GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I. A fixação de serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sob pena de ser ilegal.
II. Não viola aqueles princípios a não fixação de serviços mínimos para uma greve decretada para o período da manhã (das 9h às 12h30m), em dois dias da semana, interpolados (quartas e sextas-feiras), embora por período indeterminado.
 (sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
Na sequência dos avisos prévios de greve decretadas pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), para todos os Funcionários Judiciais a exercerem funções nos Tribunais e Serviços do Ministério Público, com início a 07.05.2024 e por tempo indeterminado, a vigorar às segundas, terças e quintas feiras, no período da manhã, com início à hora designada para o início das diligências em cada um dos Juízos ou Serviços do Ministério Público e término às 12h30, e greve com início a 08.05.2024 e por tempo  indeterminado a vigorar todas as manhãs de quarta e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, em todas as unidades orgânicas/juízos dos Tribunais e Serviços do Ministério Público, por Acórdão de 02.05.2024 o Colégio Arbitral decidiu, por unanimidade, para a greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas feiras, a partir do dia 08.05.2024 e por tempo indeterminado, entre as 9h e as 12h30m, em todas as unidades orgânicas e ou juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público, não fixar quaisquer serviços mínimos.
Inconformado com a decisão do Colégio Arbitral, o Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça recorreu e sintetizou as suas alegações nas seguintes conclusões:
“1ª A decisão o Colégio Arbitral, sob recurso, salvo o devido respeito, que é muito, é ilegal porquanto viola a norma do artigo n.º 398.º, n.º 7, da LTFP, que impõe que na determinação “dos serviços mínimos” sejam respeitados os princípios da “necessidade”, da “adequação” e da “proporcionalidade”.
2ª A decisão arbitral sob escrutínio padece ainda de omissão de pronúncia do Colégio Arbitral, pois não reflete qualquer ponderação concreta da greve em causa, não avaliou o impacto que a ausência de serviços mínimos pode ter para a proteção de outros direitos fundamentais dos cidadãos merecedores de tutela e ignorou totalmente os fundamentos apresentado pelo ora Recorrente, não ponderando à luz do princípio da proporcionalidade, como devia, os danos decorrentes do exercício do direito à greve no confronto com outros direitos fundamentais.
3ª As razões constantes da decisão do Colégio Arbitral não justificam minimamente a ausência de fixação dos serviços mínimos e dos meios para os assegurar, pois não está em causa a imposição de um sistema de funcionamento dos tribunais “que não é imposto em tempos normais/paz social”, “a pretexto da greve dos funcionários judiciais” e sustenta-se numa fundamentação alheia à realidade em causa nos presentes autos, pois apropria-se da argumentação do TRL, transcrevendo parte dos fundamentos do Acórdão de 24.04.2024, que decidiu pela ausência de serviços mínimos na greve decretada pelo SFJ, que vigorou até 26 de abril, relativo ao trabalho suplementar, o que evidencia a total falta de “atenção, racionalidade e ponderação” na análise do caso concreto (contrariamente ao que aquela refere) e a consequente violação dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade.
4ª Impunha-se ao Colégio Arbitral sopesar e ponderar os direitos e interesses em confronto e encontrar uma solução conforme ao Direito, máxime, ao princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, que permitissem conformar os interesses em conflito.
5.ª Com efeito, o direito de greve, enquanto direito fundamental, não é um direito absoluto, ilimitado, está sujeito aos limites resultantes da necessária conciliação com outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no n.º 3 do artigo 57.º da Constituição.
6ª Sendo a administração da justiça um setor com relevância social suscetível de gerar necessidades (atenta a natureza dos direitos fundamentais dos cidadãos em causa) cuja satisfação imediata é impreterível e indispensável para a salvaguarda direitos de detidos, de presos, de menores, direitos com a mesma dignidade constitucional que foi conferida pela CRP ao direito à greve, justifica-se o recurso à prestação de serviços mínimos e dos meios necessários e suficientes para os garantir, nos termos legalmente previstos.
7ª Ademais, as caraterísticas da greve decretadas pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, por tempo indeterminado, conjugadas com o facto de, simultaneamente, coexistirem outras greves, decretadas pelo mesmo sindicato, bem como pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, constitui, indubitavelmente, uma perturbação desrazoável nos Tribunais e nas Procuradorias da República e departamentos do Ministério Público e, consequentemente, potencia a desproteção de direitos de terceiros, pela não promoção das diligências, necessárias a garantir a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias.
8ª Aliás, a possibilidade de ocorrência de danos irreversíveis nos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente nos direitos fundamentais à justiça e à segurança, à vida, à integridade física, à liberdade, decorrentes da não fixação de serviços mínimos, foi, recentemente, profusamente evidenciada, na comunicação social escrita e audiovisual.
9ª Pelo que é expectável que o mesmo tipo de ocorrências (ou mais graves) possam vir a verificar-se, realçando-se a dimensão dos efeitos da greve, convocada por tempo indeterminado, para a ocorrência de grave perturbação dos serviços à semelhança da greve de abril, intoleravelmente nocivos para as necessidades sociais impreteríveis que cumpre assegurar, atentos, entre outros, por exemplo os feriados de 30 de maio e de 15 de agosto de 2024, bem como o 13 de junho em Lisboa, numa quinta feira em que os tribunais estão encerrados, sendo que nas manhãs de quarta e sexta-feira a greve decretada não tem serviços mínimos e, estando decretada por tempo indeterminado, não é exigível antever todas as concretas situações que se vão gerar durante o tempo de duração da greve (note-se que esta estrutura sindical teve em vigor uma greve durante mais de 20 anos, desde 1999) bem como os feriados que são suscetíveis de colocar em perigo os prazos indicados, desde logo atendendo aos inúmeros feriados municipais e regionais e ao carácter móvel de algum deles.
10ª Efetivamente, nas greves que vigoraram até 26 de abril de 2024, ocorreram graves perturbações na salvaguarda da prática de atos urgentes nos tribunais, que levaram, designadamente, à libertação de vários arguidos, suspeitos de tráfico de droga internacional, detidos em flagrante delito (circunstância, amplamente, difundida pelos órgãos de informação nacional - cfr., a título de exemplo, notícia veiculada pela TVI Notícias, sob o título “Greve judicial está a libertar traficantes de droga”) e, bem assim, à libertação de arguidos detidos na sequência de execução de mandados de detenção (de acordo com a comunicação social, vários detidos no dia de hoje - 24 de abril - foram colocados em liberdade por se ter esgotado o prazo para apresentação a interrogatório judicial), cuja restituição à liberdade, sem prévia realização do respetivo interrogatório judicial, comporta um sério risco de atentarem contra a vida e integridade física do ofendido e ou de colocarem em causa a aquisição de prova.
Também a RTP, no Telejornal do dia 25 de abril noticiou “Detidos Libertados”. Greve na Justiça sem Serviços Mínimos”, referindo que “Cerca de 10 detidos terão saído em liberdade na Área Metropolitana de Lisboa devido à greve dos oficiais de justiça. Entre estes estão suspeitos de homicídio, de violência doméstica e de tráfico de droga”
11ª A espelhar toda esta grave perturbação, refira-se ainda a comunicação recebida na DGAJ, proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (cfr. doc. 2), a dar conhecimento a respeito da greve decretada pelos Oficiais de Justiça. “não tendo sido decretados serviços mínimos e porque não existe turno decretado para o dia de amanhã (25 de abril), o prazo de 48 horas esgotar-se-á sem que os arguidos possam ser presentes a interrogatório judicial. Além disso, os arguidos estão indiciados pela prática de crimes de ofensa à integridade física grave, p.p. pelo art.º 144.º do C.Penal, roubo, p.p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do C.Penal e um crime de sequestro, p.p. pelo art.º 158.º, n.º 1 e 2 al. b) do C.Penal, e a sua libertação comportará um sério risco de atentarem contra a vida e integridade física do ofendido e/ou de colocarem em causa a aquisição da prova.
12ª Ora, a greve não sendo um direito absoluto, tem de reduzir-se a limites socialmente toleráveis e aceitáveis, sendo um dever do Sindicato (vd. art.º 396.º, n.º 2, da LTFP) apresentar a proposta dos serviços mínimos e os meios para os assegurar que satisfaçam os requisitos da necessidade, de adequação e de proporcionalidade capazes de satisfazer as necessidades sociais impreteríveis.
13ª Porém, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, escudado na posição do Tribunal da Relação de Lisboa, entende que não se justifica a fixação de serviços mínimos para a greve a vigorar a partir do dia 8 de maio de 2024, nas manhãs de quartas e sextas-feiras; todavia, a falência deste entendimento propugnado pelo TRL, é evidenciado pelos factos/acontecimentos amplamente divulgados na comunicação social – como supra se mencionou – que tem vindo a ocorrer nas greves dos oficiais de justiça, traduzidos na libertação de detidos, suspeitos de crimes violentos (tráfico de droga, violência doméstica, homicídio) por se ter esgotado o referido prazo de 48 H para apresentação a interrogatório judicial, o que constitui uma solução constitucionalmente inadmissível, por ser especialmente gravosa e prejudicial para a segurança dos cidadãos.
14ª Nestas circunstâncias o nível de afetação da comunidade é particularmente gravoso pelo impacto no direito à segurança, no direito à vida, à integridade física, à liberdade, à luz dos quais deve ser ponderada a greve em causa, porquanto se está perante necessidades sociais impreteríveis, inadiáveis, que não podem ser asseguradas sem a fixação de serviços mínimos.
15ª Tão pouco se vislumbram outros meios menos onerosos que possam obviar à prestação de serviços mínimos na greve dos oficiais de justiça, que põe em causa a administração da justiça - como obviar à libertação de presos, ao risco de vida, aos menores em perigo? Acaso a justiça tem outros sucedâneos quando a justiça é chamada a intervir?
16ª Os serviços mínimos são estabelecidos em defesa de necessidades sociais impreteríveis da comunidade, não de interesses específicos, relativos ao cumprimento de um prazo de 48h estabelecido na lei para a prática de atos urgentes em situação de normalidade, o qual, ademais, foi definido pelo legislador no sentido de prazo máximo limite.
17ª Os serviços mínimos na greve em presença visam a satisfação de necessidades fundamentais da sociedade e a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e não do  empregador público e independentemente da forma como o serviço está organizado.
18ª Deste modo, a DGAJ vem reiteradamente assumindo sempre que é decretada uma greve, a necessidade de haver lugar à definição de serviços mínimos e dos meios necessários de os garantir, atento o facto de os tribunais garantirem/assegurarem a prestação de necessidades sociais impreteríveis e a natureza dos direitos em causa, não pretendendo com isso neutralizar o direito de greve, ou reduzir  substancialmente a sua eficácia, mas, evitar prejuízos extremos e injustificados dela decorrente, como os que têm vindo a verificar-se como é do conhecimento de todos pelo destaque que alcançam na comunicação social.
19ª Não se ignora que os serviços mínimos que visam assegurar as necessidades sociais impreteríveis são apenas aqueles cujo cumprimento seja urgente, inadiável, para não prejudicar irremediavelmente ou pôr em risco grave outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados. Os serviços mínimos são os que se mostrem necessários e adequados para no imediato satisfazer as necessidades sociais evitando prejuízos extremos e injustificados.
20ª Em caso de existência de serviços mínimos, um tribunal pode estar com adesão total à greve, não sendo realizadas as diligências agendadas ou movimentados processos nem cumpridos os despachos, mas sempre assegurará aquele mínimo irrenunciável que permitirá salvaguardar a inexistência de danos nos direitos, liberdades e garantias dos mesmos, sendo que o número dos oficiais de justiça que tem vindo a ser estabelecido para assegurar os serviços mínimos apenas  realiza estes.
21ª Assim, uma ponderação equilibrada e proporcional dos interesses em colisão deveria ter conduzido o Colégio Arbitral ao reconhecimento da necessidade de evitar o perigo dos danos decorrentes do exercício do direito à greve em presença, salvaguardando os direitos dos cidadãos, não acolhendo propostas violadoras dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade no que respeita à fixação dos serviços mínimos.
22ª Com efeito, o Colégio Arbitral não pode, sob pena de violação, abstrair-se dos concretos direitos afetados pela greve e a posição central desses direitos no direito constitucional.
Trata-se de situações de conflito de direitos que devem ser resolvidas em cada greve, não podendo o direito dos trabalhadores grevistas prevalecer em abstrato contra outros direitos constitucionalmente protegidos, de primordial importância, como seja a segurança, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, à proteção de menores em risco.
23ª No caso concreto, a inexistência dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar – solução propugnada pelo SFJ e acolhida pelo Colégio Arbitral na decisão recorrida-coloca em causa a prática de todos os atos urgentes e coloca em risco os direitos assinalados, o que redunda na sua violação.
25ª Pois, a obrigação de prestação de serviços mínimos persiste diariamente para assegurar as diligências/atos de libertação de detidos ou arguidos presos e de todos os atos/diligências urgentes que tenham igualmente de ser asseguradas nesse mesmo dia, particularmente se a adesão dos trabalhadores à greve for muito elevada – o que “ in casu” se perspetiva, atendendo ao período temporal da “greve”.
26ª Assim, se é verdade que o exercício do direito à greve representa um direito fundamental dos trabalhadores, constitucionalmente reconhecido (cfr. art.º 57.º da CRP), não é menos verdade que há que assegurar o respeito pelo direito à liberdade (art.27.º da CRP), nomeadamente o respeito pelo prazo de quarenta e oito horas para a apreciação judicial da situação de detenção (n.º 1 do artigo 28.º da CRP), o respeito pelos prazos e condições legais da prisão preventiva e das demais medidas de coação restritivas da liberdade (nºs 2,3 e 4 do artigo 28.º) e ainda garantir os direitos de crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo, objetivo prosseguido com a prestação de serviços mínimos.
27ª Sendo o conceito de serviços mínimos um conceito indeterminado, dependendo de aferições concretas de oportunidade e relatividade, relevando particularmente o setor em que a greve ocorre e a gradação valorativa de serviços, não poderia o Colégio Arbitral deixar de atender  aos concretos direitos em conflito e às circunstâncias envolventes – que não foram apreciadas no caso concreto- e fixar serviços mínimos, sob pena de irremediável prejuízo.
28ª Os serviços mínimos - in casu, a ausência de fixação de serviços mínimos - não podem ser objeto de uma delimitação precisa que valha para todas as situações de greve, contrariamente ao entendimento defendido pelo SFJ e pelo TRL, com o argumento de que o prazo de 48H para a prática de atos é suficiente e “não colide com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.
29ª Donde, o Colégio Arbitral deveria ter atendido às circunstâncias concretas da greve decretada, considerando que se encontram vigentes outras greves abrangendo o mesmo universo (oficiais de justiça), de modo a que não serem restringidos, injustificadamente, os direitos fundamentais de terceiros, que colidam com o direito à greve, pela ausência de prestação de serviços mínimos indispensáveis, observando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
30ª Mais uma vez se sublinha que esta greve não pode ser apreciada de forma parcelar das demais, mas tendo em consideração as já vigentes e em curso, pelo que, no limite, existe um período de greve decretado a todas as horas do dia, todos os dias da semana; a inexistência de serviços mínimos poderá levar, no seu limite, à denegação total de justiça e à ocorrência de danos irreversíveis nos direitos, liberdades e garantias.
31ª Pelo que, não andou bem o Colégio Arbitral ao decidir como decidiu, pois não ponderou  como se impunha a necessidade de prestação de serviços mínimos devidos para assegurar as necessidades sociais impreteríveis.
32ª Reitera-se que a decisão do Colégio Arbitral ao não ter fixado serviços mínimos desrespeitou as regras da greve e dos princípios jurídicos, facto que causará uma perturbação e a um impacto desproporcional na salvaguarda da prática de atos urgentes, sendo certo, que a noção de serviços mínimos não tem a maleabilidade/elasticidade para ser aplicado “dia sim dia não”, em greves que abrangem todo o serviço, dentro e fora do período normal de trabalho diário e decretadas para vigorar por tempo indeterminado.
33ª De todo o exposto, resulta que em face dos direitos e interesses que se pretendiam ver tutelados, deveriam ter sido fixados pelo Colégio Arbitral os serviços mínimos necessários e indispensáveis para cada um dos dias da greve decretada (quartas e sextas-feiras), conforme o disposto no n.º 1 do artigo 397.º da LTFP, pois, só assim se garantia que o próprio exercício do direito à greve era constitucionalmente adequado e equilibrado à proteção dos direitos constitucionalmente protegidos.
34ª Ao decidir como decidiu, fica patente que a decisão recorrida do Colégio Arbitral faz uma errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, violando a lei e os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, porque acaba por restringir injustificadamente os direitos fundamentais de terceiros que colidem com o direito à greve, pela ausência de prestação de serviços mínimos indispensáveis aos interesses coletivos essenciais e impreteríveis.
35ª Termos em que, com o douto suprimento de V.Ex.ªs, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida do Colégio Arbitral.
Assim se fazendo
Justiça”
O Sindicato dos Funcionários Judiciais contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“1. O Recorrido dirigiu às entidades competentes um aviso prévio de greve para todos os funcionários judiciais que exercem funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público, para todas as manhãs de 4ª e 6ª feiras, com início em 7.5.2024, por tempo indeterminado, sem serviços mínimos porque esta greve não colide com direitos, liberdades e garantias.
2. A Recorrente DGAJ solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do art.º 398º n.º 2 da LGTFP e o Colégio Arbitral, nos termos do disposto no art.º 400º da LGTFP, decidiu, por unanimidade que para a greve a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas feiras, entre as 9h e as 12h30m, não fixar quaisquer serviços mínimos porque esta greve não colide com direitos, liberdades e garantias.
3. O presente recurso deu entrada em nome Ministério da Justiça/Direção-geral da Administração da Justiça, sem ter sido junta qualquer procuração, sendo que, a DGAJ não tem poderes para representar o Ministério da Justiça.
4. Dispõe o art.º 11º do CPC que n.º 1 que “A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte” e o n.º 2 que “Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.”
5. Sendo a DGAJ um serviço, integrado no Ministério da Justiça, não dispõe de personalidade jurídica, porque está integrada na pessoa coletiva pública que é o Estado Português (cfr. Decreto-Lei n.º 165/2012, de 31 de julho).
6. Não tendo a Recorrente DGAJ personalidade judiciária, não pode ser parte em juízo, uma vez que quem representa o Estado é o Ministério Público, de acordo com o art.º 24º do CPC.
7. A falta de personalidade judiciária, tal como sucede com a falta de qualquer pressuposto processual, determina que o juiz se abstenha de conhecer o recurso (cfr. art.º 278, nº 1, al. c) do CPC) e tal falta é, em princípio, insuscetível de sanação.
8. Á cautela, sem conceder e apenas por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a Recorrente entende que o acórdão arbitral padece de omissão de pronuncia por não ter avaliado o impacto da ausência dos serviços mínimos, “ignorando os fundamentos apresentados pelo Recorrente”
9. Conforme é referido por Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil Anotado ”São na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
10. Analisado o acórdão arbitral recorrido, e como não é obrigação do Colégio Arbitral apreciar todos os fundamentos que a Recorrente carreou para o processo para defender o seu entendimento, temos que concluir que o Colégio Arbitral respondeu a todas as questões que lhe foram colocadas e que tinha que responder, pelo que, improcede a nulidade do acórdão arbitral por omissão de pronúncia.
11. A Recorrente refere também que o Colégio Arbitral tinha que ter fixado serviços mínimos para a greve marcada para as manhãs de 4ª e 6ª feiras, porque decorrem várias greves (às horas extraordinárias e ao período da tarde esta decretada por outra associação sindical) que causam um impacto desproporcional no funcionamento dos serviços, o que impõe que se tenha que fixar serviços mínimos nesta greve.
12. Ora, o Direito à greve é um dos Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores que só pode ser restringido nos termos admitidos na CRP e tal restrição não pode jamais diminuir o alcance e extensão do conteúdo essencial do direito.
13. Para a Recorrente não se pode aplicar a esta greve (para as manhãs de 4ª e 6ª feira) a jurisprudência do Tribunal da Relação por existirem várias greves (do Recorrido e de outra associação sindical) que implica que o facto do Colégio Arbitral não ter fixado serviços mínimos nesta greve, causa uma perturbação e um impacto desproporcional no funcionamento dos serviços.
14. Constitui jurisprudência pacífica do Tribunal da Relação de Lisboa que para greves de um dia que não recaiam às 2 feiras ou em dia seguinte a feriado, não podem ser decretados serviços mínimos, por não ser não colocado em causa o prazo que o legislador entendeu que é aceitável os atos urgentes serem praticados.
15. Portanto, se o legislador entendeu não impor a existência de tribunais de turno aos domingos ou em dias feriados que não recaiam às 2ª feiras para serem praticado os atos de Apresentação de detidos e arguidos presos á autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes; Realização de atos processuais estritamente indispensáveis á garantia da liberdade das pessoas e os que se destinam a tutelar direitos, liberdades e garantias que, de outro modo, não possam ser exercidos em tempo útil; Adoção de providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e no destino daqueles que se encontrem em perigo; Providências urgentes ao abrigo da Lei de Saúde Mental; por maioria de razão, não podem ser impostos serviços mínimos nesta greve, que abrange as manhãs de 4ª e 6ª feira, por não ser colocado em causa o prazo que o legislador entende ser aceitável para esses atos serem praticados.
16. Nesse sentido, o recente acórdão proferido no processo n.º 629/19.3YRLSB do Tribunal da Relação de Lisboa, onde se decidiu que para a greve decretada para as manhãs de 4ª e 6ª feiras, com início em 20.12.2023 e termo em 26.4.2024: que não viola os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, a não fixação de serviços mínimos para uma greve decretada para o período da manhã (das 9h às 12:30), em dois dias da semana, interpolados (quartas e sextas feiras), durante cerca de 4 meses.
17. A Recorrente entende que não se pode aplicar nesta greve a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, porque existirem várias greves que provocam uma perturbação desproporcional nos serviços e o que a CRP impõe é que a detenção deverá ser submetida a apreciação judicial no mais curto espaço de tempo possível.
18. Sucede que, o entendimento da Recorrente não tem consagração na jurisprudência nem na lei, já que, se o legislador definiu um sistema de turnos que prevê o encerramento dos tribunais por um período que não atinge as 48h (sábado à tarde, domingo e feriados que não recaiam à 2ª feira), terá que se concluir que não é razoável, fixar serviços mínimos para esta greve que abrange as manhãs de 4ª e 6 feira, porque esta greve não põe em causa o prazo máximo das 48h, mesmo que na véspera seja feriado.
19. A greve que aqui se discute respeita às manhãs (das 9h às 12h30m) de 4ª e 6ª feiras, portanto uma greve em dias interpolados, a que acresce o facto de se cingir a uma parte do dia (manhã).
20. Por essa razão a sua coexistência com a greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça e com a greve decretada pelo SFJ às horas extraordinárias não põe em causa a realização de atos e diligências dentro do prazo de 48 horas a que alude o art.º 28º n.º 1 da CRP e demais actos de natureza urgente que a lei visou acautelar com a criação de turnos (cfr. art.º 36º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, Lei da Organização Judiciária).
21. Ou seja, mesmo que ocorra um feriado às 3ª ou 5ª feiras, esta greve não põe, por si só, em causa o prazo de 48h, já que aqueles atos podem ser praticados na parte da tarde das 4ª e 6ª feiras.
22. Todas as greves visam causar impacto e perturbação no desenvolvimento normal do serviço com os consequentes atrasos na realização da Justiça e uma das consequências do exercício do direito à greve é a de que os serviços deixam de funcionar com a normalidade habitual, e não como se não houvesse greve.
23. Como referiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Parecer junto ao processo que correu termos com o n.º 295/24.4YRLSB "Debruçando-nos sobre o caso concreto objeto dos autos, não se enxerga como uma greve, marcada para duas manhãs fixas, interpoladas e não seguidas, durante a semana, ainda que num conjunto de semanas seguido, pode afetar direitos liberdades e garantias dos cidadãos, de forma irreversível e inadmissível."
24. Pelo que, se não estamos perante necessidades que são efetivamente impreteríveis ou inadiáveis, não podem ser decretados serviços mínimos, o que implica que se conclua que não há necessidades impreteríveis que se tenha que restringir o direito de greve com a fixação de serviços mínimos para uma greve que abrange as manhãs de 4ª e 6ª feira.
25. Assim, a intenção da Recorrente pretender impor serviços mínimos para uma greve que abrange as manhãs de 4ª e 6ª feira não respeita os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, porque está salvaguardado o período de 48 horas para a avaliação judicial das situações de privação de liberdade – arco temporal que a lei constitucional e ordinária admite se restrinja ou delimite, o valor da continuidade da prestação dos serviços públicos destinados à salvaguarda dos direitos à liberdade e segurança, individual e coletiva.
Termos em que, devem V.Ex.ªs julgar improcedente o recurso, fazendo assim a habitual JUSTIÇA!”
Recebidos os autos neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer do qual consta, além do mais, o seguinte:
“ (…).
O Sindicato dos Funcionários Judiciais questiona a personalidade jurídica e capacidade judiciária da Direção-geral da Administração da Justiça para interpor o recurso.
Porém, como bem se refere nas doutas contra-alegações, o recurso deu entrada em nome Ministério da Justiça/Direção-geral da Administração da Justiça porque quem recorre é o Estado, através do referido Ministério (que é a entidade pública empregadora), relativamente ao qual não se colocam as alegadas dúvidas à personalidade jurídica e capacidade judiciária.
Quanto à matéria em causa no recurso, desde já se adianta que do sumário do recente acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2024 (processo n.º 295/24.4YRLSB-4, relatora Celina Nóbrega), relativo a outras greves que foram decretadas pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais resulta que foi decidido que:
I. A fixação de serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sob pena de ser ilegal.
II. Não viola aqueles princípios a não fixação de serviços mínimos para uma greve decretada para o período da manhã (das 9h às 12h30m), em dois dias da semana, interpolados (quartas e sextas feiras), durante cerca de quatro meses.
E, como bem refere o SFJ nas suas doutas contra-alegações, o Tribunal da Relação de Lisboa, tem decidido que para greves de um dia que não recaiam às 2ª feiras ou em dia seguinte a feriado, não devem ser decretados serviços mínimos – veja-se por exemplo, o decidido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos nos processos que correram termos com os n.ºs 2/19.0YRLSB, 687/19.0YRLSB, 629/19.3YRLSB, 641/19.2YRLSB, 640/19.4YRLSB, 686/19.2YRLSB e 683/24.6YRLSB, acórdãos que revogaram decisões do Colégio Arbitral que fixaram serviços mínimos para as greves de um dia decretadas pelo SFJ.
Deve então concluir-se, como defende aquele Sindicato “que, para uma greve decretada para as manhãs de 4ª e 6ª feiras, em dias interpolados, com serviços mínimos decretados para a greve marcada para as manhãs de 2ª, 3ª e 5ª feiras, não é colocado em causa qualquer prazo de 48h, prazo esse que o legislador considerou aceitável os atos urgentes serem praticados ou para os detidos serem presentes a juiz”?
Acrescenta aquele sindicato que “mesmo considerando todas as greves (decretadas pelo SFJ e pela outra associação sindical), terá que ser tido em consideração que, existem serviços mínimos para a greve decretada pelo Recorrido para as manhãs de 2ª, 3ª e 5ª feiras, pelo que está sempre assegurado o tal prazo das 48h que o legislador considerou aceitável para os atos urgentes serem praticados, não sendo, portanto, proporcional, adequado ou necessário impor serviços mínimos nesta greve para as manhãs de 4ª e 6ª feiras”.
E conclui, “terá que se concluir que não é razoável fixar serviços mínimos para as manhãs de 4ª e 6ª feira, uma greve em dias interpolados, que não põe, por si só, em causa o prazo das 48h, mesmo que na véspera ocorram um feriado” pelo que a intensão da Recorrente pretender impor serviços mínimos para a greve em causa nos autos “não respeita os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, porque está salvaguardado o período de 48 horas para a avaliação judicial das situações de privação de liberdade – arco temporal que a lei constitucional e ordinária admite se restrinja ou delimite, o valor da continuidade da prestação dos serviços públicos destinados à salvaguarda dos direitos à liberdade e segurança, individual e coletiva”, razão pela qual o Sindicato Recorrido apela no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
Efetivamente, sabendo-se que o direito à greve só pode sofrer restrições, designadamente, com a fixação de serviços mínimos, quando esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis (cf. artigo 57.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa), uma greve, marcada para duas manhãs fixas, interpoladas e não seguidas, durante a semana, em princípio não pode afetar direitos liberdades e garantias dos cidadãos, de forma irreversível e inadmissível, pelo que não exigem a fixação de serviços mínimos.
Por outro lado, a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (que aprovou a Lei Orgânica do Sistema Judiciário) prevê no n.º 2 do artigo 36.º a organização de turnos para a realização do serviço urgente que deva ser executado aos sábados, feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, pelo que, em princípio estes turnos mantêm acauteladas os prazos para realização de diligências de natureza urgente.
No entanto, como alerta o Recorrente, verifica-se que a coexistência da greve em causa nos autos, decretada pelo SFJ para as manhãs de quarta e sexta-feira, por tempo indeterminado, com outras que se encontram ativas, decretadas pelo mesmo sindicato e também pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), também elas por tempo indeterminado, tem a virtualidade de criar, durante a semana, situações paralelas às previstas na Lei Orgânica do Sistema Judiciário, quando nos dias imediatamente anteriores ou posteriores aos dias de greve se verifique a existência de um dia feriado ou de tolerância de ponto.
Recorde-se que, porque aqui não se aplica o princípio da filiação, às greves decretadas pelo SOJ também podem aderir os oficiais de justiça que sejam filiados no SFJ ou mesmo os funcionários que não estejam filiados em qualquer sindicato.
Ora, a definição dos serviços mínimos deve ter em consideração as circunstâncias concretas da greve, incluindo a sua duração e extensão. E se, tal como o SFJ muito bem sustenta, e o Colégio Arbitral decidiu, em princípio, sem fixação de quaisquer serviços mínimos não é previsível que ocorra qualquer problema com os prazos para realização de diligências de natureza urgente, quando a greve ocorrer nos dias imediatamente anteriores ou posteriores a um dia feriado ou de tolerância de ponto, já não será assim, pelo que nos parece impor-se a necessidade de fixação de serviços mínimos com os meios necessários e suficientes para garantir e proteger os aludidos direitos fundamentais dos cidadãos.
Assim sendo, e considerando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no n.º 7 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, somos de parecer que a decisão recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que fixe serviços mínimos nas situações em que no dia imediatamente anterior ou posterior aos dias de greve se verifique existência de um dia feriado ou um dia de tolerância de ponto.”
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Questão Prévia:
Em 09.07.2024, o Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça veio requerer a junção aos autos de procuração forense e ratificação do processado.
Através da mencionada procuração, o Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça, representado pela Sra. Directora-Geral da Administração da Justiça constituiu mandatária a Sra. Dra. AA a quem conferiu os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os poderes especiais para ratificar os actos anteriormente praticados nestes autos.
A procuração foi assinada pelo Sr. Diretor de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional, (Despacho de delegação de competências n.º 7209/2024, de 02 de julho de 2024).
No requerimento de 10.07.2024, o Recorrido, SFJ, para além de juntar aos autos comprovativo de que enviou para o Senhor Árbitro Presidente do Colégio Arbitral, no dia 3.6.2024, as contra-alegações completas e proceder à sua junção, veio invocar o seguinte:
“Por outro lado, constata-se que o Recorrente a fls …. juntou aos autos uma procuração em nome MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/DIREÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, assinada pelo Senhor Diretor de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional, supostamente ao abrigo do Despacho de Delegação de Competências n.º 7209/2024 de 2 de junho.
5. Efetivamente, consta no ponto 7 da delegação de competências da Senhora Diretora-geral, em substituição, no Senhor no Senhor Diretor de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional da Direção-Geral da Administração da Justiça, a competência para “Designar representante da DGAJ nos processos do contencioso administrativo, nos processos de arbitragem relativos à greve e nos recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa”;
6. Contudo, na delegação de competências da Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, que consta no Despacho n.º 7485/2024, de 10 de junho, não consta delegada na Senhora Diretora-geral da Administração da Justiça, em substituição, a competência para representar o Ministério da Justiça em recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa…
7. Se a Senhora Diretora-geral da Administração da Justiça não representa o Ministério da Justiça, nem a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, na delegação de competências que consta no Despacho n.º 7485/2024 lhe delegou a competência para representar o Ministério da Justiça junto do Tribunal da Relação de Lisboa;
8. Tem que se concluir que a Senhora Diretora-geral da Administração da Justiça não pode delegar num Diretor de Serviço da DGAJ uma competência que não tem (representar o Ministério da Justiça em recursos no Tribunal da Relação de Lisboa).
O Ministério da Justiça /DGAJ não se pronunciou.
Nos termos do artigo 4.º, al. d) do Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29 de Dezembro, aprova a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, integram a administração directa do Estado, no âmbito do MJ, os seguintes serviços centrais:
(…)
d) A Direcção-Geral da Administração da Justiça
Por outro lado, o artigo 1.º da Lei n.º 165/2012 de 31 de Julho, aprova a Lei Orgânica da DGAJ, refere que esta “é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa. (cfr. ainda o artigo 4.º al. d) do Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29.12.)
E  do artigo 2.º da mesma Lei, que tem por epígrafe “Missão e atribuições”, não consta que a DGAJ tem poderes para representar o Ministério da Justiça em Juízo.
Nos termos do artigo 4.º do mesmo diploma Legal, “1 — Sem prejuízo das competências que lhe forem conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, compete ao diretor -geral: a) Presidir ao Conselho dos Oficiais de Justiça e nomear os inspetores e secretários de inspeção, sob proposta daquele órgão; b) Representar a DGAJ na Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial.”
O despacho n.º 7209/2024, de 2 de Julho, da Sra. Directora Geral da Administração da Justiça, em regime de substituição, respeita à delegação de competências nos directores de serviços e chefes de divisão da Direção-Geral da Administração da Justiça.
E no ponto 7 consta “- Delego no licenciado BB, designado em regime de substituição para o cargo de Diretor de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional da Direção-Geral da Administração da Justiça, pelo Aviso (extrato) n.º 19200/2023, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 194/2023, de 6 de outubro de 2023, com efeitos a 15 de setembro de 2023, no âmbito dos serviços jurídicos, a prática dos seguintes atos:
a)Designar representante da DGAJ nos processos do contencioso administrativo, nos processos de arbitragem relativos à greve e nos recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa;
(…).”
Por seu turno, no Despacho n.º 7485/2024, de 10 de Julho, da Sra. Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, esta delega competências na  Sra. Diretora-Geral da Administração da Justiça, em regime de substituição, Juíza de Direito CC.
Do referido despacho, como refere o Recorrido, não consta que à Sra. Directora-Geral da Administração da Justiça tenham sido delegados poderes para representar o Ministério da Justiça junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Contudo, do artigo 7.º n.º 1 al. m), da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro,  que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, consta que compete aos titulares dos cargos de direcção superior de 1.º grau (onde se incluem, além de outros, o Director Geral) no âmbito da gestão geral do respectivo serviço ou organismo “Representar o serviço ou organismo que dirige, assim como estabelecer as ligações externas, ao seu nível, com outros serviços e organismos da Administração Pública e com outras entidades congéneres, nacionais, internacionais e estrangeiras.”
Ou seja, a Sra. Directora-Geral tem poderes de representação da DGAJ, pelo que, podia delegá-los, como delegou, no Diretor de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional da Direção-Geral da Administração da Justiça que assinou a procuração junta aos autos.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
No presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
1ª- Da junção de documentos com as alegações de recurso.
2ª- Da alegada omissão de pronúncia da decisão do Colégio Arbitral.
3ª- Se o Acórdão Arbitral é ilegal por não ter fixado serviços mínimos na greve com início a 08.05.2024 e por tempo  indeterminado, a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, em todas as unidades orgânicas/juízos dos Tribunais e Serviços do Ministério Público.
Previamente impõe-se conhecer da questão suscitada pelo Recorrido nas contra-alegações ou seja, da alegada falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária própria para recorrer do  Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça.
Fundamentação de facto
O Colégio Arbitral fixou os seguintes factos:
1.O Sindicato dos Funcionários Judiciais (doravante também designado por SFJ) dirigiu às entidades competentes  dois avisos prévios de greve, para todos os funcionários judiciais a exercerem funções nos Tribunais e Serviços do Ministério Público, às segundas, terças e quintas – feiras, com início a 7 de maio de 2024, e por tempo indeterminado, a vigorar no período da manhã, com início à hora designada para o início das diligências em cada um dos Juízos ou Serviços do Ministério Público e término às 12h30, e greve em todas as manhãs de quarta e sextas-feiras, com início a 8 de maio de 2024, e por tempo indeterminado, entre as 09h00 e as 12h30, e em todas as unidades orgânicas/juízos dos Tribunais e Serviços do Ministério Público.
2. Em face dos avisos prévios, a Direção -Geral da Administração da Justiça (DGAJ), solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, invocando a necessidade de “(…) assegurar a prática de atos destinados à proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, nomeadamente, no que concerne às crianças, jovens de risco, direito de asilo, saúde mental, arguidos detidos (…)”.
3. Em obediência ao previsto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, foi convocada para o dia 24 de abril de 2024, na DGAEP, uma reunião com vista à negociação de um acordo de serviços mínimos para a greve em referência, não tendo sido possível às partes alcançar um acordo quanto aos serviços mínimos e meios necessários para os assegurar durante a greve a ter início no dia 8 de maio de 2024, e por tempo indeterminado para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e Serviços do Ministério Público, para as manhãs de quartas e sextas.
4.Consequentemente, nesse mesmo dia, cumprido o disposto no n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, aplicável por força do artigo 405.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), pelas 13h05m, foi promovido o Sorteio de Árbitros a que alude o artigo 400.º da LTFP, com vista à constituição deste Colégio Arbitral, conforme emerge da respetiva ata, vindo o colégio arbitral a ser constituído com a seguinte composição:
Árbitro Presidente - Dr. DD;
Árbitro Representante dos Trabalhadores - Dra. EE;
Árbitro Representante dos Empregadores Públicos - Dra. FF.
5. Por ofício (via comunicação electrónica) foram as partes notificadas, em nome do Presidente do Colégio Arbitral, para a audição prevista no n.º 2 do artigo 402.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho.
6. As partes pronunciaram-se, em tempo, sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar, nos termos que constam no processo, sendo que, relativamente à pronúncia apresentada pela DGAJ lê-se nas suas conclusões:
“A) (…), em face dos direitos e interesses que se pretendem ver acautelados, devem ser fixados, pelo Colégio Arbitral, os serviços mínimos necessários e os meios indispensáveis a assegurar a sua prestação para a greve decretada também para todas as manhãs de quartas-feiras e sextas-feiras, a partir do dia 8 de maio de 2024, e por tempo indeterminado, entre as 09:00 horas e as 12:30horas, em todas as unidades orgânicas e  ou juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 397.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois, só assim se garante que o próprio exercício do direito à greve seja constitucionalmente adequado e equilibrado à proteção dos direitos constitucionalmente protegidos.
B) Nesta conformidade, a Direção-Geral da Administração da Justiça propugna pela fixação de serviços mínimos, também, às quartas e sextas-feiras, à semelhança dos serviços mínimos fixados para as segundas-feiras, terças-feiras e quintas-feiras (de molde a que haja prestação de serviços mínimos em todos os dias de greve) e quanto aos meios para assegurar os referidos serviços mínimos, deverão ser designados oficiais de justiça nos seguintes termos:
a)1 (u)m oficial de justiça em cada tribunal ou juízo materialmente competente, com exceção do Tribunal Central de Instrução Criminal, e 1 (um) oficial de justiça para os serviços do Ministério Público.
b) 2(dois) oficiais de justiça para os serviços do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).
7. O Sindicato dos Funcionários Judiciais, por sua vez termina a sua pronúncia nos seguintes termos (pontos 39 a 41):
“39.(…)Portanto, a DGAJ tem um entendimento que não tem suporte na lei nem na CRP…
40. Pelo que, existindo serviços mínimos para a greve decretada para as manhãs de 2.ª, 3.ª e 5.ª feira, não é razoável nem proporcional fixar serviços mínimos para a greve decretada pelo SFJ para as manhãs de 4.ª e 6 feiras porque essa greve, por si só não coloca em causa qualquer prazo das 48horas.
41.Ou seja, a intenção da DGAJ, de impor serviços mínimos para a greve decretada para as manhãs de 4.ª e 6ª feiras , quando existem serviços mínimos para a greve decretada para as manhãs de 2.ª, 3ª e 5ª feiras, não respeita os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Pelo que, devem V.Exas decidir não fixar os serviços mínimos para a greve marcada pelo SFJ para as manhãs de 4ª e 6ª feiras, com os mesmos fundamentos que não se justifica fixar serviços mínimos para greves de 1 dia.”
*
Dos documentos juntos aos autos ainda resulta o seguinte facto:
- No Aviso Prévio de Greve a vigorar todas as manhãs de quartas e sextas-feiras, com início a 8 de Maio de 2024, por tempo indeterminado, entre as 09:00 horas e as 12:30horas, em todas as unidades orgânicas/juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e Serviços do Ministério Público, o Sindicato dos Funcionários Judiciais não indicou serviços mínimos na greve decretada, em virtude de se tratar de greve que não colide com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
- As partes acordaram quanto aos serviços mínimos e meios necessários para os assegurar quanto à greve a vigorar a partir de 7 de Maio de 2024, por tempo indeterminado, para as segundas, terças e quintas feiras e não chegaram a acordo quanto aos serviços mínimos e meios necessários para os assegurar durante a greve a ter início no dia 8 de Maio de 2024 e por tempo indeterminado para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e Serviços do Ministério Público, para as manhãs de quartas e sextas feiras.
Fundamentação de direito
Da junção de documentos com as alegações de recurso.
Com as alegações do recurso o Recorrente juntou artigo jornalístico da TVI Notícias sob o título “ Greve Judicial está a libertar traficantes de droga em Lisboa” e uma comunicação (via e-mail), datada de 24.04.2024, do Administrador Judiciário de Viseu, endereçada à DGAJ em que dá conhecimento do teor de um e-mail da Sra. Procuradora  GG dirigido aos Exmos. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Sr. Procurador Coordenador do Ministério Público da Comarca de Viseu e Administrador Judiciário da Comarca de Viseu, no que respeita à apresentação de arguidos detidos a interrogatório judicial e no qual esta dá conta que, relativamente a dois arguidos detidos, o prazo de 48 horas esgotar-se-á atenta a greve decretada pelos Srs. Oficiais de Justiça e por não existir turno no dia 25 de Abril. Mais informa “que os arguidos detidos estão indiciados pela prática de crimes de ofensas à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º do C.Penal, roubo, p.p. pelo art.210.º n.º 1 do C.Penal e um crime de sequestro, p.p. pelo art.158.º n.º 1 e 2 al .n) do C. Penal, e e a sua libertação comportará um risco sério de atentarem  contra a vida e integridade física do ofendido e/ou de colocarem em causa a aquisição da prova”. E solicita a indicação de oficial de justiça que possa tramitar o inquérito em causa.   
Estatui o artigo 651.º nº 1 do CPC, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo as partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Por seu turno, dispõe o artigo 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Assim, na fase de recurso, a junção de documentos apenas é permitida se não tiver sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Analisados os autos resulta que a DGAJ já tinha juntado os mencionados documentos quando alegou na sequência da notificação a que alude o n.º 2 do artigo 402.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho (LGTFP), pelo que não há que admitir a sua junção com as alegações de recurso.
*
Debrucemo-nos, agora, sobre a questão da alegada falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária própria para recorrer do Ministério da Justiça/ Direcção Geral da Administração da Justiça.
Nas contra-alegações invoca o Recorrido, Sindicato dos Funcionários Judiciais que sendo a Recorrente (DGAJ), na orgânica do Governo, um serviço integrado no Ministério da Justiça sem personalidade jurídica, é destituída de personalidade jurídica e judiciária, logo insusceptível de ser parte no presente recurso e, uma vez que o CPC não tem norma como o n.º 2 do art.º 10º do CPTA que dispõe, “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, a parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado”, então, impõe-se concluir que a Recorrente DGAJ não tendo personalidade jurídica, face ao critério geral de equiparação previsto no artigo 11.º n.º 2 do CPC, não dispõe igualmente de personalidade judiciária sendo certo que não lhe é aplicável qualquer das excepções previstas nos artigos 12.º e 13.º do CPC. Conclui que a Recorrente DGAJ não tem personalidade judiciária, não podendo ser parte em juízo.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 16.º do DL n.º 259/2009, de 25 de Setembro que “O tribunal arbitral decide todas as questões processuais.”
A questão nunca foi colocada à apreciação do Colégio Arbitral, pelo que trata-se de questão nova.
Contudo, sendo a apreciação dos invocados pressupostos processuais de conhecimento oficioso (arts. 577.º al. c) e 578.º do CPC) impõe-se a sua apreciação por parte deste Tribunal.
Nos termos do artigo 11.º do CPC:
“1- A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.
2- Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.”
E estatui o artigo 15.º do CPC:
“1 - A capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo.
2 - A capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos.”
No caso presente o recurso foi interposto pela “Entidade Empregadora Pública- Ministério da Justiça/Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ).”
Sucede que apenas o Estado tem personalidade jurídica e porque tem personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária, sendo certo que a falta de personalidade judiciária é insuprível.
Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do CPC “ O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído.”
No caso, o Ministério Público emitiu Parecer nos termos do artigo 87.º n.º 3 do CPT não assumindo, assim, a representação do Estado.
Sucede, porém, que tal não obsta a que seja o Estado a estar em juízo. Com efeito, na presente acção, é o Estado que está em juízo, representado pelo Ministério da Justiça/DGAJ, sendo certo que, atentas as especificidades do presente processo, entendemos não dever ser afastada a aplicação da norma do n.º 2 do art.º 10º do CPTA, pois toda a fase administrativa decorreu sob a égide da  Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público,  tendo a convocatória sido dirigida à DGAJ, serviço central do Ministério da Justiça, que participou na reunião de promoção de acordo a que se refere o n.º 2 do artigo 398.º da LGTFP, tendo os respectivos representantes assinado a folha de presenças e se pronunciado quanto às greves decretadas pelo SFJ, bem como lhe foi dirigida a notificação para audição, tendo apresentado alegações nos termos do n.º 2 do artigo 402.º da LGTFP (cfr. artigo 3.º al. d) da Portaria n.º 67/2017 de 15 de Fevereiro, que refere que à Direção de Serviços Jurídicos e Cooperação Judiciária Internacional, compete  “Preparar e acompanhar a intervenção da DGAJ em processos jurisdicionais, praticando todos os atos de contencioso administrativo necessários”.
Assim, se é certo que o Ministério da Justiça/ Direcção Geral da Administração da Justiça não gozam de personalidade jurídica, já não podemos afirmar que não gozam de capacidade judiciária (susceptibilidade de estar por si em juízo), a qual lhes é conferida pelo mencionado artigo 10.º n.º 2 do CPTA.
Improcede, pois, a alegada incapacidade judiciária própria para recorrer do Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça no presente processo.
*
Apreciemos, agora, a alegada omissão de pronúncia da decisão do Colégio Arbitral.
Nesta sede invoca a Recorrente que a decisão arbitral padece de omissão de pronúncia por não reflectir qualquer ponderação concreta da greve em causa, não avaliar o impacto que a ausência de serviços mínimos pode ter para a proteção de outros direitos fundamentais dos cidadãos merecedores de tutela e ignorar totalmente os fundamentos apresentado pelo ora Recorrente, não ponderando à luz do princípio da proporcionalidade, como devia, os danos decorrentes do exercício do direito à greve no confronto com outros direitos fundamentais.
Ou seja, a Recorrente aponta à decisão arbitral o vício de nulidade por omissão de pronúncia prevista na 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 21.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de Setembro.
De acordo com a 1ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.”
Esta nulidade decorre da inobservância do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC que determina que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.” A propósito desta nulidade da sentença escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pág. 737: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (…)”.
Também sobre este vício da sentença ensina Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, Coimbra Editora LIM, págs. 142 e 143: “Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do artigo 660.º.Impõe-se ai ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos resulta da infracção do referido dever.
(…).
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Ora, analisado o Acórdão Arbitral constata-se que, embora não tenha analisado todos os argumentos apresentados pelo Recorrente, e como vimos não tinha de o fazer, apreciou a questão que lhe foi colocada (da necessidade de fixar serviços mínimos no período da greve decretada pelo SFJ para todas as quartas e sextas-feiras, a partir do dia 8 de Maio de 2024, entre as 09:00 horas e as 12:30horas, por tempo indeterminado, em todas as unidades orgânicas e ou juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público,
Improcede, pois, a invocada nulidade do Acórdão Arbitral por omissão de pronúncia.
*
Analisemos, por fim, se o Acórdão Arbitral é ilegal por não ter fixado serviços mínimos na greve com início a 08.05.2024 e por tempo  indeterminado, a vigorar todas as manhãs de quarta e sextas-feiras, entre as 9h00 e as 12h30, em todas as unidades orgânicas/juízos dos Tribunais e Serviços do Ministério Público.
O Acórdão Arbitral fundamentou a decisão de não fixar serviços mínimos no período da greve para todas as quartas-feiras e sextas-feiras, a partir do dia 8 de Maio de 2024, entre as 09:00 horas e as 12:30 horas, por tempo indeterminado, em todas as unidades orgânicas e ou juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público, no entendimento constante nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.02.2019, Proc. n.º 2/19.3YRLSB, de 01.04.2019, Proc. n.º 641119.2YRLSB.L1 e de 24.04.2024, Proc. n.º 683/24.6YRLSB cujas passagens transcreveu e concluiu nos seguinte termos:
“ Assim, não se justifica que, a pretexto da greve dos funcionários judiciais, se pretenda impor um sistema de funcionamento dos tribunais que não é imposto em tempos normais/de paz social.
Por isso, analisando o caso concreto, com atenção, racionalidade e ponderação, constatamos que, a existência da decretada greve, não justifica a fixação de serviços mínimos obrigatórios para todas as manhãs de quartas-feiras e sextas feiras, a partir do dia 8 de maio de 2024, e por tempo indeterminado, entre as 09:00horas e as 12:30horas, em todas as unidades orgânicas e ou juízos, para todos os funcionários judiciais a exercer funções nos Tribunais e serviços do Ministério Público.
Defende o Recorrente, em suma, que a decisão do Colégio Arbitral é ilegal porquanto viola a norma do artigo n.º 398.º, n.º 7, da LTFP, que impõe que na determinação “dos serviços mínimos” sejam respeitados os princípios da “necessidade”, da “adequação” e da “proporcionalidade”, as razões constantes da decisão do Colégio Arbitral não justificam minimamente a ausência de fixação dos serviços mínimos e dos meios para os assegurar, pois não está em causa a imposição de um sistema de funcionamento dos tribunais “que não é imposto em tempos normais/paz social”, “a pretexto da greve dos funcionários judiciais” e sustenta-se numa fundamentação alheia à realidade em causa nos presentes autos, pois apropria-se da argumentação do TRL, transcrevendo parte dos fundamentos do Acórdão de 24.04.2024, que decidiu pela ausência de serviços mínimos na greve decretada pelo SFJ, que vigorou até 26 de abril, relativo ao trabalho suplementar, o que evidencia a total falta de “atenção, racionalidade e ponderação” na análise do caso concreto (contrariamente ao que aquela refere) e a consequente violação dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, que as características da greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, por tempo indeterminado, conjugadas com o facto de, simultaneamente, coexistirem outras greves, decretadas pelo mesmo sindicato, bem como pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, constitui, indubitavelmente, uma perturbação desrazoável nos Tribunais e nas Procuradorias da República e departamentos do Ministério Público e, consequentemente, potencia a desproteção de direitos de terceiros, pela não promoção das diligências, necessárias a garantir a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias, que a possibilidade de ocorrência de danos irreversíveis nos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente nos direitos fundamentais à justiça e à segurança, à vida, à integridade física, à liberdade, decorrentes da não fixação de serviços mínimos, foi, recentemente, profusamente evidenciada, na comunicação social escrita e audiovisual, pelo que é expectável que o mesmo tipo de ocorrências (ou mais graves) possam vir a verificar-se, que de acordo com a comunicação social, nas greves que vigoraram até 26 de Abril de 2024, ocorreram graves perturbações na salvaguarda da prática de actos urgentes nos tribunais, que levaram, designadamente, à libertação de vários arguidos, suspeitos de tráfico de droga internacional, detidos em flagrante delito e bem assim, à libertação de arguidos detidos na sequência de execução de mandados de detenção, a  espelhar toda esta grave perturbação, a comunicação recebida na DGAJ, proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu e que a falência do entendimento propugnado pelo TRL, é evidenciado pelos factos/acontecimentos amplamente divulgados na comunicação social que têm vindo a ocorrer nas greves dos oficiais de justiça, traduzidos na libertação de detidos, suspeitos de crimes violentos (tráfico de droga, violência doméstica, homicídio) por se ter esgotado o referido prazo de 48 H para apresentação a interrogatório judicial, o que constitui uma solução constitucionalmente inadmissível, por ser especialmente gravosa e prejudicial para a segurança dos cidadãos e que, no caso concreto, a inexistência dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar coloca em causa a prática de todos os actos urgentes e coloca em risco os direitos assinalados, o que redunda na sua violação.
O Acórdão de 08.05.2024, proferido no Proc. n.º 295/24.4YRLSB, relatado pela ora relatora, apreciou questão semelhante à destes autos ( legalidade da não fixação de serviços mínimos para a greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais para as quartas e sextas-feiras, no período das 9h00 às 12h30m, de 20 de Dezembro de 2023 a 26 de Abril de 2024).
Em tal aresto afirma-se o seguinte:
“O n.º 1 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) inserido no Capítulo III “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores” estatui que “É garantido o direito à greve.”
De acordo com o n.º2 da mesma norma, é aos trabalhadores que compete definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
E nos termos do n.º 3, cabe à lei definir as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Por respeitar aos direitos, liberdades e garantias, este preceito é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art.18.º n.º 1 da CRP).
Em anotação ao artigo 57º da CRP escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª Edição revista, pág. 51: “ Como meio de «acção directa» dos trabalhadores constitucionalmente reconhecido, a greve traduz-se num incumprimento lícito da obrigação de prestação de trabalho, com os prejuízos inerentes para as entidades empregadoras (interrupção da produção, risco de incumprimento de encomendas). Porém, a greve constitui também um sacrifício para os trabalhadores, que perdem o direito à remuneração pelo trabalho não prestado durante a greve, sem nenhuma garantia no sucesso da mesma.”
E na pag.753 da citada obra referem os mesmos autores: “ Dois elementos fundamentais exige a noção constitucional de greve: a) uma acção colectiva e concertada de trabalhadores; b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho.”
Mas como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2011, Proc. 88/11.7YRLSB.L1, consultável em www.dgsi.pt, “Embora a greve constitua um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a mesma não é um direito absoluto, pelo que existindo a possibilidade de confronto ou colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais, também previstos na Constituição, esse direito pode sofrer alguma sorte de restrição nas situações definidas pela lei e com observância de determinados limites.”
Integrando o direito à greve o núcleo dos direitos, liberdades e garantias, a  restrição àquele direito só será admitida nos termos previstos no artigo 18.º n.º 2 da CRP que determina que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
A propósito do artigo 18.º da CRP escrevem os mencionados autores nas páginas 392 e 393 da citada obra: O primeiro pressuposto material de legitimidade das restrições de direitos, liberdades e garantias (cfr, supra nota VI) consiste na exigência de previsão constitucional expressa da respectiva retrição.
(…)
O segundo pressuposto material para a restrição legítima de «direitos, liberdades e garantias» (cfr. nota VI) consiste em que ela só pode se justificar para salvaguardar um outro direito e interesse constitucionalmente protegido.
 O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (vide supra nota VI) consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
(…)
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”
E justificando-se a restrição ao direito à greve esta faz-se mediante a fixação de serviços mínimos.
O n.º 1 do artigo 537.º do Código do Trabalho consagra a obrigação de prestação de serviços mínimos durante a greve quando esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, elencando o seu n.º 2, a título exemplificativo, os serviços que integram tais necessidades, prevendo a al. g) do preceito os “Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;” onde, naturalmente, se incluem os Tribunais. 
Nos termos do artigo 538.º n.º 1 do CT “Os serviços previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores.”
E de acordo com o n.º 5 do artigo 538.º do CT “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.”
Sobre os serviços mínimos, escreve-se na pág. 757 da obra citada: “ No caso dos serviços mínimos deve ter-se em conta que há uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis. Ambos os conceitos carecem de densificação abstracta e concreta: a primeira a efectuar por lei (cfr. Cód. Trab., art.º 598º), por convenção colectiva, ou por acordo com os representantes; a segunda pressupõe a execução caso a caso das disposições legais ou convencionais (cfr. Cód.Trab., art.º 599º) referente à definição de serviços mínimos. Em qualquer caso as medidas definidoras de serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, na medida em que consubstanciam medidas restritivas do direito de greve, devem pautar-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Esta limitação constitucional do direito à greve revela que os direitos dos trabalhadores carecem, como os outros direitos, de tarefas metódicas de concordância prática e de juízos de ponderação e de razoabilidade, não prevalecendo em abstracto contra certos bens constitucionais colectivos, designadamente os que têm a ver com serviços de primacial importância social, como os serviços de saúde, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de resíduos urbanos, de abastecimento de água, e de outros serviços de interesse económico geral» de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmos (princípio da continuidade dos serviços públicos), além de ser uma dimensão organizatória e processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à segurança até ao direito à saúde e bens essenciais.”
E como também se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2013, proc. 454/13.5YRLSB, consultável em www.dgsi.pt,” I - Na medida em que o direito de greve pode colidir com outros direitos com igual dignidade constitucional, a tutela destes impõe que aquele sofra restrições que, todavia, terão de ser as mínimas para permitir a concordância prática dos direitos em colisão e por conseguinte, que não implique a aniquilação de um dos direitos em detrimento do outro.
II - Por isso a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
(…).”
No caso, uma vez que estamos perante trabalhadores com vínculo de emprego público, como são os Funcionários Judiciais, há que apelar ainda ao regime consagrado na Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Dispõe o n.º 1 do artigo 394.º da LGTFP que “A greve constitui um direito dos trabalhadores com vínculo de emprego público.”
Refere o n.º 2 do artigo 396.º da LGTFP que “O aviso prévio deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em órgão ou serviço que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos.”
Sobre a obrigação de prestação de serviços mínimos estatui o n.º 1 do artigo 397.º da LGTFP que “Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.”
Por  seu turno, o n.º 2 da mesma norma elenca, de modo exemplificativo, os órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, aludindo a al. i) aos “ serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado”, onde se integram os Tribunais.
Nos termos do  n.º 3 do mesmo artigo, “As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações”, estatuindo o n.º 4 que “Os trabalhadores que prestem, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações e os afetos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direção do empregador público, tendo direito, nomeadamente, à remuneração.”
Relativamente à definição dos serviços a prestar durante a greve rege o artigo 398.º da LGTFP nos termos seguintes:
“1 - Os serviços previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.
2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o membro do Governo responsável pela área da Administração Pública convoca os representantes dos trabalhadores e os representantes das entidades empregadoras públicas interessadas, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.
3 - Na falta de um acordo até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior compete a um colégio arbitral, composto por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 384.º
4 - O empregador público deve comunicar à DGAEP, nas 24 horas subsequentes à receção do pré-aviso de greve, a necessidade de negociação do acordo previsto no n.º 2.
5 - A decisão do colégio arbitral produz efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no n.º 2 e deve ser afixada nas instalações do órgão ou serviço, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.
6 - Os representantes dos trabalhadores devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até 24 horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador público proceder a essa designação.
7 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.”
Assim, no que respeita à fixação de serviços mínimos, como elucida o sumário do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.2024, Processo n.º 3537/23.0YRLSB, consultável em www.dgsi.pt, “I.–A definição dos serviços mínimos a assegurar durante a greve deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, em ordem à conciliação entre o exercício do direito à greve e necessidades sociais impreteríveis.”
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que, não sendo o direito à greve um direito absoluto poderá o mesmo ser restringido mediante a fixação de serviços mínimos, nos casos em que se imponha assegurar a realização de necessidades sociais impreteríveis; e essa fixação tem de mover-se no quadro dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sob pena de ser ilegal.
Regressando ao caso.
Da simultaneidade de greves:
A greve que aqui se discute respeita às manhãs (das 9h às 12h30m) de quartas e sextas feiras de 20 de Dezembro de 2023 a 26 de Abril de 2024. Trata-se, pois, como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, de uma greve em dias interpolados, a que acresce o facto de se cingir a uma parte do dia (manhã).
Por isso, também entendemos que a sua coexistência com a greve decretada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça e com a greve decretada pelo SFJ às horas extraordinárias não põe em causa a realização de actos e diligências dentro do prazo de 48 horas a que alude o artigo 28 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e demais actos de natureza urgente que a lei visou acautelar com a criação de turnos (cfr. artigo 36.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização Judiciária). Ou seja, uma vez que aqueles actos podem ser praticados na parte da tarde das quartas e sextas feiras, sem prejuízo de serem praticados nos restantes dias da semana para os quais estão fixados serviços mínimos, é de concluir que ficam assegurados os direitos fundamentais que devam ser tramitados de modo urgente na acepção legal.
No que respeita à afirmação da Recorrente de que se impõe a fixação de serviços mínimos na greve decretada para quartas e sextas feiras (manhãs) atenta a realização das eleições marcadas para o dia 4 de Fevereiro de 2024, para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores e para o dia 10 de Março de 2024, para a Assembleia da República, que coincidem com as várias greves, por aquelas envolverem a realização de operações materiais que são urgentes e inadiáveis, que têm de ser praticadas, obrigatoriamente, sob pena de porem em causa o direito fundamental à participação na vida pública e o direito fundamental de acesso ao exercício de cargos públicos, há que referir o seguinte:
Não se ignora a urgência da tramitação dos processos eleitorais e de decisões a proferir no prazo de 24 e 48 horas. Porém, a resposta não diverge da anterior, pois nada existe na Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto) e na Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio), que impeça que os actos relativos ao processo eleitoral possam ser praticados da parte da tarde, no caso, da parte da tarde das quartas e sextas feiras. E como refere o Recorrido, no recurso não foram indicados quais os actos que têm de ser praticados por oficial de justiça, impreterivelmente, nas manhãs de quartas e sextas feiras e que não podem ser praticados da parte da tarde desses dias.
Ora, é certo que tendo sido decretadas greves também para as segundas, terças e quintas feiras, estas com fixação de serviços mínimos, somando a estas a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras, naturalmente que, no seu conjunto, estas greves causam impacto e perturbação no desenvolvimento normal do serviço com os consequentes atrasos na realização da Justiça. Sucede, porém, que uma das consequências do exercício do direito à greve é a de que os serviços deixam de funcionar com a normalidade habitual, e não como se não houvesse greve.  
E uma vez que, pelas razões apontadas, a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras não põe em causa os prazos para a realização de actos e diligências urgentes, não vislumbramos, como não vislumbrou o Colégio Arbitral, que, no caso, seja de afastar a Jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão deste Tribunal de 10.04.2019) no sentido de que para greves de um dia que não recaiam às 2.ªs feiras ou em dia seguinte a feriado, não podem ser decretados serviços mínimos por não estar em causa o prazo legal para a prática dos actos urgentes.
Sendo assim, como entendemos ser, não se pode afirmar, como faz a Recorrente, que estamos perante um artifício ou uso abusivo do direito à greve, na medida em que a greve em causa, atento os termos em que está decretada não põe em causa a satisfação de necessidades impreteríveis dos cidadãos que recorrem à Justiça pois os actos urgentes podem ser praticados dentro dos prazos legais, donde não se impor a fixação de serviços mínimos.
E como refere o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer,  “Debruçando-nos sobre o caso concreto objeto dos autos, não se enxerga como uma greve, marcada para duas manhãs fixas, interpoladas e não seguidas, durante a semana, ainda que num conjunto de semanas seguido, pode afetar direitos liberdades e garantias dos cidadãos, de forma irreversível e inadmissível.”
Resta concluir que o Acórdão Arbitral não merece censura e que improcede a apelação.”
Mantemos o entendimento plasmado no citado Acórdão e acrescenta-se que as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social não constituem prova dos factos alegados pela Recorrente, a quem incumbia essa prova. Por outro lado, a comunicação do Sr. Administrador Judiciário do Tribunal de Viseu também não prova que, por força da greve decretada, ocorreu a libertação dos detidos para interrogatório judicial.
Conclui-se, pois, que a greve decretada para as manhãs de quartas e sextas feiras, não obstante por tempo indeterminado, não põe em causa os prazos para a realização de actos e diligências urgentes, acautelados pela lei civil e penal, pelo que não merece reparo a Decisão Arbitral, improcedendo a apelação.
Decisão
Face ao exposto, acordam as Juízas na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Não admitir a junção aos autos dos documentos que acompanham as alegações de recurso.
- Julgar improcedente a arguida nulidade, por omissão de pronúncia, da Decisão Arbitral
- Julgar o recurso improcedente e confirmar o Acórdão Arbitral recorrido.
Sem custas por delas estar isento o Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 6 de Novembro de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Francisca da Mata Mendes
Paula de Jesus Jorge dos Santos