ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
PRESUNÇÃO RESULTANTE DO REGISTO
SOBREPOSIÇÃO PARCIAL DE ÁREAS DE PRÉDIOS
RESOLUÇÃO DE CONFLITO
REGRAS SUBSTANTIVAS APLICÁVEIS
Sumário

1. Verificando-se existir uma sobreposição parcial de áreas descritas como pertencendo a dois prédios distintos, inscritos no registo predial a favor de pessoas diferentes, nenhum desses proprietários poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo.
2. Provando-se a existência de elementos materiais que constituem uma divisória entre esses dois prédios, que separa a parcela em discussão do prédio vizinho, conjugada com a circunstância de nele existirem elementos de uso exclusivo de um dos proprietários em litígio, que é o único a utilizar materialmente essa parcela, deve o pedido de reivindicação formulado por esse proprietário ser julgado por procedente.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
MG intentou a presente ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra MS e JG, pedindo a condenação dos R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre a parcela de terreno identificada no artigo 1.º da petição inicial, a restituírem-na à A. e a absterem-se da prática de qualquer ato que a impeça de exercer plenamente o seu direito, devendo ainda o co-R., JG, indemnizar a A. em montante não inferior a €3.000,00.
Para tanto, alega, em síntese, que é dona e legítima proprietária do prédio rústico e urbano localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 520m2, sendo 57,50m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com … e outro, Sul com  …, Leste … e Oeste com o Caminho, inscrito na matriz, a parte rústica, sob o artigo …, e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.º …, e que em Agosto do ano 2015, num dos regressos de França, onde era emigrada, deparou-se com o facto de uma parcela de terreno do seu prédio estar a ser indevidamente ocupada pelos R.R., JG e MS, esta última proprietária de terreno contíguo e filha do primeiro, com a justificação que tal parcela do terreno faz parte do prédio adquirido pela R..
Mais refere que, sem o seu conhecimento, colocaram marcos e pedras, com intuito de simularem um muro, arrancaram árvores e plantaram outras, tendo a A. sido sucessivamente impedida pelos R.R., principalmente pelo R. JG, de exercer o seu direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno, que está impedida de aceder e utilizar.
Termina invocando que teme pela sua vida, por conta das atitudes do R. JG, pugnando a final pela condenação dos R.R. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a mencionada parcela de terreno, restituindo-a e, consequentemente, a absterem-se de qualquer ato que impeça a A. de exercer plenamente o seu direito, devendo o R., JG, indemnizar a A. em montante não inferior a 3.000,00€, quer pelo prejuízo causado pelo corte das suas árvores, quer pelo sofrimento e ansiedade provocados pelas constantes agressões verbais e ameaças perpetradas contra si.
Citados, os R.R. contestaram alegando que a R. adquiriu o prédio misto, localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com …, Sul e Oeste  … e Leste com …, devidamente demarcado a amarelo no mapa que juntaram como doc. 1, inscrito na matriz, a parte rústica, sob o artigo …, e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.º …, sendo que a parcela de terreno ora disputada se situa na frente da parte urbana do seu terreno, fazendo parte, desde sempre, do terreno que adquiriu.
Alega ainda que os prédios sempre tiveram delimitados pela parede de pedra existente desde o subsolo até à cota, sendo tal divisória bem visível no local, tendo sido inclusivamente sido verificado, a pedido da própria A., junto da Junta de freguesia, para se aferir da delimitação do prédio, na presença da A., dos R.R. e ainda 3 testemunhas. Altura em que, além da verificação da parede que se ergue do subsolo, se aferiu existirem marcos no terreno, tendo nessa mesma altura sido colocados mais dois marcos nas pontas de extremidade.
Mais alega que o tanque existente já existia aquando da aquisição e que não era utilizado por mera tolerância, mas sim por estar no seu terreno, o mesmo se dizendo quanto aos contadores, porquanto o contador para o prédio da R. foi instalado no mesmo local onde o anterior estaria.
Terminam alegando que a A. tem duas entradas para o seu terreno e que nunca foi ameaçada de forma nenhuma pelo R., pelo que nada haveria a indemnizar.
Os R.R. deduziram ainda reconvenção, pugnando por ser reconhecido, aos R.R., a titularidade da parcela de terreno, que se encontra frente à parte urbana do imóvel propriedade da R., para além da ação ser julgada improcedente.
A A. respondeu à reconvenção por impugnação, mantendo a sua posição sustentada na petição inicial e pugnando pela improcedência da reconvenção.
Findos os articulados foi proferido despacho saneador, com dispensa de realização de audiência prévia e fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, atento se ter julgado ser manifesta a simplicidade da causa. Fixou-se ainda o valor da causa e admitiu-se o pedido reconvencional.
Admitida a prova requerida, veio a ser realizada perícia aos imóveis, assim como inspeção ao local por parte do tribunal, na presença das partes.
Concluída a produção da prova e a discussão da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, absolvendo os R.R. dos pedidos contra si formulados, mas julgou a reconvenção apresentada totalmente procedente, por provada e, em consequência, declarou a R., MS, proprietária da parcela de terreno com 35m2, sendo a mesma parte integrante do prédio misto localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com  …, Sul e Oeste  … e Leste com ,…, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº. …, condenando a A., MG, a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade e a abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito.
Dessa sentença foi interposto pela A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 4 de julho de 2023, declarou a nulidade dessa sentença, nomeadamente por falta de fundamentação relativa ao facto provado em 20, determinando que fosse ainda corrigido um lapso identificado em 1.4 desse acórdão, que fosse ampliada a matéria de facto, tendo em conta que os factos alegados nos artigos 5.º e 28.º da contestação dos R.R., tal como relevado no ponto 1.1. desse acórdão, eliminando ainda a ambiguidade na redação do ponto 14 dos factos provados.
Regressados os autos à 1.ª instância, veio a ser produzida nova sentença que voltou a julgar a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os R.R., MS e JG, dos pedidos contra si formulados pela A., MG, julgando a reconvenção totalmente procedente, por provada e, em consequência, declarou a R., MS, proprietária da parcela de terreno com 35m2, sendo a mesma parte integrante do  prédio misto localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com  a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com  …, Sul e Oeste  … e Leste com …, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº. ..., condenando a A., MG, a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade e a abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito.
É desta última sentença que a A. veio recorrer de apelação, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou totalmente improcedente por não provada a ação instaurada por parte da A, ora Apelante, julgando antiteticamente in totto procedente o pedido reconvencional deduzido pela Co-Ré MS.
2. A ora Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida pelo tribunal a quo por entender que:
i) sentença padece do vício de nulidade;
ii) O tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da matéria de facto submetida à sua apreciação, conforme infra se especificará em sede de impugnação da matéria de facto;
iii) E por outro lado, fez uma incorreta aplicação e interpretação das normas jurídicas que infra se especificarão.
3. Conforme decorre da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC: “ 1- É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.
4. Ora, na fundamentação expendida por parte do douto tribunal, no que diz respeito à materialização da sua convicção probatória quanto à matéria factual submetida à sua apreciação resulta do elemento de factos julgados como provados entre outos, e para o que releva neste concreto aspeto o seguinte:
13. O R. JG, arrancou uma parreira do terreno, e na plantou uma laranjeira e um limoeiro.
14. São os RR quem procede à limpeza do terreno e não efetuam qualquer desses trabalhos na zona de terreno em apreço.(…).”
5. Por seu turno em sede de motivação decisória o tribunal a quo consignou que “(…) Sendo certa que nenhuma prova direta se efetuou sobre o prédio pertence a parcela de terreno existente, o certo é que, atualmente é o R quem o explora e faz seus os seus frutos.(…).”
6. Destarte, no confronto entre estes dois concretos segmentos – factos julgados como provados e a motivação decisória expedida pelo tribunal a quo - relativamente aos mesmos, verifica-se existir uma manifesta oposição entre os mesmos, já que as realidades vazadas sob os pontos 13 e 14 dos factos julgados como provados auto excluem-se.
7. E nesta medida, e salvo melhor opinião, a sentença padece do vício de nulidade e que ora se argui nos termos e para efeitos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
8. Por outro lado, resulta ainda em sede de motivação decisória o seguinte: “(…) Assim quanto à matéria provada, sempre se diga que a mesma decorre, da perícia realizada aos imóveis, e ainda dos documentos associados aos mesmos, junto pelas partes, sem nunca esquecer a perspetiva que o tribunal logrou obter pela inspeção ao local.
9. Estes elementos foram fundamentais na fixação da matéria decorrente dos factos 1 a 8, da factualidade provada.
10. Da perícia realizada não foi possível obter grande definição e resposta para concretizar objetivamente a matéria a decidir, tanto mais que o perito, chamado a esclarecer os facto, escudou-se no facto de não existir cadastro homologado na freguesia onde se localiza o imóvel, e a verdade é que basearam as respostas aos quesitos na posição das partes, não sendo possível aos mesmos esclarecer se a parcela de terreno é propriedade da A. ou das RR. – factualidade 16, 17, 18 e 19 (…)”
11. Ora, afigura-se-nos ser notária a oposição/contradição intrínseca em termos de fundamentação, já que, refere que a matéria provada assenta no meio probatório determinado oficiosamente pelo tribunal- perícia, e por outo lado, considera que não foi tal meio idóneo a responder as questões suscitadas.
12. Por outro lado ocorre oposição entre os fundamentos e a decisão proferida pelo tribunal a quo, na medida em que em sede de fundamentação da matéria de direito o tribunal a quo fez consignar o seguinte: “(…) No entanto, e da matéria Provada, resulta demonstrado que os RR utilizam o imóvel, que a demarcação foi feita em conformidade, e de acordo com a A., pelo que, deverá ser reconhecido judicialmente que o prédio urbano lhe pertence, dando-se assim procedência à reconvenção apresentada pelos RR. (…)”
13. Ora para além deste concreto segmento estar em contradição com a factualidade vazada sob o número 14) dos factos julgados como provados resulta que, o tribunal a quo considera que deverá ser reconhecido que o prédio urbano pertence à Ré. Acabando por condenar a A. a reconhecer o direito de propriedade sobre a dita faixa de terreno com uma área de 35 metros quadrados.
14. Ou seja, verifica-se neste concreto aspeto oposição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão, gerador do vício de nulidade da sentença recorrida que ora se invoca para todos e os devidos efeitos legais.
15. Por outro lado, o tribunal a quo, no que concerne ao pedido reconvencional, julgou totalmente procedente nos seguintes termos: “(…)b) julgar a reconvenção apresentada totalmente procedente, por provada, e em consequência decido declarar os réus reconvintes ré MS proprietária da parcela de terreno com 35m2, sendo a mesma parte integrante do prédio misto localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com  ...., Sul e Oeste  … e Leste com  …, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº. … (…).”
16. Ora, no confronto do dispositivo da douta sentença proferida com a formulação do pedido reconvencional que fora deduzida pela Ré verifica- se, salvo melhor opinião, que o tribunal a quo, foi além da tutela jurisdicional que lhe fora requerida por parte da Ré -Reconvinte.
17. Com efeito, a Ré em sede de formulação do seu peditório, designadamente em Reconvenção requereu ao tribunal a quo o seguinte: “(…) deverá a reconvenção ser julgada procedente, por provada, e consequentemente, condenar-se a A., a reconhecer que a parcela de terreno localizada frente à parte urbana do prédio identificado no art.º 2.º da p.i, e à zona assinalada no doc.1 na mesma peça, faz parte integrante deste e, por conseguinte, pertence à Ré.(…).”
18. Ora princípio estrutural em que assenta o processo civil é o principio do dispositivo, nos termos do qual, compete as partes alegar em concreto os factos em que sustentam o seu pedido (causa de pedir), formular o respetivo pedido, e o ónus de carrear para os autos os meios probatórios necessários à demonstração daqueles factos em juízo.
19. Destarte no caso em apreço, o tribunal a quo, reconheceu o direito de propriedade da Ré reconvinte sobre uma parcela de terreno com uma área de 35 metros quadrados, considerando a mesma parte integrante do prédio id. e descrito sob o art.º 2.º da PI.
20. Ora salvo o devido e considerado respeito, a Ré Reconvinte em momento algum do seu articulado, especificou ou sequer fez referência aquele elemento em concreto de que o tribunal consignou em sede de dispositivo da sentença objeto de escrutínio, designadamente, nunca alegou no seu articulado de defesa incorporado nos autos a fls. 36 a 67 dos autos que a referida parcela de terreno apresentava uma área de 35 metros quadrados.
21. Por conseguinte, entende-se que o tribunal a quo não podia condenar a ora Apelante a reconhecer o direito de propriedade da Ré Reconvinte sobre uma parcela de terreno, cuja área aquela não concretizou no seu petitório reconvencional estando por conseguinte a sentença recorrida inquinada do vício de nulidade por ter condenado em objeto diverso do requerido conforme decorre da 2.ª parte da al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC; e caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se conjetura, pelo vício tipificado na 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do referido diploma legal.
22. Resulta ainda do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC que: “1- É nula a sentença quando: b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão;(…)”
23. Sendo que por seu turno dispõe o n.º 4 do art.º 607.º do CPC que: na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os factos que julga não provado, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamento que foram decisivos para a sua convicção;(…)”
24. Destarte, no caso em apreço, e salvo o devido respeito, entende-se que o tribunal a quo não deu cumprimento quanto a determinados e concretos pontos de facto, a esse poder-dever que sobre si impendia.
25. Senão vejamos, quanto aos factos id. sob os números 16, 17 18 e 19, o tribunal a quo refere que assentou a sua convicção na perícia realizada, nos documentos à ela associada e bem assim com a perspetiva que o tribunal logrou obter com a inspeção judicial ao local nos termos do disposto no art.º 438.º do CPC.
26. Ora se é certo que o tribunal especifica que meios de prova alicerçou a sua convicção quanto tal factualidade elencada sob os números 16 a 19, a verdade é que não especifica, concretiza, materializa, objetiva o seu juízo decisório e valorativo que sobre aqueles meios de prova incidiu de modo a que os destinatários da decisão possam alcançar, em que sentido o tribunal considerou ou não os considerou e qual foi e em que medida foi os respetivos contributos probatórios.
27. Com efeito, que documentos em concreto a que o douto tribunal a quo se refere na motivação decisória e que lhe permitiu, à par da perícia e da inspeção judicial, considerar como provada a realidade concatenada sob os n.º 16 a 19 do elenco de factos julgados como provados?
28. Por outro lado, que perceção e que contributo em termos probatórios é que a inspeção judicial ao local permitiu e que ilações é que o tribunal extraiu e porquê que extraiu tais ilações de forma a poder considerar demonstrada tal factualidade?
29. Destarte, essa ausência de fundamentação nos termos em que a lei processual impõe, verifica-se do mesmo molde, designadamente no segmento da douta sentença recorrida, quanto o tribunal a quo, sustenta que foram levadas em consideração “(…) declarações de parte do R., JG, porquanto foi através das suas declarações que o tribunal estribou a realidade dos factos, permitindo-se com isso aferir a utilização, a origem da mesma e a forma como o mesmo utiliza o terreno e em que termos.(…)”
30. Ora mais uma vez, o tribunal, não concretiza, não especifica, qual matéria factual do elenco de factos julgado como provados, que permitiu sustentar a sua convicção decisória com base naquele concreto meio de prova- declarações do Co-Réu.
31. Por outro lado, se relativamente à factualidade julgada como provada e elencada sob os pontos 9 a 15 o tribunal a quo faz uma referência ao concreto meio probatório em que alicerçou a sua convicção, apreciando, e objetivando a sua convicção relativamente cada um deles
32. Pese embora, entenda a ora Apelante de forma errada, e nesta medida, geradora de impugnação da matéria de facto, em sede que s seguirá nas presentes alegações, de forma especificada), o certo é que, relativamente à factualidade vazada sob o art.º 20 do elenco de factos julgados como provados, insertos na fundamentação da sentença recorrida, o tribunal a quo, não especifica em que concreto meio de prova estribou aquela sua convicção probatória.
33. Aliás, quanto à essa factologia verifica-se uma absoluta falta de fundamentação, não só ante à absoluta ausência de indicação do meio de prova em que alicerçou a sua decisão quanto aquele concreto segmento da matéria de facto, mas também, na medida em que, por força dessa ausência não se faz qualquer referência a qualquer juízo crítico e as ilações que se pudessem retirar dos meios de prova produzidos nos autos.
34. Pelo que, a sentença prolatada neste concreto aspeto, padece do vício de nulidade a que supra se aduz, expressamente prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
35. A sentença recorrida é ainda nula por violação do princípio do contraditório relativamente aos meios de prova constituendas junto aos autos: do vício do excesso de pronúncia em virtude da preterição do contraditório al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC
36. Resulta do relatório da douta sentença recorrida que “(…) Foi realizada inspeção ao local, tendo a mesma sido realizada na presença do perito responsável pela perícia e levantamento topográfico realizado pela DROTA, para além das partes que também tomaram parte na referida diligência(…)”
37. Ora, salvo o devido respeito, só por mero lapso é que efetivamente ficou a constar que à inspeção judicial compareceu o Sr. Perito, responsável pela perícia e levantamento topográfico, porque efetivamente, conforme consta de auto de inspeção a fls. 224 dos autos, realizado no passado dia 14.03.2022 apenas o tribunal e as partes e os respetivos mandatários estiveram presentes.
38. Ora, nos termos do disposto no art.º 493.º do CPC : “Da diligência é lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.”
39. Destarte, no caso em apreço, foi elaborado AUTO DE INSPEÇÃO JUDICIAL AO LOCAL o qual se encontra incorporado nos autos a fls. 224 e verso.
40. Ora nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 415.º do CPC que consagra o principio da audiência contraditória em matéria de prova, prevê-se que a parte deverá ser notificada para todos os atos de preparação e de produção de prova e é admitida a intervir nos termos da lei. Sendo que o n.º 1 refere que, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas
41. Posto isto, verifica-se que o tribunal a quo alude à inspeção judicial, em cujo auto se materializa o juízo percetivo e de apreensão da realidade por parte do tribunal, sem que fosse dada a oportunidade da ora Apelante querendo se pronunciar acerca do mencionado AUTO de inspeção, violando-se assim o principio do contraditório.
42. É certo que, a parte interveio no ato de produção probatória em apreço. Porém, não teve acesso ao Auto em si mesmo, nem tampouco foram ordenadas a junção das fotos a que se faz alusão que o tribunal documentou, para que o mesmo pudesse contraditar o referido meio de prova.
43. Por conseguinte, o tribunal a quo violou assim o disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 415.º do CPC e art.º 493.º , ao alicerçar a sua convicção num elemento de prova de natureza documental, obtido mediante inspeção/exame ao local, e relativamente ao qual a ora Apelante não teve oportunidade de contraditá-lo.
44. Acarretando a pronúncia do tribunal a quo sobre tal meio de prova, no que concerne à formação da sua convicção sobre a factologia julgada, num excesso de pronúncia, na medida em que, em virtude da preterição do direito do contraditório relativamente aquele concreto meio probatório, estava pois vedado o tribunal pronunciar-se nos termos em que o fez sobre a factologia julgada procedente com base naquele concreto meio de prova factos 16 a 19.
45. Por outro lado, verifica-se ainda omissão de pronúncia na medida em que, a Apelante por requerimento incorporado nos autos, a fls. 103 concretamente no seu ponto 7) requereu ao tribunal a quo, em face da informação prestada pelo Sr. Perito da impossibilidade de “atestar” em que prédio se integrava a parcela de terreno reivindicada pela Apelada, por inexistir cadastro geométrico da propriedade rústica em vigor no concelho da Calheta, freguesia da Ponta do Pargo, para que aquela entidade fosse notificada afim de proceder a junção aos autos do mapa cadastral rústico daquela secção, ainda que não homologado, uma vez que, tal documento poderia e deveria ser valorado livremente pelo tribunal à luz do art.º 366.º do Código Civil.
46. Ora esta concreta questão que fora suscitada, quanto à incorporação nos autos, através de notificação da Direção Regional do Ordenamento e do Território do referido extrato cadastral daquela secção rústica em que se encontravam situados os prédios em apreço não foi objeto de qualquer pronúncia por parte do tribunal até prolação da própria sentença, nem na própria sentença, estando pois o tribunal vinculado a responder a tal solicitação dimanada por parte da A. , ora Apelante, não só ante o disposto no art.º 410.º do CPC e bem assim do art.º 411.º e ainda do art.º 417 n.º1 e do n.º 1do art.º 436.º ambos do CPC., normas essas que foram violadas pelo tribunal a quo.
47. Pelo que o tribunal a quo, ao não emitir pronúncia quanto à referida quaestio, violou os supra referidos dispositivos legais, estando ainda inquinada a sentença recorrida do vício de nulidade por omissão de pronúncia, qua tale estabelece a 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC e que ora se argui expressamente para todos e os devidos efeitos legais.
48. Entende a Apelante que o tribunal não fez uma correta apreciação da matéria de facto por si julgado, designadamente, considera que foram incorretamente julgados o elenco de factos constantes da fundamentação, quer da factologia considerada como demonstrada como não demonstrada vazados sob os n.º 5 a 20 e que aqui se consideram integralmente reproduzidos por questões de economia processual.
49. E bem assim a factologia contida nas alíneas a) a j) dos factos não provados conforme impugnação especificada deduzida em sede do corpus das motivações
50. Entende a apelante que existem no processo concretos meios de prova que impunham outra decisão que não a vertida na douta sentença que ora se impugna.
51. Em primeiro lugar importa referir que nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 574.º do CPC: “1- Ao contestar , deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. 2- Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…).”.
52. A A. em sede de PI descreveu o seu prédio tendo identificando-o quanto aos seus elementos, confrontações e composição no art.º 1.º; e tendo feito relativamente ao prédio da Ré no art.º 2.º daquele articulado.
53. Por seu turno, a A. no art.º 1.º e 2.º da PI alegou que os limites do seu prédio estavam assinalados a cor rosa e os do prédio da Ré a cor amarela- cfr pi fls. 5 e 6 dos autos.
54. Fazendo-o por referência a uma cartografia, obtida pela aplicação google maps, e tendo procedido a respetiva junção do aludido documento que designou como “mapa” sob a designação de documento n.º1.
55. Ora, importa, desde logo salientar, que a factualidade vazada sob os art.º 1 e 2.º da PI, designadamente delimitação dos prédios da Autora e da Ré, por referência ao mencionado mapa, não fora em momento algum impugnado por parte dos RR!
56. Antes pelo contrário, foi expressamente aceite pelos RR, conforme se depreende do art.º 1.º da contestação oferecida, no qual expressamente referem que “aceitam os factos descritos sob os art.º 1.º, 2.º e 3.º da pi”
57. Ora é precisamente essa concreta factologia que os RR expressamente aceitam, que está expressamente alegada a delimitação dos prédios quer da A. quer da Ré, que é feita por referência à delimitação aposta num mapa que instruiu a petição inicial, como doc. 1 o qual não foi de igual modo objeto de impugnação por parte dos RR.
58. Destarte, nessa delimitação operada pela A. na sua PI, quanto ao seu prédio, designadamente no art.º 1.º em confronto com o doc. 1, resulta que a parcela de terreno composto por terra de cultivo, objeto de reivindicação, está integrada na propriedade do prédio misto da A.!!!
59. Note-se e reitere-se: os RR não só impugnaram tal segmento factual vazado sob o art.º 1.º e 2,ç no que concerne à delimitação dos prédios de cada uma das partes, como aceitaram tal factualidade de modo expresso-cfr art.º 1..º da contestação-reconvenção a fls. 36 dos autos, confessando expressamente um facto que lhes era desfavorável.
60. Com efeito, por força da confissão operada pelos RR no art.º 1.º ao aceitar a realidade vazada nos art.º 1.º e 2.º da pi alegada pela A designadamente da delimitação do prédio por referencia à sua configuração materializada na ilustração de uma cartografia junta como documento n.º 1 que não é impugnado, entende-se que de per se, o tribunal a quo, violou desde logo o disposto no art.º 352, art.º 335.º n.º1, n.º 2, art.º 356.º n.º 1 e n.º 1 do art.º 358.º n.º 1 todos do Código Civil.
61. Ou seja, o tribunal deveria julgar como provado- de forma plena- não só atenta à falta de impugnação do documento junto como doc 1 com a pi mas também atenta a confissão materializada no art.º 1 da Contestação dos RR que a parcela de terreno reivindicada pela A. constituiu parte integrante do prédio misto tal como se encontra descrito sob o art.º 1.º da PI.
62. Por outro lado, e quanto ao documento junto pela A. com a PI sob a designação de documento n.º1, tal meio de prova que não foi impugnado pelos RR, deveria o tribunal, no que concerne à delimitação nele aposta pela A. ter a virtualidade e a eficácia conferida pela lei, designadamente pelo art.º 368.º do Código Civil, já que, quanto à delimitação dos prédios da A e da Ré, por não ter sido impugnado por parte dos RR, e ter sido reproduzido uma linha – ora de cor rosa, ora de cor amarela, que representava respetivamente a delimitação dos prédios de cada uma das partes- esse facto deveria o tribunal considera-lo provado de uma forma PLENA nos termos do disposto no art.º 368.º do código Civil.
63. Ao não ter assim considerado, o tribunal a quo, violou o referido dispositivo legal.
64. Por conseguinte, com base nestes dois meios de prova em causa que supra se expôs- confissão judicial vazada no art.º 1.º da contestação-reconvenção e falta de impugnação do doc.1 junto à PI por parte dos RR deveria o tribunal a quo quanto à factualidade supra impugnada proferir a seguinte decisão: Considerar como não provado a realidade vazada sob os n.ºs 5); 6;, 7;8;9;14 (( 1.ª parte – são os RR que procedem contra a vontade da A a limpeza da parcela de terreno(…). 20) no sentido de fica a constar que “A Parcela de terreno reivindicanda e que os RR confessam não lhes pertencer fica situada numa cota sobranceira à cota do terreiro/ logradouro que integra o seu prédio urbano.
65. E provado a seguinte factualidade do elenco de factos não provados: a; b; d; h; i) j)
66. Por um lado urge atender desde logo às próprias declarações de parte dos RR, designadamente do Réu JG ( pese embora hajam sido requerido as declarações de parte de ambos os RR, e as mesmas tenhas sido admitidas por despacho proferido a fls…83 dos autos, o certo é que apenas houve lugar a produção das declarações de parte daquele co-réu).
67. Ora, este co-Réu JG cujas declarações são audíveis em 17.01.2022 [15:11:25- 16:03:55] começa por asseverar que conhece a configuração do prédio, os seus limites, e que a parcela em objeto de reivindicação faz parte do prédio que a sua filha, Ré MS adquiriu e que se encontra id. sob o art.º 2.º da PI.
68. Porém quando instado pela Mma Juiz a quo, a esclarecer em concreto que atos praticou sobre a referida parcela, designadamente, onde se situava a vinha que se alega ter sido objeto de corte, o mesmo acaba por confessar que “(…) não colhi isso… plantei uma laranjeira, e uma parreira(impercetível…lá no terreno ocupado,…plantado, vá lá! (…) Segundo o que dizem tinha lá um loureiro, não sei… Cfr passagem 08:32ss a 09:03ss-
69. Ora, resulta deste concreto segmento que o Réu não tem conhecimento se aquela parcela objeto de reivindicação fazia ou não parte integrante do prédio de que a sua filha e co-ré havia adquirido. E por conseguinte, revela desde logo absoluto desconhecimento quanto aos elementos dos prédios em questão, designadamente, as culturas, composições, delimitações.
70. Por outro lado, a testemunha A…, cujo depoimento é audível em 17.01.2022 [16:09:39-16:49:00] demonstrou conhecimento direto dos factos objeto da causa.
71. Com efeito localizou e descreveu os prédios em questão, tendo inclusivamente, referido que antes não existia a estrada à norte do prédio da Ré, e que lá existia galinheiros e chiqueiros ( cfr 06:22 a 09:28 ss).
Referiu ainda que se lembra que em termos do edificado no prédio da Ré, designadamente da anterior proprietária (CL...) que existia “um pocinho” cfr. passagem 10:19 ss.. Mas que para sul da casa, “ essa gente já não tinha mais nada(…) eu nunca as vi a trabalhar lá nessa terra”- cfr passagem 10:26 ss. Tendo inclusivamente asseverado que este prédio da Ré apenas era composto por terra de cultivo que ladeava à tardoz e por um dos lados, mas não pela frente do prédio urbano, isto é, da casa- cfr. passagem 10:56 a 11:21 ss.
72. Por sua vez a testemunha HE audível em 28.03.2022 [09:54:45- 10:44:31] asseverou que a parcela em questão faz parte do prédio da Ré mas antes da A. ancorando a sua razão de ciência pela circunstância de ter sido trabalhador rural contrata pela anterior proprietária do prédio adquirido pela Ré, D.ª CL... (cujo pai chama-se Sr. …), e que, na atividade de lavoura da terra apenas trabalhavam terrenos que situavam à norte da casa, cfr passagem 12:35 ss a 14:45ss
73. Por seu turno urge atender ao depoimento da testemunha MCM, audível em 28.03.2022 [10:45:51- 11:26:21] concretamente a passagem de 10:14 ss a 15:17 ss a qual asseverou que era trabalhadora rural e que muitas das vezes deslocou-se ao referido prédio ainda no “tempo dos escudos” para apanhar uvas, e que o que sabe é que o terreno da frente da casa ( leia-se do prédio urbano propriedade da Ré) pertencia ao procurador de um senhor chamado D…, lá da freguesia da Ponta do Pargo, mas que estava emigrado, mas que nunca o conheceu.
74. Por outro lado, a testemunha ALF, cuja documentação do depoimento encontra-se audível em 28.03.2022 [12:17:25- 12:47:52] também reveliu conhecimento quanto à localização dos prédios em questão e relativamente ao prédio da A. soube em concreto especificar, por força da função que desempenhou, designadamente de trabalhadora agrária, contrata pela mãe da A., que fora procuradora do anterior proprietário que acabou por vender o prédio à A., contratava para atividade de lavoura da terra, para vindimar, tendo localizado temporalmente essa atividade como uma atividade que se desenrolou há mais de 20 anos, tendo deixado de frequentar o terreno há cerca de 10 anos, designadamente após a morte da mãe da A. (cfr. passagem 03:14 a 05:59 ss).
75. Por conseguinte resulta do depoimento das testemunhas em apreço, quer pela circunstâncias de terem tido uma ligação profissional com os anteriores proprietários de ambos os prédios designadamente por serem trabalhadoras rurais; ii) quer pela circunstância de serem pessoas que residiam na proximidade onde os prédios se situam; iii) quer pela circunstância de lidarem com os anteriores proprietários dos prédios id. sob os art.º 1 e 2.º da PI; iv) seja pela idade que apresentam todas elas com mais de 50 anos, sendo a mais velha com mais de 80 anos; v) seja pela existência de elementos externos designadamente de ligação e de proximidade existencial às partes em conflito, designadamente quer no que respeita à ausência de relações de familiaridade/parentesco, relações de subordinação jurídica; vi) a carácter singelo e tão espontâneo com que depuseram, sem hesitações, nem momentos prévios de pausa que pudessem evidenciar momentos de ponderações nas respostas que nos permitissem evidenciar, algum fator de imparcialidade por parte das mesmas, são elementos que nos permitem ancorar uma convicção no sentido probatório inverso ao que foi assumido pelo tribunal a quo.
76. Com efeito, e contrariamente ao que consta na sentença recorrida, e salvo o devido e considerado respeito, não resulta conforme ali se faz consignar que as testemunhas hajam asseverado que já não frequentam os mencionados prédios há mais de 50 (no caso da Sr.ª MA) e 30 (no caso das demais) anos.
77. Na verdade, se é certo que tal circunstância, de longinquidade temporal de contacto com aquela realidade “ jurídico-real” se verifica relativamente a algumas das testemunhas supra referidas, a mesma não é comum a todas elas.
78. E mesmo tal circunstância, tendo-se por verificada- como asseverado por parte de algumas das testemunhas- tal declaração apenas poderia merecer o mérito em sede de valoração do depoimento daquelas testemunhas por parte do tribunal a quo, no sentido da sua credibilidade, quanto ao depoimento prestado.
79. Pois que, as testemunhas em apreço justificaram, e souberam fazê-lo de forma espontânea, a razão de ser dessa ausência de ligação aos prédios- ora devido à circunstância da anterior proprietária do prédio dos RR ter emigrado para África do Sul já alguns anos; ora, porque, entretanto, também passaram acumular outros trabalhos rurais por conta de outrem, ora por força do decesso dos anteriores proprietários dos prédios em apreço.
80. Por conseguinte, entende-se que estes concretos meios de prova, designadamente o depoimento das testemunhas supra referidos, fossem julgados como não provados os factos descritos sob os n.ºs: 5;6;7;8;9;14;1; e que fosse julgado como não provado o facto vazado sob o ponto 22.
81. E provados os factos descritos na fundamentação da douta sentença sob a designação de factos não provados sob as seguintes alíneas :( com a exceção “Após regressar de França”; b); d); i); j)
82. Nesse mesmo sentido concorre os esclarecimentos prestados pelo Sr Perito FP, Cfr declarações prestadas do Sr.º Perito audíveis em 17.01.2022 [11:51:14 – 12:50:08] o qual asseverou que quando observado a referida parcela de terreno em confronto com a contiguidade do prédio da A. o mesmo não identifica se existe uma delimitação de prédio ou não ( cfr passagem 21:56-22:24 ss” (…) chegado lá eu não faço ideia se aquilo é uma delimitação de prédio ou não…”
83. Tendo ainda asseverado quanto ao “suposto muro” de delimitação da referida parcela que o mesmo está à “cota da terra” cfr passagem24:10:24:28 ss
84. Por outro lado o próprios esclarecimentos do perito são contraditório porquanto num momento inicial refere que não identifica aquele “amontoado” de pedras documentadas nas fotos como um muro que esteja a delimitar um prédio- cfr passagem 21:56- 22-24 ss para posteriormente contradizer-se ao afirmar que afinal de contas as ditas pedras “delimitam o prédio C do prédio A, tornando-o assim integrante do prédio da Ré, prédio B, sem que para tal avente razão cientifica, pois que, contradiz-se com aquilo que, num primeiro momento esclarece, e bem assim, com a circunstância de ter referido de que, o ponto C ilustrado no levantamento junto aos autos, apenas resulta como de zona interseção reclamado por ambas as partes, escudando-se em aclarar as próprias dúvidas suscitadas pelo tribunais cfr passagem 30:13- as 34:54 no sentido se explicar essa sua conclusão, pese embora a ausência de cadastro geométrico de propriedade rural homologado para a zona geográfica em causa .
85. Entende ainda a recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no art.º 1311.º do CC ante a factualidade que considera que deveria ter sido julgada como provada e não provada ante a impugnação da matéria de facto deduzida;
86. e bem assim do art.º 7.º do Código do registo predial.
Pede assim que o recurso seja julgado por procedente.
Desta feita, ao contrário do que sucedeu no recurso anterior, os R.R. não responderam a este recurso, sendo certo que a motivação do recurso interposto pela A. é um exercício praticamente de copy and paste  da motivação do recurso anterior, como se a sentença fosse exatamente igual à anterior.
Uma vez mais, o Tribunal a quo nada diz sobre as alegadas nulidades ao admitir o recurso assim interposto, sendo certo que relativamente à sentença anterior havia deixado consignado o seguinte: «A meu ver, a sentença recorrida não padece de qualquer uma das nulidades invocadas - art. 641º, 1, do Cód. Proc. Civil – mantendo-se a sentença na integra».
É certo que a sentença anterior veio a ser declarada nula por acórdão de 4 de julho de 2023, nomeadamente por falta de fundamentação relativa ao facto provado 20, ordenando-se a retificação de lapso e a ampliação da matéria de facto, eliminando-se a ambiguidade verificada na redação do ponto 14 dos factos provados. No entanto, como as questões que agora se suscitam sobre a validade da sentença repetem acriticamente a motivação anteriormente expedida, como se nada tivesse sido alterado na nova sentença agora recorrida, afigura-se-nos inútil ordenar a baixa do processo à 1.ª instância para suprimento da falta de cumprimento do Art. 617.º n.º 1 do C.P.C. (cfr. Art. 617.º n.º 5 “a contrario” do C.P.C.).
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do C.P.C.). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) As nulidades da sentença;
b) A impugnação da matéria de facto; e
c) O reconhecimento do direito de propriedade da parcela de terreno reivindicada nesta ação por ambas as partes.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A A. tem registado a seu favor a propriedade do prédio rústico e urbano localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 520m2, sendo 57,50m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com … e outro, Sul com  …, Leste … e Oeste com o Caminho, devidamente demarcado a rosa no mapa junto como doc. 1, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.o ….
2. A aquisição a favor da autora foi registada pela Ap. 247 de 2014/11/24.
3. A R. MS é dona e legitima proprietária do prédio misto localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com  …, Sul e Oeste  … e Leste com  …, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o n.o ….
4. A aquisição a favor da R. foi registada pela Ap. 1608 de 2015/01/07.
5. Na extrema da parcela em discussão, com 35m2, existem elementos que delimitam o terreno.
6. Entre eles um muro ao nível do solo, que se projeta para o subsolo, sem conhecimento da sua profundidade.
7. Existe também, nas extremidades da referida parcela, uma garrafa, enfiada num e diversas pedras, que atuam como marcos e que delimitam a parcela.
8. Tais delimitações estabelecidas em 7, resultaram de um esforço conjunto, onde participou o presidente da junta e A. e R.
9. Tal momento contou com a presença de A. e R. e que deram o seu assentimento à colocação de tais delimitações.
10. Na lateral da parede de sustentação em fronte da casa da A., existe um tanque de água colocado por cima da parede junto à vereda.
11. Tal tanque encontra-se adstrito à fração dos R.R..
12. Os R.R. colocaram um contador de água, na mesma parede, sendo colocado no mesmo local onde o anterior de localizada.
13. O R. JG, arrancou uma parreira do terreno, e na plantou uma laranjeira e um limoeiro.
14. São os R.R. quem procede à limpeza do terreno, nele atualmente mantendo árvores de fruto por si plantadas.
(Nova redação da sentença ora recorrida. A anterior redação do ponto 14 era a seguinte: “14. São os R.R. quem procede à limpeza do terreno e não efetuam qualquer desses trabalhos na zona de terreno em apreço”).
15. Quando a A. efetua limpezas no seu prédio, não inclui a referida parcela de terreno.
16. Os prédios descritos em 1 e 3 são prédios descritos nas conservatórias do registo predial com identificação própria, mas totalmente alheia à informação de natureza cadastral existente.
17. Por tal, não é possível fazer a correspondência, uma vez que o cadastro geométrico da propriedade rústica no conselho onde se localiza o imóvel, não existe.
18. A entrada para o prédio da A. é pelo lado sul do mesmo, através de acesso direto para a estrada municipal.
19. Desde a abertura da estrada municipal a norte do mesmo, há mais de 30 anos, o prédio também tem acesso direto ou confrontação com a via pública.
Mais se provou, quanto à reconvenção:
20. A parcela de terreno em disputa, fica localizada na frente da parte urbana do prédio dos RR da identificado em 3.
Mais se provou que (pontos novos aditados pela sentença ora recorrida):
21. No muro de sustentação da parcela de terreno em discussão, estão incrustados os contadores de água e eletricidade dos réus, em área refeita desse muro.
22. A A. nunca exerceu qualquer ato de posse sobre a parcela de terreno, assim como aqueles a quem adquiriu o seu terreno.
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Foram ainda julgados por não provados os seguintes factos:
a) Após regressar de frança a A. verificou a ocupação de uma parcela do seu terreno, por parte dos R.R..
b) Que os RR aproveitaram a ausência da A. em frança, para colocarem a seu critério marco e pedras no imóvel, com intuito de simular uma divisória no prédio da A..
c) Que o R. reagiu com agressões verbais e ameaças de agressões físicas quando a A. tentasse aceder à dita parcela de terreno.
d) Que os RR estão a impedir o acesso e utilização, por parte da Ré a seu imóvel.
e) Que a A. teme pela sua vida.
f) Que a situação lhe tem causado transtorno e angústia.
g) Quando a R. adquiriu o imóvel, o mesmo já não tinha laranjeiras pois que o anterior proprietário tinha cortado as existentes, desconhecendo em que data tal facto aconteceu.
h) Os prédios em questão sempre estiveram devidamente marcados.
i) Logo, aquela divisória existente não tem aspeto habitual de marco.
j) O tanque de água só lá foi colocado por mera tolerância do antigo proprietário do prédio hoje pertencente à A.
k) Que os R.R. plantem vinha e hortaliças no local (alínea nova aditada pela sentença ora recorrida).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Fixadas as questões a apreciar neste recurso, que fazem parte do objeto da apelação, cumprirá agora delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pelas alegadas nulidades da sentença recorrida.
1. Das nulidades da sentença recorrida.
Como logo fizemos notar no final do relatório do presente acórdão, a Recorrente repete quase ipsis verbis as alegações e conclusões do recurso de apelação anterior, como se não tivesse sido proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de julho de 2023 e não tivesse sido proferida uma nova sentença pela qual se tentaram corrigir os vícios que determinaram a anulação da sentença anterior.
Na verdade, o acórdão anterior, proferido por este mesmo coletivo da 7.ª Secção do Tribunal da Relação, já se debruçou sobre todas as nulidades agora de novo invocadas, sendo que, umas foram logo julgadas improcedentes e, outras, que levaram à decisão de anulação da sentença anterior, foram entretanto objeto de alterações pela nova sentença aqui recorrida. Sobre as primeiras, já que não se alteraram os pressupostos da decisão por nós proferida anteriormente, pouco mais resta que renovar a mesma decisão. Sobre as segundas, importará certamente verificar se os vícios originais foram entretanto devidamente corrigidos pela sentença de que agora se pretende recorrer.
Importará ver cada uma das situações de forma discriminada.
1.1. Da oposição entre os fundamentos e a decisão.
A Recorrente voltou a sustentar que a sentença seria nula, por violação do Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C., por haver contradição entre a fundamentação da sentença e a decisão, relevando desde logo uma alegada contradição entre os factos provados em 13 e 14, dos quais consta que o R. JG arrancou uma parreira e plantou uma laranjeira e um limoeiro (13), sendo os R.R. quem procedem à limpeza do terreno e não efetuam quaisquer trabalhados na zona do terreno (14), sendo que, depois, na valoração feita da prova, na motivação da sentença, consta que não se fez prova direta da propriedade da parcela de terreno em discussão, mas a mesma é atualmente explorada pelo R.. Haveria assim, no seu entender, uma contradição entre os factos provados e a motivação, sendo que depois condena-se a A. no pedido reconvencional, julgando a parcela como parte integrante do prédio da R..
No recurso anterior, os Recorridos sustentaram que não se verificava essa contradição, porque esses factos devem ser considerados tendo em atenção o que igualmente ficou provado no ponto 15 da sentença recorrida, do qual decorre que quando a A. efetua limpezas no seu prédio, mas não incluía a parcela de terreno em discussão nesta ação.
No acórdão anterior, de 4 de julho de 2023, proferido nestes autos, foi dito a propósito o seguinte:
«Apreciando, temos de reconhecer que a redação do ponto 14 é ambígua e de algum modo contraditória com a fundamentação feita na sentença sob a convicção a que o tribunal chegou.
«A questão não se coloca tanto quanto ao ponto 13, onde são dados por provados os atos de arranque duma árvore e plantação doutras duas, o que de algum modo é coerente com a afirmação de que o Tribunal ficou convencido de que são os R.R. quem explora aquela parcela de terreno. Nesta parte, o mais que se pode dizer é que a convicção do tribunal sobre os atos que os R.R. estão a exercer sobre o terreno têm uma amplitude muito superior à mera constatação de que arrancaram uma árvore e plantaram duas outras. Já quanto ao ponto 14, afigura-se-nos que existe alguma contradição nos seus termos, tem uma redação algo obscura e não existe inteira coerência com a convicção expressa pelo tribunal na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
«De facto, por um lado, dá-se aí por provado que os R.R. procedem à limpeza do seu terreno, mas logo de seguida afirma-se que “não efetuam qualquer desses trabalhos” – de limpeza, supõem-se – na zona de terreno em apreço. Logo de seguida, no ponto 15, dá-se ainda por provado que a A. não limpa a parcela de terreno em causa. Portanto, da conjugação do facto 14 com o facto 15 parece ter de se concluir que nenhuma das partes, nem a A., nem os R.R., limpam a parcela de terreno em disputa nesta ação.
«Na fundamentação da sentença relativamente à decisão sobre a matéria de facto é efetivamente dito que: «(…) nenhuma prova direta se efetuou sobre a que prédio pertence a parcela de terreno existente, certo é que, atualmente é o R. quem o explora e faz seus os seus frutos».
«Ou seja, afirma-se uma convicção que é conforme com os atos provados em 13, como já havíamos notado, mas que nada tem a ver com o facto provado em 14, que parece que se refere apenas a trabalhos de limpeza. O que não consta da matéria de facto, provada, ou não provada, é que os R.R. exploram e fazem seus os frutos da parcela de terreno em causa nesta ação. Pelo que, a matéria de facto provada não tem a amplitude dos factos que foi expressa na fundamentação da sentença sobre a convicção a que a Mm.ª Juíza a quo chegou.
«Mas mais, no artigo 5.º da contestação dos R.R. é afirmado que o R. JG, pai da R., toma conta da parte rústica do prédio da sua filha, cultivando-o com “hortaliças, vinha e árvores de fruta”; e no artigo 28.º do mesmo articulado é dito que a parcela de terreno “servia e serve para horta afeta” ao prédio da R.. Ora, nenhum desses factos constam, quer dos factos provados, quer dos factos não provados.
«Importaria assim que fosse ampliada a matéria de facto, por forma a incluir factos que se mostram omissos, corrigindo a matéria de facto, que se mostra deficiente, até obscura (veja-se, nomeadamente, a redação do ponto 14 dos factos provados), e não inteiramente coerente com a convicção a que o tribunal recorrido diz ter chegado, evitando-se eventuais contradições.
«Devemos ainda fazer notar que a sentença não fica por aqui, pois mais à frente acrescenta o seguinte: «(…) tanto mais que, todos os indícios existentes levam a que entenda que o mesmo seja pertença da R., porquanto do que supra se estabeleceu, além da utilização, no mesmo existe uma divisória clara, e o facto de nele se mostrar instalado um poço, e ainda os contadores adstritos à sua casa, a verdade é que todos eles elementos conjugados, levam a que o tribunal consiga, com algum grau de estabilidade, estabelecer a propriedade do Terreno pela R». O que, no final, é coerente com a decisão final sobre a condenação da A. no pedido reconvencional, mas não tem respaldo integral na matéria de facto provada.
«Desse ponto de vista, não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, porque o julgador seguiu sempre a mesma linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão que acabou por tirar efetivamente. Não houve qualquer erro lógico-discursivo, pois toda a fundamentação sempre apontou no sentido da decisão tomada (vide, a propósito: Ac. do STJ de 13/2/1997 – Relator: Nascimento Costa, in BMJ n.º 464, pág. 524; Ac. do STJ de 22/6/1999 – Relator: Ferreira Ramos, in CJ 1999 – Tomo II, pág. 160; Ac. do T.R.C. de 11/1/1994 – Relator: Cardoso Albuquerque, in BMJ nº 433, pág. 633; e Ac. do T.R.P. de 2/5/2016, Proc. n.º 1556/14 – Relator: Correia Pinto, disponível em www.dgsi.pt). Não houve um dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito (cfr. Ac. do S.T.J. de 16/6/2016 – Proc. n.º 1364/06 – Relator: Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt).
«O mais que se poderá dizer é que a matéria de facto provada é curta relativamente à extensão dos factos que poderiam ser dados por provados em função da fundamentação da convicção expressa pelo julgador. Mas esse concreto défice, diga-se de passagem, até funcionaria em favor da Recorrente.
«Questão diversa é a de saber se a matéria de facto provada permite, ou não, tirar a conclusão de que os R.R. exploraram efetivamente a parcela de terreno em discussão nesta ação, pois tal já se refere à apreciação sobre o mérito da causa. Sendo certo que, no caso, em face do que fomos expondo, sempre se imporia anular o julgamento da matéria de facto, em face da omissão de elementos factuais essenciais para o conhecimento do mérito da causa (v.g. a matéria que realçámos ter sido alegada nos artigos 5.º e 28.º da contestação dos R.R.), impondo-se corrigir a ambiguidade da redação do ponto 14 e conformando a matéria de facto à convicção efetiva do tribunal recorrido e já expressa na sentença (cfr. Art. 662.º n.º 2 al. c) e n.º 3 al. c) do C.P.C.), evitando-se quaisquer eventuais contradições no seu conjunto.
«Em todo o caso, o que não se verifica é a nulidade constante da previsão da al. c) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C., porque o vício é de mera deficiência da matéria de facto, suscetível de correção no quadro legal do Art. 662.º n.º 2 al. c) e n.º 3 al. c) do C.P.C., improcedendo as conclusões que sustentam o contrário.
«A Recorrente veio ainda invocar uma alegada contradição na fundamentação da convicção a que o tribunal chegou, por motivo de ter sido relevada a prova pericial, e os documentos a ela associados, tida como essencial para a demonstração dos factos provados de 1 a 8, mas ao mesmo tempo reconhecer que dessa prova não foi possível obter grande definição e resposta para concretizar objetivamente a matéria a decidir, tanto mais que o perito, chamado a esclarecer os factos, escudou-se na circunstância de não existir cadastro homologado na freguesia onde se localiza o imóvel, tendo baseado as respostas aos quesitos na posição das partes, não sendo possível esclarecer se a parcela de terreno é propriedade da A. ou das RR., o que terá justificado a factualidade provada em 16, 17, 18 e 19.
«Sustenta a Recorrente que há aqui uma contradição intrínseca nos termos desta fundamentação, já que a matéria provada assenta num meio probatório, a perícia, que não foi tido como idóneo a responder às questões suscitadas.
«Apreciando o assim exposto, diremos que, com o devido respeito, de toda esta argumentação só resulta que a sentença se limitou a reconhecer as limitações de um dos meios de prova atendíveis, mas não prescindiu do mesmo, pois relevou que para essa perícia foi importante a posição das próprias partes. Portanto, não foi um meio de prova completamente inútil e teria sempre de ser relevado em conjunto com outros meios de prova.
«A discordância quanto à valoração dos resultados da prova assim produzida, são matéria de eventual “erro de julgamento” a corrigir em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do Art. 640.º do C.P.C., não constituindo motivo de nulidade da sentença, tal como a mesma é prevista no Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C..
«Finalmente, entende ainda a Recorrente que existe contradição entre dizer-se, na fundamentação, que «(…) da matéria Provada, resulta demonstrado que os RR utilizam o imóvel, que a demarcação foi feita em conformidade, e de acordo com a A., pelo que, deverá ser reconhecido judicialmente que o prédio urbano lhe pertence, dando-se assim procedência à reconvenção apresentada pelos RR. (…)», quando o contrário resulta do facto provado em 14. Ao que acresceria que a sentença reconhece que a parcela de terreno em causa se inclui no terreno da R., quando isso não é pedido, nem foi concretizado assim.
«No entanto, esta apontada contradição direta entre a fundamentação e o facto provado em 14 não existe, em termos que permitam preencher a previsão do Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C.. Isto, porque, por um lado, no ponto 14 dos factos provados parece que apenas está provado que o R. não procede a “esses trabalhos” na parcela, ou seja, aos trabalhos de “limpeza” do terreno. Por outro, porque o problema da matéria de facto ser insuficiente para se tirar a conclusão de que os R.R. utilizam o imóvel (entendido aqui apenas na parte relativa à parcela em discussão nesta ação) é questão que apenas tem a ver com o mérito da causa, sendo que, se houver erro de julgamento, a consequência seria a eventual revogação da sentença e não a declaração da sua nulidade.
«O que parece resultar da conjugação dos pontos 14 e 15 é que a parcela de terreno em discussão nesta ação não é limpa por nenhuma das partes. Se não se provou nenhum facto do qual resulte que os R.R. utilizam a parcela de terreno, como já dissemos, é questão que eventualmente tem a ver com o mérito da causa e com um eventual “erro de julgamento”, que nada tem a ver com a nulidade prevista na al. c) do Art. 615.º do C.P.C., improcedendo assim as conclusões que sustentam o contrário». (sic)
Dito isto, ocorre que, entretanto, a redação do ponto 14 dos factos provados foi alterada na nova sentença aqui recorrida. Antes estava aí provado que: «14. São os R.R. quem procede à limpeza do terreno e não efetuam qualquer desses trabalhos na zona de terreno em apreço». E agora está  provado que: «14. São os R.R. quem procede à limpeza do terreno, nele atualmente mantendo árvores de fruto por si plantadas».
Por outro lado, foram aditados os factos provados os pontos 21. e 22., com a seguinte redação: «21. No muro de sustentação da parcela de terreno em discussão, estão incrustados os contadores de água e eletricidade dos réus, em área refeita desse muro»; e «22. A autora nunca exerceu qualquer ato de posse sobre a parcela de terreno, assim como aqueles a quem adquiriu o seu terreno». Tendo sido ainda aditado aos factos não provados uma alínea k) com a seguinte redação: «k) Que os RR plantem vinha e hortaliças no local».
Portanto, o único fundamento de invalidade da sentença anterior, por ambiguidade da factualidade provada, objetivamente desapareceu, em face da alteração da redação do ponto 14. dos factos provados, que está em coerência com o facto entretanto aditado no ponto 22. da sentença de que ora se recorre, que afasta qualquer dúvida sobre quem exerce o “poder de facto” sobre a parcela de terreno em discussão nos autos, sem prejuízo de não se ter feito prova que os R.R. aí tenham plantado uma vinha e hortaliças, como decorre da alínea k) dos factos não provados.
Em suma, mantendo-se a apreciação já anteriormente feita sobre a inexistência de nulidade por violação do Art. 615.º n.º 1 al. c) do C.P.C., impõe-se agora aditar a conclusão de que o vício de que padecia a sentença anterior se mostra entretanto devidamente sanado, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário do exposto.     
1.2. Da desconformidade entre o objeto do pedido reconvencional e a decisão condenatória.
A Recorrente volta a repetir o entendimento de que a sentença seria nula, por violação do Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C., porque se julgou a reconvenção procedente e se declarou a «ré, MS, proprietária da parcela de terreno com 35m2, sendo a mesma parte integrante do prédio misto localizado ao Sítio do Salão de Cima, freguesia da Ponta do Pargo, com a área de 230m2, sendo 48m2 de superfície coberta, a confinar do Norte com  …, Sul e Oeste  … e Leste com  …, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo … e a urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Calheta sob o nº. …», quando na reconvenção formulada na contestação apenas se pediu que:  «deverá a reconvenção ser julgada procedente, por provada, e consequentemente, condenar-se a A., a reconhecer que a parcela de terreno localizada frente à parte urbana do prédio, identificado no art.º 2.º da p.i, e a zona assinalada no doc.1 na mesma peça, faz parte integrante deste e, por conseguinte, pertence à Ré.(…)».
Entendeu a Recorrente que foi violado o princípio do dispositivo, porque o Tribunal reconheceu o direito de propriedade da R. reconvinte sobre uma parcela de terreno, com uma área de 35 metros quadrados, considerando a mesma parte integrante do prédio descrito sob o art.º 2.º da PI, sem que a R. tivesse especificado quaisquer dos elementos que o tribunal consignou na parte dispositiva da sentença.
Assim, volta agora a sustentar que o tribunal não podia condenar a reconhecer o direito de propriedade da R. Reconvinte sobre uma parcela de terreno cuja área nem sequer concretizou quando formulou o seu pedido reconvencional, defendendo que a condenação foi em objeto diverso do pedido (cfr. 2.ª parte da al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., ou caso assim não se entenda, 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do mesmo preceito).
No recurso anterior, os Recorridos vieram sustentar que não foi violado o princípio do dispositivo, porque nunca foi posto em causa que o prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial está registado a favor da R., sendo nesse facto se sustenta a sua causa de pedir, não existindo a mínima dúvida que a R. sempre sustentou que a parcela em discussão era parte integrante do seu terreno, tendo alegado os limites físicos do seu prédio nos artigos 3.º, 4.º, 12.º e 28.º da contestação.
Em concreto, no artigo 3.º da contestação havia alegado que adquiriu o prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial, por compra; no artigo 4.º alegou a posse do terreno, remetendo para o artigo 4.º e localização assinalada nos documentos 1 a 8 da petição inicial; no artigo 12.º da contestação são indicadas as extremas da parcela; e, no artigo 28.º, é invocado que a parcela faz parte integrante do prédio da R. e servia para horta afeta à mesma.
No que se refere à área da parcela, os Recorridos recordavam que nenhuma das partes a indicou nos seus articulados, mas ela resultou do relatório pericial que tinha por objeto a parcela em disputa, tendo aí sido apurado que a mesma tinha 35m2, vindo esse facto a ser dado por provado no ponto 5 da sentença recorrida.
Em conformidade, defenderam então que a sentença não foi além do conhecimento que lhe foi pedido apreciar pelas partes, nem procurou qualquer causa ou facto jurídico essencialmente diverso daquele que consta da causa de pedir e do pedido, não se verificando qualquer das nulidades invocadas.
No acórdão de 4 de julho de 2023, deste mesmo coletivo da 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi então dito o seguinte:
«Apreciando, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C., é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
«Esta norma articula-se com o disposto no Art. 609.º n.º 1 do C.P.C., nos termos do qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
«Esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório. Segundo estes princípios, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
«Conforme explicitava Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, págs. 67/68: «O juiz (…) não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)».
«É este o sentido material da proibição do Art. 609.º n.º 1 do C.P.C. e da consequente nulidade estabelecida no Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C..
«Em todo o caso, há que dizer que a regra estabelecida no n.º 1 do Art. 609.º do C.P.C. tem sido interpretada em termos flexíveis, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando essa correção se traduza numa mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela, tendo em atenção o disposto no Art. 5.º n.º 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do STJ de 18/11/2004 – Proc. n.º 04B2640 – Relator: Ferreira Girão, disponível em www.dgsi.pt; Tomé Gomes in “Da Sentença Cível, págs. 43 a 44 e Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudencia-540.html#links).
«No caso dos autos, nem sequer se coloca a questão da alteração da qualificação jurídica, cuja convolação oficiosa pelo Tribunal se pode afigurar mais discutível, nomeadamente do ponto de vista do respeito pelo princípio do contraditório e de evitar a prolação de decisões-surpresa.
«No caso concreto, o que está em causa é que a sentença integrou a descrição do prédio da R., tal como alegada no artigo 2.º da petição inicial, para o qual remetia explicitamente o pedido reconvencional formulado na contestação, na parte dispositiva da sentença. Por outro lado, quando se pedia na contestação que se reconhecesse que a parcela de terreno que estava à frente da parte urbana fazia parte do prédio descrito no artigo 2.º da petição inicial, não parece que exista a mínima dúvida, dos termos do litígio, que se estava aí a referir à parcela de terreno que ambas as partes discutiam nesta ação, apesar de, nem a A., nem a R., terem feito uma descrição pormenorizada dela, nomeadamente em termos de área.
«Em todo o caso, esse facto veio a ser apurado no decurso da instrução do processo, designadamente através da prova pericial, que tinha precisamente por objeto o apuramento desses factos, sobre os quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciar abundantemente, concretizando-se desse modo o que as mesmas haviam alegado nos articulados, o que é perfeitamente legítimo no quadro da previsão legal da al. b) do n.º 2 do Art. 5.º do C.P.C..
«Portanto, não houve condenação em objeto diverso. Houve apenas concretização mais pormenorizada do objeto que havia sido imprecisamente delimitado por ambas as partes nos articulados, mas respeitando-se no final os limites objetivos da questão que havia sido colocada ao tribunal para decidir. Aliás, sobrelevou neste particular a prova pericial, a qual só possível com a colaboração das partes no local, pois doutro modo o Sr. Perito não conseguiria identificar com precisão a que parcela de terreno se referia efetivamente este litígio.
«Julgamos assim que não foi violado o princípio do dispositivo, nem a sentença enferma do vício previsto na al. e) do n.º 1 do Art. 615.º da C.P.C., nem muito menos se pode dizer que conheceu de questão que não tivesse sido colocada (cfr. Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.), pois na verdade o Tribunal limitou-se a decidir com maior precisão o litígio que lhe foi presente».
Dito isto, nada se tendo alterado, nesta parte, entre a sentença anterior e a sentença de que agora se recorre, nada mais há a dizer a este respeito, reiterando-se que não se verifica a nulidade invocada, improcedendo as conclusões, agora repetidas, que sustentam o contrário.
1.3. Da falta de fundamentação.
A recorrente volta uma vez mais a invocar que a sentença seria nula por falta de fundamentação da prova relativa aos factos provados nos pontos 16 a 19 e 20.
No que se refere aos factos 16, 17, 18 e 19, o tribunal teria referido que assentou a sua convicção na perícia realizada, nos documentos a ela associada e, bem assim, na perspetiva que o tribunal logrou obter com a inspeção judicial ao local. No entanto, no entender do Recorrente, a sentença não especifica, concretiza, materializa e objetiva o seu juízo decisório e valorativo que sobre aqueles meios de prova, de modo a que os destinatários da decisão possam alcançar em que sentido o tribunal os considerou, ou não, e quais foram os respetivos contributos probatórios. Não saberia assim que documentos em concreto permitiram a decisão, nem que perceções é que a inspeção judicial ao local permitiu fazer e que ilações é que o tribunal delas extraiu.
Por outro lado, também realça que o tribunal teve em consideração as declarações de parte do R. JG, mas sem concretizar ou especificar qual matéria factual do elenco de factos, julgados como provados, permitiu sustentar a sua convicção decisória com base naquele concreto meio de prova.
Finalmente, invocou que não se mostra fundamentada de todo a resposta ao ponto 20 dos factos provados, o que viola o previsto na al. b) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C.
O acórdão de 4 de julho de 2023, relativamente a estes alegados vícios, decidiu o seguinte:
«Apreciando, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. b), do C.P.C., é nula a  sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como todos os vícios previstos neste preceito, trata-se de um vício meramente formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
«Mas, como ensinava Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil  Anotado”, Vol. V, pág. 140), a este propósito: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. / Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (no mesmo sentido: Ac. do STJ de 28/5/2015 Proc. n.º 460/11 – Relator: Granja da Fonseca; Ac. STJ de 10/5/2016, Proc. n.º 852/13 – Relator: João Camilo).
«Uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, não preenche a previsão da nulidade da sentença por falta de fundamentação. Esta só se verifica quanto haja ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (cfr. Ac. S.T.J. de 15/12/2011, Proc. n.º 2/08 – Relator: Pereira Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt). Portanto, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C., cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento (cfr. Ac. do STJ de 2/6/2016, Proc. n.º 781/11 – Relatora: Fernanda Isabel Pereira).
«No caso, o que a Recorrente pretende relevar, quanto à fundamentação dos pontos 16 a 19, ou quanto à valoração das declarações de parte do R., é a deficiência ou mediocridade da fundamentação, o que está claramente fora do âmbito da previsão do Art. 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C.. Qualquer discordância, a esse nível, com a decisão sobre a matéria de facto, apenas poderá ser relevante e eficaz no quadro legal do Art. 640.º do C.P.C., cumprindo o Recorrente os ónus de impugnação previstos na lei processual.
«No entanto, tudo é diferente no que se refere ao facto provado em 20, pois relativamente a este o vício invocado é o de falta absoluta de fundamentação, o que prejudica diretamente a possibilidade de a Recorrente poder eventualmente impugnar a decisão sobre essa matéria de facto, querendo.
«Ora, de facto, percorrendo a fundamentação da convicção do tribunal relativamente ao facto 20, constata-se que, efetivamente, não existe qualquer indicação de prova relativamente ao mesmo, ou expressão do modo com o tribunal sobre ele veio a formar a sua convicção. Nessa medida, só nos resta a nós reconhecer que esse vício se verifica, sendo a sentença nula nessa parte, sem qualquer possibilidade de suprimento desse vício pelo Tribunal da Relação, nem por via de substituição em face da total ausência de elementos para esse efeito (cfr. Art. 665.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), para mais quando o Tribunal a quo teve oportunidade de corrigir essa situação, nos termos do Art. 641.º n.º 1 e 617.º n.º 1 do C.P.C., e, inexplicavelmente, não o fez.
«Procedem, portanto, nesta parte as conclusões apresentadas pela Recorrente, mas só relativamente à falta de fundamentação do facto provado 20».
Ocorre que, tendo a sentença anterior sido anulada precisamente com este último mencionado fundamento, veio a Mm.ª Juíza do tribunal a quo a proferir nova sentença, sendo que da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta agora o seguinte:
«Foram tomados esclarecimentos ao Sr. Perito que esclareceu de forma circunstanciada os motivos pelos quais se delimitou a perícia realizada, ao indicado pelas partes, não podendo,  pela falta de cadastro registral ir para alem do que afere diretamente no terreno.
«Mais foi levado em consideração das declarações de parte do R., JG, porquanto foi através das suas declarações que o tribunal estribou a realidade dos factos, permitindo-se com isso aferir a utilização, a origem da mesma e a forma como o mesmo utiliza o terreno e em que termos. (facto 13 e 14)
«A propósito das declarações de parte entendemos ser de sublinhar que as mesmas – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado.
«Como meio probatório, não se pode olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na causa. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles  documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
«Ainda hoje as partes não podem provar os factos favoráveis às suas pretensões apenas com as suas próprias declarações, sem qualquer tipo de corroboração. Ninguém inicia um processo unicamente alegando a sua palavra e ninguém sensato se defende se a única coisa que possui a seu favor é, igualmente, o seu próprio testemunho.
«Por estas razões, se inexistirem outros meios de prova que minimamente corroborem a versão das partes, as mesmas não devem ser valoradas, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as ações se decidam apenas com as declarações das próprias partes.
«Assim quanto à matéria provada, sempre se diga que a mesma decorre, da perícia realizada aos imóveis, e ainda dos documentos associados aos mesmos, junto pelas partes, sem nunca esquecer a perspetiva que o tribunal logrou obter pela inspeção ao local.
«Estes elementos foram fundamentais na fixação da matéria decorrente dos factos 1 a 8 e 20 e 21, da factualidade provada.
Da inspeção ao local, o tribunal pode retirar e visualizar onde se localiza o imóvel, e o que dele é retirado – facto 20 e 21» (sublinhado e negrito da nossa autoria).
Assim sendo, neste momento, não existe de forma alguma omissão absoluta de fundamentação da matéria de facto relativamente ao ponto 20 dos factos provados.
Saber se fundamentação de todos esses pontos, incluindo do ponto 20, é a deficiente ou medíocre, já está claramente fora do âmbito da previsão do Art. 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C., devendo a discordância relativa à decisão sobre a matéria de facto operar no quadro do Art. 640.º do C.P.C., no pressuposto de que a Recorrente cumpra os ónus de impugnação aí previstos.
Improcedem, portanto, nesta parte, as conclusões que sustentam a nulidade da sentença de que ora se recorre.
1.4. Do excesso de pronúncia relativa à prova por inspeção judicial ao local.
A Recorrente voltou a invocar a nulidade por excesso de pronúncia da sentença, porquanto nela é dito foi realizada inspeção judicial ao local na presença do perito, o que seria um manifesto lapso, porque do auto de inspeção junto aos autos a fls. 224, realizado no dia 14/03/2022, apenas o tribunal, as partes e os respetivos mandatários estiveram presentes.
É com base nesta constatação que a Recorrente pretende retirar um conjunto de consequências, entre as quais a nulidade da sentença por “excesso de pronúncia”, que nós, já no acórdão anterior qualificámos de “completamente despropositadas”. Entendimento esse que agora sempre se deverá renovar, sem prejuízo de se reconhecer à Recorrente o direito de fazer valer todas as razões que possam pôr em causa a convicção do tribunal a quo na fixação da matéria de facto provada, contando que cumpra os ónus de impugnação constantes do Art. 640.º do C.P.C..
1.5. Da omissão de pronúncia relativa a requerimentos probatórios.
Finalmente, a Recorrente volta a sustentar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, porque havia requerido que fosse junto mapa cadastral rústico da secção relativa aos prédios em causa nesta ação, ainda que não homologado, e tal requerimento nunca foi objeto de despacho.
Os Recorridos, no recurso anterior vieram defender que se trata de diligência probatória inútil, porque o Sr. Perito, logo no seu relatório pericial de 29 de novembro de 2018 mencionou que «não existe cadastro geométrico da propriedade rústica em vigor no concelho da Calheta. A inexistência do regime do cadastro geométrico da propriedade rústica naquele concelho desta Região Autónoma retira a possibilidade deste serviço público de validar a identificação dos prédios (…)». Concluíram então que foi esse o motivo pelo qual não foi feito o levantamento topográfico conforme sugerido pelo Tribunal.
Realçaram também que a inexistência de cadastro foi reafirmada pelo perito no documento que presta os esclarecimentos ao relatório pericial, datado de 16-05-2019, sendo que a própria entidade emissora dos mapas cadastrais afirma, por duas ocasiões, documentalmente, não poder aceder ao requerimento atrás indicado. Consequentemente, o tribunal não tinha de se pronunciar sobre o requerido pela A. em face da impossibilidade de cumprimento já estar confirmada pela entidade que a poderia cumprir.
Dito isto, cumpra ainda ter em atenção que foi então decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 4 de julho de 2023, que: «(…) temos de recordar que a perícia veio a ser determinada oficiosamente pelo tribunal no despacho saneador (cfr. “Despacho Saneador” de 12-01-2018 – Ref.ª n.º 44966074 - p.e.), que concedeu às partes 10 dias para se pronunciarem sobre o seu objeto. Nessa sequência, a DROTA informou da inexistência de cadastro geográfico da propriedade rústica relativa ao concelho da Calheta (cfr. “Ofício” de 24-04-2018 – Ref.ª n.º 2641805 - p.e.).
«É então que a A., por requerimento de 14 de maio de 2018 (Ref.ª n.º 2675193 – p.e.), requer que a DROTA seja notificada para juntar aos autos a planta do cadastro (ainda que não homologado), referente aos mesmos prédios.
«Efetivamente, esse requerimento não foi objeto de qualquer despacho, mas o relatório pericial, logo na resposta ao primeiro quesito, informa que não existe cadastro geométrico da propriedade rústica em vigor no concelho da Calheta, o que retira a possibilidade de validar a identificação dos proprietários dos prédios confinantes de cada um dos imóveis em apreço (cfr. “Ofício” de 21-12-2018 – Ref.ª n.º 3011789 - p.e.).
«A A. reclamou das respostas aos quesitos constantes do relatório pericial, sem suscitar a questão da falta da planta do cadastro (cfr. “Requerimento de 30-01-2019 – Ref.ª n.º 3063519 - p.e.) e, já depois de receber a resposta à reclamação, limitou-se a requerer que o Sr. Perito esclarecesse sobre a possibilidade e viabilidade de, não obstante a inexistência de cadastro geométrico da propriedade rústica naquela localização geográfica, mas atendendo à existência de cartas/mapas cadastrais - ainda que não devidamente homologadas pelo órgão competente -, a que a generalidade da população das regiões recorrem para delimitação e identificação dos proprietários confinantes, se não poderia ser possível lançar mão do método de sobreposição, sobrepondo-se à carta cadastral da respetiva secção o levantamento topográfico, requerendo ainda que o perito estivesse presente em audiência final, nos termos do Art. 486.º n.º 1 do C.P.C. (cfr. “Requerimento” de 03-06-2019 (Ref.ª n.º 3264896 - p.e.).
«Ora, o perito foi notificado para prestar esclarecimentos, na sequência de despacho de 29 de abril de 2019 (Ref.ª n.º 47071462 - p.e.) e esteve presente em audiência para prestar esclarecimento (cfr. “Ata” de 17-01-2022 – Ref.ª n.º 51125621 - p.e.), aparentemente, sem que essa questão tenha sido suscitada, pois da ata nada consta a esse respeito.
«Em consequência, não só a questão da junção do documento (planta cadastral não homologada) teve um desenvolvimento posterior, relacionado com o objeto próprio da prova pericial, tendo a A. oportunidade de, em sede de esclarecimentos a prestar pelo Sr. Perito na audiência final, pedir para esclarecer a alegada possibilidade constante do seu requerimento de 3 de junho de 2019, como a omissão de despacho sobre o requerimento de 14 de maio de 2018, nunca chegou a ser invocada perante o tribunal de primeira instância, antes do encerramento da audiência final.
«Efetivamente, o que está em causa é uma alegada omissão de despacho sobre um requerimento probatório relativo à junção de documento destinado à instrução da causa.
«Nos termos do Art. 411.º do C.P.C. compete ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
«Estando em causa documento, alegadamente, na posse de terceiro, tal pressuporia, não só a admissão desse meio de prova pelo juiz, como a consequente notificação da entidade terceira detentora do mesmo (cfr. Art. 423.º do C.P.C.).
«Nenhum desses atos processuais foi realizado, o que constituiria uma omissão de ato prescrito na lei.
«Nos termos do Art. 195.º n.º 1 do C.P.C., a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidades quando a lei o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
«Estamos assim perante uma nulidade do processo, que consiste num desvio ao formalismo processual prescrito na lei, e não perante uma nulidade da própria sentença, enquanto ato formal decisório.
«As nulidades relativas à tramitação do processo são nulidades secundárias que têm de ser arguida pela parte através de reclamação (Art. 196.º do C.P.C.) no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário. Caso não esteja presente, o prazo geral de arguição de dez dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade o quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência  (cfr. n.º 1 do Art. 199.º e Art. 149.º n.º 1 do C.P.C.).
«Mantém-se a pertinência do brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
«Conforme explicam Luís Mendonça e Henrique Antunes (in “Dos Recursos”, Quid Juris, pág. 52): «A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação.
«Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
«Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis».
«No mesmo sentido, Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 372), afirma que: «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão» (idem A. do T.R.L. de 4/6/2009 – Proc. n.º 67/00 – Relatora: Ondina Alves, disponível em www.dgsi.pt).
«Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 162) também expressa o entendimento de que: «As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa».
«Daqui resulta que cabia à Recorrente, no momento próprio, que nunca poderia ser posterior ao encerramento da discussão da causa em primeira instância, arguir tal nulidade, o que não fez. Razão pela qual a mesma se sanou. Não tendo arguido a nulidade apontada, não pode a apelante vir agora erigi-la em fundamento específico do recurso de apelação.
«Pelo que, improcedem as conclusões que sustentam a nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia».
Não se alteraram os pressupostos de facto e de direito desta apreciação, que assim aqui e agora se renova, improcedendo as conclusões que, de forma repetida, renovam a pretensão de com estes fundamentos verem reconhecida a nulidade da sentença de que ora se recorre.
2. Da impugnação da matéria de facto.
A Recorrente veio impugnar de forma conjunta os factos provados de 5 a 20 e 22 da sentença recorrida e os factos constantes das alíneas a), b), d), h) i) e j) dos factos não provados, pretendendo que dos primeiros sejam dados por não provados os constantes dos pontos 5 a 9, 14 e 22 (conclusão 80) e, do segundo grupo, que passem todos a figurar no rol dos factos provados (conclusão 81), sustentando essa pretensão em argumentos de natureza jurídica e com base em prova pericial, testemunhal e por declarações de parte gravadas, cujos segmentos mais significativos relevou, justificando o motivo pelo qual deveria ser operada a alteração do julgamento dos factos no sentido por si pugnado.
Os Recorridos não responderam ao presente recurso, mas já haviam apresentado contra-alegações no recurso anteriormente interposto pela mesma Recorrente, sendo que as alegações de recurso atuais, em abono da verdade, são na prática uma mera reprodução das alegações anteriores. Assim, relevará dizer que os Recorridos já anteriormente haviam sustentado a decisão recorrida nos seus precisos termos, justificando o motivo pelo qual não deveria ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, tendo aí reproduzido pontualmente segmentos de depoimentos gravados que punham em crise a pretensão da Recorrente.
Apreciando, diremos que, nos termos do Art. 662º n.º 1 do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa. Mas, nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que, ao Recorrido, por contraposição, caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Ora, no caso concreto dos autos, podemos dizer que, genericamente, sem prejuízo de apreciação mais pormenorizada, foram cumpridos os ónus de impugnação estabelecidos na lei processual aplicável, mesmo que a reapreciação proposta pela Recorrente sobre o julgamento da matéria de facto não seja particularmente circunstanciada “facto a facto”, mas sim feita em termos gerais sobre o tema principal da discórdia entre as partes, que tem a ver com a delimitação da parcela de terreno em causa na ação e a sua titularidade.
Dito isto, não há motivo para rejeitar, sem mais, o recurso nesta parte, sempre importando apreciar a bondade da pretensão formulada. O que nós também iremos fazer igualmente de forma conjunta relativamente a todos os factos provados e não provados cujo julgamento foi aqui posto em crise.
Em primeiro lugar, a Recorrente pretende valer o argumento de que os factos por si articulados em 1.º e 2.º da petição inicial foram admitidos por acordo pelos R.R. no artigo 1.º da contestação. O que é verdade, sendo que se constata que os factos alegados em 1.º e 2.º da petição inicial correspondem no essencial ao que ficou provados nos pontos 1. a 4. da sentença recorrida, mas reportado aos documentos registrais e matriciais que os suportam. No entanto, desses factos aí alegados, e dos documentos a que os mesmos se reportam, pretende a Recorrente extrapolar para a conclusão de que os R.R. confessaram que a parcela de terreno a que se reporta o presente litígio está incluída no prédio que se mostra registado a favor da A.. Depois, cavalgando sobre esse raciocínio, considera que o julgamento dos factos provados nos pontos 5 a 20 e das alíneas a), b), d), h) i) e j) dos nãos provados na sentença recorrida viola a regra da prova plena que decorre da confissão (Art.s 352.º, 353.º n.º 1, 355.º n.º 1 e 358.º do C.C.) e da força probatória dos documentos juntos (cfr. Art. 368.º do C.C.).
Como é evidente não podemos acompanhar esta linha argumentativa, porque é claro que os R.R. não confessaram que a parcela de terreno em litígio é, ou alguma vez foi, pertença da A., pela razão óbvia de que formularam um pedido reconvencional pelo qual pretendiam que fosse reconhecido que essa mesma parcela, que a A. alegou ser sua, faz parte integrante do prédio da 1.ª R.. Portanto, não há confissão, nem nunca houve confissão pelos R.R., de que essa parcela fazia parte do prédio da A..
Quanto à força probatória dos documentos para os quais se remete nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, temos de dizer que eles apenas se referem, em primeiro lugar, a  cópias de cadernetas prediais e impressões de certidões permanentes das descrições registrais dos prédios que se mostram inscritos a favor da A. e da 2.ª R.. Como é evidente, de nenhum desses documentos consta qualquer menção específica à pequena parcela de 35 m2, que se apurou ser a área em litígio entre as partes. O que deles constam são descrições das áreas totais dos prédios inscritos a favor de cada uma das partes e, portanto, a força probatória plena, que se restringe aos atos praticados pela autoridade ou oficial público emitente desses documentos, assim como aos factos nele atestados com base nas suas perceções (cfr. Art. 371.º n.º 1 do C.C.) não compreende, nem poderia compreender, a conclusão de que a parcela de terreno em causa está incluída num ou no outro dos prédios.
Aliás, em casos como o presente, nenhuma das partes pode invocar sequer em seu benefício as presunções de titularidade emergentes do registo predial. Veja-se o que foi decidido pelo STJ, no AUJ n.º 1/2017 de 22 de fevereiro (publicado no D.R. n.º 38/2017, Série I de 2017-02-22, páginas 1049 – 1057), que fixou a seguinte jurisprudência: «Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções».
Igual entendimento já havia sido expresso a propósito das ações de impugnação de escrituras de justificação notarial, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2008 de 4/12/2007 (publicado no D.R. n.º 63, Série I, de 31/3/2008), onde foi fixada a seguinte jurisprudência: «Na ação de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial».
Em suma, estando-se perante uma ação em que ambas as partes, em abstrato, poderiam beneficiar da presunção registral, ambas ficam obrigadas a cumprir o ónus de prova dos factos constitutivos do direito que invocam, de acordo com as regras de direito substantivo, não podendo beneficiar das presunções decorrentes do Código de Registo Predial.
De igual modo também fica afastada a consideração da força probatória plena dos documentos donde resulta a descrição registral dos prédios de que as partes são titulares (cfr. Art. 371.º n.º 1 do C.C.), porque essa força probatória anula-se mutuamente pela contradição entre os dois documentos autênticos considerados (v.g. docs. n.º 4 e n.º 7 da petição inicial).  Mesmo sendo certo que, como logo referimos, de nenhum deles decorra diretamente a prova plena do facto de que a parcela em discussão nesta ação está incluída no prédio da A. ou no prédio da R..
Quanto ao documento n.º 1 da petição inicial, verificamos que é uma imagem aérea da localidade em discussão e, apesar de a A. alegar que delimitou o seu prédio através de cores que faziam incluir nele a parcela de terreno em discussão, a verdade é que o documento está a preto e branco e foi certamente assim que foi notificado aos R.R.. Logo, esse elemento distintivo, de natureza decorativa, nunca poderia ter o efeito pretendido pela A., no sentido de dele se poder extrair a conclusão que os R.R. admitiram que a parcela em causa era parte integrante da sua propriedade.
Dito isto, a demonstração de que a parcela de terreno em discussão faz parte integrante de um ou de outro dos prédios em causa nesta ação pode ser feita por qualquer meio de prova processualmente atendível, incluindo a prova testemunhal, pois também não tem aplicação ao caso o n.º 2 do Art. 393.º do C.C., porquanto o facto em questão não está plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena.
Em consequência do exposto, importa apreciar toda a prova que foi produzida nos autos relativamente aos factos aqui postos em crise.
Temos de começar por referir que existe um auto de inspeção judicial ao local (cfr. fls. 224 a verso) que se limita a descrever fisicamente a realidade que foi encontrada pela Mm.ª Juíza que presidiu ao julgamento. Dele pouco mais resulta de relevante que a constatação de que: «Na extrema do terreno, onde se alega existir a divisão, encontram-se enterradas pedras de aspeto basáltico, parecendo resultar estarem profundas; do lado da autora, encontrando-se detritos de barro (telhas) e dos lado dos réus, terra cultivada» (cfr. fls. 224 infra).
Mais importante é certamente a prova pericial que consta do relatório de fls. 124 a 138 e dos esclarecimentos a reclamações das partes de fls. 146 a 151, a que acrescem ainda os esclarecimentos prestados oralmente pelo Sr. Perito em audiência de julgamento.
O que de mais relevante resulta dessa prova é a conclusão de que as descrições prediais dos prédios da A. e da 2.ª R. é totalmente alheia à informação de natureza cadastral existente, não sendo possível fazer a correspondência, por não existir cadastro geométrico da propriedade rústica em vigor nesse concelho (cfr. fls. 126 a 127 – resposta ao quesito 1). Quanto à existência de marcos, eles não foram identificados como tal pelo Sr. Perito (cfr. fls. 127 – resposta ao quesito 2), sem prejuízo de o mesmo ter identificado uma divisão de pedra aparelhada (muro) (cfr. fls. 127 – resposta ao quesito 3), tendo conseguido delimitar a parcela de terreno em discussão, conforme levantamento topográfico de fls. 131, 132 e 133, onde a mesma é identificada pela letra “C”.
Em sede de esclarecimentos, o Sr. Perito voltou a reafirmar que inexiste cadastro geométrico da propriedade rústica naquele concelho, o que inviabiliza a possibilidade de validar a identificação dos proprietários dos prédios confinantes de cada um dos prédios em apreço (cfr. fls. 147), sendo que o levantamento topográfico foi feito com base nas indicações dos proprietários, no local e na data agendada (cfr. fls. 148). Também se refere aí que o prédio identificado no levantamento com a letra “A” pertence à A. e tem 716 m2; o prédio com a letra “B” pertence à R. e tem a área de 649 m2; e a parcela de terreno em discussão, identificada pela letra “C”, tem 35 m2 e resulta da sobreposição do prédio “A” e “B” (cfr. fls. 148).
Todas essas informações foram repetidas em audiência pelo Sr. Perito, que voltou então a dizer que não existe cadastro oficial (cfr. gravação aos minutos 7:38 e 13:20) – o que já havia sido afirmado pela DROTA (Direção Regional do Ordenamento do Território e Ambiente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira) cfr. ofício junto a fls. 97. Tal como repetiu que o levantamento topográfico foi feito com a presença de ambas as partes (cfr. gravação aos minutos 13:31), confirmando as áreas dos 2 prédios e da parcela em discussão (cfr gravação aos minutos 32:30), explicitando-se que os 35 m2, dessa pequena parcela de terreno, estão compreendidos dentro das áreas dos prédios identificados no levantamento topográfico com as letras “A” e “B”. Portanto, os 716m2 da área do prédio da A. inclui os 35 m2 da parcela de terreno em discussão e os 649 m2 do prédio da R. também inclui os mesmos 35 m2 em discussão. Consequentemente, as áreas dos dois prédios sobrepõem-se no levantamento topográfico feito (cfr. gravação aos minutos 29:43 e 32:57). Finalmente também se reconheceu a existência visível no local de um pequeno muro divisório de pedras (cfr. gravação aos minutos 23:00, 37:10. 45:00, 49:50, 50:13).
Em suma, razões não existem para deixarmos de ponderar a existência objetiva duma área de 35 m2, cuja propriedade é discutida por ambas as partes, com a configuração constante do levantamento topográfico de fls. 131 a 133.
Essa área corresponderá fundamentalmente ao espaço que se mostra documentado na fotografia de fls. 19 (doc. 8 da p.i), onde é visível um “carreiro” de pedras, que faz adivinhar a existência de um muro divisório, que aparece de novo na fotografia de fls. 21 supra (doc. 10 da p.i.). Será essa a realidade que foi descrita no auto de inspeção ao local de fls. 224, que supra transcrevemos.
Passando agora aos depoimentos testemunhais e declarações de parte gravados, não podemos deixar de realçar a má qualidade da gravação dos depoimentos testemunhais de A…, HE, MCM, JC e ALF, que dificultou muito a perceção das suas declarações. Em todo o caso, auscultada toda a prova gravada em audiência, ficámos com uma ideia clara do sentido da prova produzida e temos de reconhecer ter de concordar genericamente com a apreciação feita dessa prova pela Mm.ª Juíza a quo.
Mesmo que as declarações de parte do R. JG, que é pai da co-R., MS, não sejam particularmente relevantes para determinar a veracidade dos factos provados aqui postos em crise, até porque não aparentou ter conhecimento efetivo dos limites da propriedade que disse ter comprado para a sua filha, pelo menos relevam as suas declarações na parte em que confirmam a diligência ocorrida com a presença da A., dum sobrinho desta e do Presidente da Junta de Freguesia, com vista a apurar a existência de marcos ou linhas divisórias entre as duas propriedades na zona em discussão.
A testemunha A…, senhora de 82 anos de idade, que visitou a casa da 2.ª R., quando lá viviam os antigos proprietários, tinha a ideia que essa casa não tinha terreno para o lado do muro (cfr. gravação aos minutos 7:47 a 9:51), pois visitava a casa quando era pequena (cfr. gravação aos minutos 27:07). Mas reconheceu que há mais de 50 anos que esteve fora e não frequenta aquela casa, tendo revelado, a certa altura, uma estranha animosidade contra a D.  (anterior proprietária da casa da R.) (cfr. gravação aos minutos 25:30), acabando por não ter conhecimento da configuração do terreno em discussão, quando foi confrontada com as fotografias juntas aos autos, referindo não reconhecer a casa (da R.), o tanque, ou o contador, e até dizendo que não sabe de quem é esse terreno, isto quando lhe foi apresentada fotografia da parcela em discussão (cfr. gravação aos minutos 35:10).
HE, senhora de 52 anos de idade, também parece ter dito que a casa que agora é da R. não teria terreno para o lado de baixo (cfr. gravação aos minutos 16:42), mas depois de confrontada com as fotografias, também disse não saber de quem era esse terreno (cfr. gravação aos minutos 24:30 e 33:24), nem soube identificar a casa que aparece nas fotografias, tendo afirmado que não costuma ir a esse sítio com frequência, não conhecendo a situação atual ou a anterior (cfr. gravação aos minutos 20:50 e 21:50). Apesar disso referiu que trabalhou, com 15 ou 16 anos de idade, para a Dona CL... (mãe da anterior proprietária do prédio da R.) e que esta nunca cultivou essa parcela de terreno (cfr. gravação aos minutos 29:00). Mais à frente, um tanto contraditoriamente, reconheceu que o depósito existente na parcela era da Dona CL..., que esta era dona do terreno até ao poste de ferro (cfr. gravação aos minutos 41:30 a 46:38).
MCM, senhora de 76 anos de idade, referiu que nunca trabalhou no terreno em causa, mas também disse que não sabia de quem era esse terreno (cfr. gravação aos minutos 14:21 a 15:20), referindo ter ido apanhar uvas a pedido do Sr. D…, que era procurador dos proprietários do prédio que hoje é da A. (cfr. gravação aos minutos 18:30). Mesmo depois de confrontada com as fotografias (doc. n.º 8 de fls. 19) revelou que esse terreno estava “perdido”, que não sabia quem era o seu proprietário da casa da fotografia (cfr. gravação aos minutos 23:00). Mas soube dizer que existiam aí laranjeiras (cfr. gravação aos minutos 29:36), admitindo que fossem do proprietário do terreno de baixo (cfr. gravação aos minutos 31:10 a 32:36), não reconhecendo a existência de qualquer divisória no local.
FGP veio afirmar que o terreno era um todo, sem divisórias, e pertencia à Tia ... que a chamava para apanhar as uvas, há uns 50 anos atrás.
JC, primo da A., disse que também trabalhou para a Tia ..., referindo-se à existência no local duma vinha e à existência de um tanque de água, nunca tendo visto a prima cultivar esse terreno, nem sabe de quem são (cfr. gravação aos minutos 16:16). Só frequentou a casa durante 3 ou 4 anos, quando tinha 7 a 10 anos de idade, desconhecendo de quem são o depósito e o contador de água. (cfr. gravação aos minutos 17:00 e 17:30).
ALF disse logo que a A. era a dona duma casa com terreno, tal como a R., mas o terreno desta é para trás da casa (cfr. gravação aos minutos 3:16 a 4:21), sendo que não existe divisórias no terreno da A.. Tratou da vinha para a Dona ... (cfr. gravação aos minutos 5:08), há uns 20 anos atrás, nunca mais tendo voltado ao terreno (cfr. gravação aos minutos 6:00). Também reconheceu que existiam laranjeiras no local, que não eram apanhadas pela Dona ..., mas limpou a zona das laranjeiras a pedido da Dona ... (cfr. gravação aos minutos 15:09 a 16:30).
AMP, senhora de 74 anos de idade, que ia ao prédio com 8 ou 9 anos de idade (em 1957), trabalhava para o Sr. … e Sra. … (cunhada do Sr. ...), na casa que foi comprada pela Dona , lembrou-se que existia aí uma figueira e umas laranjeiras e uns paus de galinheiro. Afirmou que o terreno era do Sr. ... (cfr. gravação aos minutos 9:09), que a vinha era do lado do Sr. ... (cfr. gravação aos minutos 13:29) e não se lembra de haver pedras a dividir o terreno (cfr. gravação aos minutos14:41). No entanto, reconheceu que as laranjeiras e a figueira eram parte do terreno da  … (anterior proprietária do terreno que hoje pertence à 1.ª R.) (cfr. gravação aos minutos 23:50).
TPS, senhora de 86 anos de idade, viveu 20 anos na casa que agora é da R., dizendo que o terreiro aí existente dava acesso a essa casa e tinham uma figueira e uma laranjeira no seu terreno (cfr. gravação aos minutos 5:50 e 6:15), que o tanque que se vê nas fotografias era da mãe da testemunha e o seu terreno estava vedado com paus de urze (cfr. gravação aos minutos 7:05 a 11:35). Também havia uma parreira de uva, sendo que o pedacinho de terreno em discussão era da sua casa, não era da Sr.ª …, só o  resto é que seria então do Sr. ... (cfr. gravação aos minutos 10:40 a 14:20).
JF também disse que trabalhou nessa casa, no tempo da Dona  …, quando tinha 14 anos de idade, tendo emigrado em 1974 com 26 anos de idade. Lembrou-se que haviam laranjeiras no pedacinho de terreno e uma figueira (cfr. gravação aos minutos 4:22). Também se lembra duma carreira de urze que servia de vedação (cfr. gravação aos minutos 5:48), sendo a restante parte do terreno de baixo doutra pessoa, que não soube identificar (cfr. gravação aos minutos 9:20). Disse que o tanque pertencia à Dona  …, pessoa para quem trabalhou (cfr. gravação aos minutos 10:20), sendo que o tanque esteve sempre nesse sítio (cfr. gravação aos minutos 24:20). A vinha era mais atrás, já perto da porta da casa (cfr. gravação aos minutos 19:28).
Feito este pequeno excurso, verificamos que, até agora, existem depoimentos testemunhais contraditórios, revelando alguns pormenores coincidentes, mas difíceis de conjugar uns com os outros, não nos permitindo só com base neles aferir quem estaria a falar com verdade, sendo certo que também se verifica uma grande dose de desconhecimento efetivo das realidades em discussão.
Restam, no entanto, 3 testemunhas, cujo depoimento se afigura da maior importância e que curiosamente foram ouvidas em último lugar, na ordem de produção da prova gravada na 1.ª instância.
Em primeiro lugar, temos a testemunha LGF, que foi a pessoa que, a pedido do Sr. MaS (um dos vendedores do prédio à 2.ª R. - cfr. doc. de fls. 45 a 48), foi ao local para limpar o terreno em discussão nesta ação, onde existiam umas laranjeiras, uma figueira e uma parreira de vinha (cfr. gravação aos minutos 3:27 a 3:49), tendo para esse efeito entrado em contacto com o Sr. …, que era o procurador dos proprietários do prédio de baixo (ou seja, do prédio que agora pertence à A.) (cfr. gravação aos minutos 4:48). Foi esta testemunha quem verificou que no local existiam umas estacas de urze, que já haviam sido mencionadas por outras testemunhas, como atrás vimos, que serviam de divisória no terreno e queimou tudo para limpar essa zona, constatando que se tratavam de paus de madeira antiga, já bastante apodrecidos (cfr. gravação aos minutos 24:40). Também verificou que existiam pedras no local, que não mexeu, e havia um marco a sul do terreno (cfr. gravação aos minutos 6:17 e 28:10). Foi esta testemunha que, nessa ocasião, em 2011/2012, cortou as laranjeiras e a figueira a pedido do Sr. MaS (cfr. gravação aos minutos 9:30), verificando a existência das pedras, que se vêm nas fotografias, que serviam de divisória, marcando a estrema desde cima, onde havia o marco, até abaixo, perto da zona do contador de água (tal como se vê nas fotografias) (cfr. gravação aos minutos 11:11 a 14:33). Também referiu que foi convocado para estar presente na diligência levada a cabo pelo Sr. Presidente da Junta, mas não pode estar presente.
O depoimento desta testemunha pareceu-nos verdadeiro, espontâneo, imparcial e muito seguro, revelando-nos de forma clara a situação exata em que se encontrava o terreno antes da venda à 1.ª R., em conformidade com as fotografias que se mostram juntas, quer pela A., com a petição inicial, quer pelos R.R., com a sua contestação.
Segue-se o depoimento da testemunha MC, Presidente da Junta de Freguesia, que se deslocou ao local, a pedido da A., para verificar a realidade in situ e apurar se existiam marcos e/ou linhas divisórias visíveis no terreno, o que a testemunha aceitou fazer, desde que estivessem presentes as duas partes, tendo sugerido à A. que esta se fizesse acompanhar por pessoa da sua confiança para procederem aos trabalhos que fossem necessários, o que veio a justificar a presença dum sobrinho da A., JG, que trabalhava para a autarquia (cfr. gravação aos minutos 4:30 a 5:27). É nessa sequência que se vem a descobrir o marco a norte (descrito como uma pedra basáltica), para além de descobrirem os restos das estacas que serviriam de delimitação da divisória e a fileira de pedras, que ficaram à vista, concluindo que essa parte do terreno só poderia fazer parte do prédio que agora é pertença da 2.ª R. (cfr. gravação aos minutos 6:45 a 13:50). Naturalmente associou a parede à existência duma divisória, ligada ao marco que então descobriam, que verificou ser pedra que já ali estaria há muito tempo, devido ao lodo que tinha, e ainda às estacas, tendo procedido então à colocação de um novo marco na outra estrema da parcela do terreno, o que fez, com o acordo de ambas as partes, perto do sítio onde existia um contador de água que pertencia ao prédio que agora pertence à 2.ª R., e que aí já estava há mais de 50 anos (cfr. gravação dos minutos 18:38 a 34:00). Só que a A., depois de inicialmente ter acordado que a linha divisória era aquela, no dia seguinte veio acusar o Sr. Presidente da Junta se ter vendido à parte contrária (cfr. gravação aos minutos 41:20).
Também o depoimento desta testemunha nos pareceu íntegro, verdadeiro e imparcial, revelador da situação exata que encontrou no local e que pode ser constatada pela própria A., que num primeiro momento pareceu aceitar a evidência, mas depois decidiu mudar de opinião.
Finalmente temos o depoimento da testemunha JAP, que é canalizador da autarquia local e que, a pedido do Sr. MaS (anterior proprietário do prédio que hoje pertence à 2.ª R.), foi cortar a abastecimento da água a esse prédio, vindo depois, a pedido já da nova proprietária, a colocar um novo contador de água, precisamente no mesmo sítio onde se encontrava o anterior. Este depoimento que também foi imparcial, sério, verdadeiro e completamente desinteressado, mostra-se relevante porque nos permite verificar que esse contador de água, que aparece nas fotografias de fls. 19 (doc. 8 da p.i.), 21 (doc. 11 da p.i.), fls. 50 (doc. 3 da contestação),  fls. 54 a 56 (doc.s 7 a 9 da contestação) e fls. 59 (doc. 12 da contestação), encontra-se instalado numa parede de pedra que é parte integrante da parcela de terreno em discussão nesta ação. Ora, foi referido que esse contador, que serve a casa da R., já existia há mais de 50 anos, não sendo crível que tal instalação pudesse ser feita em prédio alheio.
Sendo esta a nossa apreciação da prova produzida, vejamos agora os factos provados postos em crise pela presente apelação.
O facto 5 resulta demonstrado das fotografias de fls. 19 (doc. 8 da petição inicial) e fls. 21 (doc. 10 da petição inicial), foi descrito na inspeção ao local e mencionado pelo Sr. Perito, sendo igualmente confirmado pelas testemunhas LF e MC, que nos ofereceram maior credibilidade, sendo o seu depoimento coerente com a realidade fotografada e mais recente, embora reveladora de indícios que se afiguram de alguma antiguidade, verificados no local.
O facto 6 resulta igualmente das mesmas fotografias, do descrito na inspeção ao local e é mencionado nos relatórios periciais, sendo confirmado pelas mesmas duas testemunhas.
O facto 7 reporta-se à realidade retratada na fotografia de fls. 20 (doc. n.º 9 da p.i.), mesmo que se possa discutir se esse elemento possa servir efetivamente de linha delimitadora, como é referido no relatório pericial.
O facto 8 não foi especificamente referido pela testemunha MC, que era o Presidente da Junta em menção, mas foi afirmado nesses termos pelo R. JG, em declarações de parte (cfr. gravação aos minutos 45:38 a 46:00). Trata-se de pormenor pouco relevante, mas também não foi feita prova do contrário, admitindo-se perfeitamente que tenha sido feito nesses termos.
O facto 9 foi confirmado pela testemunha MC, como vimos anteriormente, e também pelo R., ouvido em declarações de parte, o que não foi infirmado por nenhuma outra prova, julgando-se que foi feita prova mais que suficiente e credível sobre essa matéria.
O facto 10 está documentado nas fotografias de fls. 19 (doc. 8 da p.i.), de fls. 21 (doc. 11 da p..), fls. 50 (doc. 3 da contestação), fls. 54 (doc. 8 da contestação), fls. 56 (doc. 9 da contestação) e fls. 59 (doc. n.º 12 da contestação), tendo sido referido por inúmeras testemunhas, como tivemos oportunidade de mencionar atrás. Aliás, a conclusão 80 não se reporta sequer a este facto como impugnado.
Igualmente não parece que a A. tenha posto em causa os factos 11 a 13, que não são especificamente mencionados na conclusão 80, nem na parte correspondente da motivação.
O facto 14, relativamente ao qual se põe em causa a 1.ª parte, no sentido de que são os R.R. que procedem à limpeza da parcela do terreno, pretendo a Recorrente que isso é feito contra a vontade da A.. Realçamos que esse ponto tem agora nova redação na sentença agora recorrida, sendo que não foi feita prova de que os R.R. limparam a parcela de terreno contra a vontade da A.. A única testemunha que se referiu a semelhantes factos, foi a testemunha LF, que disse que limpou essa parcela com o acordo do procurador do proprietário desse terreno, como atrás deixámos exposto resumidamente. Não foi feita é prova alguma sobre atos de limpeza executados pelos R.R. terem sido realizados contra vontade expressa da A..
Passando ao facto 20, não parece sequer que seja discutível a prova desse facto, que está documentado nas fotografias, nomeadamente na de fls. 54 (doc. 7 da contestação), com a qual foram confrontadas quase todas as testemunhas ouvidas em audiência final, algumas delas identificando clara e indiscutivelmente essa casa como sendo a que pertence à R..
O facto 22 foi aditado pela nova sentença, prolatada na sequência do acórdão de 4 de julho de 2023. Ora, esse ponto foi aditado aos factos provados impugnados de forma in extremis nas conclusões do presente recurso, sem que a esse facto tenha sido dedicada uma linha sequer que justificasse a impugnação.
Sem prejuízo, não houve uma única testemunha que tenha mencionado que a A., pessoalmente, tenha exercido atos sobre parcela de terreno. Houve testemunhas que mencionaram que anteriores proprietários mandaram apanhar uvas ou limpar as laranjeiras, mas relativamente à A. isso não foi dito. Pelo contrário, havia uma noção de que esta parcela, até pouco tempo antes de ter sido promovida a sua venda por iniciativa de MaS, estava votada ao abandono. Sendo certo que depois da venda, apenas os R.R. procederam à sua limpeza e utilização, como ficou provado no ponto 14. Dito isto, motivos não vemos, por isso, para deixar de manter esse facto como provado, até porque a Recorrente também não logrou demonstrar na motivação de recurso razões que justificassem a pretendida alteração de julgamento desse facto para não provado.
Passando agora para os factos não provados, só podemos constar, em face até do resumo feito da prova gravada que foi produzida em audiência final, que não foi produzida qualquer prova relativamente aos factos constantes das alíneas a), b), d) e j). O que justifica que a mesma subsista nos factos não provados.
No que se refere à matéria da alínea i), o problema é que nela se contêm menções a situações algo ambíguas, porque se confunde “marco” com uma referência a “aquela divisória”, acabando por se dar por não provada matéria que em parte parece algo conclusiva.
Sem prejuízo, julgamos que se fez prova da existência de um marco no local, que foi identificado como tal, como resultou do depoimento da testemunha MC e se mostra documentado na fotografia de fls. 53 (documento não numerado, junto com a contestação entre o doc. n.º 5 e os docs. n.ºs 6 e 7). Mas esse marco era evidentemente insuficiente para delimitar a estrema em toda a sua extensão, por falta outro marco do lado oposto da parcela de terreno. Só que suplementarmente existia uma “divisória”, feita por um alinhamento de pedras e estacas (estas praticamente todas arrancadas), sendo que esses elementos foram identificados na perícia (cfr. relatório a fls. 127 – resposta ao quesito 2), mas relativamente aos mesmos foi deixado ao critério a ponderação sobre se poderiam corresponder às regras do anexo junto a fls. 150, ficando ainda por esclarecer se essas regras eram as costumeiramente aplicadas pela população local no momento em que o marco e o alinhamento foram ali colocados. Perante o assim exposto e o efetivamente verificado, o julgamento que melhor se adequa será mesmo o de julgar este facto por não provado.
Em face de todo o exposto, julgamos que improcede in totum a impugnação da matéria de facto, devendo a factualidade provada e não provada na sentença de que ora se recorre manter-se nos seus precisos termos.
3. Do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
Passando agora ao conhecimento do mérito da causa, importa ter em conta que está agora claro que o objeto do presente litígio restringe-se ao reconhecimento do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que A. e a 2.ª R. entendem que se encontra integrada nos prédios de que cada uma é efetivamente titular.
É verdade que a A. pediu que fosse reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado em 1.º da petição inicial, condenando-se os R.R. a restituírem a parcela de terreno à A. e a absterem-se da prática de qualquer ato que a impeça de exercer plenamente o seu direito. Mas não existe qualquer litígio quanto ao reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial no seu todo. O litígio esteve objetivamente sempre restrito a uma parcela desse prédio, que se apurou, com a produção da prova, ter apenas 35 m2 e que se mostra identificada pela letra “C” no levantamento topográfico feito pelo Sr. Perito a fls. 131 a 133.
Os R.R., no seu pedido reconvencional, por seu turno, também pediram a condenação da A. a reconhecer que a parcela de terreno localizada na parte da frente da parte urbana do prédio identificado em 2.º da petição inicial faz parte integrante deste último.
Em suma, nem a A., nem os R.R., identificaram de forma muito precisa a parcela de terreno a que se reportava o seu litígio e, portanto, os seus pedidos careciam evidentemente de maior concretização, que só se logrou obter com a instrução do processo, designadamente com a prova pericial.
Em função do que já fomos dizendo sobre a instrução da causa e apreciação da prova produzida, ficou claro que a parcela de terreno em discussão está efetivamente incluída na área da descrição predial do prédio inscrito a favor da A., conforme factos provados nos pontos 1 e 2 da sentença recorrida, e do prédio inscrito a favor da 2.ª R., conforme factos provados nos pontos 3 e 4. Consequentemente, as descrições prediais reportam-se a matrizes que se sobrepõe mutuamente numa área de 35 m2, que está identificada pela letra “C” no levantamento topográfico de fls. 131 a 133.
Temos também de referir que existe uma discrepância de áreas relativamente aos prédios inscritos a favor da A. e da 2.ª R. por comparação com o resultado da perícia, que nos revela uma implantação dessas propriedades com uma extensão muito superior à registada.
Veja-se que o prédio inscrito a favor da A. tem a área de 520 m2 (cfr. docs. de fls. 11 a 14), mas na perícia apurou-se que tem uma implantação de 716m2 (cfr. fls. 148). Já o prédio da R. tem uma área matricial registada de 230 m2 (cfr. doc. de fls. 15 a 18), mas a perícia apurou uma implantação de 649 m2 (cfr. fls. 148).
Em todo o caso, é perfeitamente possível que na área identificada no levantamento topográfico como correspondendo à implantação desses prédios se incluam outras áreas que incluam outras matrizes prediais, que não aquelas a que se reportam os documentos 2 e 7 juntos com a petição inicial.
Seja como for, é inequívoco que os 35 m2 da parcela de terreno em litígio corresponde a uma área descoberta que se inclui nas matrizes e descrições prediais de ambos os prédios considerados.
Como ambas as partes pretendem reivindicar essa parcela de terreno como fazendo parte dos prédios que se mostram registados a seu favor, qualquer delas teria direito a ver reconhecido esse direito, nos termos do Art. 1311.º do C.C..
No entanto, como logo fizemos notar a quando da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nenhuma das partes pode invocar  em seu benefício as presunções de titularidade emergentes do registo predial, pois tem aplicação ao caso a jurisprudência fixada pelo STJ, no AUJ n.º 1/2017 de 22 de fevereiro (publicado no D.R. n.º 38/2017, Série I de 2017-02-22, páginas 1049 – 1057), que determina que: «Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções».
Portanto, competiria a cada uma das partes, como facto constitutivo do seu direito, deduzido a título principal ou reconvencional, provar que a parcela de terreno em discussão pertence ao prédio inscrito no registo a seu favor e não ao registado a favor da outra parte (cfr. Art. 342.º n.º 1 do C.C.).
Ora, ficou provado que no local existia uma estrema, com elementos que delimitam a parcela de terreno com 35 m2 (cfr. factos provados 5 e 7), não se tendo provado que ela tenha sido forjada para simular uma divisória com o prédio da A. (cfr. facto não provado na alínea b).
Mais, nessa parcela de terreno existem elementos que estão associados ao uso dessa parcela pelos R.R., como sejam o tanque e o contador de água que serve a casa da 2.ª R. (cfr. factos provados em 10, 11, 12 e 21), sendo que os R.R. procedem à sua limpeza e normal utilização (cfr. factos provados 13 e 14) e a A. nunca agiu sobre ela como se a mesma estivessem incluída na sua propriedade (cfr. factos 15 e 22).
A tudo acresce que, essa estrema veio a ser descoberta, no decurso dum esforço conjunto, com a participação de A. e R. e do Presidente da Junta de Freguesia local (cfr. factos provados 7 a 9). Pelo que, ficou provado que existia uma divisória material a separar essa parcela de terreno, que fica à frente da casa da 2.ª R. (cfr. facto provado 20), do restante terreno que se mostra inscrito a favor da A..
Em conclusão, os R.R. lograram provar os factos que alegaram na contestação como causa de pedir do pedido reconvencional que formularam, mas a A. não logrou provar os factos que alegou na petição inicial como causa de pedir do seu pedido de reivindicação. Pelo que, só poderemos concordar com a sentença recorrida, que deve ser mantida nos seus precisos termos, improcedendo todas as conclusões de recurso apresentadas em sentido diverso do exposto.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, por não provada, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pela Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 5 de novembro de 2024
Carlos Oliveira
Micaela Sousa
Luís Pires de Sousa