUIAS
GeralValor de Obra até € 500 000,00 ® 1 500,00
Valor de Obra > € 500 000,00 £ 1 000 000,00 ® € 2 500,00
Valor de Obra > € 1 000 000,00 £ 12 000 000,00 ® € 3 000,00
Valor de Obra > € 2 000 000,00 £ 13 000 000,00 ® € 4 000,00
Valor de Obra > 3 000 000,00 ® € 4 500,00
(…)(…)

54 – As condições gerais referidas no documento indicado no ponto 53 – factos provados – são as descritas no documento intitulado “Seguro construção (CAR) – Condições Gerais”, junto como doc. 3 com a contestação da interveniente Companhia de Seguros, por esta emitido, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

SEGURO CONSTRUÇÃO (CAR)
CONDIÇÕES GERAIS
(…)
CAPÍTULO III
SEGURO COMPLEMENTAR
DE RESPONSABILIDADE
CIVIL EXTRACONTRATUAL
ARTIGO 8º
OBJETO DA GARANTIAO Segurador garante, mediante convenção expressa que conste das Condições Particulares e liquidação do Sobreprémio correspondente, o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado, a título de responsabilidade civil extracontratual, em consequência de lesões corporais e materiais e prejuízos consecutivos causados a terceiros que decorram da atividade desenvolvida pelo Segurado e especificada nas Condições Particulares, desde que ocorram na obra ou nas instalações seguras ou, ainda, nos locais imediatamente contíguos àqueles.
ARTIGO 9º
RISCOS COBERTOSConsideram-se cobertos os seguintes riscos:
A) Responsabilidade civil atividade
O presente seguro complementar garante a responsabilidade civil extracontratual do Segurado por danos materiais, danos pessoais e prejuízos patrimoniais causados de forma involuntária a terceiros, decorrentes da atividade especificada nas Condições Particulares e conforme os restantes termos da presente apólice, desde que ocorram na empreitada segura, durante a vigência do contrato e sejam causa direta da execução dos trabalhos de construção, montagem ou testes da referida empreitada.
B) (…)
C) Danos a imóveis contíguos
1. O presente seguro complementar garante os danos causados aos bens imóveis de terceiros, desde que contíguos à obra onde o Segurado exerce a sua atividade.
2. A garantia de cobertura dos danos causados aos bens imóveis de terceiros, desde que contíguos à obra segura pela presente Apólice fica, no entanto, dependente da verificação, cumulativa, das seguintes condições previamente ao início dos trabalhos:
a) que o estado destes bens seja satisfatório;
b) que o Segurado tenha adotado, antes do início das obras, todas as precauções adequadas para evitar qualquer dano material ou emergente relativamente aos ditos bens contíguos; e
c) que o Segurado entregue ao Segurador, antes do início das obras, um documento ou relatório apreciativo do estado dos referidos bens contíguos.
3. Aplicar-se-á a esta garantia a franquia prevista para o efeito nas Condições Particulares da Apólice.
(…)
ARTIGO 10º
RISCOS EXCLUÍDOSNão ficam garantidos, em caso algum, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pela presente apólice:
(…)
g) os danos que derivem da própria natureza da atividade do Segurado, desde que respeitadas as normas de boa execução daquela atividade, entre os quais:
i) (…); e
ii) danos causados de forma repetida, quando o Segurado, alertado deste facto, não tenha adotado as medidas necessárias para evitar a repetição dos mesmos;
(…)

55 – A ré Sociedade Empreiteira e a interveniente Companhia de Seguros, pretendendo alterar os termos do acordo referido no ponto 53 – factos provados – declararam acordar nos termos constantes do documento intitulado “ATA ADICIONAL 12”, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

GARANTIASLIMITES
(…) (…)
Y Responsabilidade Civil extensível ao período de manutenção, de acordo com o disposto nas Condições Gerais e Especiais€ 1 500 000,00
(…) (…)

56 – A ré Sociedade Empreiteira inscreveu os dizeres manuscritos da primeira parte do documento intitulado “DECLARAÇÃO DE INCLUSÃO DE OBRA Nº 10”, remetendo-o à interveniente Companhia de Seguros, que preencheu a sua segunda parte, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

DECLARAÇÃO DE INCLUSÃO DE OBRA Nº 10
O Tomador do Seguro declara:
DONO DE OBRA:DONA DA OBRA, LDA
EMPREITEIRO GERAL:SOCIEDADE EMPREITEIRA, LDA
LOCAL DA OBRA:RUA (...), N.º 11, LISBOA
DESCRIÇÃO DA OBRA:CONSTRUÇÃO/REABILITAÇÃO DE UM EDIFÍCIO
(…)
DURAÇÃO DA OBRA:    12    .meses
DE: 01 DE OUTUBRO DE 2018A: 30 DE SETEMBRO DE 2019
VALOR DA OBRA: 3.989.099,58 € (…)
O TOMADOR
A EXECUTAR PELA COMPANHIA
TAXA DE PRÉMIO: CFR CONDIÇÕES APÓLICE
PRÉMIO LÍQUIDO:    ⸺          ⸺                ⸺
CONFORMIDADE DE INCLUSÃO DE OBRA EM APÓLICE Nº 11171781 Certif. Nº 10 .

7. Apólice n.º 11171486 (Sociedade Empreiteira – responsabilidade civil)
57 – A ré Sociedade Empreiteira e a interveniente Companhia de Seguros declararam acordar nos termos constantes do documento n.º 16 junto aos autos pela primeira, emitido pela segunda, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONDIÇÕES PARTICULARES
MODALIDADE DE SEGURO DE APÓLICEATA ADICIONAL
ENG RESPONSABILIDADE CIVIL111714864
(…)CAPITAL SEGURO
500 000,00 €
(…)
TOMADOR DO SEGUROSEGURADO
SOCIEDADE EMPREITEIRA LDA. (…)SOCIEDADE EMPREITEIRA LDA. (…)
(…)
(…)
ACTIVIDADE
CONSTRUÇÃO, REPARAÇÃO E REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS.
(…)
GARANTIAS
R.C. EXPLORAÇÃO
(…)
· Imóveis contíguos
(…)
CAPITAIS SEGUROS:
(…) (…)
RESTANTES GARANTIAS
Por Sinistro e Ano 500 000,00 €
Por Vítima (Cruzada) 150 000,00 €
FRANQUIAS
Em virtude do Artigo 8º das Condições Gerais, aplicar-se-ão a todos e cada um dos sinistros garantidos as seguintes franquias:
(…)
CONTÍGUOS:15 % do sinistro, mínimo de 2.500,00 € e máximo de 25.000,00 €.
58 – As condições gerais referidas no documento indicado no ponto 57 – factos provados – são as descritas no documento intitulado “Seguro de responsabilidade civil – Condições Gerais”, junto como doc. 3 com a contestação da interveniente Companhia de Seguros, por esta emitido, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
CONDIÇÕES GERAIS
(…)
CAPÍTULO I
DEFINIÇÕES(…)
SINISTRO: Todo e qualquer evento (ou série de eventos resultantes de uma mesma causa) que provoque danos pelos quais o Segurado seja civilmente responsável e desde que aqueles sejam suscetíveis de fazer funcionar a presente Apólice, nas condições e nos termos concretos acordados na mesma.
Considerar-se-á como um único sinistro a série de acontecimentos danosos resultantes de uma mesma causa originária, com independência do número de lesados ou de reclamações.
(…)
ARTIGO 3º1. Dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, cabe ao Segurador:
PRESTAÇÕES DO
SEGURADOR
a) pagar aos lesados, ou aos seus titulares de direito, as indemnizações a que der lugar a responsabilidade civil do Segurado;
b) pagar os custos e as despesas judiciais e/ou extrajudiciais inerentes ao sinistro, na proporção da parte da indemnização que terá de ser liquidada, nos termos da Apólice, pelo Segurador;
c) constituir as fianças judiciais que venham a ser exigidas ao Segurado para garantir a sua responsabilidade civil.
(…)
3. Estarão a cargo do Segurado, sob a forma de franquia, as quantias ou percentagens que, sobre as indemnizações, tenham sido acordadas nas Condições Particulares como tal.
(…)
ARTIGO 6º
RISCOS COBERTOSConsideram-se cobertos pela Apólice os seguintes riscos:
(…)
b) Responsabilidade civil subsidiária pelos atos de empreiteiros e subempreiteiros
1. O presente contrato garante a responsabilidade civil subsidiária do Segurado por danos materiais, danos pessoais e danos emergentes, causados a terceiros, pelos empreiteiros, subempreiteiros ou tarefeiros, desde que tenham sido contratados pelo Segurado no exercício da atividade segura.
2. A cobertura do risco enunciado no número anterior depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos:
a) que os empreiteiros, subempreiteiros ou tarefeiros, contratados pelo Segurado, sejam considerados civilmente responsáveis pelos danos causados; e
b) que os empreiteiros, subempreiteiros ou tarefeiros, contratados pelo Segurado sejam declarados insolventes; e
c) que os citados empreiteiros, subempreiteiros tarefeiros, contratados pelo Segurado, não tenham subscrito qualquer Apólice de responsabilidade civil pelos danos causados no âmbito do exercício da sua atividade ou, no caso de existir alguma Apólice em vigor, o capital máximo garantido pela mesma seja insuficiente para cobrir a indemnização derivada do sinistro.
3. Neste caso, o Segurador cobrirá a parte da indemnização que permanecer a descoberto, até atingir o limite máximo fixado nas Condições Particulares desta Apólice.
(…)
f) Danos a imóveis contíguos
1. O presente contrato garante os danos causados aos bens imóveis de terceiros, desde que contíguos à obra onde o Segurado exerce a sua atividade.
2. A garantia de danos causados aos bens imóveis de terceiros, desde que contíguos à obra onde o Segurado exerce a sua atividade, fica, no entanto, dependente da verificação, cumulativa, das seguintes condições previamente ao início dos trabalhos:
a) que o estado dos referidos bens contíguos seja satisfatório;
b) que o Segurado tenha adotado, antes do início das obras, todas as precauções adequadas para evitar qualquer dano material ou emergente relativamente aos ditos bens contíguos; e
c) que o Segurado entregue ao Segurador, antes do início das obras, um documento ou relatório apreciativo do estado dos bens contíguos.
3. Aplicar-se-á a esta garantia a franquia prevista para o efeito nas Condições Particulares da Apólice.
(…)
h) Responsabilidade civil promotora
O presente contrato garante os danos decorrentes da atuação do Segurado quando este pratique atos na exclusiva qualidade de promotor, ou de proprietário, das obras ou trabalhos objeto do seguro e sempre que o projeto, a direção e execução das ditas obras ou trabalhos sejam realizados por terceiros, nos seguintes casos:
(…)
ARTIGO 7º
RISCOS EXCLUÍDOSNão ficam garantidos, em caso algum, e mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pela presente Apólice, os danos:
(…)
g) que derivem, de forma inevitável, da própria natureza da atividade do Segurado, desde que respeitadas as normas de boa execução daquela atividade, entre os quais:
(…)
II) danos causados de forma repetida, quando o Segurado, alertado deste facto, não tenha adotado as medidas necessárias para evitar a repetição dos mesmos;
(…)
ARTIGO 23º
OBRIGAÇÕES DO TOMADOR DE SEGURO E DO SEGURADO1. Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, constituem obrigações do Tomador de Seguro e do Segurado, sob pena de responderem por perdas e danos:
(…)
b) não remover ou alterar, nem consentir que sejam removidos ou alterados, quaisquer vestígios do sinistro, sem acordo prévio do Segurador;
(…)
d) comunicar ao Segurador a verificação de qualquer dos eventos cobertos,  o mais rapidamente possível e por escrito, no prazo máximo de dois dias a contar da data do seu conhecimento, exceto se tiver sido fixado na Apólice um prazo mais amplo, indicando o dia, a hora, a causa conhecida ou presumível, natureza e montante provável dos prejuízos, bem como, quaisquer outros elementos necessários à correta caracterização da ocorrência;
(…)
ARTIGO 26º
PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO1. O Segurador compromete-se a pagar a indemnização logo que estejam concluídas as investigações e as peritagens necessárias, tanto ao reconhecimento do sinistro, como à fixação do montante dos danos, sem prejuízo de efetuar pagamentos por conta, sempre que reconheça que os mesmos devem ter lugar.
(…)
ARTIGO 37º
EFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROSAs exceções, nulidades e demais disposições que, de acordo com o presente contrato, ou com a lei, sejam oponíveis ao Tomador de Seguro ou Segurado, sê-lo-ão igualmente em relação a terceiros que tenham direito a beneficiar deste contrato.
59 – Dos estragos acima descritos, pela ré Sociedade Empreiteira apenas foi participada à interveniente Companhia de Seguros o incidente referido no ponto 17 – factos provados –, tendo aquela acabado por decidir realizar por si as operações de reparação e limpeza.
8. Apólice n.º 11289263 (Sociedade-Mãe/Dona da Obra – responsabilidade civil)
60 – A Sociedade-Mãe, L.da, e a interveniente Companhia de Seguros declararam acordar nos termos constantes do documento n.º 30 junto aos autos pela 2.ª ré, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

CONDIÇÕES PARTICULARES
MODALIDADE DE SEGURO DE APÓLICE (…)
ENG RESPONSABILIDADE CIVIL11289263
(…)CAPITAL SEGURO
1 000 000,00 €
(…)
TOMADOR DO SEGUROSEGURADO
SOCIEDADE-MÃE LDA (…)SOCIEDADE-MÃE LDA (…)
(…)
(…)
SEGURADOSOCIEDADE-MÃE LDA (…)
EMPRESAS PROMOTORASEMPRESA (…)EMPREENDIMENTO
DOS PROJECTOS:(…)(…)
DONA DA OBRA, L.da(…) (...) 11 (…)
(…)(…)
(…)
GARANTIAS
R.C. EXPLORAÇÃO
(…)
· Imóveis contíguos
(…)
CAPITAIS SEGUROS:
(…) (…)
Restantes Garantias
Por período Seguro 1 000 000,00 €
FRANQUIAS
Em virtude do Artigo 6º das Condições Gerais, aplicar-se-ão a todos e cada um dos sinistros garantidos as seguintes franquias:
(…)
CONTÍGUOS:20 % do sinistro, mínimo de 2.500,00 € e máximo de 25.000,00 €.
61 – As condições gerais referidas no documento indicado no ponto 60 – factos provados – são as descritas no documento intitulado “Seguro de responsabilidade civil – Condições Gerais”, acima parcialmente reproduzido no ponto 58 – factos provados.
                                            *
B.C. Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Responsabilidade da ré Sociedade Empreiteira
2. Responsabilidade da ré Dona da Obra
2.1. Construção ou manutenção de instalações prejudiciais
2.2. Passagem forçada momentânea
2.3. Responsabilidade do comitente
2.4. Conclusão
3. Obrigação da interveniente Companhia de Seguros
3.1. Apreciação da relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir
3.1.1. Condenação da interveniente num pedido que contra si não foi formulado
3.1.2. Intervenção principal e chamamento à demanda no código de 1961
3.1.3. Intervenção principal passiva provocada pelo réu no código atual
3.1.4. Consagração do direito subjetivo do réu
3.1.5. Conclusão
3.2. Requisitos contratuais da cobertura de “Danos a imóveis contíguos”
3.2.1. Adoção das precauções adequadas
3.2.2. Entrega de um documento apreciativo do estado dos bens
3.3. Exclusões de cobertura
3.4. Aplicação da franquia
4. Culpa do lesado
5. Liquidação do dano
6. Responsabilidade pelas custas
Responsabilidade da ré Sociedade Empreiteira
A autora sustenta a demanda da ré Sociedade Empreiteira no regime comum da responsabilidade aquiliana. É, pois, nestes terrenos que nos movimentaremos.
Nos termos do n.º 1 do art. 483.º do Cód. Civ., “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Os pressupostos dos quais depende o nascimento do direito a uma indemnização na esfera jurídica do lesado são, assim: (i) o facto voluntário; (ii) o nexo de adequação causal; (iii) a ilicitude; (iv) a culpa; (v) o dano. Sob o prisma processual, estes requisitos assumem a natureza de causa de pedir (de índole complexa), devendo, por regra, ser alegados e provados os factos que os substanciam.
Deixando de lado o acessório, e entrando diretamente no cerne do litígio, resulta dos factos provados que o sinistro dos autos, na parte que ora releva – responsabilidade da 1.ª ré −, é causado (ii) porque os detritos gerados pela atividade da Sociedade Empreiteira (i) atingiram, sem o consentimento da autora (iii), o edifício implantado no seu prédio. A atuação da Sociedade Empreiteira (possibilitando a projeção ou a queda de detritos no prédio da autora) encerra um perigo evitável da ocorrência de prejuízos para a demandante, sendo, pois, censurável (iv). Em face do exposto, o sinistro encontra-se suficientemente caracterizado nos factos provados em ordem a se poder concluir pela responsabilidade da Sociedade Empreiteira.
1. Responsabilidade da ré Dona da Obra
O tribunal a quo sintetizou o fundamento da responsabilidade da ré Dona da Obra no seguinte parágrafo:
A queda de detritos da obra é adequada a produzir os danos invocados nas partes do imóvel da autora atingidas, pelo que se encontra demonstrada a responsabilidade do proprietário do prédio vizinho, independentemente de culpa, pelo pagamento da indemnização destinada a repor a situação que existiria se não fosse a lesão e que se traduz no montante necessário para reparar os danos causados – arts. 1347.º, n.º 3, 1349.º, n.º 1, e 566.º, n.º 2, do Cód. Civil.
No entender do tribunal recorrido, a ré Dona da Obra é responsável porque, à data, era proprietária do prédio onde se encontravam a ser efetuados os trabalhos de construção civil que geraram os detritos que atingiram o prédio da autora. Funda a obrigação de indemnização desta ré, indistintamente, em dois institutos diferentes, embora ambos inscritos nas relações de vizinhança: a construção ou manutenção de instalações prejudiciais (art. 1347.º do Cód. Civil); a passagem forçada momentânea (art.  1349.º do Cód. Civil).
1.1. Construção ou manutenção de instalações prejudiciais
Estabelece o n.º 1 do art. 1347.º do Cód. Civil (instalações prejudiciais) que “[o] proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei”. Na aplicação desta norma, não esclarece o tribunal a quo que obra, instalação ou depósito de substâncias corrosivas ou perigosas foi construída ou mantida pela ré Dona da Obra. Poderá ter ocorrido um erro de subsunção causado pela polissemia da palavra obra.
“Obra”, no Código Civil, não é uma atividade, mas sim o seu resultado – é este o sentido adotado, por exemplo, nos arts. 492.º, 892.º, 1207.º, 1339.º, 1347.º, 1360.º ou 1524.º do Cód. Civil. O sentido dado a “obra” em diversas passagens da sentença é outro – incluindo no seu segmento decisório. Com efeito, quando nesta se refere a obrigação da ré Sociedade Empreiteira de “proceder à limpeza diária/semanal da sujidade e detritos da obra que caíssem no prédio da autora” ou se menciona a queda de “cascalho e outros detritos provenientes da obra”, apela-se à ideia de atividade construtiva. Esta atividade pode, efetivamente, ter efeitos nocivos para a área circundante. No entanto, como vimos, não é este o conceito de obra empregue no n.º 1 do art. 1347.º do Cód. Civil.
Em suma, não constando dos factos provados que a ré Dona da Obra tenha construído ou mantido no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos com efeitos nocivos (não permitidos por lei) sobre o prédio da autora, não pode ser responsabilizada pelos danos por esta sofridos, com base na norma enunciada no n.º 3 do art. 1347.º do Cód. Civil.
1.2. Passagem forçada momentânea
Reza o n.º 1 do art. 1349.º do Cód. Civil que, “[s]e, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objetos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros atos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses atos”. Acrescenta o n.º 3 do mesmo artigo que, “[e]m qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido”.
No caso dos autos, sabemos que pela ré Sociedade Empreiteira foi levantado um andaime que ocupou parte do espaço aéreo do prédio da autora. Compreende-se, pois, a razão pela qual este regime foi convocado pelo tribunal a quo.
Dito isto, não esclarece a sentença recorrida qual é a relação causal supostamente existente entre o levantamento ou a manutenção do andaime e os danos sofridos pela autora. E, na verdade, não resulta dos factos provados que tais danos tenham sido causados pela montagem ou pela utilização desta estrutura.
Os danos abrangidos pela norma enunciada no n.º 1 do art. 1349.º do Cód. Civil são, tipicamente, os estragos necessários ao fim nela referido (levantamento de andaime, colocação de objetos ou passagem de materiais). Está em causa, por exemplo, a destruição de espécies vegetais, a degradação do pavimento que cede sob o peso dos materiais transportados ou mesmo a compensação com a privação do uso do espaço ocupado. Assim, ainda exemplificando, se a parede em construção com o auxílio do andaime ruir, não é porque este havia ali sido erguido que a norma que agora nos ocupa será de aplicar.
No caso dos autos, os danos sofridos pela autora (cujo ressarcimento é reclamado nesta ação) não decorrem da existência do andaime – nem mesmo decorrem necessariamente da passagem não consentida de materiais pelo espaço aéreo do seu prédio (que não se provou ser indispensável) da autoria da ré Sociedade Empreiteira. Pelo contrário, se a existência do andaime teve algum papel nesta história foi ele a de relativa proteção do prédio da demandante. Ou seja, os danos não foram sofridos pela autora por causa do andaime, mas sim apesar da sua existência.
Em conclusão, não constando dos factos provados nenhum dado de facto que permita estabelecer uma relação causal entre o levantamento ou a manutenção do andaime e os danos sofridos pela autora – nem se constituindo estes como estragos inevitáveis (necessários) de uma indispensável passagem de materiais sobre o seu prédio –, não pode a ré Dona da Obra ser responsabilizada pelos danos por aquela sofridos, com base na norma enunciada no n.º 3 do art. 1349.º do Cód. Civil. O tribunal a quo está certo quando afirma que “a queda de detritos da obra é adequada a produzir os danos invocados nas partes do imóvel da autora atingidas”. No entanto, o que importava demonstrar é que a “passagem forçada” é adequada (adequação causal) à ocorrência de tais danos. Esta relação causal não ficou provada.
Antes de encerrarmos este capítulo, é necessário um esclarecimento adicional. Conforme se extrai do ponto 43 – factos provados –, os estragos neste descritos nas suas als. l) a n) resultam da instalação, utilização e, ou, remoção dos andaimes pela ré Sociedade Empreiteira, com ocupação do espaço aéreo do prédio da autora. Ainda assim, não afeta esta realidade a conclusão a que acabámos de chegar.
Com efeito, nesta ação, a autora reclama o pagamento do custo das obras realizadas na fachada esquerda e cobertura do prédio sito na rua (...), conforme consta do ponto 51 – factos provados. Ora, não resulta dos factos provados que os estragos descritos nas do als. l) a n) ponto 43 – factos provados – correspondam aos danos objeto dos trabalhos de reparação (já executados) cujo pagamento é agora reclamado pela autora. Esta dissintonia também resulta patente do confronto entre estas alíneas e os trabalhos descritos no ponto 52 – factos provados.
Ou seja, na economia desta ação, considerando o âmbito do pedido, o custo de reparação dos estragos efetivamente resultantes da instalação, utilização e, ou, remoção dos andaimes pela ré Sociedade Empreiteira, que se poderiam inscrever na previsão normativa do art. 1349.º do Cód. Civil, não é reclamado. Seja porque a reparação dos estragos descritos nas do als. l) a n) ponto 43 – factos provados – já teve lugar por iniciativa da ré Sociedade Empreiteira, seja por qualquer outra razão, a sua existência é irrelevante para a sorte do concreto pedido formulado.
1.3. Responsabilidade do comitente
Resta-nos verificar se a ré Dona da Obra pode ser responsabilizada pelos danos sofridos pela autora, apenas por ser a dona da obra. Pomos, assim, de lado a relação real – decorrente da titularidade de um direito real sobre um imóvel – e centramo-nos na eventual responsabilidade extracontratual da 2.ª ré por ato de terceiro – isto é, em especial, com base na culpa in eligendo, in instruendo ou in vigilando.
Mais uma vez, é no rol dos factos provados que devemos procurar a resposta a dar a esta questão. E mais uma vez somos obrigados a concluir que inexiste em tal rol factualidade que permita sustentar que existia uma relação de comissão entre a ré Dona da Obra e a ré Sociedade Empreiteira (ou entre aquela e os trabalhadores desta diretamente causadores dos danos) – cfr. o art. 500.º do Cód. Civil. A empreiteira goza de autonomia na execução da obra, não podendo o dono da obra, apenas por ser o dono da obra – isto é, não assumindo outro papel na edificação –, ser responsabilizado pelos danos por esta causados a terceiros.
Conforme se defendeu no Ac. do STJ de 22-06-2021 (600/04.0TBSTB.E1.S1), “[n]ão se provando uma relação de comissão, significa que a construtora que estava a executar a obra, como empreiteira, surge, aqui, não como mandatária do dono da obra (…), mas antes agindo, diversamente, com inteira autonomia na respetiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exata prestação correspondente ao resultado contrato, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência”. Quando muito, poder-se-ia equacionar uma responsabilidade fundada em culpa in elegendo, reportada ao momento em que celebra o contrato de empreitada, por ter escolhido uma empreiteira supostamente incompetente. No entanto, nem mesmo esta “culpa” é sustentada pelos factos provados – notando-se, de resto, que a autora escolheu a mesma empreiteira para a obra que acabara de concluir no seu prédio.
1.4. Conclusão
Em suma, não resultaram provados factos constitutivos do putativo direito da autora a uma indemnização a satisfazer pela ré Dona da Obra. (Tenha-se presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que sustenta existir responsabilidade solidária do dono da obra e do empreiteiro assenta no pressuposto, não verificado nestes autos, de aquele ser responsável nos termos do art. 1348.º do Cód. Civil – cfr. o Ac. do STJ de 07-12-2016 (1776/11.5TVLSB.L1.S1), bem como a jurisprudência no mesmo referida).
2. Obrigação da interveniente Companhia de Seguros
Não se tendo concluído pela responsabilidade da ré Dona da Obra, apenas podemos equacionar a condenação da interveniente Companhia de Seguros fundada nos contratos de seguro celebrados com a ré Sociedade Empreiteira, titulados pelas apólices 11171781 e 11171486. Assentes nesta asserção, impõe-se que iniciemos este capítulo pela questão suscitada nos autos em torno do âmbito e escopo da intervenção da seguradora, sobre a qual as partes tiveram oportunidade de expor os seus entendimentos.
2.1. Apreciação da relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir
A interveniente Companhia de Seguros defendeu que o “art. 320.º possibilita a apreciação da relação jurídica de que seja titular o chamado, sendo que esta relação é a relação material controvertida de que esse chamado (litisconsorte voluntário) é um dos sujeitos passivos (a titularidade passiva pelo chamado da relação material controvertida é um dos pressupostos do chamamento ao abrigo da al. a) do n.º 3 do art. 316.º do CPC)”. Não sendo a interveniente, efetivamente, e não obstante o seu chamamento a título principal, “titular da relação material controvertida (enquadrável na responsabilidade civil extracontratual), mas sim das relações jurídicas de seguro” não há lugar, no entender da apelante, à aplicação do disposto no art. 320.º do Cód. Proc. Civil.
A montante desta questão – com ela mantendo uma relação de prejudicialidade – está o fundamento da eventual admissibilidade da condenação do interveniente num pedido que contra si não foi formulado. É por aqui que começaremos.
2.1.1. Condenação da interveniente num pedido que contra si não foi formulado
Na sua contestação (ref. 36466469), a ré Sociedade Empreiteira requereu a intervenção principal passiva da seguradora Companhia de Seguros. Para tanto, alega que a sua responsabilidade civil se encontra coberta por dois contratos de seguro firmados com esta seguradora (apólices 11171781 e 11171486).
Não obstante ter invocado o art. 140.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), a ré Sociedade Empreiteira não alega factos que possam preencher os n.os 2 ou 3 deste artigo – isto é, o contrato de seguro “prever o direito de o lesado demandar diretamente o segurador”; o “início de negociações diretas entre o lesado e o segurador”. Também não fundamenta a afirmação que produz de ser um dos seguros que invoca “de responsabilidade civil obrigatória” (sic) – isto é, ser um seguro obrigatório de responsabilidade civil. Enquadra o seu pedido na al. a) do n.º 3 do art. 316.º do Cód. Proc. Civil: “O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida”.
A autora, por seu turno, limitou-se a declarar que “nada tem a opor a este chamamento” (ref. 36622025). Nem mesmo após a intervenção da chamada Companhia de Seguros, que apresentou articulado próprio, a autora deduziu um pedido contra esta.
Não é incontroverso que a interveniente Companhia de Seguros seja um dos “sujeitos passivos da relação material controvertida”. Recorde-se que, na presente ação, esta relação deve ser enquadrada na responsabilidade civil extracontratual, sendo que a autora não imputou à interveniente a prática de nenhum ato ilícito.
A ré Sociedade Empreiteira, como referimos, não demonstrou estarmos efetivamente perante um seguro obrigatório – para uma lista deste tipo de seguros, cfr. asf.com.pt/responsabilidade-civil; cfr., ainda, o Ac. do STJ de 07-12-2016 (1776/11.5TVLSB.L1.S1). Nem o tribunal recorrido o parece ter considerado, já que, como vimos, deduziu ao montante da condenação da interveniente Companhia de Seguros o valor da franquia – o que seria inadmissível num seguro obrigatório de responsabilidade civil (art. 146.º, n.º 3, do RJCS).
Certo é, pois, que a eventual obrigação da interveniente Companhia de Seguros tem uma fonte contratual e que, na falta de estipulação convencional expressa em sentido diferente, apenas poderá existir perante a contraparte no contrato de seguro.
Podemos aceitar que a autora tem um direito próprio contra a interveniente Companhia de Seguros, no que respeita ao seguro de responsabilidade civil (apólice 11171486). Já é mais duvidoso que o tenha no seguro Contractors All Risks (apólice 11171781). É que, naquele primeiro seguro, o segurador comprometeu-se contratualmente a indemnizar o lesado com a atuação do segurado, pelo que podemos estar perante um contrato a favor de terceiro – cfr. o art. 3.º das Condições Gerais. Idêntica disposição não pontua nas Condições Gerais da apólice 11171781.
O seguro Contractors All Risks invocado ré Sociedade Empreiteira (apólice 11171781), em ordem a fundar a intervenção da seguradora, é um seguro com uma cobertura complementar de responsabilidade civil (art. 137.º e segs. do RJCS). Ou seja, a interveniente é chamada porque a ré Sociedade Empreiteira (alegadamente) se constituiu no dever de indemnizar a autora – intervindo a seguradora como garante da integridade do património da ré tomadora e segurada, afetado pelo nascimento do dever de indemnizar.
Note-se que, na dicotomia entre seguro obrigatório e seguro facultativo, os enunciados dos n.os 5 e 6 do art. 146.º do RJCS deixam bem claro que o objeto de um seguro obrigatório pode ser, total ou parcialmente, coberto por um seguro facultativo. O mesmo é dizer que, ainda que o seguro Contractors All Risks invocado ré Sociedade Empreiteira (apólice 11171781) seja um seguro (também) obrigatório, nem por isso estaria a interessada no chamamento desonerada de demonstrar que o sinistro se inscreve no âmbito da cobertura com tal qualificação (de seguro obrigatório).
Considerando a causa dos concretos danos dados por provados – que nada tem a ver, por exemplo, com erros do projeto –, e no que concerne à facultativa cobertura de responsabilidade civil da apólice Contractors All Risks, não resulta do clausulado desta um direito a favor do terceiro lesado. A intervenção principal da Companhia de Seguros deve, pois, ser apenas justificada com o seguro titulado pela apólice n.º 11171486, a coberto do disposto nos arts. 140.º, n.º 2, do RJCS e 444.º do Cód. Civil – cfr. o Ac. do TRP de 15-11-2012 (3868/11.1TBGDM-A.P1).
Seja como for, o tribunal recorrido deferiu o pedido de intervenção da seguradora Companhia de Seguros, tendo esta decisão transitado em julgado. Importa, no entanto, ter presente que, por princípio, cabe ao titular do direito ou interesse legalmente tutelado o monopólio da formulação do pedido, por força do princípio dispositivo. Da mera intervenção do terceiro como parte principal passiva não pode decorrer, sem mais – ou meramente ope legis, como sustenta uma das recorrentes –, uma simples extensão do âmbito subjetivo do pedido, se esta extensão não puder ser ancorada na vontade de uma das partes (substantiva e processualmente legitimada).
É certo que, em geral, a sentença que venha ser proferida (no respeito pelo pedido formulado) vincula e constitui caso julgado contra o interveniente (art. 320.º do Cód. Proc. Civil). Todavia, tal não significa que este pode ser condenado num pedido que contra si não foi dirigido por um sujeito processual com legitimidade para tanto. O mesmo é dizer que o tribunal se deve limitar a conhecer os pedidos formulados pelo autor, no cumprimento do disposto no art. 609.º do Cód. Proc. Civil.
Do que se trata aqui é, em suma, de encontrar o fundamento dogmático (e legal) para a condenação do chamado num pedido que contra si não foi formulado, isto é, de perceber se esta condenação foi pedida por uma parte legitimada (mostrando-se respeitado o princípio dispositivo), por ser titular de um direito ou interesse legalmente tutelado que a tanto a habilite.
2.1.2. Intervenção principal e chamamento à demanda no código de 1961O incidente de intervenção principal de terceiro surgiu, com a sua atual configuração, na reforma de 1995/97 do Cód. Proc. Civil de 1961, sendo o sucessor do incidente homónimo e do incidente de chamamento à demanda, anteriormente previstos neste mesmo código, desde a sua entrada em vigor – cfr. a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro. Para melhor compreendermos a articulação entre o princípio dispositivo e o modo de funcionamento do incidente previsto no código atual, é útil recordar como se processavam aqueles incidentes no código formalmente revogado pela al. a) do art. 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
No Cód. Proc. Civil de 1961 (CPC/1961: Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961), a intervenção principal (art. 351.º do CPC/1961), na modalidade que nos interessa – a intervenção passiva provocada pelo réu –, permitia ao demandado chamar um terceiro – com “um interesse igual ao (…) do réu” – sujeito da mesma relação material controvertida invocada como causa de pedir, assumindo o chamado a posição de corréu, ao lado do primitivo demandado. No que respeita ao pedido formulado pelo autor e à sua relação com a “decisão final” – stricto sensu (art. 607.º, n.º 3, do atual Cód. Proc. Civil) –, estabelecia o art. 359.º do art. 359.º, n.º 1, do CPC/1961 que, “[s]e o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele”. A lei não explicava o que se deve entender por apreciação do direito nem a doutrina revelou ter especial interesse pelo sentido deste segmento do enunciado legal.
O chamamento à demanda (art. 330.º, n.º 1, do CPC/1961) era aqui “uma sub-espécie de intervenção principal provocada” – cfr. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume II, 1987 (reimp. 2014), Lisboa, AAFDL, p. 232. Estava reservado para relações jurídicas tipificadas e dependia sempre da iniciativa do réu. Destinava-se esta modalidade de intervenção, no essencial, ao chamamento de codevedores solidários (incluindo em solidariedade imprópria) ou de contitulares da mesma dívida.
Se na intervenção principal comum a lei não concretizava no que se traduzia a apreciação do direito, já na subespécie chamamento à demanda, tal apreciação era definida, em dois dos casos tipificados, como uma condenação conjunta (art. 330.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC/1961). Noutro caso, a lei referia que o propósito da intervenção é convencer (o terceiro) de que é também responsável (art. 330.º, n.º 1, al. d), do CPC/1961). A respeito deste caso – a intervenção do cônjuge –, E. Lopes-Cardoso, sublinhava que o fim (talvez) principal do chamamento é “convencer (o chamado) de que é também responsável” pela dívida acionada, o que se realiza “mediante condenação em tal responsabilidade” – cfr. Eurico Lopes-Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1996, Lisboa, Petrony, p. 119; sublinhado do autor.
2.1.3. Intervenção principal passiva provocada pelo réu no código atual
A questão que nos ocupa, e que já no regime anterior se podia colocar, é, recorde-se, a de saber como articular o princípio dispositivo (e do pedido) com os efeitos da intervenção de terceiro (arts. 3.º, n.º 1, e 609.º, n.º 1, do atual Cód. Proc. Civil). Por um lado, o autor, legitimamente, demandou apenas um dos sujeitos passivos da relação material controvertida e apenas pediu (e quer) a condenação deste concreto sujeito no pedido que formula. Por outro lado, o tribunal não pode conhecer de pedido diferente daquele que foi formulado pela parte substantivamente legitimada (titular ativo da relação jurídica). Tendo o autor pedido a condenação de B, a (não pedida) condenação de C aparenta ser uma grosseira ofensa ao princípio dispositivo (e do pedido).
Na  lei processual atual, desapareceram as referências à condenação conjunta do interveniente principal – anteriormente presentes na subespécie de chamamento à demanda. No entanto, continuam elas a existir na lei substantiva – veja-se o enunciado do n.º 1 do art. 641.º do Cód. Civil.
Tendo a lei processual natureza adjetiva, não poderá esta deixar de acomodar mecanismos que permitam a tutela do direito subjetivo conferido pela lei substantiva. O mesmo não é dizer, obviamente, que esta tutela pode ser assegurada por um meio processual que viola princípios estruturantes do processo civil – como o princípio dispositivo. Tal violação resultaria, forçosamente, na agressão a outros direitos subjetivos, até com dignidade constitucional.
Na caracterização das modalidades de pluralidade subjetiva da instância, a lei emprega o conceito de relação material controvertida (arts. 30.º, n.º 3, e 32.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil). Este conceito é mais vasto do que a  ideia de relação jurídica utilizada no direito substantivo. Está nesta diferença a explicação para constatação de não ser a intervenção de terceiros inconsequente para o objeto do processo, não representando uma mera modificação subjetiva da instância.
Sendo a relação jurídica caracterizada também pelos seus sujeitos, ao menos por esta razão – e ainda que se verificasse a improvável hipótese de o autor ter inicialmente invocado todos os factos necessários à intervenção do terceiro –, as diferentes modalidades de intervenção convocam sempre, de algum modo, uma diferente relação jurídica – salvo no que toca à extinta nomeação à ação, se nela se vir uma mera retificação da identidade do sujeito passivo da (mesma) relação jurídica. E assim também ocorre com a intervenção principal provocada passiva de um terceiro, inscrevendo-se a diferente relação jurídica de que é sujeito na mesma relação material controvertida invocada na petição inicial. Tomando como exemplo o chamamento do codevedor solidário, é fácil perceber que as relações entre o autor e cada um dos devedores podem ser autonomizadas, embora sejam paralelas – cfr. o art. 512.º, n.º 2, Cód. Civil.

O direito subjetivo de âmbito substantivo tutelado pelo meio processual da intervenção principal passiva provocada pelo réu é, como não podia deixar de ser, um direito subjetivo do réu. O demandado tem um interesse atendível (emergente da relação jurídica de que é titular) em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida, quando o chamamento seja necessário para garantir a efetividade do seu direito – para um exemplo no direito substantivo, veja-se o já referido n.º 1 do art. 641.º do Cód. Civil.
Neste sentido, quando procurarmos, no contexto da norma enunciada no n.º 1 do art. 3.º do Cód. Proc. Civil, a legitimação para a condenação do interveniente no pedido formulado na petição inicial – redirecionado e, eventualmente, adaptado –, é no requerimento de intervenção principal passiva formulado pelo réu responsável pelo chamamento que a encontramos. O interveniente é condenado num pedido de tutela do direito subjetivo do autor, é certo, mas por decorrência do exercício de uma a faculdade (potestativa) processual que o réu tem, para tutela do seu direito ou interesse legalmente protegido. Ocorre aqui o exercício sub-rogatório de um direito do autor, na satisfação de um interesse (direito) do réu.
2.1.4. Consagração do direito subjetivo do réu
Subsiste uma questão que não pode ficar por resolver. Se a intervenção e a consequente condenação do chamado no pedido tutelam um direito subjetivo do réu – de ver estendida a (eventual) condenação aos outros titulares passivos da relação material controvertida –, então esta prerrogativa tem de estar prevista numa norma de direito substantivo. No entanto, devemos reconhecer que não se encontra ela consagrada no Código Civil, para as obrigações solidárias, em termos absolutamente claros – diferente é o caso especial previsto no n.º 1 do art. 641.º do Cód. Civil.
O art. 518.º, 2.ª parte, do Cód. Civil (de 1966), em diálogo com o art. 330.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil de 1961 (na sua redação originária), estabelece que, ainda que o devedor solidário demandado “chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efetuar a prestação por inteiro”. Recorde-se que na mencionada alínea do Cód. Proc. Civil de 1961 se previa que o chamamento à demanda tem lugar, designadamente, “[q]uando o devedor solidário, demandado pela totalidade da dívida, quiser fazer intervir os outros devedores”.
Afigura-se-nos apodítico que a advertência prevista na 2.ª parte do art. 518.º do Cód. Civil só tem sentido se o chamamento à demanda (hoje intervenção principal) tiver por consequência (sendo a ação procedente) a condenação no pedido do chamado condevedor solidário. Se a intervenção apenas tivesse por efeito permitir o auxílio na defesa do réu (autor do chamamento) e a extensão subjetiva do caso julgado ao chamado, não necessitava o legislador de enfatizar que o chamamento do condevedor não libera o primitivo réu “da obrigação de efetuar a prestação por inteiro”.
Aliás, só esta condenação solidária empresta sentido à intervenção principal passiva provocada pelo réu (quando este não peça também a condenação do terceiro “na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir”). É que não se justifica que ao chamado seja atribuído o estatuto de parte principal, se o chamamento apenas se destinar ao auxílio na defesa do réu ou à extensão subjetiva do caso julgado.
Tendo por cenário este regime resultante da articulação entre a lei adjetiva e a lei substantiva, a doutrina tem admitido, já após a reforma de 1995/1997, a intervenção principal do condevedor solidário (mesmo provocada pelo demandado), para com o réu ser condenado no pedido. Neste sentido, veja-se, ainda na última década do séc. XX, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 182 e 183 – onde se afirma que, “se os vários devedores solidários (os iniciais e os subsequentes) forem condenados no pedido, é atribuído àquele que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir (…) um direito de regresso contra os outros condevedores” (sublinhado nosso) –, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 580, 581 e 582 – onde se afirma que o chamado pelo demandado ocupa “a posição de réu ao lado do primitivo réu, no âmbito do pedido inicial de condenação na totalidade da dívida” –, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Lisboa, ed. aut., 2000, p. 117 – onde se afirma que, “[u]ma vez que a ação seja julgada procedente, são todos os réus condenados”, nestes se incluindo o “primitivo réu” e os réus “chamados a intervir – e Helena Tomás Chaves, «Os incidentes de intervenção de terceiros à luz do Cód. Proc. Civil revisto», in Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 206 e 207; na jurisprudência, já império do novo código, cfr. o Ac. do TRL de 19-11-2020 “667/09.4TVLSB.L1-2).
Esta doutrina é de acompanhar. O mesmo é dizer que se deve extrair da 2.ª parte do art. 518.º do Cód. Civil o sentido de que o réu goza da prerrogativa (porque nisto tem interesse digno de tutela) de estender a (eventual) condenação no pedido aos outros condevedores solidários, também  titulares passivos da relação material controvertida – sendo este direito exercido através do mecanismo da intervenção principal passiva provocada. O mesmo conteúdo deve ser extraído da al. a) do n.º 3 do  art. 316.º do Cód. Proc. Civil, que se constitui assim, também, como uma norma de direito material, e não apenas processual, reconhecendo ao codevedor solidário demandado o poder sub-rogatório de provocar a condenação do condevedor não demandado inicialmente a (solidariamente) satisfazer o direito do autor.
2.1.5. Conclusão
Para a questão que enfrentamos, interessa-nos perceber quais são os efeitos resultantes da admissão da intervenção de terceiros, não apenas quanto à composição subjetiva da instância, mas também quanto ao objeto desta, em especial sobre o pedido. Ora, extrai-se do raciocínio expendido que da intervenção principal passiva provocada pelo réu resulta uma modificação no objeto da instância, designadamente, no que ao pedido diz respeito. Deve, pois, o tribunal, com as necessárias adaptações, verificar se procede o pedido da autora, quando dirigido contra o interveniente, por força do impulso processual do réu nesse sentido.
Em apertada síntese: na intervenção principal passiva provocada pelo réu prevista na al. a) do n.º 3 do art. 316.º do Cód. Proc. Civil, requerida com o propósito de obter a condenação solidária da interveniente seguradora no pedido de pagamento da indemnização formulado pelo autor na petição inicial, estamos perante o exercício sub-rogatório de um direito deste (lesado beneficiário); a legitimação do tribunal para condenar o interveniente no pedido constante da petição inicial (não dirigido contra o terceiro), redirecionando-o e adaptando-o à “relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir”, funda-se no requerimento do réu autor do chamamento, no respeito pelo princípio dispositivo.
2.2. Requisitos contratuais da cobertura de “Danos a imóveis contíguos”
Aos danos sofridos pela autora refere-se a cobertura “Danos a imóveis contíguos”, de acordo com a qual o contrato de seguro celebrado entre as partes “garante os danos causados aos bens imóveis de terceiros, desde que contíguos à obra onde o Segurado exerce a sua atividade”, conforme consta da alínea f) do art. 6.º das Condições Gerais da apólice n.º 11171486 , transcrita no ponto 58 – factos provados. (Idêntica disposição pontua nas Condições Gerais da apólice n.º 11171781, conforme consta no ponto 54 – factos provados). Estabelecem, no entanto, as mesmas Condições Gerais, no n.º 2 da al. f) do art. 6.º, que esta cobertura fica “dependente da verificação, cumulativa, das seguintes condições previamente ao início dos trabalhos:
a) que o estado destes bens seja satisfatório;
b) que o Segurado tenha adotado, antes do início das obras, todas as precauções adequadas para evitar qualquer dano material ou emergente relativamente aos ditos bens contíguos; e
c) que o Segurado entregue ao Segurador, antes do início das obras, um documento ou relatório apreciativo do estado dos referidos bens contíguos”.
A interveniente Companhia de Seguros alega que “a autora não provou o preenchimento, pelo menos, das condições das [subalíneas] b) e c), ou seja, que, antes do início das obras, a 1.ª ré (segurada) tivesse adotado todas as precauções necessárias à prevenção de qualquer dano ao imóvel da autora e entregue à [interveniente] um relatório sobre o estado desse imóvel, respetivamente (sendo que essa prova também não foi feita pela 1.ª ré)”. Vejamos se assim é.
2.2.1. Adoção das precauções adequadas
No que toca à subalínea b) do n.º 2 da al. f) do art. 6.º das Condições Gerais, resulta do ponto 7 – factos provados – e do ponto 10 – factos provados – que, “em novembro de 2018 a ré Sociedade Empreiteira levantou um andaime justaposto à fachada do imóvel da 2.ª ré que confronta com o prédio da autora”, tendo este “uma dupla rede de proteção”. Não explica a interveniente Companhia de Seguros em que medida esta “dupla rede de proteção” não representa a precaução adequada a evitar os danos sofridos pela autora, de acordo com as regras da arte. Do mesmo modo, não identifica outras “as precauções adequadas” a adotar.
Como é evidente, não vale aqui dizer que, dado que o sinistro ocorreu, as precauções adotadas não podiam ser adequadas. As precauções apenas têm de ser adequadas de acordo com critérios de normalidade, no respeito pelas regras da arte. Aliás, se o sinistro, por si só, demonstrasse a não adoção de precauções, tal significaria que esta cobertura nunca teria aplicação, contrariando a natureza de um contrato de seguro – já que o risco nunca se poderia verificar. No âmbito de uma cobertura que tem por requisito que sejam adotadas as “devidas precauções”, o brocardo res ipsa loquitur não pode ser afirmado a partir da mera concretização do risco.
Devemos, pois, concluir que, ao instalar “uma dupla rede de proteção”, a ré Sociedade Empreiteira adotou todas as providências adequadas a prevenir a ocorrência do sinistro.
2.2.2. Entrega de um documento apreciativo do estado dos bens
Pelo que respeita à al. c), efetivamente, não consta dos factos provados que a ré Sociedade Empreiteira tenha entregado à interveniente, “antes do início das obras, um documento ou relatório apreciativo do estado dos (…) bens contíguos”. Importa, no entanto, perceber o sentido deste insólito requisito – isto é, interpretar o enunciado contratual. E dizemos insólito (e, como tal, acrescente-se, inesperado), porque ele prevê uma atividade a cargo do segurado – e não da contraparte tomadora – respeitante a um prédio de terceiro – que não está contratualmente obrigado a colaborar com o segurado. Imagine-se o esforço que representa o cumprimento deste pressuposto, quando no prédio adjacente está implantado um condomínio com 200 frações.
Este requisito só tem razão de ser, se é que tem alguma, quando articulado com aquele que se encontra previsto na al. a) – “que o estado destes bens seja satisfatório” –, sendo deste meramente instrumental. Pretender-se-á, com a produção de “um documento ou relatório apreciativo do estado dos referidos bens contíguos”, colocar o segurador nas melhores condições para a avaliação subsequente do risco – e não inicial, pois o contrato já está em vigor –, perante o estado do prédio adjacente, bem como para confirmar o preenchimento do requisito previsto na al. a).
Ora, sendo este o escopo da condição prevista na al. c), deve entender-se que a mesma só se aplica aos casos em que o edificado ou suas partes integrantes se encontram em estado diferente de novo (ou equivalente), assim se devendo interpretar o enunciado contratual. Fazer depender a cobertura da comunicação pelo segurado do estado de novo (ou equivalente) do edificado adjacente representa uma exigência caprichosa, inútil e abusiva, e, como tal, atentatória da boa-fé contratual – cfr. o disposto no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro. Uma cláusula com o sentido que recusamos representaria “um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido; por isso, é desproporcional e violadora do princípio da boa-fé” – cfr. o Ac. do STJ de 24-01-2018 (534/15.2T8VCT.G1.S1), bem como o Ac. do STJ de 07-12-2016 (1776/11.5TVLSB.L1.S1).
No caso dos autos, encontrando-se provado o facto essencial referido na al. a) – nunca tendo estado relevantemente controvertido, conforme se extrai da alegação de recurso da Companhia de Seguros –, resultando mesmo dos factos provados que o estado do prédio da autora era muito mais do que “satisfatório” – tendo sido renovado em 2018 –, em nada ficou a interveniente prejudicada (na avaliação do risco) com a omissão de entrega do referido “documento ou relatório”.
As características desta cláusula podem mesmo levar à conclusão, por diferente via, de que é ela atentatória da boa-fé contratual. Na verdade, esta condição (pelo menos quando não interpretada restritivamente) pode representar um verdadeiro “alçapão contratual” – cfr. o art. 8.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
Por um lado, estamos perante uma obrigação de muito escassa utilidade para o segurador. Trata-se uma avaliação claramente fiduciária, já que não assenta numa inspeção realizada pelo segurador, mas sim pelo segurado. Aliás, os requisitos de conteúdo e o grau de exaustividade do documento exigido não se encontram minimamente densificados no enunciado da cláusula contratual.
Por outro lado, trata-se de uma estipulação facilmente desconsiderada pelo tomador (ou pelo segurado). Todos os prédios têm, logicamente, prédios adjacentes, sejam do domínio público, sejam do domínio privado – salvo na rara hipótese de estarem rodeados de água por todos os lados. Não obstante, no leque de formulário anexos à apólice e às condições gerais e especiais, não consta nenhum dedicado ao “relatório” em causa – contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a “declaração de inclusão de obra”. Não será, pois, de surpreender que esta disposição, considerando o seu carácter insólito e inesperado, bem como o facto prever uma comunicação para a qual não foi predisposto nenhum formulário, passe completamente despercebida ao tomador do seguro (e ao segurado).
Ainda sob diferente perspetiva, mas conduzindo ao mesmo resultado, devemos entender que interpretação do enunciado contratual com um sentido excessivamente abrangente (que recusamos) levaria à conclusão de que ele estabelece uma restrição injustificada ao objeto do contrato (isto é, ao âmbito de cobertura), caso em que seria mesmo atentatório da “ordem pública contratual”. A dimensão que nos interessa da ordem pública – a ordem pública contratual – faz exigências às relações jurídicas – para o reconhecimento dos efeitos visados pelas partes – que o enunciado da cláusula prevista na al. c) não consegue satisfazer, se não for interpretado restritivamente. Entre estas está a proibição de afastamento, ainda que encapotada ou indiretamente, de “obrigações que constituam precisamente o elemento de identificação do contrato celebrado, a sua causa, ou seja, a função económico-social própria desse contrato” – cfr. António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 2011, p. 125.
Apenas a redentora via interpretativa – arts. 10.º e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro – permite a subsistência da norma contratual agora analisada. Ora, à luz do seu conteúdo válido, não era exigível à tomadora realizar comunicação diferente daquela que realizou, referida no ponto 56 – factos provados. Em suma, inexiste impedimento ao funcionamento da cobertura “Danos a imóveis contíguos”.
2.3. Exclusões de cobertura
Sustenta a apelante Companhia de Seguros que a “repetição dos danos e a omissão de quaisquer medidas para evitar essa repetição, ditadas por uma pretensa normalidade desses danos na atividade de construção, fazem funcionar a exclusão” prevista ponto ii) da al. g) do art. 7.º das condições gerais da apólice n.º 11171486 (também prevista no ponto ii) da al. g) do art. 10.º das condições gerais da apólice n.º 11171781). Reza esta disposição:
Não ficam garantidos, em caso algum, e mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pela presente Apólice, os danos: (…)
g) que derivem, de forma inevitável, da própria natureza da atividade do Segurado, desde que respeitadas as normas de boa execução daquela atividade, entre os quais: (…)
II) danos causados de forma repetida, quando o Segurado, alertado deste facto, não tenha adotado as medidas necessárias para evitar a repetição dos mesmos;
Estando em discussão uma exclusão contratual, à interveniente cabia demonstrar que os danos sofridos pela autora resultam, “de forma inevitável, da própria natureza da atividade” e que o segurado não adotou “as medidas necessárias para evitar a repetição dos mesmos”. No entanto, estes dois dados de facto não constam do leque dos factos provados.
Ainda que se entenda que estamos perante conclusões de facto, não se conseguem estas extrair da fundamentação de facto. Com efeito, nada nos factos provados nos permite concluir que a projeção de argamassas cimentícias para os prédios adjacentes é “inevitável” na atividade construtiva. Também daqueles não se consegue retirar que as medidas apropriadas à repetição dos danos não foram adotadas. (Sobre a inadmissibilidade do afastamento desta afirmação com base na ulterior ocorrência de danos, vale o que acima se referiu no ponto 3.2.1 (Adoção das precauções adequadas)).
Em suma, a cobertura de “Danos a imóveis contíguos” não se encontra afastada pelo preenchimento de uma norma contratual de exclusão.
2.4. Aplicação da franquia
Alega a apelante Companhia de Seguros que, no leque dos “factos provados (com exceção do n.º 14), o tribunal a quo não discrimina cada um dos eventos ocorridos, nem os respetivos danos, referindo-se àqueles genericamente (FP 9, 16, 27 e 40) e a estes globalmente (FP 30), sendo que pertencia à autora o ónus da prova de cada um dos eventos alegados e dos danos resultantes de cada um deles, por estes constituírem factos constitutivos do direito de indemnização de cuja titularidade se arroga”. No entender da interveniente, cada um dos eventos danosos constitui um sinistro, pelo que em cada um deles deve ser considerada a franquia acordada.
No essencial, assiste razão à apelante. Afigura-se-nos apodítico que cada um dos eventos danosos corresponde a um sinistro, sendo inaceitável que se “juntem” todos os factos danosos ocorridos durante vários meses, ficcionando-se que se está perante um único evento.
Todos os escolhos enfrentados pela demanda da interveniente Companhia de Seguros têm a sua origem no modo como esta surgiu na ação. A autora organizou uma demanda contra a empreiteira e a proprietária (dona da obra), fundada apenas em responsabilidade civil extracontratual, e não contra a seguradora (para cumprimento de uma prestação contratual). Na economia desta demanda, a narração dos factos feita na petição inicial está completa, por não ser essencial descrever em que dias, ao longo de um ano, ocorreram os concretos eventos danosos – não estando em discussão, por exemplo, a prescrição do direito à indemnização – nem ser essencial avaliar discriminadamente os estragos resultantes de cada um destes sinistros. A autora, é certo, específica algumas datas, mas referem-se estas, essencialmente, a factos que não relevam para o nascimento do direito à indemnização que pede – dizem respeito à queda de detritos sólidos, e não de argamassas cimentícias.
Ora, a demanda da interveniente Companhia de Seguros não se funda na responsabilidade desta – nem aquiliana, nem contratual –, não visando o pagamento de uma indemnização, mas o cumprimento de uma obrigação (uma prestação) de fonte contratual. Contrariamente ao que sucede na responsabilidade civil, não pode aqui ser afirmado o dever de prestar da seguradora – não a responsabilidade, repisa-se – sem que se apure o valor do dano pelo qual é responsável o segurado em cada sinistro ocorrido. Não é possível afirmar que a interveniente Companhia de Seguros é “responsável” (hoc sensu) solidariamente (solidariedade imprópria: existe nas relações externas, perante o lesado, existindo nas relações internas um escalonamento de obrigações), isto é, que tem o dever de prestar, relegando-se para incidente pós-decisório a quantificação de tal prestação. Considerando os termos do contrato de seguro (apólice 11171486), em especial, a franquia fixada, o dever de prestar a cargo da interveniente (de fonte contratual) só pode ser afirmado depois de ser conhecida a “ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências”.
Note-se, a propósito, que não se conclui dos articulados nem da prova produzida na audiência final que cada um dos sinistros ocorridos foi participado à interveniente – com a ressalva que representa o facto 17 –, nos termos previstos no art. 100.º do RJCS. A citação da interveniente para a ação não supre a prévia falta de participação, dado que, como referimos, a petição inicial não descrimina as datas dos sinistros relevantes nem os concretos danos ocorridos em cada um deles, sendo imprestável para a sua liquidação (por sinistro).
E sem a participação de cada um dos concretos sinistros, não se pode considerar vencida a obrigação da seguradora (arts. 102.º e 104.º do RJCS). A participação é essencial para que a seguradora possa confirmar a “ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências”, não podendo sem ela liquidar a sua prestação – designadamente, levando em consideração a franquia acordada. Ou seja, é essencial para a afirmação da obrigação da seguradora e seu vencimento.
Em suma, sem a descrição de cada um dos sinistros, suas circunstâncias e consequências – descrição esta essencial à demanda da interveniente …, mas não à demanda das rés –, não pode o pedido (redirecionado) proceder contra a seguradora – sem prejuízo de se poder entender que, não se tratando de um problema de falta de prova, mas sim da falta de narração de uma causa de pedir completa, poderá ser esta alegada em nova ação, por não haver plena identidade de objetos, sem embargo da vinculação de todos os sujeitos processuais ao caso julgado que se formar sobre a decisão final da causa vertente (designadamente, no que toca à responsabilidade/condenação da tomadora e segurada Sociedade Empreiteira).
3. Culpa do lesado
Devendo as duas recorrentes partes passivas da instância ser absolvidas do pedido, perde relevância a apreciação da questão que suscitam em torno de uma suposta culpa da autora lesada (art. 570.º do Cód. Civil). Ainda assim, telegraficamente – e porque, por agora, apenas se afirmou a responsabilidade da ré Sociedade Empreiteira, não recorrente –, se dirá que esta linha defensiva é desprovida de mérito.
Não resulta certo dos factos provados que uma atuação da autora tenha “concorrido para a produção ou agravamento dos danos”. Para tanto, seria necessário que, de acordo com tais factos, se concluísse que a atuação da demandante agravou os danos – por exemplo, que impediu a limpeza de resíduos de argamassas cimentícias quando ainda não estavam secas. Ora, nada disto resultou provado.
Quando muito, poder-se-ia ver aqui um caso de mora do credor da prestação ressarcitória (art. 813.º do Cód. Civil) – fenómeno que, além do mais, limitaria a responsabilidade do devedor por danos moratórios (incluindo a privação do uso). No entanto, tendo a prestação oferecida a natureza de reconstituição natural (art. 566.º, n.º 1, do Cód. Civil), a conduta da autora mostra-se justificada à luz da factualidade descrita no ponto 36 – factos provados.
Em suma, não ficou demonstrada nenhuma “culpa” da autora lesada (nem mora da credora).
4. Liquidação do dano
Não tendo sido julgada procedente (no essencial) a impugnação da decisão sobre a matéria de facto objeto do recurso subordinado interposto pela autora, não poderá deixar de se confirmar a decisão do tribunal a quo de relegar para incidente pós-decisório a liquidação do objeto (operações efetivamente necessárias a eliminar totalmente o dano) e da quantidade (custo das referidas operações) da obrigação de indemnização a cargo da ré Sociedade Empreiteira.
O limite imposto pelo tribunal recorrido está conforme à factualidade já provada – veja-se o ponto 52 –, embora, considerando o pedido formulado pela autora, deva contemplar o valor do IVA e os juros moratórios (art. 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do Cód. Civil).
5. Responsabilidade pelas custas
A responsabilidade pelas custas das apelações cabe à autora, por ter ficado vencida – tendo oferecido contra-alegação (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
As custas da ação ficam a cargo da autora e da ré Sociedade Empreiteira, na proporção de 50% para cada uma, sem prejuízo de correção, se for instaurado incidente pós-decisório de liquidação, em função do valor da condenação que neste se vier a apurar.

C. Dispositivo
C.A. Do mérito do recurso
Em face do exposto, na procedência  das  apelações interpostas pela ré Dona da Obra, L.da, e pela interveniente Companhia de Seguros, S.A., e na improcedência do recurso subordinado instaurado pela autora, Vizinha, L.da, acorda-se em alterar a decisão impugnada, decidindo-se:
a) condenar a ré Sociedade Empreiteira, L.da, a pagar à autora a quantia correspondente ao custo da reparação dos danos descritos no ponto 43 – factos provados –, reportado a janeiro de 2020, até ao valor máximo de € 122.575,00 (cento e vinte e dois mil quinhentos e setenta e cinco euros), a apurar em liquidação de sentença, acrescido de juros moratórios contados desde a data de citação da ré Sociedade Empreiteira, L.da, e até efetivo pagamento, sendo estes devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil;
b) que à quantia apurada nos termos da al. a) acresce o valor do IVA correspondente, vencendo este valor juros moratórios contados desde a data em que se prove ter a autora liquidado tal IVA a terceiro, e até efetivo pagamento, sendo devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil;
c) absolver a ré Dona da Obra, L.da, do pedido;
d) absolver a interveniente Companhia de Seguros, S.A., do pedido (contra si redirecionado nos termos acima desenvolvidos).
C.B. Das custas
Custas das apelações a cargo da autora.
Custas da ação a cargo da autora e da ré Sociedade Empreiteira, na proporção de 50% para cada uma, sem prejuízo de correção, se for instaurado incidente pós-decisório de liquidação, em função do valor da condenação que neste se vier a apurar.
*
Notifique.

Lisboa , 5/11/2024
Paulo Ramos de Faria
Micaela Sousa
Ana Mónica Mendonça Pavão