NORMA INTERPRETATIVA
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I. Tem natureza interpretativa a alteração introduzida ao art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 pela Lei n.º 8/2022 e, portanto, também na sua versão originária, apenas as atas da reunião da assembleia de condóminos que deliberarem o montante das contribuições a pagar ao condomínio com menção do montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações são título executivo;
II. Não podem fundar execução atas em que o valor das contribuições a pagar por cada condómino só seja determinável conjugando o respetivo teor com outros documentos, v.g., orçamento de despesas comuns e título constitutivo da propriedade horizontal.

Texto Integral

Acordam os juízes que integram a 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa quanto à matéria do presente recurso:

I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Tribunal recorrido: Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 3;
- Tipologia de recurso: - Nos autos de embargo de executado;
- Decisão recorrida: - Despacho saneador-sentença;
I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrente/embargado/exequente: - AA;
- Recorrido/embargante/executada: ­- BB -
I.III. Síntese dos autos:
Instaurou o exequente AA, sito no Porto execução contra a executada BB solicitando cobrança coerciva de quantia certa que liquidou inicialmente no valor de 23.361,37€ (vinte e três mil trezentos e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos).
Invoca que a executada é proprietária de fração integrada no condomínio exequente, não tendo pago prestações comuns relativas aos anos 2015 a 2022, em valores que descreve, computando o global liquidado a respetiva soma, acrescida de pena pecuniária equivalente a 15% e juros de mora legais relativos a obrigações civis.
Apresentou como títulos executivos atas da assembleia de condóminos e documento intitulado Regulamento de Condomínio.
Citada, embargou a executada, concluindo por um pedido de extinção integral da execução instaurada.
Sustentou a sua pretensão dizendo, em síntese, que a exequente não apresentou título executivo que funde a execução.
Sustenta esta alegação dizendo que as atas apresentadas apenas aludem a orçamentos, não contendo, em algum lugar, referência a algum valor líquido a pagar pela embargante/exequente, o que retira exequibilidade ao título executivo.
Mais invoca prescrição das obrigações de pagamento vencidas antes de dezembro de 2017, e acréscimos liquidados, tendo sido citada para a execução em 2/2/2023, sendo o prazo aplicável o de cinco anos (art.º 310.º al. g) do Código Civil - CC).
Notificada, contestou a executada concluindo pela improcedência total dos embargos.
Sustenta a exequibilidade dos títulos apresentados e, quanto à invocada exceção de prescrição, ter interpelado a executada em dezembro de 2021 e setembro de 2022, assim interrompendo a prescrição, nos termos do disposto no art.º 323.º do CC.
Foi proferido despacho dispensando a realização de audiência prévia, informando da intenção de proferir decisão imediata e solicitando pronúncia das partes.
Pronunciou-se apenas a embargada, expressamente no sentido da concordância com a prolação imediata de decisão.
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II. Objeto de recurso (delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, no respetivo recurso):
II.I. Alegações do recorrente (sem atualização de grafia):
Concluindo pela revogação do despacho proferido e sua substituição por outro que declare a improcedência dos embargos e o seguimento da execução, concluiu o condomínio exequente as suas alegações dizendo:
I. A decisão em recurso, salvo o devido e merecido respeito, violou, designadamente, o disposto nos art.º 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, 12.º, 342.º e 1433.º estes do Código Civil, e alínea d) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC;
II. Ao considerar que as actas dadas à execução não constituem títulos executivos; Sucede que,
III. A decisão recorrida não considerou o documento 2 junto ao requerimento executivo composto pela certidão predial da fracção “P” - propriedade da Executada e de todo o prédio, com todos os registos que o compõe, designadamente “COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES”, as “FRACÇÕES AUTÓNOMAS” e a “CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL, que permitiu ao Tribunal, de resto, dar como provado o ponto 2 dos factos provados; bem como,
IV. O documento 10 – Regulamento do Condomínio,
V. Documentos dos quais se extrai, entre outros, a permilagem de cada uma das fracções que compõem todo o edifício, incluindo a fracção do Executado, o prazo e modo de pagamento das quotas de condomínio de todos os condóminos, ou seja, com inegável interesse para a decisão da causa;
VI. Ao não serem considerados, ocorre uma desconformidade entre os elementos probatórios e a decisão; SEM PRESCINDIR,
VII. A força executiva das actas não depende de nelas se fazer constar o montante determinado, concreto ou certo da dívida de cada condómino, mas deve conter critério que permita que esse valor se determine;
VIII. Necessário é que haja sido aprovado o montante da contribuição ou da despesa global de modo a que, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção da propriedade (ou de outro critério que haja sido aprovado) se determine o quantum devido por cada condómino;
IX. Das actas dadas à execução consta o orçamento das despesas gerais para os anos aí em causa,
X. E encontra-se nos autos a certidão do prédio onde se insere a fracção do Executado com a permilagem aí inscrita;
XI. Assim, os elementos ínsitos nas actas executivas permitem apurar, mediante simples cálculo aritmético, a quota ou fracção a cargo de cada condómino com recurso ao critério da permilagem das fracções, tudo referenciado no requerimento executivo, entendimento seguido no douto Ac. STJ de 14/10/2014, Proc.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1 (www.dgsi.pt);
XII. Cabia à Embargante demonstrar que as operações aritméticas não se encontram correctamente efectuadas, matéria que não colocou em causa nos autos; Por outro lado,
XIII. Das actas sub judice resultam as deliberações que aprovaram as quotizações devidas pelas várias fracções relativamente aos anos de 2016 a 2022;
XIV. São, por isso, títulos executivos, acepção sufragada no douto Ac. RP de 27/03/2023, Proc. 21684/16.2T8PRTA.P1(www.dgsi.pt); Acresce,
XV. Encontra-se junto aos autos o Regulamento de Condomínio que prevê no seu art.º 16 o prazo de pagamento da “contribuição devida” ou seja, o prazo e modo de pagamento das quotas de condomínio; Ademais,
XVI. As deliberações tomadas nas assembleias a que as actas sub judicie se reportam, não foram impugnadas pela Embargante nos termos do art.º 1433.º, n.º 2 e 3.º do CC (conforme esteja presente ou ausente),
XVII. Deve, assim, ser entendido que a Executada/Embargante a elas aderiu, reconhecendo a dívida – Ac. RP de 29/06/2004, Ac. da RP de 21/04/2005 e Ac. RP de 16/52007 (www.dgsi.pt);
XVIII. Considerando que as actas enformam em si a afirmação de um direito em benefício de outrem – o condomínio – e a constituição de uma obrigação a cargo de outro – o condómino,
XIX. E que não existe qualquer vício ou invalidade das deliberações ali adoptadas, as actas executivas juntas aos autos encontram-se juridicamente consolidadas, são exequíveis e, consequentemente, títulos executivos; De referir, ainda,
XX. Todas as actas dadas à execução cumprem integralmente o n.º 2, do art.º 1.º do DL 268/94, de 25/10, na versão aplicável aos autos, atendendo a que são anteriores à entrada em vigor da Lei 8/2022, de 10/1,
XXI. E contrariamente ao referido na sentença recorrida, tal Lei não tem valor interpretativo - art.º 12.º do Código Civil;
XXII. A nova redação do art.º 6.º do DL 268/94, de 25/10 introduzida pela lei 8/2022, de 10/01/2022 limita-se a estabelecer os requisitos das actas de condomínio para efeitos de formação de título executivo, para o futuro;
XXIII. Neste âmbito, a matéria de facto provada e os documentos juntos aos autos aqui assinalados, é claramente suficiente para se poder dar como assente que todas as actas constituem títulos exequíveis,
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A recorrida-embargante não alegou.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir. –
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II.II. Questão a apreciar:
- Da exequibilidade dos documentos dados à execução à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 268/94 (considerando as alterações a este diploma introduzidas pela Lei n.º 8/2022). –
III. Apreciação do recurso.
III.I. A decisão recorrida:
III.I.I. Dispositivo da decisão recorrida:
Face ao exposto, decide-se julgar os presentes embargos de executado procedentes e consequentemente determina-se a extinção da execução interposta por AA, sito no Porto, contra BB.
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III.I. II. Fundamentos de facto da decisão recorrida (matéria de facto dada por assente na decisão proferida – sem atualização de grafia):
1. A sociedade CC, é Administradora do Condomínio do prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, denominado “AA” sito ..., do concelho do Porto.
2. A executada é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “P” correspondente a um estabelecimento comercial sito no terceiro piso do edifício referido em 1.
3. O Condomínio Exequente interpôs execução contra a ora embargante nos seguintes termos:
Em 25 de Novembro de 2015, em segunda convocação, reuniu a Assembleia Geral dos Condóminos do AA, estando presentes, pessoalmente ou representados por procurador, condóminos cujas fracções, no total, correspondia à percentagem de 56,25% do capital investido no Condomínio, de cuja Ordem de Trabalhos constava o Ponto 1 – “Apresentação, Discussão e aprovação do orçamento para 2016 – Doc. n.º 3 - Acta n.º 129 adiante junta. Nesta conformidade, foi posto à discussão e aprovação o orçamento para 2016, tendo sido aprovado por unanimidade que o valor a cobrar dos condóminos seria de € 682.160,00.”
4. Esta alegação repete-se nos mesmos termos, para os orçamentos dos anos seguintes , de acordo com a qual os orçamentos foram aprovados, constando como valor a cobrar aos condóminos, € 573.560,00 para 2017, € 573.560,00 para 2018, € 536.060,00 para 2019, € 548.060,00 para 2020, € 537.810,00 para 2021 e € 530.290,00 para o ano de 2022.
5. Nessa mesma alegação do requerimento executivo, conclui o exequente : “ tendo em consideração o orçamento das despesas gerais comuns, os orçamentos das despesas específicas e a permilagem da fracção dos executados, encontram-se em dívida os seguintes montantes:
Ano 2016 - € 720,00 (Novembro e Dezembro)
Ano 2017 - € 3.332,52 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2018 - € 3.163,56 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2019 - € 3.163,56 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2020 - € 3.290,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2021 - € 3.290,00 (Janeiro a Dezembro)
Ano 2022 - € 3.354,60 (Janeiro a Dezembro)
Total € 20.314,24”, ao qual acresce a pena pecuniária de 15%, ou seja, € 3.047,13, e juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano.
6. O exequente juntou as actas a que alude, com a aprovação dos orçamentos para os anos seguintes, em relação à data de realização das respectivas Assembleias, actas essas juntas como docs.3 a 9, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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III.I.III. Fundamentos de direito da decisão recorrida:
- A expressão contribuições devidas ao condomínio, contida no art.º 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, na sua versão originária, suscitou divergências interpretativas, correspondente a correntes jurisprudenciais em sentido diverso;
- Foi acolhido sentido de tal preceito nos termos que a lei só atribui força executiva à ata que contenha a deliberação da assembleia de condóminos que aprova as despesas que serão suportadas pelo condomínio e a quota-parte que será devida por cada condómino, com indicação do prazo do respetivo pagamento (sendo meramente complementar a ata que liquide o que for devido a tal data);
- A Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, veio alterar o art.º 6.º do DL n.º 268/94, passando a prever no seu n.º 1 que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações», acrescentando o n.º 2 que «a ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota –parte.
- Nas atas dadas por reproduzidas apenas se mostra documentada a aprovação do orçamento geral do condomínio, não se encontrando fixada e quantificada a quota-parte das contribuições devidas ao condomínio pela proprietária da fração nem o prazo de pagamento;
- Por tal razão não é título executivo. –
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III.II. A questão decidenda:
A única questão em apreciação nos autos é, portanto, a de saber se as atas dadas à execução constituem ou não títulos executivos.
Liga-se a esta questão, a interpretação a dar à regra constante do art.º 6.º do DL n.º 268/94, que estabelece a exequibilidade deste tipo de documentos e, mais especificamente, se a alteração a esta norma dada pela Lei n.º 8/2022 teve, ou não, natureza interpretativa. –
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Antes de avançar, e sendo certo que a decisão da questão no âmbito destes autos implica a interpretação do sentido a dar à referida regra antes da sua alteração, cumpre estabelecer alguns dados de contexto.
O primeiro dado a salientar, expressamente referido na decisão recorrida, é que a questão não mereceu resposta uniforme na jurisprudência, ainda que se creia que o sentido maioritariamente acolhido tenha sido o seguido na decisão em apreço.
Mais relevante que tal afirmação, será a natureza e função dos títulos executivos, particularmente os que documentem obrigações de pagamento de quantia certa.
Ainda que possa parecer relativamente evidente, não deixa de ser pertinente assinalar que toda a execução se funda num título, que a define e limita.
No elenco de títulos executivos, atualmente estabelecida pelo art.º 703.º do Código de Processo Civil (CPC) e anteriormente à revisão deste código operada pela Lei n.º 41/2013, no seu art.º 46.º, ressaltam duas grandes tipologias:
- As sentenças/decisões judiciais;
- Os demais documentos
Esta dupla categoria importa estruturação de diferentes regimes legais, com corolários a diversos níveis, desde logo nas regras de exequibilidade e fundamentos de oposição à execução.
Subjacente a esta divisão está, por um lado, a função deste tipo processual e, por outro, a forma de constituição ou declaração de qualquer obrigação civil ou comercial.
Assim, todo o processo executivo tem a sua razão de ser num princípio de efetividade da tutela judicial, assegurando que esta se realiza, prima facie, de forma coativa e, portanto, dispensa a prévia declaração de direitos.
Para que tal princípio opere, é necessário estabelecer que o direito pretendido exercer coativamente está já documentado, de forma a poder inferir-se, da simples leitura do seu teor, que há certeza acerca da respetiva existência, que é passível de ser exigido (e, portanto, que nada existe no seu teor que impeça o respetivo exercício) e que é líquido (nesta liquidez se comportando a que seja imediatamente apreensível do documento como a que se retire de simples cálculo aritmético).
Se estas características são as que se retiram de todos os documentos, existe uma separação cardial entre as duas tipologias supra referidas, que decorre da própria função dos tribunais.
São os tribunais os únicos órgãos do Estado que podem limitar e definir concretamente direitos individuais independentemente da vontade do respetivo titular. Dito de outro modo, a decisão judicial eficaz é coativa e, portanto, passível de imposta independentemente de qualquer conformação ou aceitação do obrigado.
Pelo contrário, qualquer outro documento dado à execução parte da perspetiva oposta, isto é, da existência de uma admissão, ou reconhecimento, pelo obrigado, do direito pretendido exercer.
Ligando-se à asserção anterior, impõe-se que, além de o direito documentado no título ser passível de reconhecimento pessoal (que é disponível), tem que resultar patente a sua existência, exigibilidade e liquidez.
A bissetriz legal que define os limites deste reconhecimento da obrigação por parte  do devedor nem sempre é fácil de estabelecer, e o caso de execução de atas de condomínio será, precisamente, um dos casos típicos da dificuldade de a traçar (como foi, por outras razões, a execução de documentos de reconhecimento ou constituição de dívidas, que o legislador da revisão de 2013 restringiu, precisamente por razões ligadas à certeza da obrigação, aos documentos autênticos e autenticados, daí retirando os documentos particulares tout cout).
Chegando a este ponto de reflexão podem considerar-se estabelecidas as bases que permitirão sustentar a decisão.
A questão, acima sintetizada, pode, assim, ser referida como interpelando a resposta a uma pergunta muito concreta: - As atas dadas à execução permitem, com certeza, afirmar que a executada reconheceu a obrigação de pagar os valores exigidos, naquela extensão?
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A resposta à questão deve ser negativa.
Apresenta a recorrente-embargada dois argumentos para sustentar a exequibilidade dos documentos apresentados, que se podem resumir da seguinte forma:
a) A executada não impugnou as atas e, por isso, aceitou o seu teor;
b) A conjugação da deliberação com o orçamento, com o Regulamento de Condomínio e com o título constitutivo da propriedade horizontal permitem estabelecer os valores a pagar.
Nenhuma destas linhas de argumentação se pode considerar sustentada, por razões que se reconduzem às acima apresentadas: - o documento, que é o título executivo, deve permitir a qualquer pessoa, desde logo ao devedor obrigado, mas também a quem o analise, v.g.  o decisor judicial, uma apreensão imediata do seu teor (ou relativamente imediata, porque dependente de um mero cálculo aritmético, feito nos próprios termos do escrito).
Quer isto dizer, pelo contrário, que, nos casos em que a obrigação apenas seja determinável compaginando o teor do título executivo com outros documentos (neste caso um orçamento de despesas comuns e o título constitutivo de propriedade horizontal) estar-se-á numa área de indeterminação, exigindo um acertamento decisório a partir do documento, que, por extravasar o respetivo teor, sai da área do que pode considerar-se reconhecido pelo devedor e, portanto, carecerá de declaração judicial.
Por outro lado, a exequibilidade das atas de condomínio é absolutamente autónoma da impugnação da deliberação social em que se formou e, portanto, pode haver atas de reuniões sociais que tenham sido objeto de impugnação e que sejam executórias, e haverá deliberações não objeto de qualquer controvérsia documentadas em atas não passíveis de fundar um processo executivo – trata-se de esferas de conformação jurídica diferentes, ainda que próximas.
 Face ao que ficou dito, fica claro o sentido da decisão a tomar, que carecerá apenas de uma precisão adicional quanto à alteração legal referida.
Discute a recorrente a natureza interpretativa ou inovatória das alterações ao art.º 6.º DL n.º 268/94 introduzidas pela Lei n.º 8/2022.
Diz Menezes Cordeiro, citando Patrice Level (Tratado de Direito Civil, vol. I, Almedina, 2021, p. 858) que a lei diz-se interpretativa quando, perante uma lei velha que admita diversas interpretações, as quais tenham, efetivamente, sido propugnadas, opte por validar uma delas.
Dir-se-ia, na esteira deste argumento, que a lei em causa surge nesse contexto.
Todavia, como este autor refere (ob. e loc. cit.) a figura das leis interpretativas merece a maior cautela. Desde logo porque parte de algo de cientificamente inaceitável: o de que uma lei comportaria várias interpretações (…) por imperativo lógico-científico apenas uma interpretação (a correta) é possível.
Pegando nesta última asserção, dir-se-á que sempre se entendeu incorreto atribuir à norma em causa, na sua versão original, um sentido que permitisse que um credor, sem intervenção do devedor, estabelecesse e quantificasse uma obrigação exequenda já vencida, ou que o fizesse com recurso a documentação exterior ao próprios título (no sentido correspondente ao da atual redação, designadamente, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1/10/2019, Acácio das Neves, dgsi.pt e 2/6/2021, Ferreira Lopes, jurispudencia.pt)
Seguindo ainda Menezes Cordeiro e o elenco (estrito) de requisitos que apresenta para que uma lei possa ser qualificada como interpretativa, deve entender-se que se mostram reunidos na alteração legal em apreço. Assim, será interpretativa a lei quando: - (1) – Existam efetivas divergências na jurisprudência e/ou na doutrina; (2) – Exista uma expressão de uma vontade legislativa de resolver a dúvida dentro de uma solução plausível; (3) – A vontade legislativa seja de esclarecer a dúvida ab initio; e (4) – A retroatividade resultante seja compaginável com os dados básicos do sistema  (Tratado I, p. 899).
É este, claramente, o sentido a dar à introdução feita pela Lei n.º 8/2022, que deve, pois, ser qualificada como interpretativa – art.º 13.º n.º 1 do Código Civil (neste sentido, o acórdão desta Relação de 15/12/2022, Carlos Castelo Branco; o acórdão da Relação do Porto de 25/9/2023, José Eusébio Almeida, ambos em dgsi.pt; o acórdão Relação de Guimarães de 27/4/2023, Sandra Melo e o acórdão da Relação de Coimbra de 13/6/2023, Vítor Amaral, estes últimos em ecli.pt).
Sendo interpretativa a lei, o sentido a dar ao normativo especial em causa será, portanto, o de que apenas podem fundar execução as atas da reunião da assembleia de condóminos que tiverem deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio com menção do montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
É claro que as atas em causa, ao imporem uma conjugação entre o seu teor e outros documentos (o orçamento anual e o próprio título constitutivo da propriedade horizontal), não satisfazem esta exigência legal e, portanto, não permitem sustentar a execução.
Quer isto dizer, em conclusão, que não tem fundamento o recurso interposto, devendo manter-se a decisão recorrida, por ter feito uma adequada interpretação e aplicação das normas convocáveis para o caso.
É o que se decide. –
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IV. Dispositivo:
Face ao supra exposto, decide-se negar a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
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TRL, 07-11-2024
João Paulo Vasconcelos Raposo
Inês Moura
Fernando Besteiro