REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
NULIDADE DA SENTENÇA
INTELIGIBILIDADE
CONTRADIÇÃO
LITISPENDÊNCIA
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Sumário

I - Constando da decisão singular reclamada a enunciação, inteligível, dos factos considerados pertinentes para a decisão da questão e não se aferindo qualquer ambiguidade do sentido decisório ou da fundamentação expendida, nem algum ponto que se mostre obscuro ou não inteligível, e verificando-se plena compatibilidade e congruência entre os fundamentos expendidos e o decidido, não se verifica a nulidade a que se refere a alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
II - Verificando-se, embora, divergência de efeitos jurídicos – designadamente, para efeitos sucessórios – decorrentes da consideração da aplicação do regime jurídico de reconhecimento da união de facto em Moçambique e em Portugal, do reconhecimento da sentença estrangeira prolatada em Moçambique não decorre um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, não violando de forma clamorosa ou grosseira a conceção de justiça tal como é entendida em Portugal.

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:

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1. CM, identificada nos autos, instaurou contra DC e DM, também identificados nos autos, a presente ação declarativa, com processo especial, de REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA, nos termos do artigo 978.º e ss. do Código de Processo Civil, pedindo a revisão e confirmação da sentença (saneador-sentença) estrangeira, proferida em 22-07-2019, no processo n.º (…)/2017-A, que correu termos na 5.ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique, transitada em julgado, que reconheceu, desde 1981, a união de facto entre a requerente e DA, pai dos requeridos e já falecido.
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2. Citados, os requeridos contestaram concluindo que a sentença apresentada não deve ser revista e confirmada, tendo invocado, nomeadamente, que se verifica exceção de litispendência, com o Pº n.º (…)/18.7T8GMR, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Cível – Juiz (…).
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3. Foram solicitados elementos ao referido processo, notificados à requerente, aos requeridos e ao Ministério Público.
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4. O processo n.º (…)/18.7T8GMR, cuja petição inicial foi apresentada em juízo em 28-05-2018, respeita a ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum, instaurada por CM contra DC e DM, constando formulados na petição inicial os seguintes pedidos:
“A) Seja reconhecido, por remissão das normas de conflitos portuguesas e moçambicanas, a aplicação da Lei 10/2004 de 25 de agosto da República Popular de Moçambique, a aplicação do regime aí contido quanto à caracterização da união de facto havida entre a Autora e o falecido DA, e efeitos patrimoniais daí decorrentes, e por consequência;
B) Seja reconhecida a existência de união de facto entre a Autora e DA, que à data do óbito deste (31-08-2017) durava ininterruptamente há mais de trinta anos – isto é, pelo menos desde 1980;
C) Seja reconhecido que se aplica aos bens adquiridos na constância de tal união o regime da comunhão de adquiridos, tal como previsto na dita lei, nos artigos 141 e ss, e em especial no artigo 144º ( em termos análogos ao disposto no art.º 1724º do CC português) e que, por consequência, sejam considerados por comuns os bens constantes da relação de bens junta como doc. 7, e descritos no artigo 7º da presente peça processual;
D) Assim não se considerando, que seja reconhecido que os ditos bens integram um património comum – criado na constância de uma vida comum, pelo menos desde 1980 - não se considerando que os mesmos integram, apenas, a herança jacente do referido DA, sob pena de um enriquecimento sem causa da mesma, (cfr. artigos 473º, 474º e 479, nº1 do CC), com o respectivo empobrecimento da Autora, devendo os mesmos ser liquidados de harmonia com os princípios das sociedades de facto.”.
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5. A requerente, os requeridos e o Ministério Público alegaram.
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6. Em 07-02-2024 foi proferida decisão singular que julgou improcedente a pretensão de revisão, absolvendo os requeridos do contra si peticionado pela requerente, tendo, na mesma, sido considerados como provados os seguintes factos:
1) Em 22-07-2019, no processo n.º (…)/2017-A, que correu termos na 5.ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique, e em que foram intervenientes, a ora autora, como autora, e os ora réus, como réus, foi proferido saneador-sentença, transitado em julgado, cuja decisão é do seguinte teor:
“Pelo exposto, sufragando-se das alegações do facto e de direito acima mencionados, julgo a acção procedente e em consequência reconhece-se a união de facto entre a requerente, CM e o de cujus DA, desde 1981 (…)”.
2) DA, pai dos requeridos, já faleceu.
3) Corre termos no tribunal judicial da comarca de Lisboa Oeste Cascais, com o número (…)/18.7T8GMR, Juízo Central Cível J(…), ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum, instaurada por CM contra DC e DM.
4) Na petição inicial do referido processo n.º (…)/18.7T8GMR, apresentada em juízo em 28-05-2018, constam formulados os seguintes pedidos:
“A) Seja reconhecido, por remissão das normas de conflitos portuguesas e moçambicanas, a aplicação da Lei 10/2004 de 25 de agosto da República Popular de Moçambique, a aplicação do regime aí contido quanto à caracterização da união de facto havida entre a Autora e o falecido DA, e efeitos patrimoniais daí decorrentes, e por consequência;
B) Seja reconhecida a existência de união de facto entre a Autora e DA, que à data do óbito deste (31-08-2017) durava ininterruptamente há mais de trinta anos – isto é, pelo menos desde 1980;
C) Seja reconhecido que se aplica aos bens adquiridos na constância de tal união o regime da comunhão de adquiridos, tal como previsto na dita lei, nos artigos 141 e ss, e em especial no artigo 144º (em termos análogos ao disposto no art.º 1724º do CC português) e que, por consequência, sejam considerados por comuns os bens constantes da relação de bens junta como doc. 7, e descritos no artigo 7º da presente peça processual;
D) Assim não se considerando, que seja reconhecido que os ditos bens integram um património comum – criado na constância de uma vida comum, pelo menos desde 1980 - não se considerando que os mesmos integram, apenas, a herança jacente do referido DA, sob pena de um enriquecimento sem causa da mesma, (cfr. artigos 473º, 474º e 479, nº1 do CC), com o respectivo empobrecimento da Autora, devendo os mesmos ser liquidados de harmonia com os princípios das sociedades de facto.”.
5) Em 25-09-2023, no mencionado processo n.º 3193/18.7T8GMR, foi proferido despacho saneador, identificado objeto do litígio (“1. Saber se é aplicável às relações patrimoniais entre a A. e DA, falecido em 31/08/2017, a lei moçambicana relativa à união de facto por via da regra de conflito consagrada no artigo 52.º do Código Civil; 2. Em caso afirmativo, saber se se aplica aos bens especificados no artigo 7.º da PI o regime da comunhão de adquiridos, os quais devem, por isso, ser considerados bens comuns; 3. Em caso negativo, saber assiste à A. o direito à liquidação do referido património, de acordo com as regras aplicáveis às sociedades de facto”) e enunciados temas da prova (“a) apurar se A. e DA, falecido em 31/08/2017, viveram em condições análogas às dos cônjuges desde 1980 e até ao falecimento deste último. b) apurar se a A. e R., enquanto conviventes de facto, contribuíram, com recursos financeiros próprios e em que medida, para a aquisição dos bens especificados no artigo 7.º da PI.”), aguardando os autos julgamento.
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7. Por requerimento e alegação de 14-02-2024, a requerente veio pretender interpor recurso de revista “para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata e efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 985.º, 675.º e 676.º do CPC”, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a- A douta decisão singular sob recurso padece de nulidade e errada aplicação da lei de processo.
b- Resulta provado pelo Venerando Tribunal que correu termos na 5ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique o Processo nº (…)/2017-A em que foram intervenientes as mesmas partes que intervêm nos presentes autos.
c- De tal número de processo (pese embora o lapso de escrita – (…) e não (…)) resulta que a acção que se pretende rever deu entrada no ano de 2017.
d- Também foi dado como provado que a acção que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Cascais sob o nº (…)/18.7T8GMR foi apresentada a juízo em Maio de 2018.
e- Dúvidas não restam que a acção mais antiga foi a que deu entrada em Moçambique, sendo aquela cuja decisão se pretende reconhecer pelos presentes autos.
f- O Venerando Tribunal, na douta decisão singular, considerou, em contradição com os factos provados, que o tribunal estrangeiro não preveniu a jurisdição, pelo que considerou (mal) que se verificava no caso sub-judice a excepção de litispendência com fundamento em causa afecta a tribunal português.
g- Porém, a acção proposta no tribunal de origem foi a primeira a ser intentada, pelo que não se verifica qualquer pendência, devendo a sua sentença ser reconhecida.
h- Tal fundamento e posterior decisão estão em oposição, sendo por isso a decisão nula.
i- Em face do (errado) fundamento, o Venerando Tribunal fez uma errada aplicação da lei de processo, nomeadamente quanto à aplicação do previsto na al. d) do art.º 980º do CPC
j- A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 615º, nº 1, al. c), 674º, nº 1, alíneas b) e c) e 980º, al. d), todos do CPC”.
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8. Os requeridos contra-alegaram concluindo pela improcedência do recurso considerando que a decisão singular não padece de nulidade.
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9. Em 08-03-2024 foi proferido despacho pelo relator, no qual se escreveu, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Dispõe o n.º 1 do artigo 985.º do CPC que, da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista.
Este preceito “deve ser interpretado no sentido de que o recurso cabível nas decisões proferidas pela Relação em 1ª instância no processo especial de revisão de sentença estrangeira é o de revista, nos termos gerais desse tipo de recurso, ou seja, nos termos do artigo 671º, nº 1, do CPC, quando o acórdão da Relação se pronuncie sobre o mérito da causa ou ponha fim ao processo e nos termos do artigo 673º do mesmo código quando o acórdão se pronuncie sobre questões interlocutórias” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2022, Pº 171/21.2YREVR-A.E1.S1, rel. RIJO FERREIRA).
De facto, o recurso de revista encontra-se regulado nos artigos 671.º e ss. do CPC, sendo que, este meio de impugnação de decisões judiciais “é circunscrito a acórdãos da Relação (excecionamente a sentenças da 1.ª instância, quando se trate de recurso per saltum, nos termos do art.º 678º). Nunca pode ser dirigido contra decisão singular do relator da Relação, cujas decisões devem primeiro ser submetidas à conferência (art.º 652.º, n.º 3), de modo que só perante o acórdão subsequente será de equacionar a hipótese de recurso, nos termos gerais” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 806).
Por outro lado, no requerimento de interposição de recurso em apreço, a recorrente vem arguir a nulidade, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e 666.º do CPC, sendo que, conforme decorre do disposto no n.º 2 deste último preceito, só a arguição de nulidade de acórdão carece de ser decidida em conferência.
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º do CPC, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, sendo que, o relator deverá, nesse caso, submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.
Ora, “se a parte, em vez de reclamar para a conferência, interpuser recurso, deve efectuar-se a conversão oficiosa, desde que não exista qualquer impedimento legal, designadamente o ligado ao prazo legal para a dedução da reclamação” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 789).
De facto, conforme se deu conta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2022 (Pº 16556/17.6T8LSB-F.E1.S1, rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO): “Nos termos gerais dos arts. 671.º, 672.º e 673.º do CPC, não há lugar a recurso de revista de decisões da Relação proferidas em singular, pelo que, no caso dos autos, a única possibilidade de aproveitamento do requerimento de recurso seria mediante convolação em requerimento de impugnação para a conferência do TR. Porém, de acordo com os princípios gerais da convolação de actos jurídicos, tal convolação depende de que o requerimento tenha sido apresentado, o que não sucedeu, no prazo legal de dez dias, acrescido do prazo previsto no art.º 139.º, n.º 5, do CPC, não podendo aplicar-se ao caso o prazo legal de recurso”.
Tendo em conta o exposto, verifica-se que o recurso de revista da decisão individual de 07-02-2024 não será admissível, não parecendo nada obstar à convolação da pretensão de interposição de recurso de revista em reclamação para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC.
Todavia, dado que as partes não tiveram ainda oportunidade de se pronunciar, querendo, sobre a questão assinalada, poderão fazê-lo – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Assim, antes de mais, notifique as partes para, querendo se pronunciarem nos estritos termos da questão ora enunciada”.
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10. A requerente pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à convolação do recurso de revista em reclamação para a conferência.
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11. Por despacho do relator de 11-04-2024 foi determinada a aludida convolação da pretensão de interposição de recurso de revista em reclamação para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, oficiado ao processo n.º (…)/18.7T8GMR, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Cível –Juiz (…) para certificação da data em que ocorreu a citação dos aí réus e notificada a requerente para juntar aos autos certidão comprovativa da data em que teve lugar a citação dos réus no âmbito do processo n.º (…)/2017-A, que correu termos na 5.ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique.
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12. A autora juntou aos autos certidão do processo que correu termos no Tribunal de Moçambique, por requerimento apresentado em juízo em 26-09-2024, de onde resulta que a aí ré, ora requerida, foi citada em 13-09-2018.
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13. O Ministério Público, por promoção de 09-10-2024, pronunciou-se no sentido de que, “a presente ação não pode proceder, por não se verificar no caso vertente o requisito previsto na al. f) do artigo 980º e, consequentemente, deverá ser prolatado acórdão no sentido de ser negada a revisão e confirmação da Sentença estrangeira”.

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2. Questões a decidir:
Cabe apreciar e decidir:
A) Se a decisão singular de 07-02-2024 padece da nulidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC?
B) Se a reclamação apresentada deverá proceder e ser revogada a decisão singular, procedendo a pretensão de revisão e confirmação deduzida?

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3. Fundamentação de facto:
Mostram-se provados – inexistindo factos não provados relevantes – os seguintes factos, considerando os elementos documentais juntos aos autos:
1) Em 22-07-2019, no processo n.º (…)/2017-A, que correu termos na 5.ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique, e em que foram intervenientes, a ora autora, como autora, e os ora réus, como réus, foi proferido saneador-sentença, no qual consta, nomeadamente escrito o seguinte:
“(…) A união de facto foi estatuída pela Lei n° 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da Família-LF).
A mesma tem por base o reconhecimento para efeitos patrimoniais, a união singular, com carácter estável, livre e duradouro entre um homem e uma mulher, sendo que legalmente aptos para contrair casamento não tenham celebrado, conforme preconiza o n° 1 do artigo 202 da L.F., avançando como pressuposto de união de facto os seguintes:
• Existência de uma ligação singular entre um homem e uma mulher;
• A relação singular deve ser de carácter estável e duradouro;
• Não deve haver impedimentos legais para contrair matrimónio.
E ainda, o n° 2, do artigo 202, do mesmo diploma legal, refere também como pressuposto “a comunhão plena de vida pelo período de tempo superior a 1 ano sem interupção.”
Na República de Moçambique, tem sido comum[men]te feito o reconhecimento de união de facto para efeitos patrimoniais, equiparando-se ao regime de comunhão de adquiridos, considera-se para o efeito, todos os bens adquiridos na vigência da ação.
Analisados os factos assentes nos autos, vislumbra-se que existiu uma relação afectiva entre o de cujus e a requerente, não tendo ficado provado que a mesma teve um início apenas em 2006 e não antes - artigo 342º do C.C., muito embora os requeridos alegam ainda que o efeito contabiliza-se com a entrada em vigor da Lei.
Convictos como estamos, de uma relação anterior a vigência da Lei da Família, aplica-se em caso de dúvida as regras do regime de comunhão de bens adquiridos. Contudo, não nos alongaremos na questão da sucessão porque o processo em apreço não comporta.”.
2) A referida decisão – transitada em julgado – é do seguinte teor:
“Pelo exposto, sufragando-se das alegações do facto e de direito acima mencionados, julgo a acção procedente e em consequência reconhece-se a união de facto entre a requerente, CM e o de cujus DA, desde 1981 (…)”.
3) DA, pai dos requeridos, já faleceu.
4) Corre termos no tribunal judicial da comarca de Lisboa-Oeste, com o número (…)/18.7T8GMR, Juízo Central Cível de Cascais, J(…), ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum, instaurada por CM contra DC e DM.
5) Na petição inicial do referido processo n.º (…)/18.7T8GMR, apresentada em juízo em 28-05-2018, constam formulados os seguintes pedidos:
“A) Seja reconhecido, por remissão das normas de conflitos portuguesas e moçambicanas, a aplicação da Lei 10/2004 de 25 de agosto da República Popular de Moçambique, a aplicação do regime aí contido quanto à caracterização da união de facto havida entre a Autora e o falecido DA, e efeitos patrimoniais daí decorrentes, e por consequência;
B) Seja reconhecida a existência de união de facto entre a Autora e DA, que à data do óbito deste (31-08-2017) durava ininterruptamente há mais de trinta anos – isto é, pelo menos desde 1980;
C) Seja reconhecido que se aplica aos bens adquiridos na constância de tal união o regime da comunhão de adquiridos, tal como previsto na dita lei, nos artigos 141 e ss, e em especial no artigo 144º (em termos análogos ao disposto no art.º 1724º do CC português) e que, por consequência, sejam considerados por comuns os bens constantes da relação de bens junta como doc. 7, e descritos no artigo 7º da presente peça processual;
D) Assim não se considerando, que seja reconhecido que os ditos bens integram um património comum – criado na constância de uma vida comum, pelo menos desde 1980 - não se considerando que os mesmos integram, apenas, a herança jacente do referido DA, sob pena de um enriquecimento sem causa da mesma, (cfr. artigos 473º, 474º e 479, nº1 do CC), com o respectivo empobrecimento da Autora, devendo os mesmos ser liquidados de harmonia com os princípios das sociedades de facto.”.
6) Em 25-09-2023, no mencionado processo n.º (…)/18.7T8GMR, foi proferido despacho saneador, identificado objeto do litígio (“1. Saber se é aplicável às relações patrimoniais entre a A. e DA, falecido em 31/08/2017, a lei moçambicana relativa à união de facto por via da regra de conflito consagrada no artigo 52.º do Código Civil; 2. Em caso afirmativo, saber se se aplica aos bens especificados no artigo 7.º da PI o regime da comunhão de adquiridos, os quais devem, por isso, ser considerados bens comuns; 3. Em caso negativo, saber assiste à A. o direito à liquidação do referido património, de acordo com as regras aplicáveis às sociedades de facto”) e enunciados temas da prova (“a) apurar se A. e DA, falecido em 31/08/2017, viveram em condições análogas às dos cônjuges desde 1980 e até ao falecimento deste último. b) apurar se a A. e R., enquanto conviventes de facto, contribuíram, com recursos financeiros próprios e em que medida, para a aquisição dos bens especificados no artigo 7.º da PI.”), aguardando os autos julgamento.

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4. Fundamentação de direito:

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A) Se a decisão singular de 07-02-2024 padece da nulidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC?
Conclui a reclamante, na impugnação deduzida, a este propósito, nomeadamente, que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, em suma, com a seguinte motivação:
“(…) A decisão singular proferida, porque decide em oposição com os seus fundamentos, nomeadamente com a matéria de facto provada é nula, e faz uma errada aplicação da lei de processo, ao entender que se encontra preenchido o pressuposto da al. d) do art.º 980º do CPC, julgando verificada a excepção de litispendência.
A douta decisão singular é assim, com a devida vénia nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC, nulidade essa que aqui se invoca ao abrigo do preceituado na al. c) do nº 1 d[o] art.º 674º do mesmo diploma legal, sendo fundamento da presente revista (…)”.
Vejamos:
Nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
“A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Processo 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160).
Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação.
Esta nulidade verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Conforme se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2013 (Processo 660/1999.P1.S1, rel. ÁLVARO RODRIGUES) “para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56)”.
Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400).
“Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do art.º 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371).
Ora, na decisão reclamada, enunciaram-se, de forma inteligível, os fundamentos com base nos quais se apreciou e decidiu a exceção de litispendência e, o sentido decisório – de procedência dessa exceção – acha-se em plena congruência e harmonia com tais fundamentos, sem se vislumbrar alguma contradição.
De igual modo, não se afere, perante o decidido, qualquer ambiguidade de sentido decisório ou de fundamentação, nem algum ponto que se mostre obscuro ou não inteligível, mostrando-se, aliás, perante o invocado pela própria impugnante, que a mesma compreendeu o sentido dos fundamentos e da decisão expressos por este Tribunal, relativamente à mencionada questão.
Assim, a discordância da reclamante não é subsumível à invocada nulidade.
Em suma: Constando da decisão singular reclamada a enunciação, inteligível, dos factos considerados pertinentes para a decisão da questão e não se aferindo qualquer ambiguidade do sentido decisório ou da fundamentação expendida, nem algum ponto que se mostre obscuro ou não inteligível, e verificando-se plena compatibilidade e congruência entre os fundamentos expendidos e o decidido, não se verifica a nulidade a que se refere a alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

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B) Se a reclamação apresentada deverá proceder e ser revogada a decisão singular, procedendo a pretensão de revisão e confirmação deduzida?
Nos termos do n.º 3 do artigo 652.º do CPC, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º do CPC, quando, em face de decisão do relator (que não seja de mero expediente), no tribunal superior, a parte se considere prejudicada, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia acórdão.
Considerando-se inadmissível a apresentação de recurso de revista face à decisão singular proferida e, por não inexistir motivo a que tal obstasse, foi determinada a convolação de tal meio processual em reclamação nos termos do mencionado artigo 652.º, n.º 3, do CPC.
A reclamação para a conferência de decisão sumária proferida constitui “uma forma de impugnar a Decisão Sumária do Juiz relator, agora perante o Tribunal Coletivo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-06-2023, Pº 669/06.2PBGMR-A.G1, rel. PEDRO CUNHA LOPES).
Cumpre, em face do objeto da impugnação deduzida, apreciar se a decisão singular proferida deve ser objeto de revogação.

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a) Da litispendência:
Dispõe o artigo 978.º do Código de Processo Civil (CPC) que:
“1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa”.
As sentenças proferidas por tribunais estrangeiros podem, em conformidade com o exposto, gozar, no nosso sistema jurídico, de plena aplicabilidade e produção dos efeitos jurídicos previstos na legislação do país onde foram prolatadas.
Todavia, para que tal ocorra, a decisão proferida sobre direitos privados deve obedecer a determinados, a verificar pelo tribunal português competente, no âmbito de uma específica acção, denominada de revisão de sentença estrangeira, prevista como processo especial nos artigos 978º a 985º do CPC.
Através deste processo opera-se a revisão ou controlo prévio da decisão proveniente de Tribunal estrangeiro, sem o qual tais actos jurídicos não produzem efeitos jurisdicionais na ordem jurídica portuguesa.
Assim até à prolação da decisão de revisão e confirmação, a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro configura-se apenas como um acto jurídico, com eficácia pendente, até que se mostre preenchida a condição requerida, ou seja, aquela decisão de revisão e confirmação proferida por tribunal português, no âmbito do enunciado processo especial (assim, Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Universidade de Coimbra, 1973, Aditamentos, p. 92).
Atento o disposto no artigo 980.º do Código de Processo Civil, constituem requisitos da revisão:
a) Ausência de dúvidas sobre a autenticidade e sobre a inteligibilidade do documento de que conste a sentença;
b) Trânsito em julgado da sentença; 
c) Sentença proveniente do tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada com fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se as excepções de litispendência ou caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Citação do réu nos termos da lei do país de origem e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Não conter a sentença decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Importa salientar que, conforme decorre dos estritos fundamentos de impugnação a que se reportam os artigos 980.º e 983.º do CPC, “no nosso regime atual o reconhecimento das sentenças estrangeiras dá-se por via de revisão predominantemente formal, não existindo, em regra, um controlo da boa aplicação do direito pelo tribunal estrangeiro” (assim, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2020, Pº 257/19.3YRCR, rel. SÍLVIA PIRES), inspirando-se o sistema português no denominado sistema de “delibação” ou revisão formal (neste sentido, o Acórdão do STJ de 12-07-2011, Pº 987/10.5YRLSB.S1, rel. PAULO SÁ).
O requisito da alínea d) do artigo 980.º do CPC reconduz-se a que, contra a decisão estrangeira não deve poder invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição. A determinação de tais institutos é efetuada “de acordo com o direito processual de reconhecimento (português), embora sem o efeito de exceção dilatória: a procedência gera uma decisão de mérito de indeferimento do pedido de revisão de sentença relativamente à qual se possa invocar litispendência ou caso julgado” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2020, Pº 639/20.8YRLSB-1, rel. FÁTIMA REIS SILVA).
Segundo a autora, ora impugnante/reclamante, a ação que correu termos em Moçambique deu entrada no ano de 2017, enquanto que, a ação que corre termos em Cascais foi apresentada a juízo em maio de 2018, considerando que, o Tribunal considerou, “em contradição com os factos provados, que o tribunal estrangeiro não preveniu a jurisdição, pelo que considerou (mal) que se verificava no caso sub-judice a excepção de litispendência com fundamento em causa afecta a tribunal português”, estando tal fundamento e posterior decisão em oposição, considerando que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 615º, nº 1, al. c), 674º, nº 1, alíneas b) e c) e 980º, al. d), todos do CPC.
Consideram, por seu turno, os requeridos que a requerente intentou ação judicial onde pretende o reconhecimento da união de facto junto do tribunal judicial da comarca de lisboa Oeste Cascais, com o número (…)/18.7T8GMR Juízo Central Civel J3, a qual se encontra a decorrer e, em 2023 veio a intentar ação de confirmação de sentença, sabendo que se encontra por julgar a ação que corre termos em Cascais, pelo que, encontra-se preenchido o requisito da litispendência, nos termos do artigo 580.º do CPC, não existindo qualquer nulidade, nem oposição dos fundamentos invocados na decisão do Tribunal da Relação, considerando que, por outro lado, estamos perante uma pretensão cujo reconhecimento conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Na decisão singular, relativamente à situação concreta, expendeu-se o seguinte:
“(…) No caso, conforme decorre do supra elencado, a ação proposta no tribunal de origem, cuja revisão se pretende, foi instaurada posteriormente à data em que foi instaurada a ação que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Cascais, com o número (…)/18.7T8GMR, Juízo Central Cível J (…), ação declarativa de simples apreciação, onde são partes as mesmas partes dos presentes autos e onde está em causa a mesma causa de pedir e pretensão de idêntico sentido.
Tal pendência (do referido processo n.º (…)/18.7T8GMR) determina que se possa invocar a exceção de litispendência com fundamento em causa afecta a tribunal português, não sucedendo, como se viu – pela instauração ulterior da ação que correu termos em Moçambique – que o tribunal estrangeiro tenha prevenido a jurisdição.
Ora, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2021 (Pº 2152/20.4YRLSB-7, rel. CRISTINA COELHO), “se foi instaurada uma acção em tribunais portugueses antes da propositura da acção no tribunal de origem, idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a sentença estrangeira não pode ser reconhecida, atento o disposto na al. d) do art.º 980.º do CPC”.
Verifica-se, pois, causa (a aludida exceção de litispendência) que obsta à possibilidade do reconhecimento da sentença estrangeira invocada, mostrando-se inútil a apreciação dos demais requisitos de que depende a revisão.
A pretensão da autora/requerente deverá, em consequência, ser julgada improcedente (…)”.
Ora, a alínea d) do artigo 980.º do CPC enuncia, como requisito de revisão, o de “que não possa invocar-se as excepções de litispendência ou caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição”.
A este respeito, refere Alberto dos Reis (Processos Especiais, vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pp. 169-170) que: “Deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a acção ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.
O fenómeno da prevenção de jurisdição (…) pressupõe caso de competência electiva, isto é, que para a mesma acção são simultaneamente competentes dois tribunais diferentes.
(…)
Suponha-se agora que, segundo as regras de competência internacional exaradas no art.º 65.º, determinada acção pode ser intentada ou em tribunal português ou em tribunal espanhol, por exemplo; estamos perante hipótese de competência electiva. A acção foi proposta em Portugal; se posteriormente o for em tribunal espanhol e se pedir a uma das nossas Relações a revisão e confirmação da sentença proferida na Espanha, esta sentença não pode ser confirmada, porque a isso obsta ou a excepção de litispendência, se a acção intentada no tribunal português ainda estiver a correr, ou a excepção de caso julgado, se esta acção já tiver sido decidida por sentença transitada.
Figure-se a hipótese inversa. A acção foi proposta primeiro na Espanha e só depois disso foi afecta a tribunal português. Neste caso diz-se que o tribunal espanhol preveniu a jurisdição. Sendo assim, o facto de a mesma acção estar pendente em tribunal português ou já estar decidida por sentença de tribunal português passada em julgado, não obstará a que a sentença, espanhola, quando pedida a revisão, seja confirmada.»
Ora, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-02-2020 (Pº 6592/18.0T8BRG.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS), “não obstará à revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal suíço (que venha a decretar o divórcio entre cônjuges) a pendência de idêntica acção (de divórcio, entre as mesmas partes) em tribunal português, ou o caso julgado formado por sentença prévia deste, por aquele outro ter prevenido a jurisdição respectiva (para o que releva a data de instauração da respectiva acção, intentada em primeiro lugar)”.
No caso, a ação que corre termos em Cascais encontra-se pendente e tem por objeto a mesma questão que consta da decisão revidenda proferida em Moçambique.
Mas, ao contrário do enunciado na decisão singular, afigura-se líquido, que o “tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição”, uma vez que a ação que correu termos em Moçambique foi proposta em primeiro lugar, ou seja, intentada previamente à ação que corre termos em Cascais.
Verifica-se que, ao contrário do que se escreveu na decisão singular, a ação que correu termos – que tem a numeração (…)/17-A - é, na realidade, anterior à instaurada em Portugal, em Cascais, deduzida em 2018.
Não se verifica, pois, ao contrário do vertido na decisão singular, situação que determinasse a procedência da exceção de litispendência, enquanto obstáculo à revisão da sentença estrangeira.
Inexiste, pois, fundamento que obste à revisão, com fundamento na alínea d) do artigo 980.º do CPC.

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b) Da ofensa à ordem pública internacional do Estado Português:
A requerente menciona que a decisão estrangeira não contém decisão contrária aos princípios da ordem jurídica internacional do estado Português e não ofende as disposições de direito privado Português.
Em contrário, concluíram os requeridos, na pronúncia que efetuaram em 04-03-2024, nomeadamente, que:
“(…) 5 - No caso em concreto estamos perante uma pretensão cujo reconhecimento conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
6 - Nos termos da lei 2/2016 de 29/02 a união de facto não está sujeita a um regime de bens;
7 - Não se aplicam as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento.
8- Na união de facto, não há bens comuns sujeitos a partilha uma vez finda a vida em comum, conforme lei que regula união de facto, lei n.º 7/2001 de 11 de maio com as alterações introduzidas pela lei n.º 2/2016 de 29/02.
9 - O regime da união de facto regula-se pela Lei n.º 2/2016 de 29/02.
10- O regime de casamento pelo Código Civil.
11 - São dois regimes totalmente distintos, e encontram-se ambos regulados autonomamente.
12 – A atual redação do artigo 31.º da Lei da Nacionalidade (Moçambicana) introduzida pela Lei orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro, quem nos termos da Lei nº 2098 de 29 de Julho de 1959, e legislação precedente tivesse perdido a nacionalidade portuguesa, por efeito da aquisição voluntaria de nacionalidade estrangeira, adquiriu a nacionalidade portuguesa, por mero efeito da lei, desde que não tenha sido lavrado o registo de perda da nacionalidade, na Conservatória dos Registos Centrais.
13 - Sendo aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 63º do C.P.C.
14 - Não pode a sentença apresentada ser revista e confirmada pois a mesma, viola a lei portuguesa.
15- O princípio da igualdade é um corolário da justiça e esta é em si um princípio de ordem pública internacional do Estado português”.
Esta posição encontra-se em linha com a pronúncia efetuada em 17-12-2023, pelo Ministério Público, na promoção que exarou no processo, em particular:
“(…) A lei da União de Facto, Lei nº 7/2001, de 11 de maio, não atribui aos unidos de facto direitos sucessórios, pelo que a requerente não pode ser considerada herdeira do falecido (cf. Artigo 3º) A sentença de um tribunal estrangeiro não deve ser confirmada se conduzir a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado Português.
É o que sucede no caso em apreço!
A sentença a rever contenderia com os princípios constitucionais de garantia e proteção da família -art.º 36º da CRP-, bem como o princípio da igualdade - art.º 13 da CRP-, pois a ser confirmada implicava tratar igualmente como herdeiros legitimários, os requeridos (filhos) e a requerente (unida de facto), consabido que à luz do ordenamento jurídico português CM não é herdeira.
Pela similitude das situações, convoca-se o douto Acórdão deste Tribunal, de 26/1/2023, proferido no processo 1232/20.0YRLSB-6, cujo sumário se transcreve:
I-Através da revisão da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal da República Popular de Angola, que reconheceu a união de facto, entre a Requerente e um cidadão de nacionalidade portuguesa, aquela pretende o reconhecimento, por um lado, da sua qualidade de herdeira do falecido e, por outro lado, da sua qualidade de meeira, como se fosse casada com o mesmo.
II-A pretendida equivalência entre o "estado de união de facto" e o "estado de casado" nos termos do artigo 126.Q do Código Civil Angolano iria sempre, colidir com o princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
III-Com efeito, na ordem jurídica portuguesa, o art.º 3.º da Lei da União de Facto, Lei n.º 7/2001, de 11-05, não reconhece à união de facto efeitos sucessórios nem efeitos patrimoniais designadamente ao nível da liquidação e partilha após a cessação da relação, seja a cessação voluntária seja mortis causa.
IV-O princípio da igualdade é um corolário da justiça e esta é em si um princípio de ordem pública internacional do Estado português.
V-Assim, não exactamente o conteúdo da sentença estrangeira, mas as consequências que da mesma a Requerente pretende extrair, são manifestamente incompatíveis com a ordem pública internacional do Estado português. Por isso, faltando o requisito constante da alínea f) do art.º 980.º do CPC, não pode proceder a pretensão da Requerente de obter a revisão e confirmação da sentença."
Neste conspecto, entendemos que deverá considerar-se improcedente a presente ação e consequentemente, deve ser negada a revisão e confirmação da Sentença estrangeira.”.
O Ministério Público reiterou uma tal posição na promoção de 09-10-2024, onde, a respeito desta questão, expendeu o seguinte:
“A requerente, CM, pretende a revisão e confirmação da sentença proferida em 22/7/2019, da 5ª secção Cível do Tribunal Judicial Do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique, que reconheceu a união de facto entre a requerente e o falecido DA, desde o ano de 1981.
Pretende não só o reconhecimento da união de facto, mas também de todos os factos aí provados e enquadramento jurídico, nos termos dos artigos 202º e 203º, nº 2 da Lei nº 10/2004, de 25 de agosto, Lei da Família Moçambicana, designadamente a produção dos efeitos patrimoniais, ou seja, a aplicação do regime da comunhão de adquiridos.
Tal traduz-se na equivalência entre o “estado de união de facto” e o “estado de casado”.
A não verificação do requisito da al. f) do artigo 980º do CPC porquanto “na ordem jurídica portuguesa, o art.º 3.º da Lei da União de Facto, Lei n.º 7/2001, de 11-05, não reconhece à união de facto efeitos sucessórios nem efeitos patrimoniais designadamente ao nível da liquidação e partilha após a cessação da relação, seja a cessação voluntária seja mortis causa. Assim, não exatamente o conteúdo da sentença estrangeira, mas as consequências que da mesma a Requerente pretende extrair, são manifestamente incompatíveis com a ordem pública internacional do Estado português”
(…)
A lei da União de Facto, Lei nº 7/2001, de 11 de maio, não atribui aos unidos de facto direitos sucessórios, pelo que a requerente não pode ser considerada herdeira do falecido (cf. Artigo 3º)
A sentença de um tribunal estrangeiro não deve ser confirmada se conduzir a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado Português.
É o que sucede no caso em apreço!
A sentença a rever contenderia com os princípios constitucionais de garantia e proteção da família -art.º 36º da CRP, bem como o princípio da igualdade - art.º 13 da CRP-, pois a ser confirmada implicava tratar igualmente como herdeiros legitimários, os requeridos (filhos) e a requerente (unida de facto), consabido que à luz do ordenamento jurídico português CM não é herdeira.
Pela similitude das situações, convoca-se o douto Acórdão deste Tribunal, de 26/1/2023, proferido no processo 1232/20.0YRLSB-6, cujo sumário se transcreve:
I- Através da revisão da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal da República Popular de Angola, que reconheceu a união de facto, entre a Requerente e um cidadão de nacionalidade portuguesa, aquela pretende o reconhecimento, por um lado, da sua qualidade de herdeira do falecido e, por outro lado, da sua qualidade de meeira, como se fosse casada com o mesmo.
II- A pretendida equivalência entre o “estado de união de facto” e o “estado de casado” nos termos do artigo 126.º do Código Civil Angolano iria sempre, colidir com o princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
III- Com efeito, na ordem jurídica portuguesa, o art.º 3.º da Lei da União de Facto, Lei n.º 7/2001, de 11-05, não reconhece à união de facto efeitos sucessórios nem efeitos patrimoniais designadamente ao nível da liquidação e partilha após a cessação da relação, seja a cessação voluntária seja mortis causa.
IV- O princípio da igualdade é um corolário da justiça e esta é em si um princípio de ordem pública internacional do Estado português.
V- Assim, não exactamente o conteúdo da sentença estrangeira, mas as consequências que da mesma a Requerente pretende extrair, são manifestamente incompatíveis com a ordem pública internacional do Estado português. Por isso, faltando o requisito constante da alínea f) do art.º 980.º do CPC, não pode proceder a pretensão da Requerente de obter a revisão e confirmação da sentença.”
Neste conspecto, entendemos que a presente ação não pode proceder, por não se verificar no caso vertente o requisito previsto na al. f) do artigo 980º e, consequentemente, deverá ser prolatado acórdão no sentido de ser negada a revisão e confirmação da Sentença estrangeira.”.
A questão suscitada prende-se com os efeitos decorrentes do reconhecimento da união de facto no direito moçambicano.
Conforme se lê na decisão revidenda moçambicana:
“(…) A união de facto foi estatuída pela Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da Família-LF).
A mesma tem por base o reconhecimento para efeitos patrimoniais, a união singular, com carácter estável, livre e duradouro entre um homem e uma mulher, sendo que legalmente aptos para contrair casamento não tenham celebrado, conforme preconiza o nº 1 do artigo 202 da L.F., avançando como pressuposto de união de facto os seguintes:
. Existência de uma ligação singular entre um homem e uma mulher;
. A relação singular deve ser de carácter estável e duradouro;
. Não deve haver impedimentos legais para contrair matrimónio.
E ainda, o nº 2, do artigo 202, do mesmo diploma legal, refere também como pressuposto "a comunhão plena de vida pelo período de tempo superior a 1 ano sem interrupção."
Na República de Moçambique, tem sido comum[men]te feito o reconhecimento de união de facto para efeitos patrimoniais, equiparando-se ao regime de comunhão de adquiridos, considera-se para o efeito, todos os bens adquiridos na vigência da ação”.
E, de facto, nos termos do disposto no artigo 203.º, n.º 2, da Lei moçambicana n.º 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da Família), “para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o regime da comunhão de adquiridos” (esta previsão manteve-se na revisão operada à referida Lei em 2019 – cfr. artigo 208.º, n.º 2, da Lei moçambicana n.º 22/2019, de 11 de dezembro).
Vejamos:
A respeito da alínea f) do artigo 980.º do CPC, cumpre salientar que, “a exceção de ordem pública internacional do Estado Português, ou reserva da ordem pública, só ocorre quando da aplicação de uma norma de direito estrangeiro resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa” (neste sentido, o Acórdão do STJ de 24-04-2018, Pº 137/17.7YRPRT, rel. JOSÉ RAÍNHO).
“A ordem pública internacional do Estado Português corresponde aos valores essenciais do Estado Português; só quando os nossos interesses superiores são postos em causa é que não é possível tolerar a declaração do direito efectuada por um sistema jurídico estrangeiro, daí que, se o resultado de sentença estrangeira chocar flagrantemente os interesses de primeira linha protegidos pelo nosso sistema jurídico, não deverá aquela ser reconhecida” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2021, Pº 561/21.0YRLSB-7, rel. MICAELA SOUSA).
Os princípios da ordem pública internacional do Estado compreendem, desde logo, os princípios fundamentais do Estado e os direitos, liberdades e garantias individuais estabelecidos na Constituição da República Portuguesa (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 23-02-2012, Pº 15/11.3YRCBR, rel. NUNO CAMEIRA e da Relação de Coimbra de 11-06-2019, Pº 274/18.0YRCBR, rel. EMÍDIO SANTOS).
Mas, como se adverte no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2022 (Pº 186/22.3YRLSB.L1.6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO), quanto a este requisito da alínea f), “importa avaliar a contrariedade do reconhecimento aos princípios e valores da ordem pública internacional do Estado Português, não os princípios consagrados no sistema jurídico interno de Portugal; a excepção é ainda integrada pelos princípios fundamentais do Estado Português que decorram desta ordem pública internacional na sua concretização no momento histórico da revisão, os quais se encontram sobretudo nas normas de nível constitucional ou que respeitem a direitos fundamentais”.
“A ordem pública internacional tem como características: (i) a imprecisão; (ii) o cariz nacional das suas exigências (que variam de Estado para Estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles); (iii) a excepcionalidade (…); (iv) a flutuação e a actualidade (intervém em função das concepções dominantes no tempo do julgamento, no país onde a questão se põe); e (v) a relatividade (intervém em função das circunstâncias do caso concreto e, particularmente, da intensidade dos laços entre a relação jurídica em causa e o Estado português).
Trata-se, assim, de um conceito indeterminado que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto (…).
O controlo que o juiz tem de fazer para aquilatar da ofensa da ordem pública internacional do Estado não se confunde com revisão: o juiz não julga novamente o litígio decidido pelo tribunal arbitral para verificar se chegaria ao mesmo resultado a que este chegou, apenas deve verificar se a sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica do foro; ainda assim, quando o controlo se destina a verificar se o resultado da decisão é manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado, poderá não bastar a análise do dispositivo da sentença por este ser, em geral, neutro, se desligado da vistoria ao raciocínio até ele percorrido pelo tribunal.
Mesmo que não seja possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional, é latamente consensual a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que, pela sua relevância, integram a Constituição em sentido material, pois são as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, que não só enformam como também conformam a ordem pública internacional do Estado, o mesmo sucedendo com os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e ainda com os princípios fundamentais nos quais se incluem os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e os princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária, quanto de fonte nacional” (assim, o Acórdão do STJ de 26-09-2017, Pº 1008/14.4YRLSB.L1.S1, rel. ALEXANDRE REIS).
Conforme salienta Mariana Madeira da Silva Dias (“O RECONHECIMENTO DO REPÚDIO ISLÂMICO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS: A EXCEÇÃO DE ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL”, in Julgar n.º 23, Almedina, 2014, pp. 300-302), a respeito da exceção da ordem pública internacional:
“(…) o princípio que lhe subjaz é a excecionalidade da sua aplicação. Esta exceção permite ao julgador operar uma evicção do direito estrangeiro normalmente competente, afastando-o. Concretamente, o art.º 22.º do Código Civil (CC) é claro ao consagrar esse afastamento do direito estrangeiro quando razões de ordem pública internacional o imponham (mas este bloqueio deve ser excecional e só aplicado em casos limite).
Por outro lado, o conceito de ordem pública pode ter diferentes âmbitos de aplicação que importa demarcar e que são a interna, a internacional e a verdadeiramente internacional (universal ou transnacional).
Seguidamente, podemos dizer que como características definidoras da ordem pública temos, ainda, a imprecisão, a atualidade e a relatividade.
Com efeito, a ordem pública surge como um instrumento destinado a evitar que, em cada caso concreto, se produza na ordem jurídica do foro um efeito que esteja com ela numa contradição insuportável. A exceção apenas opera em relação àquela situação jurídica concreta que visa evitar que se realize, por isso é relativa, depende de caso para caso e do sistema jurídico em que se insere (tem um carácter nacional). Por outro lado, trata-se de um conceito indeterminado, que carece da concretização do juiz aquando da sua aplicação.
Essa apreciação do juiz sobre quais os princípios que integram a ordem pública internacional do Estado do foro deve ser atual, pois este instituto é fruto de conceções que vigoram no próprio país onde a questão se põe, isto é, o juiz tem de defender o particularismo jurídico do seu Estado no momento em que se levanta a questão do reconhecimento.
Seguidamente, como pressupostos da sua atuação temos a ligação suficientemente estreita com a ordem do foro, que deve estar presente para que se justifique a intervenção da ordem pública (Inlandsbeziehung). Em todo o caso, para a exceção intervir, será sempre necessário que o direito estrangeiro aplicável viole grosseiramente a conceção de justiça do direito material, tal como o Estado do foro a entende. Assim, o juiz deverá detetar  primeiro se se verifica uma incompatibilidade in abstracto do conteúdo da lei estrangeira com os princípios de ordem pública internacional da lex fori e, se concluir que sim, só depois verificar se há uma incompatibilidade in concreto, ou seja, se a intensidade do Inlandsbeziehung ou outras circunstâncias do caso justificam a intervenção da exceção. Relembramos que o juiz não deve tecer interferências quanto ao conteúdo da lei estrangeira cujo efeito se pretende ver reconhecido, mas sim da compatibilidade com as conceções ético-jurídicas fundamentais da lex fori da situação que adviria da aplicação da lei estrangeira aos factos em causa. Concluindo, quanto maior for o Inlandsbeziehung, maior será a gravidade da violação da ordem pública internacional”.
No âmbito do reconhecimento de sentenças estrangeiras que reconhecem uniões de facto, a jurisprudência portuguesa tem, nuns casos, reconhecido as decisões estrangeiras e, noutros casos, tem considerado que ocorre ofensa da ordem pública, obstativa do reconhecimento.
Assim, considerando que os efeitos (sucessórios) decorrentes do reconhecimento de sentença estrangeira são violadores da ordem pública, podem citar-se, nomeadamente, as seguintes decisões:
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2015 (Pº 317/11.9YRLSB.S1, rel. ORLANDO AFONSO):
“I - O sistema de revisão de sentenças estrangeiras é enformado pelo princípio da revisão formal, preconizando-se, na restrição da al. f) do art.º 1096.º do CPC que o “exequator” não deve ser concedido a uma decisão que conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, i.e. com aqueles princípios que decorrem de um complexo de normas, inspiradas por razões políticas, morais e económicas que são aceites por um determinado número de nações como expressão de uma civilização e cultura idênticas e que são, por isso, plasmados na ordem jurídica de um certo número de Estados com os quais Portugal tem afinidades jurídicas, estando, ademais, em consonância com a CRP.
II - O direito sucessório funda-se, por um lado, na necessidade de assegurar que a substituição na titularidade do acervo patrimonial (bens, créditos e débitos) do falecido (pois, se assim não fosse, gerar-se-ia uma disrupção injustificada da vida jurídica, com perturbação da ordem e das legítimas expectativas) e, por outro, na protecção da família, enquanto realidade que se projecta no tempo e no espaço, o que justifica que, pelo menos no silêncio daquele e por via da sucessão legítima, os bens sejam atribuídos ao cônjuge, parentes directos e colaterais.
III - A sucessão legítima funda-se no vínculo de solidariedade familiar e este, embora afrouxe à medida que o parentesco se distancia, ainda conserva suficiente vigor em relação aos colaterais, sobretudo no caso de não haver familiares próximos na linha directa.
IV - A união de facto constitui uma nova realidade na convivência social básica, não lhe reconhecendo, contudo, o art.º 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, efeitos sucessórios.
V - Sendo a sucessão regulada pela lei pessoal do autor da sucessão (art.º 62.º do CC) e sendo este de nacionalidade portuguesa, há a constatar que o membro sobrevivo da união de facto não consta dos elencos taxativos – e, por isso, insusceptíveis de interpretação analógica ou extensiva – dos sucessíveis legitimários e legítimos, constantes, respectivamente, dos artigos 2157.º e 2145.º, ambos do CC.
VI - A união de facto registada – instituto existente no ordenamento jurídico brasileiro mas não no ordenamento jurídico português – deve ser considerada como um menos em relação ao casamento na ordem jurídica portuguesa, não sendo sequer pacífica, no Brasil, a sua equiparação, mormente para efeitos sucessórios.
VII - Os herdeiros do membro falecido da união de facto apenas podem ser excluídos da sucessão nos casos previstos na lei, não podendo o tribunal optar por uns ou atribuir-lhes direitos de sucessão em detrimento de outros, pelo que, não tendo aquele testado a favor da recorrente e lhe atribuído a totalidade dos seus bens, ficou aberta a porta para a sucessão legítima.
VIII - O reconhecimento de uma decisão de um Tribunal brasileiro em que se considera a recorrente – membro sobrevivo de união de facto registada que foi mantida com cidadão português residente no Brasil – como herdeira universal, conduz a um resultado manifestamente incompatível com a protecção dos laços familiares, o qual se conta entre os princípios referidos em I.
IX - O princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP) impõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais geradas pela diversidade de circunstâncias e pela natureza das coisas (e não mantidas artificialmente pelo legislador) e tem que ver com a distribuição de direitos e deveres, de vantagens e de encargos, de benefícios e de custos inerentes à pertença à mesma comunidade ou à vivência da mesma situação.
X - Na medida em que o reconhecimento da decisão referida em VIII afastaria os herdeiros legítimos do falecido (o que não sucederia se aquela relação familiar tivesse sido vivida em Portugal) e que esse afastamento é intransponível para as uniões de facto existentes no nosso ordenamento jurídico, verificar-se-ia um tratamento desigual de situações idênticas assim se violando o princípio da igualdade (pois não se respeitaria a justiça inerente à vivência das mesmas situações).
XI - Sendo o princípio da igualdade um corolário do princípio da justiça e sendo este um dos princípios referidos em I, tal reconhecimento, de igual modo, conduziria a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português”; e
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-01-2023 (Pº 1232/20.0YRLSB-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA):
“I - Através da revisão da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal da República Popular de Angola, que reconheceu a união de facto, entre a Requerente e um cidadão de nacionalidade portuguesa, aquela pretende o reconhecimento, por um lado, da sua qualidade de herdeira do falecido e, por outro lado, da sua qualidade de meeira, como se fosse casada com o mesmo.
II - A pretendida equivalência entre o “estado de união de facto” e o “estado de casado” nos termos do artigo 126.º do Código Civil Angolano iria sempre, colidir com o princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
III - Com efeito, na ordem jurídica portuguesa, o art.º 3.º da Lei da União de Facto, Lei n.º 7/2001, de 11-05, não reconhece à união de facto efeitos sucessórios nem efeitos patrimoniais designadamente ao nível da liquidação e partilha após a cessação da relação, seja a cessação voluntária seja mortis causa.
IV - O princípio da igualdade é um corolário da justiça e esta é em si um princípio de ordem pública internacional do Estado português.
V - Assim, não exactamente o conteúdo da sentença estrangeira, mas as consequências que da mesma a Requerente pretende extrair, são manifestamente incompatíveis com a ordem pública internacional do Estado português. Por isso, faltando o requisito constante da alínea f) do art.º 980.º do CPC, não pode proceder a pretensão da Requerente de obter a revisão e confirmação da sentença”.
Orientando-se numa posição mais restrita do conceito de ordem pública nesta matéria, admitindo a revisão, podem citar-se, exemplificativamente, as seguintes decisões jurisprudenciais:
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2019 (Pº 2032/19.6YRLSB-7, rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO):
“O regime jurídico estrangeiro que estabeleça regras próprias, de natureza patrimonial e pessoal, no quadro de um novo figurino familiar que tenha por base a convivência douradoura de um casal que não esteja unido pelo vínculo do casamento, mas que vive, em conjunto e reciprocamente, um relacionamento análogo ao dos cônjuges, não fere qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico nacional, que o poderia acolher com toda a abertura e naturalidade, existindo notória similitude entre a união estável brasileira e a figura da união de facto consagrada pela legislação nacional e consolidada na nossa comunidade jurídica e social (vide o artigo 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, alterada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto) - embora se trate de realidades jurídicas perfeitamente distintas quanto ao seu regime”; e
- O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-12-2021 (Pº 75/21.9YRGMR, rel. FERNANDA PROENÇA FERNANDES):
“Atenta a evolução que o nosso ordenamento jurídico interno tem tido relativamente à protecção das pessoas em união de facto, não se pode dizer que a atribuição a uma delas, em caso de morte da outra, de direitos patrimoniais sobre os bens deixados pelo “de cujus”, na qualidade de meeiro, produza na nossa ordem jurídica uma contradição insuportável, por violar de forma grosseira a concepção de justiça tal como é entendida no nosso país”;
Perfilhando esta segunda orientação, que congrega um conceito restrito de ordem pública internacional, ancorando este instituto jurídico, fundamentalmente, por referência ao caráter de excecionalidade (que determina que o resultado adveniente do reconhecimento manifeste um grau de incompatibilidade manifesto) e de contrariedade a princípios da ordem pública internacional do Estado Português (que o modelam na sua relação com outros Estados), entendemos serem plenamente justificadas as considerações expendidas neste último aresto, as quais se subscrevem e que, na parte relevante, se transcrevem:
“(…) atenta a evolução que o nosso ordenamento jurídico interno tem tido, principalmente nos últimos tempos, relativamente à protecção das pessoas em união de facto, não se pode dizer que a atribuição a uma delas, em caso de morte da outra, de direitos patrimoniais sobre os bens deixados pelo “de cujus”, na qualidade de meeiro, produza na nossa ordem jurídica uma contradição insuportável por violar de forma grosseira a concepção de justiça tal como é entendida no nosso país.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2017 (relator Alexandre Reis), publicitado in www.jusnet.pt: “(...) Como é pacificamente admitido, estando em causa o reconhecimento dos efeitos de uma decisão estrangeira, «tem de haver uma maior tolerância para com as regras do sistema jurídico estrangeiro. Na verdade, conforme salienta a Professora Isabel de Magalhães Collaço, o Direito Internacional Privado assenta, justamente, no princípio do respeito pela diversidade de regulamentações e no reconhecimento da diferença entre as várias ordens jurídicas. (...). Em todo o caso, esta maior tolerância para com a lei estrangeira não é sinónimo, evidentemente, de subserviência total. Com efeito, não está aqui em causa um "cheque em branco" que o legislador nacional passa à lei estrangeira aplicável. Assim, e porque a remissão para uma lei estrangeira, lei esta de conteúdo vário e desconhecido, é sempre - na expressão feliz de Leo Raape - um "Sprung ins Dunkel", isto é, um salto no escuro, um salto no desconhecido torna-se necessário dotar o juiz de um meio ou expediente que lhe permita afastar a aplicação de uma norma de direito estrangeiro, quando o resultado dessa aplicação for inadmissível no sistema da "lex fori", nomeadamente quando representar uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais da sua ordem jurídica. Esse meio ou expediente é, precisamente, a ressalva, reserva ou excepção de ordem pública internacional”.
Assim, como dissemos já, entendemos, como se entendeu no Ac. da Relação de Lisboa acima citado, que: “o regime jurídico estrangeiro que estabeleça regras próprias, de natureza patrimonial e pessoal, no quadro de um novo figurino familiar que tenha por base a convivência douradoura de um casal que não esteja unido pelo vínculo do casamento, mas que vive, em conjunto e reciprocamente, um relacionamento análogo ao dos cônjuges, não fere qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico nacional, que o poderia acolher com toda a abertura e naturalidade.
De resto, existe notória similitude entre a união estável brasileira e a figura da união de facto consagrada pela legislação nacional e consolidada na nossa comunidade jurídica e social (vide o artigo 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, alterada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, que no seu artigo 1º, nº 2, define o conceito de união de facto como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente, do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”) - embora se trate de realidades jurídicas perfeitamente distintas quanto ao seu regime”.
A tal acresce que, a qualidade de herdeiro no nosso ordenamento jurídico é atribuída pela lei ordinária - artigo 2133º do Código Civil - e não pela Constituição da República Portuguesa, o que denota que as classes sucessíveis não são consideradas um elemento nuclear e fundamental das concepções ético-jurídicas do nosso ordenamento jurídico (…)”.
Pode assim concluir-se que: Verificando-se, embora, divergência de efeitos jurídicos – designadamente, para efeitos sucessórios – decorrentes da consideração da aplicação do regime jurídico de reconhecimento da união de facto em Moçambique e em Portugal, do reconhecimento da sentença estrangeira prolatada em Moçambique não decorre um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, não violando de forma clamorosa ou grosseira a conceção de justiça tal como é entendida em Portugal.
Não ocorre, pois, violação da ordem pública internacional do Estado Português em face da decisão revidenda.

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c) Dos demais requisitos que condicionam a revisão:
Relativamente aos demais requisitos que condicionam a revisão de uma sentença estrangeira, importa aferir, no caso, da sua verificação, ou não.
Vejamos:
“O requisito de autenticidade previsto na al. a) do art.º 980.º do CPC, enquanto condição de confirmação da sentença estrangeira, traduz-se na necessidade de o tribunal adquirir, documentalmente, a certeza do acto jurídico postulado na decisão revidenda, ainda que não se encontre formalizado em sentença no sentido próprio do termo.
A exigência da ausência de dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença a rever tem de ser entendida nos termos referidos no n.º 2 do art.º 365.º do CC, relevando para tal apenas as dúvidas fundadas.
O requisito relativo à inexistência de dúvidas sobre a inteligência da decisão, previsto na 2.ª parte da citada al. a), reporta-se ao conteúdo da decisão, no sentido de que o mesmo deve ser facilmente apreensível pelo órgão jurisdicional português. Atenta a natureza formal do nosso sistema de revisão formal, não cabe analisar, para tal efeito, a coerência lógica entre o segmento decisório e os fundamentos fáctico-jurídicos constantes da decisão revidenda” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2021, Pº 2652/19.9YRLSB.S1, rel. GRAÇA AMARAL).
Sobre a alínea b) do artigo 980.º do CPC – trânsito em julgado da decisão segundo a lei do país onde foi proferida - tem-se entendido que é de “presumir o trânsito em julgado, impendendo sobre os réus a elisão dessa presunção” (neste sentido, vd., Alberto dos Reis; Processos Espaciais, volume II, p. 163 e o Acórdão do STJ de 27-04-2017, Pº 93/16.9YRCBR.S1, rel. OLIVEIRA VASCONCELOS).
Deriva da alínea c) do artigo 980.º do CPC que, para a confirmação da sentença estrangeira mostra-se necessário que a mesma provenha de tribunal estrangeiro, cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses. Esta alínea c) “acolhe a tese da unilateralidade atenuada: o tribunal de revisão não controla a competência do tribunal que julgou de mérito, exigindo-se apenas que os tribunais portugueses não sejam exclusivamente competentes e que a competência do tribunal de origem não seja provocada em fraude à lei” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2020, Pº 639/20.8YRLSB-1, rel. FÁTIMA REIS SILVA).
Sobre o sentido da alínea e) do artigo 980.º do CPC, a mesma prescreve “como requisito necessário para a confirmação sentença, que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes”, visando-se “a concreta acção do juiz no processo onde foi proferida a sentença a rever e a concreta intervenção da parte que se opõe à confirmação da sentença nesse mesmo processo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, Pº 274/18.0YRCBR, rel. EMÍDIO SANTOS).
Ora, no caso, é de concluir que se verificam todas as demais condições exigidas por lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira emanada de Moçambique.
De facto, não se suscitam dúvidas nem quanto à autenticidade, nem quanto à inteligência dos documentos juntos pela requerente.
A decisão estrangeira mostra-se transitada em julgado.
Inexiste, igualmente, motivo para considerar que a competência do Tribunal foi determinada em fraude à lei, sendo que, a matéria sobre que incidiu a decisão estrangeira, também não se trata de matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses.
No que se reporta ao cumprimento dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, não transparece dos autos a sua inobservância.
Verificam-se, pois, os pressupostos legais de revisão e de confirmação (sendo que, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2020, Pº 257/19.3YRCR, rel. SILVIA PIRES, “confirmar uma sentença estrangeira, após ter procedido à sua revisão, é reconhecer-lhe no Estado do foro os efeitos que lhe cabem no Estado de origem como acto jurisdicional, nomeadamente efeitos constitutivos relativamente ao estado das pessoas”) da sentença em análise e, consequentemente, a acção deve proceder.
A decisão singular proferida deverá, pois, ser substituída por outra que, confirme e reconheça a sentença estrangeira em questão.
A responsabilidade tributária incidirá sobre os requeridos, que decaíram na presente impugnação, tendo nela ficado vencidos - cfr. artigo 527.º, n.º 1, in fine, do CPC – devendo fixar-se à causa o valor de € 30.000,01, em conformidade com o disposto nos artigos 303.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

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5. Decisão:
Nestes termos, em conformidade com o exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Coletivo desta 2.ª Secção, em conferência, em:
a) Julgar que a decisão singular proferida em 07-02-2024, não padece da nulidade arguida; e
b) Julgar procedente a pretensão de revisão de sentença, pelo que se confirma a sentença, proferida em 22-07-2019, no processo n.º (…)/2017-A, que correu termos na 5.ª Secção Cível do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumu, na República de Moçambique e que reconheceu união de facto entre CM e DA, para valer com todos os seus efeitos em Portugal.
Custas pelos requeridos.
Valor da causa: € 30.000,01.
Notifique e registe.
Oportunamente, dê-se cumprimento ao disposto nos artigos 78.º e 79.º, n.º 4, do Código de Registo Civil.

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Lisboa, 07 de novembro de 2024.

Carlos Castelo Branco
Pedro Martins
Arlindo Crua