1. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. A exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento constante do art.º 1069º, n.º 1, do CC, é meramente ´ad probationem`, pelo que, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (art.º 364º, n.º 2, do CC).
3. Demonstrando-se, além do mais, a existência do contrato de arrendamento (por confissão expressa) e o pagamento de rendas (por período superior a seis meses), não há que dar especial relevo à circunstância de se ignorar a quem possa ou deva ser imputada a responsabilidade pela falta de redução a escrito.
4. O sentido/alcance do art.º 1069º, n.º 2, do CC (“falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário”) será suficiente e adequadamente preenchido se a factualidade provada não permitir imputar tal falta ao arrendatário.
5. Não existe propriamente um ónus que recaia sobre o arrendatário (de alegação e prova desse “facto negativo”) e cujo cumprimento seja condição para fazer valer o seu pretenso direito a ocupar o imóvel.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB, pedindo que se declare que o A. é proprietário do prédio descrito no art.º 1º da petição inicial (p. i.) e se condene o Réu a reconhecê-lo e a entregar esse imóvel livre, devoluto e no bom estado de conservação em que se encontrava no início da ocupação e, ainda, a indemnizar o A. pelos “danos morais e materiais” e juros desde a citação até à entrega efetiva do imóvel.
Alegou, nomeadamente: a sua mãe (falecida em 06.9.2021) cedeu ao Réu o andar cimeiro do identificado prédio, sem contrapartida nem contrato verbal ou escrito, entregando-lhe o Réu pequenas quantias de dinheiro algumas vezes ao ano; interpelou o Réu para que lhe entregasse as instalações, mais lhe tendo proposto arrendar o imóvel mediante o pagamento de determinada quantia, tudo a que o Réu se opôs, continuando no dito andar e a utilizar o espaço contíguo.
O Réu contestou, dizendo que sempre reconheceu ao A. (e, anteriormente, aos pais deste) a qualidade de proprietário do prédio urbano em causa, que recebeu de arrendamento, por contrato celebrado verbalmente, com os pais do A., há mais de 15 anos, pagando as rendas em numerário e havendo celebrado os respetivos contratos de prestação de serviços de água e energia elétrica, habitando no referido imóvel com a sua família. Concluiu pela improcedência da ação (com exceção do reconhecimento da propriedade do imóvel) e pediu a condenação do A. como litigante de má fé.
Na sequência do despacho de 23.11. 2022, o A. respondeu à matéria de exceção e renunciou ao pedido por “danos morais e patrimoniais”.
Foi proferido despacho saneador que firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 20.3.2024, julgou a ação procedente e, em consequência, reconheceu que o A. é o legítimo proprietário do prédio identificado em 1. dos factos provados e condenou o Réu a reconhecer tal direito e a entregar-lhe o referido prédio livre, devoluto e no estado de conservação em que se encontrava no início da ocupação.
Dizendo-se inconformado, a Réu apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - O Apelante não se conforma com as decisões constantes nos parágrafos 5. e 9. (no que tange à referência “há mais de quinze anos”) e 9., dos factos provados bem como as constantes na alínea i), dos factos não provados, da sentença recorrida, porquanto estão em manifesta contradição com a motivação de tais decisões explanadas no aresto recorrido.
2ª - A sentença em crise está, assim, ferida de nulidade, por violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil (CPC).
3ª - A redação dos parágrafos 5. e 9. deverá ser alterada, devendo constar:
5. O réu recebeu o andar cimeiro do prédio referido em 1. por acordo celebrado verbalmente com os pais do autor, há mais de dezanove anos.
9. O réu há mais de dezanove anos que habita o imóvel identificado, conjuntamente com a sua família constituída pela sua esposa e dois filhos e com uma cadela de estimação.
4ª - De facto, a testemunha CC afirmou que o “Sr. BB está lá há mais de dezanove anos”, o que expressou de forma reiterada, o que, aliás, é reconhecido pelo Tribunal recorrido quando refere que “A testemunha CC explicou, de forma fundamentada, que a casa foi arrendada ao réu há cerca de 19 anos (quando a sua filha nasceu)”, sendo que o Tribunal considerou que tal testemunha “(…) falou de forma fundamentada e objetiva, reportando-se aos factos por si relatados e coincidentes com a matéria factual em apreço, com recurso a exemplos e sem hesitações.”, não tendo qualquer outra testemunha referido tal factualidade.
5ª - Factualidade esta também corroborada pelo Tribunal a quo quando refere “O facto do ponto 6. deu-se como provado pela análise da fatura-recibo emitida pela Câmara Municipal ..., devidamente carimbada com a menção de «pago», datada de 04/9/2007, em que figura como utente DD, mostrando-se aposto no endereço postal o nome do réu, e pela análise da fatura da EDP de 19/01/2007, emitida em nome do réu.
Da conjugação destes elementos documentais que se encontram na posse do réu que os juntou aos autos e que lhe são dirigidos, com o depoimento das testemunhas inquiridas nos termos que infra se descreverão - dando conta que o réu residiu na habitação em apreço o Tribunal ficou convencido da veracidade do facto em apreço.”
6ª - Donde resulta sempre sem conceder nem conceber que o Apelante, pelo menos desde janeiro de 2007, que, conjuntamente com a sua família passou a habitar no arrendado.
7ª - Em consequência, também o parágrafo 7., dos factos provados, terá que ser alterado em conformidade, devendo fazer-se constar que “Desde há mais de dezanove anos que o réu pagou e continua a pagar contrapartida monetária para aí residir (…)”.
8ª - A testemunha CC, a quem o Tribunal a quo reconheceu idoneidade e credibilidade, referiu ao longo do seu depoimento, por diversas vezes, que o Recorrente sempre procedeu ao pagamento das rendas, incluindo, portanto, os meses de outubro e novembro do ano de 2022, como reiterou, por diversas vezes, ao longo do seu depoimento, referindo, nomeadamente, que o “Sr. BB pagava a renda sempre a dia 9 ou 10”; “Cheguei a ter 1.500€ de rendas do Sr. BB”; “A minha filha também entregou as rendas do Sr. BB ao Sr. AA depois da morte da mãe”, o que expressou de forma reiterada convencendo o Tribunal da veracidade de tais factos.
9ª - Do depoimento da testemunha CC, considerando a análise crítica efetuada pelo Tribunal recorrido constante da “Motivação”, resultou provada a factualidade da alínea i) dos factos não provados, pelo que a mesma deverá ser eliminada dos “Factos não provados” (tanto mais que está em manifesta contradição com os factos considerados provados nos parágrafos 7. e 8.) e levada aos “Factos provados”.
10ª - Resultou ainda provado, considerando o teor do requerimento datado de 06/02/2024 e os documentos aí anexos, o qual não foi impugnado, que, a partir do mês de dezembro de 2022, até ao corrente mês, sempre o Apelante procedeu ao pagamento da renda, por depósito bancário efetuado na agência de ..., da Caixa Geral de Depósitos (CGD), na conta titulada pelo Autor (anexa comprovativos dos depósitos efetuados, cuja junção requer nos termos previstos nos art.ºs 652º, n.º 1, al. e) e 425º, do CPC, tendo em conta que os documentos ora juntos, ainda não anexos aos autos, não estavam em poder do Apelante por se encontrarem, à data, extraviados ou por corresponderem a datas posteriores à prolação da sentença).
11ª - Em consequência, tendo em conta a apreciação efetuada pelo próprio Tribunal, devidamente fundamentada, como já se viu, a redação do parágrafo 7. dos factos provados, deverá ser alterada, passando a constar:
7.1. Desde há mais de dezanove anos que o réu pagou e continua a pagar contrapartida monetária por ali residir, primeiro aos pais do autor, depois à sua mãe e, após o decesso desta, ao próprio autor.
7.2 No mês de outubro de 2022, o réu entregou a quantia de € 150 à referida CC para que o fizesse chegar ao autor, o que aconteceu, não obstante nunca lhe ter sido passado o competente recibo de quitação.
7.3 A partir do mês de dezembro de 2022, até ao corrente mês, mensalmente o Réu procedeu ao pagamento da quantia de 150€, por depósito bancário efetuado na agência de ..., da CGD, na conta titulada pelo Autor.
12ª - Reafirme-se: deve ser eliminada a al. i) dos “Factos não provados”.
13ª - A carta remetida ao Apelante, citada e reproduzida em parte no parágrafo 11. dos factos provados, constitui a confissão, por parte do Autor da sua condição de senhorio, o que ali afirma perentoriamente “Como sabe, sou agora o seu senhorio porque sou o dono da casa em que o senhor vive. (…)” e, consequentemente a confissão e aceitação da prévia existência do contrato de arrendamento.
14ª - A consciência da parte do Autor e a aceitação da existência do contrato de arrendamento é bem explícita, constituindo declaração confessória, quando afirma, no final daquela missiva “(...) terei de consultar um advogado para resolver todos estes problemas, que poderão passar por uma ação de despejo.”
15ª - O Autor, posteriormente, vem intentar a presente ação de reivindicação assentando a sua causa de pedir em factos que bem sabia não serem verdadeiros (com a exceção da alegada propriedade, que nunca foi posta em causa pelo Apelante).
16ª - O Autor não logrou provar nenhum dos factos por si alegados em sede de p. i. nem em sede de réplica, com a exceção da prova da propriedade e da transmissão da mesma, por sucessão, que, aliás, não foi posta em causa.
17ª - O Autor bem sabe que os factos por si alegados na p. i. não são verdadeiros, nomeadamente os dos artigos 3º a 11º, tendo deduzido uma pretensão que bem sabia não ter fundamento.
18ª - O Autor tinha a consciência de que apenas poderia obter a restituição do arrendado através da competente ação de despejo, se para tanto estivessem verificados os requisitos legais.
19ª - O Autor, manifestamente de má fé, utilizou o presente processo para obter uma vantagem (a entrega do arrendado) com recurso à alteração da verdade dos factos, fazendo um uso manifestamente reprovável, tendo até, em primeira instância logrado os seus intentos.
20ª - O Autor litiga com manifesta má fé e como litigante de má fé deve ser condenado, em multa condigna e indemnização a favor do Apelante, a fixar no n.º 2, do art.º 543º do CPC (porquanto ainda são desconhecidos os montantes das despesas e honorários a suportar para integral defesa).
21ª - Ao assim não entender o Meritíssimo Juiz a quo também violou o exato entendimento do disposto no art.º 542º, n.º 2 do CPC.
22ª - Ao Autor competia provar, em audiência de julgamento, os factos constitutivos da sua causa de pedir, ou seja, os factos por si alegados em sede de p. i. e de réplica, o que, como ficou supra alegado e foi reconhecido pelo Tribunal a quo, não logrou fazer.
23ª - O Apelante subscreve as considerações de Direito ínsitas no aresto recorrido, não se conformando com a interpretação e aplicação feita ao disposto no n.º 2, do art.º 14º, da Lei n.º 13/2019, no sentido de que se impunha ao Recorrente a alegação e prova de que a falta de contrato de arrendamento escrito não lhe é imputável.
24ª - O Apelante logrou provar que vem utilizando o locado há mais de dezanove e que sempre procedeu ao pagamento das rendas, desde o início do contrato até à data da audiência do julgamento (e até à data de hoje, através dos documentos cuja admissão agora requer), o que sempre fez através da entrega em quantia monetária aos pais do Autor, diretamente ou através da prima deste, CC, bem como ao Autor, neste caso, até ao mês de dezembro de 2022, através daquela prima, e, após esta data, através de depósito bancário efetuado na conta da CGD titulada pelo Autor.
25ª - Estes pagamentos foram sempre efetuados pontualmente, ao longo de dezanove anos, sendo que, pelo menos desde 06/9/2021, data do decesso da mãe do Autor, continuaram a ser feitos a este, numa primeira fase, através da prima CC, que lhe entregava os valores monetários recebidos do Recorrente e, depois do mês de dezembro de 2022, inclusive, por depósito bancário.
26ª - O Autor sempre recebeu as rendas pagas pelo Recorrente e sempre teve conhecimento e consciência da existência do contrato de arrendamento em causa, nunca tendo recusado o recebimento da renda, nem nunca devolveu as quantias recebidas.
27ª - O Autor confessou, por escrito, o conhecimento e a prévia existência do contrato de arrendamento, podendo e devendo o Tribunal a quo socorrer-se desse meio de prova.
28ª - Ao assim não interpretar nem aplicar, o Tribunal a quo violou o exato entendimento do disposto no art.º 364º do Código Civil (CC).
29ª - Para além de, atenta a data da celebração do contrato de arrendamento em causa, há mais de dezanove anos, impunha-se reconhecer a presunção que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento é imputável ao senhorio e não ao arrendatário.
30ª - Aliás, nos diferentes regimes de arrendamento sempre esteve presente no espirito do Legislador e na letra da Lei a proteção dos interesses dos arrendatários.
31ª - A Lei 13/2019 é mais um exemplo sendo que, paradoxalmente, foi neste diploma que o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão para declarar a procedência da presente ação, não efetuado a correta interpretação e aplicação da norma.
32ª - No caso em apreço, a aplicação cega do disposto no n.º 2, do art.º 14º da Lei 13/2019, interpretado no sentido de que o Recorrente está obrigado a alegar e provar que a falta de forma escrita do contrato de arrendamento em causa, é ilegal e viola o espirito do mesmo diploma.
33ª - O Autor bem sabia que o meio legal para obter a entrega do imóvel em causa era a ação de despejo.
34ª - Ao optar pela apresentação de uma ação de reivindicação, o Autor para além de litigar de má fé, incorreu em abuso de direito.
35ª - O Recorrente logrou provar que há vários anos o Autor tinha conhecimento da existência do contrato de arrendamento, sendo que, desde 26/7/2009, data do decesso do pai do Autor, o arrendado entrou na sua esfera patrimonial deste, na sua qualidade de herdeiro, tendo-o aceite com esse ónus.
36ª - Esta posição do Autor reforçou-se com o decesso de sua mãe, ocorrido em 06/9/2021, nunca tendo o Autor praticado quaisquer atos suscetíveis de serem interpretados como oposição.
37ª - A posição assumida pelo Autor na sua carta datada de 16.02.2022, onde ficou afirmado inequivocamente o seu papel de senhorio, também não foi de oposição, pretendendo, outrossim, que o Recorrente celebrasse consigo um novo contrato de arrendamento (assim tendo sido entendido pelo Recorrente).
38ª - O lapso temporal decorrido, mais de treze anos depois da morte do pai e um ano depois da morte da mãe do Autor, atenta a data da interposição da presente ação, criou uma expectativa e confiança no Recorrente na manutenção do contrato de arrendamento (com o pagamento pontual de todas as rendas, as quais foram recebidas pelo Autor sem qualquer devolução ou reparo).
39ª - Estão preenchidos os requisitos impostos por Lei para a verificação de abuso de direito sendo ilegítimo (para além de imoral) o exercício do alegado direito do Autor à restituição do imóvel (tanto mais que nunca o Autor o ocupou contra a vontade do Autor, por si e antepossuidores).
40ª - Ao assim não entender, o Tribunal a quo também violou o exato entendimento do disposto no art.º 334º do CC.
Remata dizendo que deverá a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra decisão que absolva o Apelante do segmento que determinou a entrega do referido prédio livre, devoluto e no estado de conservação em que se encontrava no início da ocupação.
O A. não respondeu.[1]
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito.
1) Encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...54º, o prédio urbano composto de casa de habitação de três pisos, cujo titular do rendimento inscrito é DD.
2) DD faleceu no dia 26.7.2009, no estado de casado sob o regime da comunhão geral de bens com EE, deixando a suceder-lhe o cônjuge e o filho, AA (A.).
3) O A., há mais de 15 e de 20 anos, por si e anteriores donos, realizou e continua a realizar diversas obras de conservação e melhoramento do interior e exterior do prédio identificado em 1), sem interrupção, utilizando-o e fruindo por si e ante possuidores, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, pagando as respetivas contribuições plenamente convicto de que tal prédio lhe pertence, com exclusão de outrem, enquanto filho único de sua mãe, de quem o herdou.
4) A mãe do A. faleceu em 06.9.2021.
5) O Réu recebeu o andar cimeiro do prédio referido em 1) por acordo celebrado verbalmente com os pais do A., há mais de quinze anos.
6) Tendo então celebrado com a Câmara Municipal e com a EDP os respetivos contratos de fornecimento de água e energia elétrica.
7) Desde há mais de quinze anos que o Réu pagou e continua a pagar contrapartida monetária por ali residir, primeiro aos pais do A., depois à sua mãe e, após o decesso desta, em dezembro de 2022, nos meses de junho a dezembro de 2023 e janeiro de 2024, ao próprio A..
8) O Réu entrega o respetivo valor em numerário, quer diretamente, quer através de familiar e amiga (de nome CC) daqueles que, por sua vez, o entregava àqueles.
9) O Réu há mais de quinze anos que habita o imóvel identificado, conjuntamente com a sua família constituída pela sua esposa e dois filhos e com uma cadela de estimação.
10) Sendo que, após o falecimento de sua esposa, ali continuou a morar, primeiro com os seus dois filhos e, nos últimos anos, apenas com o seu filho.
11) Na data de 16.02.2022, o A. escreveu uma carta ao Réu, onde se pode ler, além do mais, o seguinte: «Assunto: Contrato de arrendamento. Exmo. Senhor, Como sabe, sou agora o seu senhorio porque sou o dono da casa em que o senhor vive. Por isso, e de acordo com a lei, agora tem de existir um contrato de arrendamento por escrito, que não tenho e ao que parece o senhor nunca fez nenhum com a minha mãe. Assim, venho pedir-lhe que me informe, por escrito, se está na disposição de, amigavelmente, fazermos isso, ou seja, fazer o contrato escrito, ou se tenho de recorrer a um advogado para fazer valer os direitos que a lei me confere, sendo que se nada me disser, em 10 dias, é isso que irei fazer (…)».
12) A presente ação deu entrada em neste Juízo Local Cível em 16.9.2022.
2. E deu como não provado:
a) Alguns anos antes de a mãe do A. falecer, cedeu ao Réu o andar cimeiro da casa referida em 1), e que o mesmo tem vindo a habitar em condições que tanto ela desconhecia de todo, porque já idosa, quase cega e incapaz de subir e ou descer escadas, como o próprio A., tendo-lhe apenas dito - quando, vivendo então em Lisboa e vindo a ... aos fins de semana para poder acompanhá-la e ajudá-la como pôde nas doenças de que padecia e atenta a sua idade - «que tivera pena do Réu e que o deixara lá ficar por algum tempo, sem contrapartida nem contrato verbal ou escrito», mais lhe confidenciando que aquele, a partir de alguns meses de ocupação gratuita e consentida - de longe em longe e se a visse da rua - dava-lhe em mão pequenas quantias de montante variável, que mal lhe davam para comprar pão ou açúcar, mas nunca mais de meia dúzia de euros e apenas 4 a 5 vezes ao ano, e só, dizia-lhe, «quando tinha algum dinheirito».
b) O A. tentou convencer o Réu a subscrever-lhe uma declaração onde fizesse constar que ocupava aquela parte da casa com o mero consentimento de sua mãe, mas sem lhe pagar qualquer quantia a título de renda, e que se obrigava a entregar-lha logo que tal lhe fosse solicitado.
c) O Réu recusou-se a subscrever a declaração referida em b), alegando que «só sairia dali quando lhe apetecesse e arranjasse outra».
d) Algum tempo após o decesso de sua mãe, resolveu o A. interpelar mais uma vez o Réu, pedindo-lhe que lhe entregasse as instalações que continuava a ocupar, insistindo de novo com ele em junho de 2022, dispondo-se, até, a deixá-lo ficar mais três meses, sob condição de, em alternativa, lhe assinar a declaração referida em b), ou de o ajuizar judicialmente.
e) O A. propôs-lhe, também, arrendar-lhe o espaço em causa por tempo certo e determinado, mediante o pagamento de quantia, tendo-se aquele recusado, a fazer uma ou outra coisa, chegando mesmo a rir-se na sua cara, dizendo-lhe que «não sairia dali e que ficasse bem caladinho, se queria receber “algum”, como fazia com sua mãe, mas quando e como pudesse».
f) Posteriormente, o A., vindo a ... durante os dias das Festas da Sr.ª dos Remédios, constatou que o Réu enjaulou e acorrentou no interior do rés-do-chão contíguo à garagem do A., um cão, que come e defeca na zona onde está preso, pejando-a de fezes e urina, vomitando restos de ossadas e empestando toda a casa com um odor fétido e nauseabundo.
g) Nessa sequência, reivindicou do Réu os espaços com vista a fazer obras e a poder habitá-los.
h) O Réu destruiu um lavatório, substituindo-o por um outro artefacto, e rasgou e destruiu várias paredes no interior da casa.
i) No mês de outubro de 2022, o Réu entregou a quantia de € 150 à referida CC que, por sua vez, para que o fizesse chegar ao A., o que aconteceu, não obstante nunca lhe ter sido passado o competente recibo de quitação.
j) O Réu sempre ocupou a casa toda até que, após o falecimento do pai do A. este pediu ao Réu se lhe dispensava uma parte do rés-do-chão para aí fazer uma garagem para sua utilização própria, o que aconteceu, com a autorização do Réu.
3. Cumpre apreciar e decidir.
a) O Réu insurge-se contra a decisão dos pontos de facto provados 5), 7) e 9) e da alínea i) da factualidade tida como não provada, pugnando pela sua modificação conforme indica, principalmente, nas “conclusões 1ª, 3ª, 7ª, 11ª e 12ª”, ponto I., supra.
Importa assim averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa, que interessa a uma melhor configuração/concretização da realidade.
Invoca-se a prova testemunhal e a prova documental.
b) Na motivação sobre a matéria de facto, e na parte que ora releva, o Tribunal a quo afirmou:
«(...) Caberia ao autor o ónus de provar os factos por si alegados (atinentes ao direito de propriedade do prédio que identifica e, ainda, que o réu se encontra a ocupar parte do mesmo de forma ilícita), cabendo ao réu a prova dos factos impeditivos do direito do autor (atinentes ao invocado contrato de arrendamento), nos termos do artigo 342º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
(...)
Para a prova dos factos dos pontos 5., 7., 8., 9. e 10., o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas inquiridas, no caso, as testemunhas FF, amigo do pai do autor, CC, prima do autor e vizinha do réu e GG, amigo do autor e os documentos juntos com o requerimento datado de 06/02/2024, relativos a guias de depósito de € 150, em conta que se menciona como pertencente ao autor, do último mês de 2022, últimos meses de 2023 e do mês de janeiro de 2024.
As referidas testemunhas aludiram, em consonância, ao facto de o réu residir no imóvel do AA, utilizando expressões como «alugaram» e «arrendamento» quando se referiam ao motivo pelo qual o réu ali habitava.
A testemunha CC explicou, de forma fundamentada, que a casa foi arrendada ao réu há cerca de 19 anos (quando a sua filha nasceu)[2], o qual via pagar a renda à sua tia, mãe do autor e a este, em dinheiro. Mais referiu que, num período que não logrou concretizar, mas que concluiu ter sido mais de um ano, esteve ela própria a receber o valor das «rendas», que mencionou serem pagas sempre entre o dia 9 e o dia 10.
Embora esta testemunha tenha demonstrado e referido expressamente não estar de boas relações com o autor, ressalvando constantemente estar a falar com a verdade, não se nos afigura que não o tenha feito, mesmo que com alguma confusão em determinadas datas e aspetos que não temos por relevantes.
Como se disse, falou de forma fundamentada e objetiva, reportando-se aos factos por si relatados e coincidentes com a matéria factual em apreço, com recurso a exemplos e sem hesitações.
(...)
Assim, da análise destes depoimentos, que se consideraram credíveis pelos motivos expostos, e da documentação referida, não ficou o Tribunal com dúvidas que o réu terá acordado com os pais do autor, há mais de quinze anos, que passaria a habitar aquele imóvel, nas condições retratadas, e que o fez mediante o pagamento de contrapartida monetária.
Por fim, quanto aos factos não provados das alíneas a), b), c), d), e), g), h), i) e j), nenhuma prova foi produzida que os sustentasse ou, pelo menos, que se considerasse suficiente para o efeito.
Assim, nenhum documento foi junto que comprovasse, nos termos em que os factos se mostram descritos, o respetivo teor, e nenhuma das testemunhas se referiu aos mesmos. (...)»
c) Partindo da fundamentação da Mm.ª Juíza do Tribunal a quo e atendendo à documentação junta aos autos e ao depoimento da testemunha CC (fls. 40), considera o Réu/recorrente que «resulta que há cerca de 19 anos que tais factos ocorreram (ou, pelo menos, ... desde o mês de janeiro de 2007)» (cf. fls. 54), ou que «resulta que pelo menos desde o início do ano de 2007 o Apelante tem a sua residência e da sua família no imóvel em causa» (fls. 54 verso).
Esta Relação ouviu o depoimento da aludida testemunha (que, na parte que releva, foi adequadamente reproduzido na motivação supra indicada; porém, nada esclareceu relativamente ao concreto pagamento/depósito dos valores relativos a outubro e novembro de 2022) e analisou a documentação junta aos autos.
d) Ora, face ao objeto da impugnação, à factualidade provada em 6), ao depoimento da referida testemunha (que mostrou alguma - compreensível - dificuldade em situar no tempo determinados factos, como salientado na “motivação” da decisão de facto) e, sobretudo, ao teor dos documentos existentes nos autos (máxime, a fatura de fornecimento de energia elétrica reproduzida a fls. 14 verso - referente ao período de 22.11.2006 a 19.01.2007 - e os comprovativos de depósitos bancários de fls. 33 a 37 e 67 a 75[3]) e ao aduzido nos art.ºs 2º, 4º e 12º da contestação (de 20.10.2022), conclui-se que a impugnação em análise deverá ser parcialmente atendida, modificando-se e aditando-se (art.º 662º, n.º 1 do CPC):
5) O Réu recebeu o andar cimeiro do prédio referido em 1) por acordo celebrado verbalmente com os pais do A., em data não apurada, mas não posterior a novembro de 2006.
7) Em razão do acordo dito em 5), o Réu pagou e continua a pagar/depositar contrapartida monetária por ali residir, primeiro aos pais do A., depois à sua mãe e, após o decesso desta, ao próprio A..
9) O Réu desde, pelo menos, novembro de 2006 que habita o imóvel identificado, conjuntamente com a sua família constituída pela sua esposa e dois filhos e com uma cadela de estimação.
13) Em dezembro de 2022, o Réu depositou € 150 na conta da CCAM Beira Douro E Lafões C. R. L. titulada por EE (mãe do A.).
14) Nos meses de janeiro de 2023 a maio de 2024 foram efetuados depósitos (mensais) de € 150 na conta da CGD titulada pelo A. (sendo depositantes, pelo menos, o Réu, HH ou II).
Quanto à matéria da alínea i), prova-se, apenas, o que consta do facto 7) (parte não impugnada pelas partes).
Sendo evidente que não existe/existia a “nulidade” mencionada nas “conclusões 1ª e 2ª”, ponto I., supra, procede, assim, parcialmente, a impugnação contra a decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância.
4. O A. propôs uma ação de reivindicação em que pede a condenação do Réu a entregar-lhe um imóvel do qual é proprietário.
Nas ações de reivindicação (art.º 1311º do CC), com fundamento na titularidade de um direito de propriedade, compete ao demandante alegar e provar que é o titular desse direito e que o objeto desse direito se encontra ocupado pelo demandado. Com vista a obstar à procedência da ação, cabe ao demandado alegar e demonstrar que ocupa a coisa reivindicada munido de um título que lhe faculta essa ocupação.
Não se colocando quaisquer dúvidas sobre a titularidade pelo A. do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado e a sua ocupação pelo Réu, restringe-se o presente litígio à existência de um título que permita ao Réu a ocupação do imóvel, porquanto, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei (art.º 1311º, n.º 2 do CC).
5. Atento o facto que o Réu alegou para impedir a pretendida restituição (art.º 342º, n.º 2 do CC), indicar-se-á, de seguida, o enquadramento normativo da questão a solucionar.
6. O contrato de arrendamento urbano pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição, sendo que esta retribuição consiste na renda (cf. art.ºs 1022º, 1023º e 1064º, do CC).
No que concerne à sua forma, ou seja, o modo por que ele se revela ou torna cognoscível, importa referir:
- O Código Civil de Seabra não estabelecia qualquer exigência legal de forma para o contrato de arrendamento (art.ºs 1595º e seguintes), a qual veio a ser instituída pelo Decreto de 12.11.1910.
- O Código Civil de 1966, na sua redação primitiva, não exigia forma escrita para o arrendamento para habitação, mas exigia escritura pública nos arrendamentos sujeitos a registo e nos arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal (art.º 1029º).
- O DL n.º 445/74 tornou obrigatório a redução a escrito do contrato de arrendamento para fins habitacionais.
- No DL n.º 188/76, de 12.3, reafirmou-se o princípio da redução a escrito do contrato de arrendamento para habitação, presumindo-se que a falta de observância dessa forma era “imputável ao locador” e a respetiva nulidade só pelo locatário podia ser invocada (art.º 1º, n.º 2)[4]; o locatário poderia provar a existência do contrato de arrendamento por qualquer meio de prova (n.º 3). O art.º 2º deste diploma veio tornar aplicável o n.º 3 do art.º 1º aos arrendamentos já existentes.
O DL. n.º 13/86, de 23.01, manteve tal regime (art.º 1º).
- O DL n.º 321-B/90, de 15.10 (que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano/RAU) estabeleceu que o contrato de arrendamento urbano devia ser celebrado por escrito (art.º 7º, n.º 1) e que a inobservância da forma escrita só podia ser suprida pela exibição do recibo de renda (n.º 3) (regime jurídico mantido na redação conferida aos n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º pelo DL n.º 64-A/2000, de 22.4).
- A Lei n.º 6/2006, de 27.02 (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano/NRAU - art.º 1º - e entrou em vigor em junho/2006 - art.º 65º, n.º 2), veio aditar o art.º 1069º, do CC, estabelecendo que o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses.
- O art.º 1069º do CC, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, exigia que os contratos de arrendamento urbano fossem celebrados por escrito, independentemente da sua modalidade.
- Por último, a Lei n.º 13/2019, de 12.02[5], veio aditar um n.º 2, ao art.º 1069º, do CC, permitindo que o arrendatário, na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não lhe seja imputável, possa provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário, sem oposição do senhorio, e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses (redação atualmente vigente).
O art.º 14º, n.º 2, desta mesma Lei, determinou que o disposto no art.º 1069º, n.º 2, do CC, com as alterações por ela introduzidas, aplica-se igualmente a arrendamentos existentes à data da entrada em vigor da mesma (dia seguinte ao da sua publicação - art.º 16º).
7. Competia ao Réu a prova da existência de um título que legitime e ocupação do imóvel reivindicado.
Na versão do Réu, tratou-se de um contrato de arrendamento celebrado verbalmente.
Na data em que se terá iniciado - cf. II. 1. 5) e 9), com a redação indicada em II. 3., d), supra - devia ter sido celebrado por escrito (desde que com duração superior a seis meses), exigência de forma escrita mantida até ao tempo presente (cf. ponto II. 6., supra).
E de acordo com o atual regime jurídico, aplicável à situação dos autos (cf. o cit. art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2019, de 12.02), o Réu poderia provar a existência daquele alegado título/vínculo jurídico, por qualquer meio probatório.
8. O art.º 1069º, n.º 2, do CC, ao admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio, torna claro que a forma (escrita) do contrato tem agora natureza inequivocamente ´ad probationem`[6] - os arrendatários que celebraram contratos verbais, mas que demonstrem que já pagam rendas há mais de seis meses (ainda que sem recibo de quitação) podem fazer valer o contrato.
A exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento constante do art.º 1069º, n.º 1, do CC, é meramente ´ad probationem`, pelo que, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório - art.º 364º, n.º 2, do CC.
Tratando-se de confissão expressa, estão excluídas, designadamente, as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados, mas já poderá resultar de depoimento de parte prestado na audiência de julgamento - o qual poderá ser determinado pelo juiz (art.º 452º, n.º 1, do CPC) - ou, nos termos do mesmo normativo da lei civil substantiva, de qualquer documento assinado pelo senhorio e de que conste a confissão expressa do contrato de arrendamento (v. g., uma carta, mesmo que não dirigida ao inquilino; uma declaração entregue na Repartição de Finanças; recibos de renda; etc.), reconhecendo, dessa forma, a existência de um contrato de arrendamento entre as partes.[7]
9. Assim, a inexistente forma escrita do contrato, pode ser substituída por qualquer outro documento em que se contenha uma confissão expressa pelo senhorio do contrato de arrendamento; será em função do julgamento, baseado em tais provas, que se poderá ponderar sobre a eventual existência de um contrato de arrendamento que legitime a ocupação do imóvel reivindicado.
10. Tratando-se, é certo, de matéria não isenta de dificuldades e que suscita dúvidas na doutrina e na jurisprudência[8], cremos que, no caso em análise, será de concluir que o Réu demonstrou a existência de um contrato de arrendamento que legitima a ocupação do imóvel reivindicado [cf., principalmente, a factualidade descrita II. 1. 5) a 9) e 11), supra - donde decorre a utilização do prédio urbano pelo Réu/arrendatário, sem oposição do senhorio, e o pagamento da renda por período superior a seis meses], o que determina a improcedência desta ação.
11. Demonstrando-se, além do mais, a existência do contrato de arrendamento (por confissão expressa) e o pagamento de rendas (por um período superior a seis meses), não há que dar especial relevo à circunstância de se ignorar a quem possa ou deva ser imputada a responsabilidade pela falta de redução a escrito, o que, de resto, foi ignorado ou desconsiderado pelas partes.
12. De igual modo, também se propende para o entendimento de que não existe um qualquer ónus que recaia, apenas, sobre o arrendatário (de alegação e prova de “facto negativo”/ ónus de alegar e demonstrar que a falta de forma do contrato não lhe é imputável) e cujo cumprimento seja condição para fazer valer o seu pretenso direito a ocupar o imóvel.[9]
13. O sentido/alcance do art.º 1069º, n.º 2, do CC (“falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário”) será suficiente e adequadamente preenchido se a factualidade provada não permitir imputar tal falta ao arrendatário.
In casu, a factualidade provada não permite imputar a falta ao Réu, ao A. ou aos primitivos senhorios.
14. O A. não foi condenado como litigante de má fé (e nada nos diz que o devesse ser), decisão não recorrível (cf. art.º 542º, n.º 3, a contrario, do CPC).
E não se deverá condenar em custas pelo pretenso “incidente”, pelo que, também nessa parte, importa revogar o decidido na 1ª instância.[10]
15. Procedem, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso.
Custas, nas instâncias, pelo A./apelado.
25.10.2024
[3] Documentos que surgem em momento posterior à apresentação dos articulados da ação e, alguns deles, depois da audiência de julgamento, tendo-se por admissível a sua junção aos autos nos termos dos art.ºs 425º e 651º, n.º 1, do CPC.
[4] Regime revogado pelo RAU - cf. art.º 3º, n.º 1, alínea j).
Vide, designadamente, F. M. Pereira Coelho, RLJ 126º, pág. 196 e A. Pais de Sousa, Anotações ao RAU, 3ª edição, Rei dos Livros, pág. 74.
[5] Fazendo-se constar do respetivo preâmbulo: «A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade (...)»
[6] Neste sentido, Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, “Julgar online”, março de 2019, pág. 8 (sublinhado nosso): «No artigo 1069º, foi acrescentado o n.º 2 (tendo o anterior corpo do artigo passado a ser o seu n.º 1). Esta norma, ao admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio, revela que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ´ad probationem`. Os arrendatários que celebraram contratos verbais, mas que demonstrem (por exemplo, através de transferência bancária) que já pagam rendas há mais de seis meses (ainda que sem recibo de quitação) podem fazer valer o contrato (desde que a falta de redução a escrito não lhe seja imputável).»
[7] Cf., principalmente, F. M. Pereira Coelho, Breves notas ao «Regime do Arrendamento Urbano», RLJ 126º, pág. 198, nota (37) - estudo elaborado no domínio de aplicação do RAU, mas transponível para o tempo presente e o regime agora vigente - e o acórdão do STJ de 12.01.2022-processo 9715/19.9T8LRS.L1.S1 [com o sumário (estava em causa arrendamento não habitacional iniciado em 2017): « I. A exigência da forma escrita para os contratos de arrendamento constante do artigo 1069º, n.º 1, do Código Civil, é meramente ´ad probationem`, pelo que, mesmo que não se demonstre que a falta de observância de forma é imputável ao senhorio, a celebração do contrato de arrendamento pode ser provada por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (artigo 364º, n.º 2, do Código Civil). II. Esta confissão tem que ser expressa, pelo que estão excluídas as confissões resultantes da não impugnação de factos nos articulados, razão pela qual não é possível na fase de condensação apurar da celebração de um contrato de arrendamento não escrito, mas já poderá resultar de depoimento de parte, o qual poderá ser determinado pelo juiz.»], publicado no “site” da dgsi
[8]Cf., designadamente, acórdãos do STJ de 25.3.2021-processo 11189/18.2T8LSB.L1.S1 [caso com origem em 1980 e as particularidades melhor explicitadas no aresto mencionado a seguir, sumariou-se: «(...) II - Aprovou a AR, na pendência da presente ação, a Lei n.º 13/2019, de 12-8, na qual, entre outras inovações, introduziu no CC a norma do n.º 2 do art.º 1069º que permite que a prova do contrato de arrendamento seja feita mediante qualquer meio de prova admitido em direito. (...) IV - Exige o n.º 2 do art.º 1069º do CC que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não seja imputável ao arrendatário e ainda que se demonstre a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio, assim como o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses. (...)»] e
12.01.2022-processo 4268/20.8T8PRT.P1.S1 [aresto também subscrito, em igual dia, pelo Exmo. Relator do acórdão proferido no processo 9715/19.9T8LRS.L1.S1; sumariou-se: «I. Determina-se no n.º 2 do artigo 1069º do CC, tal como alterado pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, que, não sendo a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento imputável ao arrendatário, este possa provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses. II. Sendo certo que (resulta agora claramente da lei) a redução a escrito é mero requisito ´ad probationem`, pode o documento escrito ser substituído, para efeito de prova, ao abrigo do artigo 364º do CC, por confissão expressa. III. A confissão expressa é suscetível de ser obtida por depoimento de parte, o que o juiz pode determinar em qualquer estado do processo, nos termos do artigo 452º, n.º 1, do CPC.»; escreveu-se na fundamentação (sublinhado nosso): «(...) Parece que pode dizer-se, com propriedade, que a faculdade de o arrendatário usar qualquer das formas admissíveis em direito para provar a existência de título fica subordinada a uma condição – a condição de a falta de forma escrita não lhe ser imputável. / A norma é ainda relativamente recente, pelo que não é possível, por enquanto, encontrar na doutrina ou na jurisprudência orientação consolidada ou sequer clara quanto à sua melhor interpretação e sendo uma das dúvidas que se suscita a de saber a quem incumbe o ónus da prova relativamente à (in)imputabilidade da falta de redução a escrito do contrato de arrendamento – se incumbe ao arrendatário a prova de que esta falta não lhe é imputável ou se incumbe ao senhorio a prova de que esta falta é imputável ao arrendatário. / A norma esteve, em certa medida, no centro de uma decisão recente do STJ - mais precisamente no Acórdão de 25.3.2021 (Processo 11189/18.2T8LSB.L1.S1 - subscrito pela presente Relatora como 2ª Adjunta) (...) / À primeira vista, poder-se-ia depreender que a tese ali sustentada é a de que, em geral, não é preciso o arrendatário provar aquela condição para se aproveitar da faculdade aí prevista. Mas não é assim. Atente-se na fundamentação do Acórdão: “(...) Quanto ao requisito de que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não seja imputável ao arrendatário, apurar a quem cabe o ónus da prova não pode ser realizado (...) sem ter em conta a sucessão de leis no tempo em matéria de forma do arrendamento para habitação. / Com efeito, na apreciação do caso sub judice, temos de ter em conta estar em causa uma situação de arrendamento iniciada pelo marido da R., em data anterior ao seu casamento com a R., que teve lugar em dezembro de 1980. / (...) (iii) O regime instituído pelo DL n.º 188/76, de 12 de março passou a aplicar a exigência de forma escrita (art.º 1º, n.º 1) aos contratos anteriores (cf. os diversos números do art.º 2º), mas com a ressalva de que “A falta de contrato escrito presume-se imputável ao locador e a respetiva nulidade só é invocável pelo locatário” (art.º 1º, n.º 2), regime este mantido pelo DL n.º 13/86, de 23 de janeiro (art.º 1º, n.ºs 1, 2 e 3). / Tendo em conta que os diplomas subsequentes, que regularam o arrendamento para habitação, não se ocupam da aplicação das exigências de forma aos arrendamentos antigos, somos levados a concluir que, quanto à situação de arrendamento dos autos, se mantém válida a presunção de que a falta de redução da relação contratual a escrito é imputável ao locador e não ao arrendatário, não se vislumbrando na matéria de facto provada quaisquer indícios de que esta presunção tenha sido ilidida. / Assim, encontram-se reunidos todos os requisitos da norma do n.º 2 do art.º 1069º do CC, aditada pela Lei n.º 13/2019, aplicável ao caso dos autos, pelo que não merece censura o juízo do tribunal a quo ao dar como provado que a R. ocupa a fração autónoma a título de arrendatária. / Juízo este que assenta nos factos essenciais dados como provados e, ainda, em factos instrumentais ou complementares que – no uso de presunções judiciais que não cabe a este Supremo Tribunal sindicar – a Relação deu como provados, ao afirmar: «Não vá também sem se dizer que, ao longo do processo de negociações com vista a pôr fim à ocupação da casa pela R., a A. tratou-a como habitualmente se tratam os inquilinos. (...) Verificamos, pois, que a circunstância de lhe ser admitido o pagamento das rendas por si, ou, precedentemente pelo seu marido, o facto de lhe terem sido entregues os recibos, e o facto de os proprietários saberem que a primitiva arrendatária havia muitos anos que não morava no locado, revelam suficientemente que os proprietários não ignoravam que era ela que ocupava a posição de arrendatária. Pensamos, pois, que com razoável segurança, a R. logrou a prova que sobre ela dependia, da existência de um contrato de arrendamento. A este circunstancialismo, embora desnecessário, poder-se-ia, ainda, acrescentar a forma como a A. foi tratada no processo de negociações no âmbito do qual foi tratada como inquilina: foi-lhe oferecida a possibilidade de opção por uma compensação monetária ou até outro local para morar.» / (...) estamos perante um caso em que a R., ainda que não dispondo – em seu nome ou no do seu marido – de contrato de arrendamento escrito e/ou de recibos de renda comprovativos, logrou provar, através de prova documental e testemunhal, que, há mais de quarenta anos, habitam (ela e, antes dela, o seu falecido marido) a fração autónoma, pagando mensalmente a respetiva renda”. (...) / Ora, isto não se verifica nos presentes autos. Não pode, portanto, importar-se para aqui a solução daquele Acórdão nem – já agora – fazer valer, descontextualizada, a respetiva fundamentação. / Voltando à norma do artigo 1069º do CC, e tendo em conta o teor do (novo) n.º 2, há, pelo menos, uma conclusão que é possível retirar: é agora inequívoco que, como vinha defendendo a doutrina há tempo, a redução do contrato de arrendamento a escrito é só um requisito ad probationem, o que significa que o arrendatário pode muito bem dispor de um contrato de arrendamento válido ainda que este não revista forma escrita. / É verdade que não há nada na factualidade provada que autorize a dizer que o réu (sequer) alegou a inimputabilidade da falta de redução a escrito do contrato de arrendamento. Isto teria, sem dúvida, facilitado a realização dos seus desígnios e propiciado um reconhecimento (mais) imediato da sua posição. / Mas também é verdade que a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância nos presentes autos foi proferida no âmbito de saneador-sentença. Quer dizer: não chegaram a criar-se as condições adequadas para que a situação se definisse por outros meios de prova, inclusivamente por confissão expressa do (pretenso) senhorio. / Cabe lembrar o artigo 364º do CC, onde se dispõe: “(...)”. (...) / A confissão de que se fala no artigo 364º do CC pode ser obtida através de depoimento de parte, o qual, por sua vez, é suscetível de ser determinado ex officio pelo juiz. / (...) Em conclusão, acompanhando o recorrente, entende-se que a ação pode e deve prosseguir para apuramento dos factos, designadamente para que se apure se o réu dispõe ou não de um título válido para ocupar o imóvel que é objeto de reivindicação pelo autor.»], publicados no “site” da dgsi
[9] Em sentido diverso, cf., por exemplo, acórdãos da RP de 11.01.2021-processo 4268/20.8T8PRT.P1 [tendo-se concluído: «I. O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, sendo que na falta na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses (cf. artigo 1069º, nºs 1 e 2 do CC). II - Daqui se retira que querendo o arrendatário fazer a prova da existência do contrato nos termos da citada norma tem de alegar e provar duas coisas: a) - que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não lhe é imputável e b) - demonstrar a utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses. (...)»] e da RL de 07.5.2024-processo 3006/21.2T8CSC.L1-7 [sumariando-se: «(...) 2 – Quando não seja imputável ao arrendatário a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses (n.º 2, do artigo 1069º). 3 – Cabe ao locatário que pretenda beneficiar do regime previsto no artigo 1069º, n.º 2, do Código Civil demonstrar que a falta de forma não lhe é imputável. 4 – Sem prejuízo, o locatário pode ainda demonstrar a celebração do contrato por qualquer meio, nos termos do artigo 364º, n.º 2, do Código Civil, por a formalidade aludida no artigo 1069º, n.º 2 ser meramente ´ad probationem`. (...)»], publicados no “site” da dgsi.
Sobre a mesma questão, cf., ainda, o explanado nos arestos mencionados na “nota 8”, supra.
[10] Cf. acórdão da RC de 15.3.2011-processo 72/08.0TBCLB.C1, publicado na CJ, XXXVI, 2, 13.