EXECUÇÃO
CITAÇÃO
NULIDADE
FALTA DE CITAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

1. Resulta das disposições conjugadas dos arts. 323º, nº 2 e 326º do CC que quando a citação não tenha lugar nos 5 dias subsequentes à entrada em juízo da petição ou requerimento inicial, a prescrição se interrompe logo que esses 5 dias estejam esgotados;
2. Nos termos do 327º do CC, o efeito interruptivo da prescrição pode prolongar-se por um período de tempo, mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição: é o que sucede quando a interrupção da prescrição é causada pela citação, mesmo que se trate da citação ficta prevista no art. 323º, nº 2 do CC;
3. O art. 327º, nº 2 do CC estabelece um desvio a esta regra, nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral, casos em que o novo prazo de prescrição começa a contar-se desde a interrupção, nos termos do artº 326º do CC.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. OS……., AD …….. e LL …….., menor, representada pela mãe MM …….., intentaram presente acção declarativa comum contra Novo Banco SA, pedindo que se declarem “declarando-se prescritos os valores de que o Réu se considera credor resultantes do contrato de mútuo mais bem descrito em 6º a 12º da p.i.”.
Para tanto, alegam que são os herdeiros de AJ ………, contra quem o Banco Internacional de Crédito, SA, em 18 de Julho de 2002, intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, apresentando como título executivo uma escritura de mútuo com hipoteca, tendo essa acção executiva terminado por deserção da instância; que 29 de Maio de 2018, o mesmo exequente intentou nova acção executiva contra os mesmos executados pelos mesmos factos, e, julgando tratar-se da mesma acção executiva, o executado AJ ………. nada disse tendo a execução prosseguido.
Mais alega que os créditos invocados estão prescritos, já que o prazo de prescrição ocorreu em 17 de Novembro de 2005, pois apesar de a acção ter dado entrada antes, em 18 de Julho de 2002, o 2º executado apenas foi citado ao fim de 13 anos do vencimento dos créditos.
2. Citado, o R. apresentou contestação, na qual deduziu as excepções de preclusão, de extemporaneidade do pedido/erro na forma do processo e de caso julgado, tendo ainda defendido que a citação de AJ …….. ocorreu somente em 27/09/2013 por motivo não imputável ao exequente, pelo que o prazo de prescrição se interrompeu cinco dias após a entrada da acção executiva, ou seja, em 23/07/2002, nos termos do art. 325º do CC, interrupção que se manteve até ao termo da acção executiva em 22/09/2017 e ainda que o novo prazo de prescrição se interrompeu com a citação para a nova acção executiva 09/11/2018.
3. Notificados os AA. para se pronunciarem sobre as excepções deduzidas, defenderam estes a sua improcedência.
4. Dispensada a realização de audiência prévia, com anuência das partes, foi proferido despacho saneador, julgando improcedentes as excepções de preclusão, extemporaneidade do pedido/erro na forma do processo e de caso julgado, se procedeu à fixação do objecto do processo, após o que se fixou os factos assentes e se proferiu decisão julgando a acção improcedente.
5. Inconformados, os AA. recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1 O tribunal a quo esteve bem ao julgar improcedentes as exceções deduzidas pelo Recorrido em sede de contestação: de caso julgado e de erro na forma de processo e preclusão do direito de vir invocar a prescrição pela questão não ter sido suscitada na ação executiva.
2 A decisão proferida pelo tribunal a quo não esteve bem desde logo ao não ter tirado os devidos efeitos jurídicos de autoridade de caso julgado na ação executiva originária que decidiu – com trânsito em julgado – por despacho de 16/09/2013 (cf. doc 3 junto da contestação), ter havido ”falta de citação”, mais se determinando que os autos de execução prosseguissem com a citação dos executados.
3 Em cumprimento do despacho, a citação veio a ser efetivada em 27/09/2013, cerca de 13 anos após a data que o Exequente considerou ter sido do incumprimento do contrato por parte dos executados.
4 Decorre da falta de citação que apesar da ação ter dado entrada em 2002, as tentativas de citação do Executado fiador, feitas em 2002 são de nenhum efeito, são na verdade inexistentes juridicamente. Como foi decidido muito recentemente pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 07/03/2024, Proc.º 251/12.5TBALQ-B.L1-6 (Relator: António Santos), sobretudo o ponto 4 do sumário: « 4. – Anulada a citação citação quaisquer efeitos interruptivos da prescrição, não sendo aplicável o nº 3, do art.º 323º, do CC.».
5 Uma vez que não ocorreu a interrupção do prazo de prescrição, tendo a citação sido feita só em 27/09/2013 os créditos invocados pelo Exequente/Recorrido já estavam prescritos.
6 Ou seja, o prazo de prescrição ocorreu em 17 de novembro de 2005, pois apesar da ação ter dado entrada antes, em 18 de julho de 2002, o Executado AJ apenas foi citado ao fim de 13 anos do vencimento dos créditos.
7 Estando em causa um contrato de mútuo reembolsável em prestações é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º als. d) e e) do Cód. Civil, o que o Réu também não discute.
8 O prazo de prescrição (de 5 anos) contava-se assim desde o dia em que o direito podia ser exercido, ou seja, desde o incumprimento do contrato. Segundo o Exequente e de acordo o requerimento executivo, o incumprimento e a mora remontam a 16/11/2000, já que o mutuário não efetuou o pagamento de qualquer prestação.
9 Atendendo às consequências jurídicas da “falta de citação”, não se aplica, pois, ao caso o nº 2 do art.º 323.º do CC não se devendo ter em conta a data da interposição da ação executiva (2022), nem as tentativas feitas pelo Exequente de citar o Executado Fiador (pai dos Recorrentes).
10 Também não se pode aplicar ao caso o n.º 3 do art.º 323.º do CC uma vez que estamos não perante uma nulidade secundária, mas perante uma nulidade primária na modalidade de “falta de citação” e a disposição aqui referida só exceciona os casos de nulidade de citação em sentido estrito e não para falta de citação.
11 Deste modo a decisão recorrida aplicou mal o direito:
- Violando a autoridade de caso julgado relativa à decisão proferida no processo de execução (Processo: 2560/09.1T2SNT, Juízo de Execução, Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra) através do Despacho de 16/09/2013, despacho que considerou ter havido ”falta de citação” do executado fiador (pai do ora recorrentes);-
 Aplicando ao caso erradamente o n.º 2 do art.º 323.º do CC, uma vez que em virtude da “falta de citação” ser um vício não abrangido pela «anulação» prevista no n.º 3 do mesmo artigo, a decisão do tribunal a quo deveria ter sido de não considerar interrompido o prazo de prescrição e, logo, dar como procedente a ação declarando-se prescritos os valores de que o Exequente se considera credor resultantes do contrato de mútuo em apreço.
6. Em sede de contra-alegações, o R. defendeu a improcedência do recurso.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, se resumem a aferir se se mostra decorrido o prazo prescricional relativamente aos créditos alegados na petição inicial.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
“Factos provados
Com relevância para a decisão encontram-se provados os seguintes factos (opta-se tanto quanto possível por uma descrição lógica e cronológica dos factos independentemente da ordem com que foram alegados):
1. Os Autores são filhos de AJ …… (art. 3º da p.i.).
2. Em 18 de julho de 2002 deu entrada nas Varas Mistas do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, o Banco Internacional de Crédito, SA (BIC) intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra IF e AJ, como 1º e 2º executados, respetivamente, a qual transitou para o Juízo de Execução, Juiz 1, passando a ter o nº de processo: 2560/09.1T2SNT, nos termos descritos no requerimento inicial de execução e documento anexos (escritura pública de mútuo e documento complementar), juntos em cópia à p.i. como doc. 6 e que se dão por reproduzidos (art. 5º da p.i.).
3. A ação tinha por causa de pedir a celebração, por escritura pública, de “Mútuo com Hipoteca”, outorgada em 16.11.2000, mediante o qual o BIC acordou com o 1º executado disponibilizar-lhe a quantia de ESC 15.125.000,00 (quinze milhões cento evinte e cinco mil escudos), €75.443,18 em euros, pelo prazo de 30 anos, com início na data da escritura e términus previsto para 16.11.2030 (art. 6º da p.i.).
4. Ficara acordado entre as partes que a quantia mutuada seria a reembolsar em 360 prestações mensais e sucessivas englobando capital e juros (art. 7º da p.i.).
5. A taxa de juro fixada no acordo celebrado entre as partes foi de 7,375% por referência à Euribor a seis meses (art. 8º da p.i.).
6. O empréstimo destinou-se à aquisição de habitação por parte do mutuário (art. 9º da p.i.).
7. Para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato acabado de descrever, o 1º Executado constituiu a favor do BIC hipoteca sobre o prédio urbano referido (art. 10º da p.i.).
8. No contrato o 2º Executado constituiu-se fiador e principal pagador do crédito contraído pelo 1º executado, com renúncia ao benefício de excussão prévia (art. 11º da p.i.).
9. Na ação executiva o BIC alegou que os Executados nunca procederam ao pagamento das prestações mensais do reembolso da quantia mutuada referida, no valor total de 86.771,28 € (dos quais 75.443,18 de capital e o restante de juros) (art. 12º da p.i.)
10. No requerimento executivo o exequente indicou como morada do executado AJ ………., a Rua ..., nº ….., 2695-359 Santa Iria da Azóia, e na escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, dada à execução, consta que AJ ……. residia com o segundo outorgante F…, cuja morada era a Rua ..., nº ….., Santa Iria da Azóia (arts. 40º da contestação e 17º do articulado de resposta às excepções – resposta explicativa).
11. Na sequência do despacho de 16/09/2013 que julgou nula a citação pelas razões dele constantes, junto em cópia à contestação como doc. 3 e que se dá por reproduzido, o 2º Executado, AJ ……, voltou a ser citado para a ação em setembro de 2013, por carta registada com AR de 25-09-2013, dirigida para a Rua ..., ….., 5º-Dto, rio de Mouro, recebida por terceira pessoa, MM……., no dia 27 de Setembro de 2013 (arts. 13º da p.i., 11º e 40º da contestação).
12. O fiador, AJ ……deduziu oposição mediante embargos de executado, sem que o tema da prescrição tivesse sido trazido à lide (art. 14º da p.i.).
13. O processo de oposição terminou em 21-09-2015 com a procedência parcial do pedido, nos termos da sentença junta à p.i. como doc. 9 e que se dá por inteiramente reproduzida (art. 15º da p.i.).
14. No dispositivo da sentença o tribunal determinou que o Exequente procedesse no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado a nova liquidação da obrigação exequenda (art. 16º da p.i.).
15. O Exequente, então já o Banco Espírito Santo S.A., por incorporação, posteriormente transformado em Novo Banco, SA, não procedeu à referida liquidação, tendo o processo sido declarado extinto por deserção, em 22-09-2017 (art. 17º da p.i.).
16. Em 29-05-2018, o ora Réu, ali Exequente, usando o mesmo título executivo, intenta nova ação executiva contra os mesmos executados, para pagamento do remanescente da dívida e juros, nos termos do respectivo requerimento inicial junto à p.i. como doc. 12 (arts. 18º da p.i., 14º e 46º da contestação).
17. Esta nova ação executiva encontra-se pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, Juízo de Execução de Sintra, Juiz 1, Proc. nº 11172/18.8T8SNT, e na mesma o valor dos créditos foi atualizado para €134.107,70 (art. 19º da p.i.).
18. O Executado AJ ……, pai dos Autores, foi citado pessoalmente nesta ação por carta datada de 09-10-2018, com AR assinado no dia 09-11-2018 (arts. 20º da p.i., 15º e 47º da contestação).
19. O Executado AJ …. não deduziu oposição (art. 21º da p.i.).
20. AJ …… faleceu em …-…-2022, em …, tendo sido aí sepultado (art. 2º da p.i.).
21. N sequência da sua morte, os Autores foram habilitados como sucessores de AJ ….. por sentença transitada em julgado em 22/02/2023 no apenso de habilitação de herdeiros à acção executiva com o nº 11172/18.8SNT-C (art. 4º da p.i. e 48º da contestação).
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Os restantes artigos não mencionados foram considerados repetitivos, conclusivos, sem relevância para a causa, ou contendo matéria de direito.”.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto da sentença que, entendendo não ter decorrido o prazo de prescrição aplicável ao caso, julgou improcedente a acção.
Insurge-se a apelante com esta decisão alegando, em síntese, que o aludido prazo prescricional se mostra decorrido e ainda que o disposto no art. 323º, nºs 2 e 3 do CC não são aplicáveis ao caso concreto.
Vejamos.
Antes de mais, cumpre referir que o facto nº 11 se mostra incompleto, não permitindo apreender a questão subjacente ao despacho de 16-09-2013 ali referido, induzindo em erro quanto ao seu alcance.
Por outro lado, nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectam a decisão da matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 286.
Assim, considerando os documentos existentes nos autos, ou seja, cópia do despacho de 16-09-2013 proferido na acção executiva nº 2560/09.1T2SNT junto à contestação como doc. 3 (não impugnado pelos AA) e o expediente de citação de AJ junto à p.i. como docs. 7 e 8, determina-se a correcção do facto nº 11, mais se aditando um novo facto (11-A), nos seguintes termos:
11. A 16-09-2013, no âmbito do proc. 2560/09.1T2SNT, foi proferido o seguinte despacho:
“Veio o executado AJ requerer a nulidade da sua citação, por falta da mesma, porquanto não foi citado nos termos legais, bem como o outro Executado, IF…, também não foi citado pessoalmente.
Alega que por consulta ao processo constata-se que em 15-10-2002 foi feita uma tentativa de citação, por carta registada, para a Rua ..., ….., em Sta Iria da Azoia, carta que foi devolvida com a anotação de “não reclamado” (Cf fls 36). Três anos depois, em 07-09-2005, consultadas as bases de dados da Segurança Social apurou-se que o Requerente tinha como morada o lugar onde reside actualmente: Rua ..., nº …… – 5º Dtoº, na Rinchoa, Rio de Mouro. Foi na mesma data apurada uma outra morada, na Reboleira, Amadora: Rua ..., Lote 6- ……, através dos dados da Carta de Condução (Cf fls 48).
Foram então enviadas, em 08-09-2005 cartas registadas para as três moradas (as referidas em 5 a 7 deste requerimento), tendo-se no entanto, mais uma vez frustrado a citação pessoal.
Consta de Fls. 51 que o Funcionário dos Correios deixou nota de depósito na caixa do Correio na Rua ... (Residência do Executado); a carta enviada para a Rua ... foi devolvida com a anotação de “Desconhecido. Não mora na morada”. Consta de fls. 58 dos autos que a Exequente requereu que a citação fosse efectuada por solicitadora por si indicada, Y………. Nunca chegou, no entanto, a fazer-se a citação nem qualquer nova tentativa da mesma.
Consta de fls. 58 dos autos que a Exequente requereu que a citação fosse efectuada por solicitadora por si indicada, Y ………  . Nunca chegou, no entanto, a fazer-se a citação nem qualquer nova tentativa da mesma.
O Requerente reside na Rinchoa, na Rua ... e não na Rua ..., nem na Rua ....
Por outro lado, o Executado IF… não reside há muito na Rua ..., constante do contrato, sendo que a tentativa de citação e as notificações foram remetidas não para aquele endereço mas para outro, no Cacém.
A citação e sua forma está tipificada nos artigos 228º e seguintes do CPC. Assim, a citação deveria ter sido feita por carta registada com aviso de recepção (art. 233º/1, 2 b) e para a residência do Executado.
Não se verificavam os pressupostos para a modalidade de citação prevista no art. 237º-A, uma vez que não houve convenção de domicílio, além de que tal artigo só é aplicável às ações declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias, o que não é o caso.
Frustrando-se, como sucedeu, a via postal deveria seguir-se o preceituado no artigo 239º CPC (citação por agente de execução ou por funcionário judicial), e bem assim, se fosse o caso, o estatuído nos artigos 240º e 241º e seguintes do CPC.
É certo que consta do citius que foram feitas “citações” com prova entrega ao abrigo do art. 236-A isto em 8-9-2005, mas nessa altura tal artigo tinha sido revogado pelo DL 38/2003.
Do acima exposto resulta que não foram seguidos os procedimentos tipificados na lei e que o Executado não foi citado nem por outro modo tomou conhecimento da Execução, tendo ficado impedido de exercer o seu direito à oposição. O Requerente pretende ser citado para poder exercer o contraditório com dedução da sua própria oposição, direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º CRP, art. 6º CEDH) que não lhe pode ser negado nem restringido.
A falta de citação do Requerente e do outro coexecutado é um vício que acarreta nulidade de todo o processado, nos termos do art. 921º/1 CPC, vício de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo, mesmo após trânsito em julgado da sentença e mesmo após finda a execução (nº 3 do mesmo artigo).
O Requerente pretende ser citado para poder exercer o contraditório com dedução da sua própria oposição, direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º CRP, art. 6º CEDH) que não lhe pode ser negado nem restringido.
E deve ser anulado, no processo apenso, todo o processado, com excepção da parte não viciada, a saber, o requerimento executivo.
O exequente notificado veio responder, requerendo a improcedência do incidente de nulidade, uma vez que a citação por prova de depósito efectuada nos autos, foi feita na morada do executado e foi feita nos termos da lei aplicável aos autos, não invocando o requerente qualquer prejuízo com a não citação e tão pouco põe em causa o crédito em causa nos autos.
Cumpre apreciar:
Considerando os fundamentos de facto - constatáveis pela análise dos autos - e de direito - amplamente discutidos na Jurisprudência -, conclui o Tribunal que, apesar da oposição manifestada pelo exequente, assiste razão ao executado.
No caso sub judice, os executados IF …. e AJ …..foram citados para os termos da presente execução, ao abrigo do disposto no artigo 236.º-A, n.º5 a 7, do C.P.C. (cfr. fls.53 a 55).
Conforme se decidiu no Ac. TC, proferido no âmbito do Processo n.º 779/02, 2ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Paulo Mota Pinto (disponível em www.dgsi.pt), "É assim para nós de linear clareza que a citação do réu através do aviso deixado na caixa de correio, nos termos dos art.ºs 236.°-A, n.ºs 6 e 7, art.º 238.°, n.º 3, e 238.°-A, n.ºs 3 e 4, do C.P.C., padece de inconstitucionalidade material, por violação rude, grosseira e crassa da proibição da indefesa estabelecida no art.º 20.° da C.R.P.", tendo-se aí concluído pela inconstitucionalidade do referido artigo 238.º-A, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa - Ver, no mesmo sentido, Ac. RL de 22.02.2007 (relatado por Vaz Gomes), Acs. TC n.º271/95, 333/95, 287/2003 e 104/2006, (estes últimos citados no referido Acórdão).
Pelo exposto, considero ter ocorrido falta de citação dos executados para a execução, anulando todos os actos praticados após o requerimento executivo e determino que os autos de execução prossigam com a citação dos executados nas moradas indicadas a fls. 53 e 149, nos termos então previstos com a exclusão da citação por via postal simples do art.º 236-A do CPC.
Notifique.
D.N.”
11-A. Na sequência do despacho referido em 11., o 2º Executado, AJ ……, voltou a ser citado para a acção em Setembro de 2013, por carta registada com AR de 25-09-2013, dirigida para a Rua ..., 23, ….., rio de Mouro, recebida por terceira pessoa, MM…., no dia 27 de Setembro de 2013 (arts. 13º da p.i., 11º e 40º da contestação).”.
Efectuada esta precisão factual, analisemos a questão.
Importa referir que as partes não disputam ser aplicável aos autos o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º al. e) do CC e que este prazo se conta desde o incumprimento do contrato celebrado entre as partes.
Também não se mostra questionada a afirmação constante da sentença recorrida que o incumprimento e a mora remontam a 16-11-2000, já que o mutuário não efectuou o pagamento de qualquer prestação.
Resta, apenas, apurar se já decorreu o aludido prazo prescricional.
Como é consabido, a prescrição é uma das formas de extinção de um direito em virtude do seu não exercício por um determinado lapso de tempo, permitindo ao devedor recusar a prestação.
Nos termos do art. 306º, nº 1 do CC, a prescrição inicia-se quando o direito possa ser exercido, sem prejuízo das regras constantes dos arts. 318º a 327º do CC relativas à suspensão e interrupção da prescrição e sendo irrelevante a sua transmissão (art. 308º, nºs 1 e 2 do CC).
Donde, enquanto não tiver decorrido na sua totalidade, pode o prazo de prescrição ser interrompido, seja por iniciativa do titular do direito (art. 323º do CC), seja por compromisso arbitral (art. 324º do CC) ou seja pelo reconhecimento do direito (art. 325º do CC).
Nos termos do art. 323º, nº 1 do CC, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, referindo o nº 2 deste preceito que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
Por seu turno, o nº 3 deste preceito dispõe que “A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”, constando do seu nº 4 que “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
Resulta, assim, deste preceito que o decurso deste prazo de cinco dias equivale à citação, nos termos e para os efeitos da interrupção da prescrição.
Saliente-se que resulta das disposições conjugadas dos arts. 323º, nº 2 e 326º do CC que quando a citação não tenha lugar nos 5 dias subsequentes à entrada em juízo da petição ou requerimento inicial, a prescrição se interrompe logo que esses 5 dias estejam esgotados, ou seja, às 00h00m do 6º dia.
Por outro lado, nos termos do disposto nos arts. 326º e 327º, nº 1 do CC, o novo prazo prescricional só começa a correr a partir do trânsito em julgado da sentença.
No que diz respeito aos presentes autos, pretendem os apelantes que se considere que o prazo de prescrição ocorreu em 17 de Novembro de 2005, por não ser aplicável aos autos o disposto nos nºs 2 e 3 do citado art. 323º.
Analisando a forma como se processa a interrupção da prescrição nos termos do art. 323º, nº 2 do CC, cumpre referir que, para que aquela opere não basta a instauração da acção em juízo, sendo necessário que existam actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.
Neste sentido, vide Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, págs. 715-716.
Como bem se explica no Ac. TRL de 26-03-2019, proc. 3350/06.9TBAMD-A.L1-7, relator José Capacete, “A base da interrupção da prescrição está, segundo resulta do espírito da lei, na abertura da lide, em homenagem aos interesses do réu devedor, deslocando-se para a citação o efeito interruptivo, no pressuposto de que esta se segue à propositura da acção apenas num curto intervalo de escassos dias.
É que, sempre que a máquina judiciária funcione normalmente, a regra é que a citação não traz qualquer desvantagem ao credor, que intentará a acção com alguns dias de antecedência em relação ao prazo da prescrição.
Pode suceder, porém, que por motivos alheios ao autor/exequente credor, a citação se venha a realizar tardiamente.
Num tal caso, não se afiguraria justo que a protecção do devedor fosse ao ponto de fazer com que o credor suportasse o prejuízo de uma demora a que não lhe é imputável, a que é inteiramente estranho.
(…)
O n.º 2 do art. 323.º funciona, assim como uma verdadeira excepção ao mecanismo da interrupção da prescrição por via da citação judicial.
Um tal desvio encontra a sua razão de ser na necessidade de proteger o titular do direito, quando este requereu antecipadamente a citação ou a notificação judicial do devedor, e esta se atrasou sem culpa sua.
A referida exceção pressupõe que a citação se venha a realizar, já que sem ela o devedor não chega a ter conhecimento da pretensão do credor, ficcionando, assim, aquele normativo, que contempla, afinal de contas, uma citação “ficta”, uma interrupção da prescrição nas suas aludidas condições.
Essa ficção legal pressupõe a concorrência de três requisitos:
a)- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à instauração da acção declarativa ou executiva;
b)- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; e
c)- que o retardamento da citação não seja imputável ao autor/exequente.
O n.º 2 do art. 323.º acautela, assim, as consequências do retardamento da citação quando ele não for imputável ao requerente.
Tudo se passa, nesse caso, inexistindo culpa do requerente pela não citação do requerido no prazo de cinco dias após o respectivo requerimento, que, pelo próprio legislador, foi tido como razoável para a efectivação da diligência requerida, como se a citação tivesse sido realizada nesse quinto dia”.
Importa ainda salientar que tem sido entendido pelo STJ que a expressão “causa não imputável ao requerente” deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, isto é, quando se possa concluir que a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação. Neste sentido, veja-se, entre outros, Acs. STJ de 03-07-2018, proc. 1965/1.8TBCLD-A.C1.S1, relator Ana Paula Boularot, de 24-01-2019, proc. 524/13.0TBTND-A.C1.S1, relator Rosa Tching e de 19-06-2019, proc. 3173/17.0T8LOU-A.P1.S1, relator Alexandre Reis.
Veja-se ainda o Ac. TRG de 18-03-2021, proc. 259/14.6TBBRG-B.G1, relator Alexandra Viana Lopes, onde se efectua um enquadramento exaustivo sobre o art. 323º do CPC e o aludido requisito, citando de forma abundante a jurisprudência mais recente, nomeadamente dos Tribunais da Relação.
Donde, caso a citação não tenha ocorrido dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, ou seja, quando a conduta do requerente não tenha sido determinante ou causal do atraso na citação, haverá lugar à interrupção da prescrição nos termos do art. 323º, nº 2 do CC.
No que concerne aos presentes autos, tem de se concordar com o tribunal recorrido quando conclui que a citação ocorreu para lá dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao exequente.
Com efeito, a morada que o exequente indicou no requerimento executivo era a morada que o próprio fiador havia indicado como sendo a sua no contrato que serviu de título executivo, cfr. facto nº 10.
Por outro lado, e como se refere na decisão recorrida, “decorre do despacho que julgou nula a sua citação que, efectivamente o 2º executado já não residiria naquela morada mas numa outra, e que, depois de uma tentativa de citação para a Rua ..., cuja carta foi devolvida, apenas 3 anos depois foram consultadas as bases de dados apurando-se outras moradas. Foram enviadas cartas para as diversas moradas e mais uma vez frustrou-se a citação, vindo o carteiro a deixar uma nota de depósito na caixa do correio da Rua .... Consta ainda do despacho que o exequente requereu que a citação fosse efectuada por solicitadora o que nunca aconteceu. O referido despacho considerou a citação nula por não ter sido observado o disposto no art. 239º do anterior C.P.C. (citação por agente de execução ou funcionário judicial) e não ser aplicável o então disposto nos art. 236º-A, nºs 5 a 7, do anterior C.P.C., remetendo inclusive para um acórdão do T.C. que concluiu pela inconstitucionalidade da citação do réu através de aviso deixado na caixa de correio.”.
Ora, o exequente foi alheio a toda esta tramitação processual e ao modo como a secretaria judicial efectivou a citação, bem como ao prolongado período que decorreu entre os vários actos processuais praticados.
Por isso, tem de se concluir, como fez o tribunal recorrido, que a citação ocorreu para lá dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao exequente, assim improcedendo a argumentação dos apelantes em sentido contrário.
Discordam também os apelantes da decisão recorrida por entenderem que a falta de citação, declarada por despacho, impede essa interrupção, nos termos do art. 323º, nº 3 do CC.
Como nos explicam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 291, “Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excepcionais acima referidos; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção”.
No Ac. TRL de 07-03-2024, proc. 251/12.5TBALQ-B.L1-6, relator António Santos, citado pelos apelantes, defende-se que “existindo decisão judicial a anular a citação com fundamento em vício adjectivo de falta de citação, vedado está ao julgador considerar a prescrição interrompida nos termos do nºs 1 e /ou nº 2 (citação ficta), do art.º 323º, do CC.”, mais se mencionando que “Também FILIPA MORAIS ANTUNES, a propósito do nº 3, do art.º 323º, do CC, começa por referir que «A interpretação e correcta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos ̶ atenta a natureza excecional do respetivo figurino ̶ , só podendo vislumbrar-se um acto do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de atos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito».
Depois, mais adiante, explica/reconhece igualmente ser discutível que a solução legal do nº 3, do art.º 323º, do CC, possa ser igualmente aplicável na hipótese de falta de citação, o que sucede na eventualidade de o acto ser totalmente omitido ou de ter sido praticado em circunstâncias equiparadas à omissão (como sejam, o erro na identidade do citado…).
Alinhando por semelhante entendimento, igualmente para CUNHA DE SÁ não faz sentido equiparar, para efeitos da interrupção do prazo prescricional, a falta de citação à nulidade da citação.
Para efeitos de aplicação do disposto no art.º 323, nº 3, do CC, certo é que tem vindo o STJ (cfr. v.g. em Ac. de 24/3/2021) igualmente a considerar que importa distinguir entre a falta de citação e a nulidade da citação.
É assim que, também em Acórdão de 22/9/2015, vem concluir assertivamente que “a anulação da citação não impede a interrupção da prescrição (art.º 323.º, n.º 3, do CC), desde que, não sendo caso de falta de citação, mas de nulidade, a intenção de exercer o direito tenha sido expressa e levada ao conhecimento do obrigado”.”.
Independentemente da qualificação do vício que afectou a citação efectuada no âmbito da acção executiva e que determinou a prolação do despacho aludido em 11 dos factos provados, não se mostra necessário apreciar tal questão face à tramitação processual da execução e que se mostra vertida nos factos assentes.
Na verdade, e como já se expôs, resulta do disposto no art. 323º, nº 2 do CC que in casu a prescrição se deve ter por interrompida em 23-07-2002, cinco dias depois de intentada a acção executiva, uma vez que a conduta do requerente não foi causal do atraso na citação.
Relativamente a esta matéria já Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, volume III, Coimbra, 1930, pág. 772, ensinava que “O primeiro facto de que resulta a interrupção é a citação judicial feita ao possuidor ou devedor. É claro que a citação judicial pressupõe a instauração de uma acção, da qual ela é início. (…) a força interruptiva não é atribuída ao acto forense chamado «citação», mas sim à acção que por meio dela se inicia”.
E mais à frente explicava ainda que “O principal efeito da interrupção é o que resulta da própria noção que dela demos atrás e está preceituado no art. 559º: fica inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente. Mas, daqui mesmo se deduz que uma nova prescrição pode correr durante o tempo posterior.” (pág. 781).
Donde, como consequência desta interrupção o tempo decorrido fica inutilizado, começando o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo, cfr. art. 326º, nº 1 do CC.
O art. 326º, nº 1 do CC fixa, portanto, como regra a de que o novo prazo se conta a partir do facto interruptivo, o qual tem normalmente efeitos instantâneos.
Particularmente relevante para a questão é também o art. 327ºdo CC que dispõe o seguinte:
“1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.
Pode suceder que a causa interruptiva seja permanente, isto é que dure por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição. É o que sucede quando a interrupção da prescrição é causada pela citação, explicitando-se no citado nº 1 do art. 327º que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral, o nº 2 do art. 327º do CC estabelece um desvio a esta regra, estatuindo que nessas situações o novo prazo de prescrição começa a contar-se desde a interrupção, nos termos do art. 326º do CC, ou seja tem efeito interruptivo imediato.
Explicando a questão, escreve-se no TRL de 15-09-2022, proc. 2970/19.6T8PDL-B.L1-6, relator Adeodato Brotas, que decorre do art. 327º do CC que “o efeito interruptivo da prescrição nem sempre é instantâneo; isto é, nem sempre determina, imediatamente, o início de um novo prazo de prescrição. Antes pode prolongar-se por um período de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição (como na hipótese de actos interruptivos judiciais – cf. artigos 323º e 324º) (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 284).
Pois bem, como resulta do nº 1 do preceito, se a interrupção da prescrição é causada pela citação (notificação ou acto equiparado, ou compromisso arbitral) as demoras ou atrasos no processo em curso não oneram o titular do direito: não se inicia novo prazo prescricional enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, ou seja, enquanto não estiver definitivamente decidido o litígio (Cf. Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ nº 106, pág. 248).
No entanto, o nº 2 do artº 327º do CC estabelece um desvio a esta regra, nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral; nestas situações o novo prazo prescricional começa a correr, rectius, contar-se desde a interrupção da prescrição nos termos do artº 326º. “Nestes quatro casos, a eficácia da interrupção é instantânea.” (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 285 – sublinhado e realce nosso). Ou seja, nestas situações previstas no nº 2 do artº 327º “…o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo anterior.” (Pires de Lima, Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 291).
A solução consagrada no nº 2 do artigo tem, previsivelmente, o efeito pernicioso de conduzir ao preenchimento do prazo prescricional antes de ser intentada uma nova acção, em particular nas hipóteses de direitos subjectivos sujeitos a um prazo curto de prescrição. (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, ob. cit., pág. cit.).”.
No mesmo sentido, veja-se ainda, a título exemplificativo, o Ac. TRL 26-03-2019, proc. 3350/06.9TBAMD-A.L1-7, relator José Capacete supra citado, Ac. TRP de 23-11-2020, proc. 3630/06.3YYPRT-C.P1, relator Pedro Damião e Cunha e Ac. STJ de 21-06-2022, proc. 841/21.5T8ENT-A.C1.S1, relator Freitas Neto.
Revertendo estas considerações ao caso dos autos, há que atender às seguintes circunstâncias:
- a prescrição deve ter-se por interrompida em 23-07-2002, cinco dias depois de intentada a acção executiva, cfr. art. 323º, nº 2 do CC;
- está assente que o referido processo executivo foi declarado extinto por deserção, em 22-09-2017, cfr. facto nº 15.
Assim, nos termos do art. 327º, nº 2 do CC, o novo prazo de prescrição, de cinco anos, começou a correr, em 23-07-2002.
Com efeito, em virtude da extinção daquela execução, por deserção, dada a inércia do exequente, a eficácia da interrupção da prescrição foi instantânea, levando a que o prazo comece a contar-se desde a interrupção, e não após o trânsito em julgado dessa decisão, como entendido na decisão recorrida.
Saliente-se que o nº 3 do citado art. 327º não tem qualquer relevância para o caso dos autos, sendo certo que o prazo adicional aí consagrado se mostra já decorrido.
Concluindo, face ao disposto nos arts. 323º, nº 2 e 327º, nº 2 do CC, entende-se que os créditos em causa nos autos se mostram prescritos, tal como defendido pelos apelantes, embora por motivos diversos dos por si defendidos.
Pelo exposto, conclui-se pela procedência da apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que declara prescritos os valores de que o Exequente se considera credor resultantes do contrato de mútuo identificado em 6º a 12º da petição inicial.
Custas pelo apelado, cfr. art. 527º do CPC.
*
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que declara prescritos os valores de que o Exequente se considera credor resultantes do contrato de mútuo identificado em 6º a 12º da petição inicial.
Custas pelo apelado.

Lisboa, 5 de Novembro de 2024
Ana Rodrigues da Silva
Paulo Ramos de Faria
Carlos Oliveira