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ACÇÃO CONTRA O ESTADO PORTIGUÊS
CONTESTAÇÃO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
BENEFÍCIO CONCEDIDO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
APROVEITAMENTO PELOS DEMAIS RÉUS
Sumário
Numa ação intentada contra o Estado Português (representado pelo Ministério Público) e outros réus, se o Tribunal conceder ao MP a prorrogação do prazo para contestar, nos termos previstos no art. 569º, nº 4 do CPC, tal benefício abrange os demais réus, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA ….. e BB ……. intentaram ação declarativa de condenação contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público (MP) e a Região Autónoma da Madeira (RAM).
O MP foi citado por termo eletrónico de 22-06-2023[1].
A Região Autónoma da Madeira foi citada por carta registada com aviso de receção entregue em 28-06-2023[2].
Em 03-07-2023 o MP apresentou requerimento com o seguinte teor:
“O Ministério Público, vem aos autos à margem supra indicados requerer, ao abrigo do disposto no art. 569º, n.º4, do CPC, a prorrogação do prazo para apresentar a contestação por mais 30 dias (acrescentando-se estes 30 dias ao prazo que já decorre daquele normativo) porquanto, nomeadamente, entre o mais, necessita de efetuar contactos hierárquicos, de averiguar da existência de prova de documental, com o objetivo de obter esclarecimentos, informações e elementos relativos ao processo intentado para a elaboração da contestação, sendo já previsível que nos 30 dias de que dispõem não será possível efetuar essas diligências, que poderão revelar-se úteis para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa”
Apresentados os autos ao Mmº Juiz a quo, em 05-07-2023 este proferiu o seguinte despacho:
“Atentos os argumentos invocados, que se consideram ponderosos, prorroga-se o prazo para a apresentação da contestação por 30 dias (artigo 569º, n.º 4 do Código de Processo Civil).”[3]
Deste despacho foram os autores notificado por comunicação eletrónica remetida à sua ilustre mandatária em 06-07-2023[4], tendo o MP sido notificado por termo eletrónico de 10-07-2023[5].
Em 10-10-2023 a RAM apresentou contestação.[6]
Ocorridos outros desenvolvimentos processuais, que se têm por irrelevantes no contexto da presente causa, em 30-01-2024 foi proferido despacho considerando a contestação apresentada pela RAM intempestiva e, em consequência, ordenando o seu desentranhamento, bem como dos documentos apresentados com a mesma.[7]
Inconformada com tal decisão, veio a RAM dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando alegações cuja motivação resumiu nas seguintes conclusões[8]:
“
a) A Recorrente vem recorrer do despacho que determinou o desentranhamento da sua contestação por alegada extemporaneidade na sua apresentação;
b) A contestação da Recorrente foi apresentada dentro do prazo de contestação do Reu Estado, representado pelo Ministério Publico, prazo esse que havia sido objecto de prorrogação nos termos do n.º 4 do artigo 569.º do CPC;
c) A prorrogação do prazo concedida ao Reu Estado, representado pelo Ministério Publico, aproveitava a Recorrente nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 569.º do CPC;
d) Na sua decisão, o tribunal a quo limitou-se, laconicamente, a sustentar que essa regra na o se aplica “(…) quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado, nos termos do n.º 4 ou do n.º 5. Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dela careça, não se estendendo o benefício aos corréus que não a requeiram”;
e) O tribunal a quo na o se questionou acerca da ratio da soluça o contida n.º 2 do artigo 569.º do CPC que estabelece a regra de que, existindo vários réus e terminando os prazos para a contestação em dias diferentes, todos beneficiam do prazo que terminar em último lugar;
f) Os me ritos dessa soluça o legislativa são evidentes, pois permite que numa circunstância onde as partes do lado passivo tenham interesses divergentes todas possam apresentar a contestação no mesmo prazo, impedindo assim que um dos réus utilize a sua contestação para refutar ou contrariar os argumentos veiculados por outro reu;
g) Tal soluça o permite também, ao invés, que as partes articulem conjuntamente as suas defesas ou que uma das partes subscreva na integra a contestação apresentada pela outra sem correr o risco que essa adesa o seja extemporânea;
h) Pode concluir-se que a norma do n.º 2do artigo569.º do CPC e a manifestação de um autêntico princípio processual de alinhamento dos prazos de contestação;
i) A observância deste princípio em nada contende com os direitos da parte activa nem com a marcha do processo, dado que, o disposto do n.º 2 do artigo 575.º do CPC impo e que sempre se aguarde pelo decurso do prazo de oferecimento de todas as contestações;
j) Inexiste qualquer fundamento material para não aplicar a solução contida no n.º 2 do artigo 569.º do CPC a situação em que o prazo de defesa de um dos réus termine mais tarde em função da prorrogação que lhe foi concedida– tal como sucede no caso dos presentes autos;
k) O facto de o n.º 2 do artigo 569.º do CPC não contemplar expressamente essa situação, não pode constituir impedimento a sua aplicação, atenta desde logo a necessidade de interpretar e aplicar soluções análogas a luz do espírito do sistema;
l) Mesmo em caso de dúvida sobre a melhor interpretação de normas processuais, sempre se devera privilegiar a observância do princípio pro actione, permitindo aplicar aquelas soluções que sejam mais favoráveis ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva;
m) Não existindo norma que proíba que o prazo adicional conferido a um dos réus para contestar seja extensível aos demais réus, deve aceitar-se como solução mais congruente do sistema a aplicação da regra do alinhamento dos prazos de contestação ínsita no n.º2 do artigo 569.º do CPC;
n) Entendimento este que tem sido acolhido pela jurisprudência maioritária dos tribunais superiores portugueses;
o) Deverá assim o despacho recorrido ser revogado, com a admissão da contestação apresentada pela ora Recorrente e demais consequências legais.”
O MP apresentou contra-alegações[9], as quais, contudo, vieram a ser rejeitadas por despacho do Tribunal a quo, com fundamento na sua intempestividade[10]. Este despacho não foi impugnado.
Admitido o recurso, remetidos os autos a este Tribunal, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[11]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[12]).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[13].
Assim sendo, a única questão a apreciar e decidir reside em aferir da tempestividade da contestação apresentada pela ré RAM.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da tempestividade da contestação da ré RAM
Como já se referiu, a única questão a apreciar e decidir reside em aferir da tempestividade da contestação apresentada pela ré RAM.
Uma vez que tal peça processual respeita a uma ação declarativa com processo comum, o prazo para contestar é de 30 dias – art. 569º, nº 1 do CPC.
A ré RAM foi citada por carta registada com aviso de receção recebida em 28-06-2023, razão pela qual, nos termos do disposto no art. 230º, nº 1 do CPC, a citação se considera efetuada nessa mesma data.
Assim sendo, e não se aplicando no caso qualquer dilação, o prazo para contestar iniciou-se no dia subsequente, 29-06-2023, pelo sendo o prazo para contestar de 30 dias (art. 569º, nº 1 do CPC), e tendo o mesmo sofrido uma suspensão entre os dias 16-07-2023 e 31-08-2023 (decorrente das férias judiciais – vd. art. art. 44º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário[14]), o último dia deste prazo ocorreria em 13-09-2023.
Não obstante, nos termos do disposto no art. 139º, nº 5 do CPC, sempre poderia a RAM apresentar a contestação num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, em 14, 15, ou 18-09-2023, mediante o pagamento da multa ali prevista.
Contudo, a contestação da RAM foi apresentada em 10-10-2023, o que levou o Tribunal a quo a concluir pela sua intempestividade.
A apelante discorda deste entendimento, por considerar que tendo o Ministério Público beneficiado de prorrogação de prazo, nos termos do disposto no art. 569º, nº 4 do CPC, tal benefício se estende aos demais réus, por força do estatuído no nº 2 do mesmo preceito.
Vejamos então.
Estabelece o nº 2 do art. 569º do CPC que “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.
Por seu turno, estipulam os nºs 4 e 5 do mesmo preceito:
“4 - Ao Ministério Público é concedida prorrogação do prazo quando careça de informações que não possa obter dentro dele ou quando tenha de aguardar resposta a consulta feita a instância superior; o pedido deve ser fundamentado e a prorrogação não pode, em caso algum, ir além de 30 dias.
5 - Quando o juiz considere que ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa, pode, a requerimento deste e sem prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias.”
Interpretando este normativo, diz PAULO PIMENTA[15]:
“O prazo para a apresentação da contestação é de trinta dias, contados da citação, nos termos do art. 569º 1.
Esta regra sofre, contudo, alguns desvios. Assim, havendo vários réus, se o prazo terminar em dias diferentes, cada um dos demandados ou todos eles podem apresentar a sua contestação até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar (art. 569º 2). Esta solução justifica-se já que, para além de não prejudicar o autor (visto o disposto no art. 575º 2), concede aos vários réus a possibilidade de uma defesa conjunta.
Por outro lado, se o Ministério Público representar o réu, admite-se que aquele prazo seja prorrogado até ao máximo de trinta dias, nos casos previstos no nº 4 do art. 569º.
Finalmente, há que atentar na solução constante dos nºs 5 e 6 do art. 569º, que consagra a possibilidade de o prazo da contestação ser prorrogado até ao limite máximo de 30 dias, quando o réu o requeira e o tribunal considere relevantes os motivos invocados. Na base desta previsão está o seguinte: Se normalmente o autor dispõe de condições para preparar a ação que vem instaurar, colhendo elementos e documentos tantas vezes essenciais, que demoram tempo a ser obtidos, e se não está sujeito a prazo apertado para a propositura das ações, é conveniente que, na medida do possível, se propicie algo de similar ao réu, o que se traduz em conceder uma prorrogação do prazo para contestar, quando o tribunal considerar existir motivo poderoso que impeça ou dificulte a organização da defesa no prazo legalmente definido.”
E, em nota de rodapé, acrescenta o mesmo autor:[16]
“No caso de pluralidade de Réus se a prorrogação do prazo da defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se a extensiva os restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do art. 569º 2. Deste modo fica segurada possibilidade de defesa conjunta e em nada se prejudica a celeridade processual, já que os autos sempre aguardariam o decurso do último prazo (cfr. o art. 575º 2).”
Em sentido aproximado, sustenta FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA[17]:
” Se o Ministério Público representar o réu, pode o prazo ser prorrogado até ao máximo 30 dias, nos casos previstos no nº 4 do artº 569 (...), no caso de pluralidade de Réus, se a prorrogação do prazo da defesa for concedida apenas a um deles, tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados (princípio da igualdade das partes); isto para assegurar a possibilidade de uma defesa conjunta, em nada prejudicando a celeridade processual, já que os autos sempre teriam que aguardar o decurso do último prazo deferido (cfr. o nº 2 do artº 569º).”
Em sentido idêntico se pronunciaram ainda ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[18].
De acordo com esta corrente doutrinária, nas situações previstas nos nºs 4 e 5 do art. 569º do CPC, sempre que o Tribunal conceda a um réu representado por advogado ou pelo Ministério Público a prorrogação do prazo para contestar, os demais réus beneficiam do prazo alargado, nos termos previstos no nº 2 do mesmo preceito.
Trata-se, portanto, de uma interpretação extensiva (porque amplia o campo de aplicação do nº 2 do mencionado preceito, centrando-se no termo final do prazo que termine em último lugar, e não necessariamente no seu termo inicial), centrada no elemento teleológico da interpretação (possibilitar uma defesa conjunta), à luz dos princípios do acesso do Direito e aos Tribunais (art. 20º da CRP) e da tutela jurisdicional efetiva (art. 6º da CEDH), com especial ênfase na vertente da igualdade de armas.
Este entendimento tem sido acolhido na jurisprudência – vd. acs.:
- RC 12-09-2017 (Maria João Areias), p. 4632/16.7T8VIS-A.C1;
- RP 28-11-2017 (José Igreja Matos), p. 11403/16.9T8PRT-A.P1;
- RP 18-03-2024 (Nelson Fernandes), p. 3589/23.2T8VNG-A.P1.
Em sentido aproximado, reportando-se a situações em que um dos réus beneficiou de interrupção do prazo para contestar, por ter requerido o benefício de apoio judiciário, e concluindo que os demais réus poderiam tempestivamente apresentar as suas conclusões até ao termo do prazo da contestação do primeiro, vd. acs. RG 07-10-2021 (Rosália Cunha), p. 5784/20.7T8VNF.G1, e RG 11-04-2024 (António Figueiredo de Almeida), p. 1641/23.3T8GMR-A.G1. No sentido oposto, cfr. acs. RL 12-09-2017 (Carla Câmara), p. 2194/16.4T8LSB-A.L1-7, e RP 14-12-2022 (Jorge Seabra), p. 18/21.0T8ALB.P1.
Ainda em sentido semelhante, reportando-se a uma situação em que se discutia a data em que um dos réus foi citado, cfr ac.. RG 27-04-2023 (Sandra Melo), p. 1036/19.3T8BGC.G1.
Em sentido diametralmente oposto, e ainda na vigência do CPC1961 se pronunciaram LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO[19], os quais, reportando-se aos nºs 4 e 5 do art. 486º daquele código sustentaram: “Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dela careça, não se estendendo o benefício aos co-réus que não a requeiram. Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão só a dilação e o prazo peremptório inicial, abstraindo da eventual prorrogação deste por despacho judicial”.
Mais recentemente, já no domínio do CPC2013 o mesmo entendimento foi reiterado por LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE[20] os quais, em anotação ao nº 2 do art. 569º deste código, referem o seguinte:
«A norma não se aplica quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado, nos termos do n.º 4 ou do n.º 5. Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dela careça, não se estendendo o benefício aos corréus que não a requeiram. Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão-só a dilação e o prazo perentório inicial, abstraindo da eventual prorrogação deste por despacho judicial. A manutenção, na revisão de 1995-1996 do CPC de 1961 , da redação do preceito do n.º 2, com rejeição da redação alternativa do art. 381-2 do Projeto da comissão Varela ("até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar"), é. neste sentido, elucidativa.»
Esta tese foi sufragada nos seguintes arestos:
- RL 15-05-2013 (Ana Lucinda Cabral), p. 293/13.3TVLSB.L1-6;
- RL 11-04-2023 (Manuel Ribeiro Marques), p. 1932/19.8T8PDL-U.L1-1;
Havendo que optar, aderimos resolutamente à primeira das teses supra descritas, por corresponder ao entendimento que, de forma mais ampla, mais intensamente protege o direito dos réus ao acesso ao Direito e aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (cm especial ênfase na vertente da igualdade de armas), consagrados no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, fazendo-o sem beliscar qualquer interesse legítimo dos autores.
Não consideramos, por isso, decisivo o argumento invocado por LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, no que respeita ao elemento histórico da interpretação, na medida em que, não se questionando que a tese que propugnam possa corresponder à intenção do legislador da reforma de 1995-1996, ainda assim se entende relevante optar pela tese interpretativa que, sem beliscar de forma alguma os interesses dos autores, tutela, de forma mais intensa o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Assim sendo, considerando que o MP foi citado para os termos da presente causa em 22-06-2023 e que, por despacho proferido em 05-07-2023 esse prazo foi prorrogado por mais 30 dias, tal significa que todos os réus beneficiavam de um prazo de 60 dias, que se iniciou em 23-06-2023, terminando às 24h00m do dia 09-10-2023, podendo qualquer dos réus apresentar a sua contestação num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, em 10-10-2023, 11-10-2023, ou 12-10-2023, mediante o pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 139º do CPC.
No caso vertente, verifica-se que a RAM apresentou a sua contestação em 10-10-2023, e pagou a título de multa quantia de € 51,00, correspondente a ½ UC, isto nos termos previstos na al. a) do nº 1 do art. 139º do CPC.
Nesta conformidade, considerando o disposto no art. 569º, nºs 2 e 4 do CPC, à luz da interpretação que sufragamos concluímos pela tempestividade da contestação apresentada pela ré RAM e, subsequentemente, pela procedência da presente apelação, devendo por isso proceder-se à revogação do despacho apelado, o qual deverá ser substituído por outro que considere tal contestação tempestiva.
3.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, considerando que a taxa de justiça já, se encontra assegurada, que os autores não deram causa ao presente recurso, ou sequer contra-alegaram, e que as contra-alegações do réu Estado Português, apresentadas pelo MP ficaram sem efeito, não havendo encargos a satisfazer, importa concluir não haver quaisquer custas a ter em conta.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso procedente, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que considere tempestiva a contestação apresentada pela ré Região Autónoma da Madeira.
Sem mais custas.
Lisboa, 05 de novembro de 2024 [21]
Diogo Ravara
Ana Mónica Mendonça Pavão
Augusta Ferreira Palma
_______________________________________________________ [1] Refª 53780604. [2] Refª 5320329. [3] Refª 53846284. [4] Refª 53853692. [5] Refª 53853751. [6] Refª 5443807/46727956. [7] Refª 54790627. [8] A apelante, certamente por lapso, atribuiu o nº 9 a duas conclusões diversas, pelo que atribuímos o nº 10 à segunda das conclusões que tinham o nº 9, renumerando as conclusões 10 a 12 como 11 a 13. [9] Refª 5717380/22628, de 08-04-2024. [10] Refª 55337844, de 14-05-2024. [11] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 114-116. [12] Adiante designado pela sigla “CPC”. [13] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116. [14] Aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26-08, retificada pela Decl. Retif. 42/2013, de 24-10; alterada pela Lei 40-A/2016, de 22-12; pela Lei 94/2017, de 23-08; pela Lei Orgânica nº 4/2017, de 25-08; pela Lei 23/2018, de 05-06; pelo DL 110/2018, de 10-12; pela Lei 19/2019, de 19-02; pela Lei 27/2019, de 28-03; pela Lei 55-2019, de 05-08, pela Lei 107/2019, de 09-09, pela Lei 77/2021, de 23-11; pela Lei 35/2023, de 21-07, e pela Lei 18/2024, de 05-02. Passaremos a designar esta lei pela sigla “LOSJ”. [15]“Processo Civil declarativo”, 2ª ed., Almedina, 2018, pp. 212-213. [16] Vd. nota 487, p. 213. [17]“Direito Processual Civil”, Vol. II, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 128. [18]“Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 638. [19]“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2001, p. 307. [20]“Código de Processo Civil Anotado”, 2º vol., 4ª ed., Almedina, 2019, p. 549. [21] Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.