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NULIDADES DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário
I - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões pelas partes submetidas à sua apreciação, ou de que deva conhecer oficiosamente, mas não quanto aos argumentos invocados. II - Impugnada a matéria de facto com vista a ver alterada a decisão de direito, não obtendo provimento essa parte do recurso, e nada havendo a apontar à decisão de direito que consta da sentença recorrida, improcede o recurso na totalidade.
Texto Integral
Apelação 18180/16.1T8PRT.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa com processo comum contra Herança Aberta pelo óbito de BB e CC, representadas pela cabeça de casal DD, bem como, contra os seus herdeiros habilitados, melhor identificados nos autos, e herdeiros incertos representados pelo Ministério Público, formulando a seguinte pretensão:
a) Declarar-se e reconhecer-se que a Autora, dona e legítima proprietária, decorrente da aquisição originária, por usucapião, da totalidade do prédio identificado no item 1º e 2.º do presente articulado, com o inerente cancelamento do atual registo.
b) Condenar os Réus, a reconhecer e respeitar o direito de propriedade da Autora, sobre o aludido prédio e abster-se da prática de qualquer ato que a perturbe.
c) Em alternativa, caso se julgue improcedente a pretensão, quanto à declaração e reconhecimento do direito de propriedade quanto à totalidade do prédio urbano, no que tange ao rés-do-chão e 1.º andar, deve a presente ação ser julgada procedente e declarar-se e reconhecer-se que a Autora é dona e legitima proprietária, por aquisição originária, por usucapião, do 2.º e 3.º andar, do prédio identificado no item 1º e 2.º do presente articulado e, proceder ao cancelamento do atual registo, assim como, ordenar a correção da discrição do prédio, na Caderneta Predial Urbana, no que concerne à suscetibilidade de utilização independente, como aliás, deveria constar.
Alegou, para o efeito, que é dona e legítima possuidora do prédio urbano que identifica, por o ter adquirido por usucapião.
Alegando, por sua vez, que o imóvel em causa é pertença da herança de seus ancestrais, herança da qual é um dos herdeiros, tendo ainda adquirido contratualmente a quota hereditária de outros co-herdeiros, contestou e deduziu reconvenção, o réu EE, formulando os seguintes pedidos:
“NESTES TERMOS,
E nos mais de direito aplicáveis, que doutamente serão supridos, deve a presente ação ser julgada não provada e totalmente improcedente, sendo os Réus, em face disso, absolvidos dos pedidos contra eles deduzidos, com todas as consequências legais, julgando-se, ao invés, totalmente procedente, por provada, a deduzida reconvenção, e por via dela:
I- Declarar-se que o prédio a que se alude no artigo 3º da petição inicial, e melhor identificado no artigo 1º desta contestação-reconvenção, pertence às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de BB e mulher, CC; falecidos, respetivamente, em 2 de agosto de 1972 e 27 de maio de 1974;
II- Declarar-se que nas heranças referidas no precedente ponto “I” assumem a qualidade de herdeiros todos os mencionados nos artigos 18º e 19º desta contestação-reconvenção;
III- Declarar-se que o Réu, aqui contestante e Reconvinte, é o proprietário, ou titular, dos quinhões hereditários que pertenciam aos herdeiros referidos nos artigos 22º e 23º, por os ter adquirido por contrato de compra e venda;
IV- Condenar-se a Autora a reconhecer, e a respeitar, quanto peticionado se encontra sob os precedentes pontos “I”, “II” e “III” deste dispositivo, e a abster-se da prática de quaisquer atos que impeçam, estorvem, dificultem, onerem ou contendam com o alegado direito de propriedade sobre aquele bem imóvel, integrante daquelas Heranças e pertença dos seus herdeiros, em comum e sem determinação de partes, ou com o direito do Reconvinte sobre os quinhões hereditários que adquiriu;
V- Condenar-se a Autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e de uma indemnização a favor do Réu/Reconvinte, ressarcindo-o de todas as despesas, judiciais e extrajudiciais, incluindo as com honorários e despesas dos seus mandatários, que a necessidade de contestação desta ação, de dedução do pedido reconvencional, e do acompanhamento do processo até final, lhe acarretou e vier a acarretar, em montante nunca inferior a € 3.000,00 (três mil euros);
VI- Condenar a Autora no pagamento das custas e legais acréscimos, mormente dos honorários com o mandatário da parte vencedora.”.
A Autora respondeu à contestação/reconvenção, invocando a exceção de ilegitimidade ativa para a reconvenção, a inadmissibilidade da reconvenção e pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais e do pedido de condenação como litigante de má fé.
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Admitido o pedido reconvencional e julgada improcedente a exceção de ilegitimidade arguida na réplica, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, onde, a final, se decidiu: “(…) julgo a acção improcedente e procedente a reconvenção e, consequentemente, decido: A- Absolver os réus dos pedidos formulados pela autora; B- Declarar-se que o prédio acima identificado e em causa neste processo, pertence às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito de BB e mulher, CC; falecidos, respectivamente, em 2 de Agosto de 1972 e 27 de Maio de 1974, herança de que o reconvinte EE (que também usa ...) é contitular por quota ideal não concretamente apurada; C- Condenar a autora a reconhecer tal titularidade e contitularidade, abstendo-se da prática de quaisquer actos que impeçam, estorvem, dificultem, onerem ou contendam com o direito da herança e respectivos herdeiros. (…).”.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões: “I - Salvo o devido respeito, que é muito, douta sentença, com efeito, é nula em parte, nos termos do disposto no art.º 615.º, n. º1, al. d) e n.º 4, do CPC, quando, além do mais, o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse pronunciar. II – A sentença não contempla a totalidade do pedido formulado pela aqui Recorrente, apenas o faz genericamente, não se inclinando fundadamente sobre o pedido subsidiário em c), que, por lapso de escrita apelidou de “alternativo”, mas que não invalida a compreensão deste pedido. III - O tribunal a quo, não contemplar a totalidade do pedido formulado pela autora/recorrente, no seu requerimento inicial e no requerimento apresentado em 19.12.2021, com referência 30842130, onde requerer a ampliação do pedido em c) nos termos do art.º 265 n.º 2 do CPC, o qual deve ser julgado e constar, fundamentadamente de forma consistente, este pedido formulado pela autora/recorrente, melhor identificado em c), que em nosso muito modesto entender, o suprime. IV - A douta sentença, alude à prova dos factos considerados provados, os quais se pretende aqui sublinhar e reiterar, ou seja, os factos pontos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º e os factos nos pontos 17.º, 25.º, 26.º, 29.º, que o tribunal a quo, dá como provados, quando deveria face aos documentos juntos dar como não provados, assim, como deveria dar como provados os factos constantes os “parágrafos” 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, e 9.º, que por uns e por outros, inelutavelmente, levariam à procedência do pedido em c) da petição inicial e corretivamente à sua ampliação requerida em 19.12.2021, com referência 30842130, porquanto, V- O tribunal a quo dá como provado, os factos 4,º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º 9.º e 12.º, nomeadamente, que o imóvel comportava utilizações, ou seja, que o prédio em questão tem todas as caraterísticas da constituição em propriedade horizontal. VI - Que Recorrente, reside no 1.º andar do referido prédio, desde o ano de 1989, mediante contrato de arrendamento, cuja inquilina é a sociedade “A..., Lda” que existe no rés-do-chão (estabelecimento comercial) e no 1.º andar (residência), sociedade que a Recorrente tem uma quota de 35%, o que faz com a indicação de “senhorio desconhecido” e, nos outros pisos residiam outros moradores, também mediante contratos de arrendamento”. VII -Que os senhorios e proprietários, BB e CC entretanto haviam falecido, os inquilinos que, entretanto, saíam do locado, entregavam a chave à autora, por desconhecerem os herdeiros ou legais representantes dos de cujus, ou seja, não conhecendo os proprietários do imóvel, os inquilinos que abandonavam os locados, entregavam as respetivas chaves à autora, que foi a única arrendatária que se manteve no locado. VIII -Ora, foi dito por diversas testemunhas que há mais de 20 anos, que as inquilinas do 2.º e 3.º andar, saíram há mais de 20 anos dos respetivos locados, e que o mesmo tinha entradas independentes, ou seja, que o prédio em questão tem todas as caraterísticas da constituição em propriedade horizontal. IX -Vide o testemunho de FF (advogado de um dos herdeiros residentes nos Estados Unidos da América), no dia 24.05.2022, pelas 13h44m e fim às 14h16m, quando refere ao minuto 21m40s a 22m30s do seu depoimento, bem como, ao minuto 28m15s a 30m10s. X -Vide o testemunho de GG, arrolada pela Recorrente, no dia 19.04.2022, pelas 15h04m e fim às 15h27m, quando refere ao minuto 1m00s a 3m30s e aos 21m30s aos 17m30s do seu depoimento, bem como, ao minuto 15m50s aos 17m30s, a instância do mandatário do Réu. XI - Vide o depoimento prestado por a testemunha, HH, no dia 08.02.2017, pelas 10.35 horas, às 10.42horas, onde refere aos 02m00s aos 05m00 do seu depoimento, os quais são corroborados, pelas testemunhas, que prestaram declarações no dia 19.04.2022, respetivamente, II, nas declarações prestadas pelas 15.28 horas e 15.33h, aos 01m05s aos 02.40s, pela testemunha, JJ, pelas 14.58 horas e as 15.03 horas, aos 00m45s e os 02m15s, e pela testemunha, KK, pelas 11.08 horas e as 11.35 horas, nas suas declarações aos 01m40s aos 06m50s. XII - Por esta prova testemunhal, fica claro que a Recorrente tem a posse do 2.º andar e 3.º andar, há mais de 20 anos, cujas chaves dos respetivos andares /frações do prédio lhe foram entregues pelas inquilinas que, entretanto, saíram do imóvel. XIII -E, tendo as chaves do 2.º e 3.º andar há mais de 20 anos, começando a colocar ali depositar os seus pertences, ocupando e fazendo seus estas andares, como proprietária, sendo que posse dos mesmos não é precária, pois, nunca pagou renda por estas frações/ andares do prédio, porque nunca foi inquilina dos mesmos, sabendo-se, que após o abandono dos respetivos andares / frações, nunca apareceu nenhum primitivo herdeiro a reclamar a entrega das chaves, com exceção conforme depoimento de o mandatário FF e do putativo procurador LL, aos quais foi recusada a entrada. (a qual explanamos infra). XIV -Dá também como provado os factos 13.º e 14.º, assim como, não provado o “paragrafo 5.º e 6, a autora / recorrente, efetuou obras necessárias de conservação do imóvel, nomeadamente na cobertura e de telhado, fazendo-o por iniciativa sua e a solicitação dos inquilinos do 2.º e 3.º andar enquanto lá residiam, ou seja, realiza obras no prédio à mais de 20 anos contudo, nesta matéria não provada, vem referir que face á normalidade das coisas, nada parece mais normal, e ao caso concreto, que desconhecendo os herdeiros, a quem pagar as respetivas rendas e exigir as respetivas contraprestações, tais como obras necessárias, prestou-se, a Recorrente, a realizar as obras…mas nunca se lhes dirigindo como dona do imóvel, pedindo ou recebendo rendas, que, quando pagas, eram depositadas em conta bancária da Banco 1....”. XVI - Na verdade, desde o tempo em que lá residiam as inquilinas do 2.º andar e 3.º andar, portanto, há mais de 20 anos, que faz obras no prédio, realizando-as a suas expensas também após aquela data, como proprietária do prédio, mas com muito respeito, pelo tribunal a quo não é nada normal alguém a pedido dos outros residentes dos outros andares, os quais tinham problemas dentro das suas habitações, solicitarem há recorrente, fazer obras a suas expensas, fê-lo porque tinha a posse do prédio, era coisa sua. XVI -É de bom senso que qualquer arrendatário de qualquer locado, não vá solicitar a outro inquilino que lhe faça obras dentro das suas habitações, normal é recorrerem ao proprietário do prédio para que as faça, o que se aconteceu no caso concreto foi aqueles reconhecerem a propriedade à Recorrente. XVII - Vide, o testemunho de GG, arrolada pela Recorrente, no dia 19.04.2022, pelas 15h04m e fim às 15h27m, quando refere ao minuto 1m00s a 3m30s do seu depoimento; vide, a testemunha, HH, no dia 08.02.2017, pelas 10.35 horas, às 10.42horas, onde refere aos 05m15s aos 05m30s do seu depoimento; vide a testemunha, KK, no dia 19.04.2022, pelas 11.08 horas e as 11.35 horas, nas suas declarações aos 03m15s aos 04m05s, na inquirição do mandatário da recorrente e aos 10m40s aos 18m30s a instancia do mandatário do recorrido. XVIII - Por estes testemunhos, é obvio concluir que a Recorrente, sempre fez obras profundas e estruturais no prédio, que não se coadunam com simples benfeitorias necessárias e urgentes, como refere a sentença colocada aqui em crise, a Recorrente fê-las porque tinha a posse dos referidos andares. XIX - Relativamente, aos factos nãos provados, (primeira parte), 3.º, 4.º da douta sentença, sempre se dira que ao contrário do que fundamenta o tribunal a quo, no paragrafo 1.º (primeira parte), parece adequado afirmar que a Recorrente, tem a posse da que alegou em nome próprio. XX - Referindo que a generalidade “das testemunhas oferecidas pela aqui Recorrente, com maior ou conhecimento dos factos, com maior ou menor relacionamento com as partes, são nascidas e / ou residentes naquele local e/ou residentes naquele local e/ ou vizinhança há muitos anos e que nenhuma delas afirmou ser a autora a dona do imóvel ou que agisse e se intitulasse como tal, ora tal não corresponde minimamente à verdade (sabendo-se que a testemunha não tem conhecimentos jurídicos) porque existiram várias testemunhas a o referir no seu depoimento. XXI - ora, são os vizinhos e de já avançada idade com a maioria das testemunhas apresentadas pela Recorrente, que tem maior conhecimento dos factos, ou seja, são os que têm conhecimento, que a posse do prédio esta na esfera jurídica da Recorrente, que o faz à vista de toda a gente, de forma pública e pacifica. XXII -ora, são os vizinhos e de já avançada idade com a maioria das testemunhas apresentadas pela Recorrente, que tem maior conhecimento dos factos, ou seja, são os que têm conhecimento, que a posse do prédio esta na esfera jurídica da Recorrente, que o faz à vista de toda a gente, de forma pública e pacifica. XXIII - Vide, a testemunha, II, nas suas declarações prestadas no dia 19.04.2022, pelas 15.28 horas às 15.33 horas, aos 3m12s, aos 4m07s do seu depoimento; vide a testemunhas que prestou declarações no dia 19.04.2022, pela testemunha, JJ, pelas 14.58 horas e as 15.03 horas, aos 02m14s e os 04m03s; vide, igualmente, a testemunha, KK, no dia 19.04.2022, pelas 11.08 horas e as 11.35 horas, nas suas declarações aos 04m50s aos 05m50s e aos 06m20s aos 7m00s e ainda, aos 07m00s aos 9m00s, a instancia do mandatário do Recorrido, no seu depoimento que a Recorrente é dona do prédio. XXIV - São várias as testemunhas que referem que a Recorrente é dona do prédio, nomeadamente, do segundo e terceiro andar XXV -A Recorrente, há mais de 20 anos que inverteu o ónus da posse, ao deixar entrar um representante dos herdeiros FF (advogado de um dos herdeiros residentes nos Estados Unidos da América ) e o mesmo o fez com o putativo procurador LL, bem como, com este e com o Réu EE. XXVI - Vide o depoimento FF, no dia 24.05.2022, pelas 13h44m e fim às 14h16m, quando refere ao minuto do seu depoimento, quando a instância do mandatário da Recorrente refere ao minuto 28m15s a 30m10s: vide o depoimento de parte, do Réu EE, em 30.06.2022, pelas 11.46 horas e as 12.31 horas, refere aos 8m40s aos 10m15s; Vide o testemunho de GG, arrolada pela Recorrente, no dia 19.04.2022, pelas 15h04m e fim às 15h27m, quando refere ao minuto 06m00s a 06m30s do seu depoimento XXVII -É, cognoscível para o homem médio que qualquer pessoa que se comporta como inquilino, não restringe a entrada a um bem imóvel que não é seu, o que não acontece nos presentes autos, relativamente ao 2.º e 3.º andares, pois a Recorrente tem a posse. XXVIII -Na habilitação de herdeiros realizada no ano de 2004, o Réu EE intervém na qualidade testemunha, prestando falsas declarações; nas aquisição dos quinhões hereditários / testamentários no ano de 2007, inexiste qualquer habilitação de herdeiros legalmente exigida para comprovação da legitimidade sucessória para a venda daqueles quinhões na qual não consta qualquer habilitação de herdeiros na (transmissão de posição) aquisição por parte do Réu EE, o que foi registado no suprimento de deficiências, com data de 25.10.2007 (ap. ...); e, nas as aquisições ano de 2009, as procurações a favor do putativo procurador LL, não se encontram arquivadas (vide o requerimento apresentado pela Autora, aqui recorrente, na data de 18.10.2021, com referência 30229393, onde consta a certidão da apresentação a registo das aquisições por parte do Recorrido EE e respetiva documentação que instruiu aqueles registos na Conservatória de Registo Predial do Porto) e vide o depoimento de parte de EE, prestado no dia 30.06.2022, pelas 11.46 horas e as 12.31, aos 28m52s aos 36m00s. XXIX - O tribunal a quo refere no facto provado 29.º que, “DD, que foi uma das herdeiras dos de cujus e entretanto também falecida (habilitação em processo apenso),”ora tal não corresponde à verdade, conforme facilmente se pode aferir no apenso n.º 18180/16.1T8PRT – A, único incidente de habilitação de herdeiros, instaurado por óbito, em 25.03.1978, de MM, já havia falecido em 25.03.1978. XXX – E o tribunal a quo ao plasmar na douta sentença a concluir que ”No presente caso, não foi produzida prova que abale o registo do imóvel em nome da herança, não tendo a autora logrado efectuar prova de que terá adquirido o bem em causa por usucapião” e ”Demonstrou-se, sim, que o prédio aqui em causa, inscrito e descrito em nome dos de cujus, integra o seu acervo hereditário, ainda não partilhado e de que são titulares/interessados diverso herdeiros em número não concretamente apurado (incertos) e que o réu/reconvinte, por aquisição, é titular de uma quota-parte não concretamente apurada na respectiva herança. “reitere-se fá-lo genericamente omitindo o peticionado em c). XXXI - Pelo que ficou exposto, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, pelos vários depoimentos, a Autora / Recorrente, tem a posse não titulada por isso de má-fé que é pública e pacífica, o que sucede seguramente há bem mais de 21 anos, a vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com o corpus, ou seja, o poder de facto sobre o 2.º andar e 3.º andar do supra identificado imóvel nos termos do artigos 1258.º; 1260 n.º 2 “segunda parte”, 1261 n.º 1, 1262.º todos do C.C. XXXII -No artº 1251º, a usucapião e uma situação possessória, é que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior, posse essa, delimitada como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, sendo que, a usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos retractivos, reportados ao início da posse respetiva nos termos do art.º 1288, mas que, relativamente ao direito possuído, não pode verificar-se nos detentores ou possuidores precários, exceto achando-se invertido o título de posse, neste caso o prazo para usucapir só corre desde a inversão do título nos termos do Art.º 1290 todos do C.C, A vontade concreta do detentor só releva caso tenha invertido o título de posse. XXXIV - A inversão do título de posse (a interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio (não basta que a detenção se prolongue para além do termo do título que lhe servia de base; necessário se torna que o detentor expresse diretamente junto da pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de atuar como titular do direito), mais releva a necessária exteriorização de uma vontade de possuir em nome próprio, revelada por atos positivos de oposição ao proprietário, a qual se sobrepõe à aparência representada pelo arrendamento, é vedado adquirir por usucapião, contudo, em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto nos termos do Art.º 1252º, nº 2, C.C, recorde-se que a Recorrente, nunca celebrou nenhum contrato de arrendamento e jamais pagou rendas a quem quer que seja no tocante ao 2.º e 3.º andar, cresce que tem o exercício do animus e detém o corpus sobre estes andares. XXXV- Nos termos do art.º 1265 do C.C, há inversão do titulo da posse de facto, à mais de 20 anos, porque, deu-se por oposição do detentor do direito (Recorrente), contra aquele cujo nome possuía, in casu, contra os herdeiros residentes nos Estados Unidos da América, através do seu representante, mandatário / advogado FF, e também perante o intitulado cabeça-de-casal LL e mais tarde na primeira década do presente século a este e ao Réu EE passado dois anos após a aquisição. XXXVI - Assim, o decurso do prazo de 20 anos começou a correr aquela primeira recusa de acesso ao prédio por parte da Recorrente, a qual, lhes revelou ser detentora e possuidora do 2.º e 3.º andar do prédio, aliás, revelou-o também ao putativo procurador e, mais tarde, por diversas vezes, a este e ao Réu EE, consciencializados que Recorrente tinha adquirido a posse, aqueles nunca mais apareceram. XXXVII -Reitere-se, portanto, há bem mais de 20 anos, nunca pagou rendas sobre estes andares, neles depositou os seus pertences, ocupando-os, fazendo-os seus, como proprietária, realizando durante todos estes anos obras profundas e estruturais, como ficou provado nos autos, até porque com exceção do referido mandatário e do putativo procurador, os autores da herança indivisa e os primitivos herdeiros testamentários, inequivocamente, abandonaram os referidos 2.º e 3.º andares nos termos do art.º 1267 n.1 al. a) do C.C, perdendo assim a sua posse. XXXVIII -A recorrente, requer no seu peticionado em c) a que seja por usucapião declarada dona e legitima proprietária, por aquisição originária, por usucapião, do 2.º e 3.º andar, procedendo ao cancelamento do atual registo e ordenar a correção da discrição do prédio, conforme a Caderneta Predial Urbana, no que concerne à suscetibilidade de utilização independente, declarando a constituição em propriedade horizontal do prédio urbano identificado, nos termos dos artigos 1415.º, 1417.º e 1418.º do Código Civil, para que seja requerida junto da entidade administrativa competente - art.º 66 n.º 4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) - conforme de facto (caderneta Predial) passe a ser de direito (descrição narrativa do Prédio).” XXXIX - Ficou provado, que o prédio tinha entradas independentes, pelo que devia declarar a constituição em propriedade horizontal por usucapião, até porque os prédios confinantes e germinados vizinhos, todos eles foram constituídos em propriedade horizontal sem alteração das suas caraterísticas primitivas assim, termos do art.º 1417, n.º 1 do C.C, a propriedade horizontal pode ser originalmente constituída por usucapião, tendo que tal constituição assente em exercido de posse usucapível sobre o prédio urbano, que reúna, desde logo, as caraterísticas exigidas pelos art.s 1414.º e 1415.º do C.C mormente frações em condições de constituírem unidades independentes distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio e via pública. XL - Sabe-se que o prédio em questão, tem todas estas caraterísticas, pelo que deveria o tribunal a quo reconhecer a constituição da propriedade horizontal por usucapião, uma vez, que abrange as especificidades obrigatórias a que se refere o art.º 1418, n.º 1 do C.C, pelo que devria o tribunal a quo ter decidido pela declaração da sua constituição em propriedade horizontal XLI -As aquisições das quotas hereditárias, realizadas pelo Réu EE, sempre se dirá que a existência de um registo a favor de pessoa diversa do possuidor não consubstancia um obstáculo à aquisição por usucapião, sendo que o ordenamento jurídico português, além de reconhecer a usucapião extra tabular, admite a usucapião contra tabular, mais, o segundo adquirente e titular registal − que previamente haja sido tutelado pelo art. 5.º n.º 1 do Código de Registo Predial– pode ver decair ou ver onerado o seu direito, sempre que o primeiro seja o possuidor da coisa, por lapso de tempo suficiente que lhe permita invocar a usucapião e, assim, adquirir originariamente o direito, ou seja, o segundo adquirente das quotas hereditárias, aqui Réu EE, e titular registal – que previamente haja sido tutelado pelo Art. 5.º n.º1 do Código Registo Predial. – pode ver decair ou ver onerado o seu direito, sempre que o primeiro seja o possuidor da coisa, por lapso de tempo suficiente que lhe permita invocar a usucapião e, assim, adquirir originariamente o direito. XLII - O Réu EE que caso beneficie da tutela do art. 5.º n.º 1 do Código Registo Predial, só não verá julgada procedente a acção de reivindicação se o primeiro adquirente, a aqui Recorrente, já for titular do direito potestativo de invocar a usucapião e o exercer, o mesmo é dizer, se o primeiro adquirente já exercer posse pacífica e pública durante o longo tempo previsto na lei e invocar a usucapião do 2.º e 3.º andar do prédio. XLIII -Como o primeiro adquirente, que prioritariamente obteve o registo e, assim, consolidou a oponibilidade erga omnes do seu direito em face de “terceiros”, nunca pode ver a sua posição jurídica prevalecer em face de quem invoque a usucapião, mesmo que desconhecesse a situação possessória efetivamente existe á bem mais de 20 anos, também um eventual segundo adquirente − terceiro para efeitos do registo − não o pode, concomitantemente, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse, nos termos do art.º 1268 n.º1 do C.C. XLIV -Em face das certidões juntas com requerimento apresentado pela Autora, aqui Recorrente, na data de 18.10.2021, com referência 30229393, nomeadamente, perante as deficiências mencionadas, relativas aos documentos que deveriam constar de tais registos, era imperativo o dever do Ministério Público representante de todos os incertos, mediante à sua vinculação ao principio da legalidade, competindo-lhe representar o Estado, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, e promover a realização do interesse público, exercendo para o efeito os poderes que a lei processual lhe confere [artigos 219.º/1, Constituição da República Portuguesa; 2.º, 4.º, Estatuto do Ministério público o que não fez, durante todas as secções de audiência e julgamento nada questionou. TERMOS EM QUE deverá o presente Recurso ser julgado provado por procedente, devendo ser declarada nula em parte a douta sentença proferida, pelo Tribunal a quo, por omissão de fundamentação do peticionado em c) no requerimento apresentado em 19.12.2021, com referência 30842130, ou que seja revogada a sentença, por outra que declare totalmente procedente o pedido em c) da Autora/Recorrente, POR SER DE DIREITO, FAZENDO ASSIM, VENERANDOS SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”.
O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, pelo que deve ser alterada a decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a decisão de direito e julgado procedente o pedido subsidiário formulado pela autora/recorrente.
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2. Sentença recorrida
2.1. O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1- Mostra-se descrito e inscrito nos respectivos organismos oficiais, o Prédio urbano, sito na Rua ... (e n.º ...) e ..., composto por casa de rés-do-chão e três andares, com quintal, a confrontar com os n.º ... (sudoeste) e n.º ... (noroeste), área total de 173 m2, sendo de área coberta 123 m2 e área descoberta 50 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto, sob o n.º ..., da união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... (docs. juntos aos autos); 2- A sua titularidade, encontra-se inscrita a favor dos herdeiros/herança dos seus então proprietários, BB (falecido em 2 de Agosto de 1972) e CC (falecida a 26 de Maio de 1974), herança jacente composta por 3 (três) prédios; 3- O prédio encontra-se identificado na respectiva Caderneta Predial Urbana, sob o artigo matricial ... (Distrito: 13 – Porto, Concelho: 12 – Porto, Freguesia: 17 – união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ...), localizado Rua ..., com a discrição de Casa composta de 4 pavimentos, tendo rés-do-chão loja ampla, 6 divisões no 1.º andar, 6 divisões no 2.º andar, 6 divisões no 3.º andar (águas-furtadas), com quintal (doc. junto aos autos); 4- Pese embora tal descrição, o imóvel comportava utilizações independentes, com vários inquilinos; 5- A autora, AA, reside no 1.º andar do referido prédio, desde 1989, mediante contrato de arrendamento; 6- Noutros pisos residiam outros moradores, também mediante contratos de arrendamento; 7- Porque os senhorios e proprietários, BB e CC entretanto haviam falecido, os inquilinos que, entretanto, saíam do locado, entregavam a chave à autora, por desconhecerem os herdeiros ou legais representantes dos de cujus; 8- Não sendo de novo arrendados, a autora passou a utilizar os pisos vazios, nomeadamente para depósito de bens seus; 9- Não conhecendo os proprietários do imóvel, os inquilinos que abandonavam os locados, entregavam as respectivas chaves à autora, que foi a única arrendatária que se manteve no locado; 10- Pese embora, até saírem do locado, os/as inquilinos/as, enquanto aí residiam, efectuavam os depósitos das respectivas rendas, numa conta na Banco 1..., à ordem dos herdeiros, com a indicação de “senhorio desconhecido”, por desconhecerem todos os herdeiros dos de cujus; 11- Os depósitos de rendas efectuadas pelos vários inquilinos do acervo hereditário, que no total abrange 3 (três) prédios, nunca foram levantados junto da referida Instituição bancária, apesar de reclamados por alguns dos herdeiros, pois, que dado o seu elevado número, nunca conseguiram reunir a totalidade dos herdeiros para o efeito; 12- Igualmente, procede ao depósito das respectivas rendas na Banco 1..., na conta existente à ordem dos herdeiros, a sociedade que existe no rés-do-chão e no 1.º andar, sociedade de que a autora tem uma quota de 35%, o que faz com a indicação de “senhorio desconhecido”; 13- A autora, a expensas suas, efectuou no prédio obras necessárias à conservação do imóvel, nomeadamente intervenções no telhado de cobertura; 14- O que fez por iniciativa sua ou, por vezes, a solicitação de outros inquilinos, que não sabiam a quem recorrer; 15- O IMI do imóvel não vem sendo pago, o que deu causa a processos de execução fiscal; 16- O imóvel acima identificado e em causa nos presentes autos, adveio à posse e propriedade de BB e mulher, CC, por o terem eles adquirido, por contrato de compra e venda, a NN e mulher, OO, encontrando-se a respectiva inscrição de propriedade lavrada, na dita Conservatória Predial do Porto, a favor dos compradores, pela Apresentação 2, de 25 de Janeiro de 1930 (doc. junto aos autos; 17- Pelo que, à data do respectivo decesso, beneficiavam os aludidos BB e mulher da presunção decorrente do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial, ou seja, da presunção de que tal prédio existia e a eles pertencia; 18- À data do seu decesso, aqueles BB e mulher eram os (únicos) donos e legítimos possuidores do imóvel em causa; 19- Aquele BB, natural de ..., Espanha, mas com residência habitual na Rua ..., nº ..., 1º andar, na freguesia ..., (cidade e concelho do Porto, faleceu no dia 2 de Agosto de 1972, no estado de casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos, e sob o regime da comunhão geral de bens, com CC, não tendo deixado descendentes nem ascendentes vivos; 20- Mas tendo deixado testamento, lavrado no Segundo Cartório Notarial do Porto, em 23 de Julho de 1965, por via do qual instituiu única e universal herdeira dos seus bens a sua referida mulher, CC (doc. junto aos autos, Escritura de Habilitação de Herdeiros lavrada, no dia 26 de Novembro de 2004, no Cartório Notarial de Valença, exarada de fls. 92 a fls. 93 do Livro de Notas Para Escrituras Diversas nº ...-D); 21- Em 27 de Maio de 1974 veio a falecer, por sua vez, aquela CC, também com última residência no 1º andar do nº ... da indicada Rua ..., no estado de viúva do referido BB, não tendo deixado quaisquer descendentes ou ascendentes vivos; 22- Tendo, contudo, feito testamento, em 23 de Julho de 1965, lavrado no Segundo Cartório Notarial do Porto, exarado de fls. 20 verso a fls. 23, do respectivo Livro nº ..., por via do qual instituiu herdeiros de ½ (metade) de todos os seus bens situados em Portugal os seus quatro irmãos, PP, viúva, QQ, viúvo, RR, casado, e SS, viúva, os seus quatro sobrinhos, filhos de sua pré-falecida irmã, DD, TT, casado, UU, casada, VV, casado, DD, casada, e os seus dois sobrinhos, filhos do seu pré-falecido irmão, WW, XX, casado, e YY, casada, sendo em tal metade a deixa testamentária na proporção de 4/24 avos para cada um dos indicados quatro irmãos, na proporção de 1/24 avos para cada um dos referidos quatro sobrinhos, filhos da falecida DD, e na proporção de 2/24 avos para cada um dos mencionados dois sobrinhos, filhos do falecido BB; 23- Ainda pelo mesmo testamento aquela CC instituiu herdeiros da outra ½ (metade) dos seus bens em Portugal os seguintes familiares de seu falecido marido: o irmão, ZZ casado, os cinco sobrinhos, AAA, casada, BBB, casada, CCC, viúva, DDD, casado, e EEE, casada, sendo as quatro primeiras filhas e a última neta de outra irmã do marido da testadora, FFF, os seis sobrinhos, MM, casado, GGG, casado, HHH, casada, III, casada, JJJ, casada, e KKK, casada, sendo os dois primeiros filhos e os restantes quatro netos de um outro irmão do marido da testadora, LLL, e, ainda, o sobrinho MMM, solteiro, filho de um outro irmão do marido da testadora, NNN, sendo esta outra ½ (metade) na proporção de 60/240 para o irmão ZZ, na proporção de 12/240 avos para cada uma das cinco sobrinhas, filhas e netas da irmã FFF, na proporção de 20/240 avos para cada um dos dois sobrinhos, filhos do irmão LLL, na proporção de 5/240 avos para cada um dos quatro sobrinhos, netos deste mesmo irmão, LLL, e na proporção de 60/240 avos para o sobrinho MMM, filho do irmão NNN; 24- Tudo conforme Escritura de Habilitação de Herdeiros lavrada, em 18 de Novembro de 1976, no Segundo Cartório Notarial do Porto, exarada de fls. 82 a fls. 85 do Livro de Notas Para Escrituras Diversas nº ... (doc. junto aos autos); 25- Por escritura de compra e venda, lavrada em 2 de Março de 2007, no Cartório Notarial da Licenciada OOO, no Porto, sito à Rua ..., nº ..., 1º andar, lado esquerdo, o aqui contestante/reconvinte, EE, casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com PPP, adquiriu os quinhões hereditários que na herança da falada CC pertenciam aos herdeiros QQQ, WW, RRR, SSS e TTT, todos estes por herança de seu falecido pai e avô, QQ, primitivo herdeiro testamentário daquela CC (doc. junto aos autos); 26- E por escritura de compra e venda, lavrada, em 20 de Novembro de 2009, no mesmo Cartório Notarial, adquiriu os quinhões hereditários que na herança da falada CC pertenciam aos herdeiros (testamentários) AAA, BBB, DDD, e EEE (doc. junto aos autos); 27- Por óbito daquela CC, foi instaurado, em 26/05/1974, junto do Serviço de Finanças do Porto 4, o competente processo de imposto sucessório, a que foi atribuído o nº ...; 28- Processo esse no qual, para além da identificação da autora da sucessão, e dos legatários e herdeiros, foram relacionados os bens que compunham o acervo partível, entre os quais se conta, sob a verba nº “7.” do “Activo” da Relação de Bens, o imóvel aqui em causa (doc. junto aos autos); 29- DD, que foi uma das herdeiras dos de cujus e entretanto também falecida (habilitação em processo apenso), por procuração outorgada em 22 de Janeiro de 2007, no Cartório Notarial da Notária UUU, sito na Rua ..., nº ... – 2º, Sala ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, constituiu seu bastante procurador o senhor LL, ao qual atribuiu poderes, entre outros, para tratar de todos os assuntos relacionados com aquelas heranças, incluindo nas Repartições de Finanças e em Câmaras Municipais, podendo aí praticar e promover quaisquer actos de natureza administrativa, podendo apresentar projectos, petições, requerer vistorias, licenças e tudo o mais que preciso fosse, e ainda para celebrar contratos de arrendamento, alterá-los, rescindi-los, receber rendas, actualizá-las, passar recibos e movimentar as contas onde vinham a ser depositadas tais rendas (doc. junto aos autos); 30- É em nome dos de cujus ou da respectiva herança e pelos seus herdeiros, que vêm sendo pagos os correspondentes impostos, taxas e contribuições legais, como é o caso do imposto municipal sobre transmissões (docs. juntos aos autos); 31- Foi ao “procurador do cabeça-de-casal” que a Câmara Municipal ... destinou a notificação para realização de uma vistoria ao prédio em causa, em função das obras (de reparação e conservação) que urgiam (doc. junto aos autos); 32- Foi também a ele que foi notificada a instauração de um processo de contraordenação por não conclusão de tais obras, tendo sido ainda esse procurador quem solicitou orçamentos para a realização de tais obras (docs. juntos aos autos); 33- A sociedade arrendatária do rés-do-chão, de que a autora é sócia, como acima referido, e actuando então a autora como sua gerente e representante, no ano de 2009, intentou contra o ora contestante/reconvinte, e contra os vendedores dos quinhões hereditários que ele adquiriu aos herdeiros acima indicados, uma acção judicial peticionando lhe fosse reconhecido o direito de preferência em tal aquisição; 34- Acção essa que correu termos pelo Tribunal da Comarca do Porto – Porto – Instância Central – Secção Cível – J7, sob o processo nº 404/09.3TJPRT,l tendo sido declarada extinta a instância por deserção (doc. junto aos autos).
2.2. E quanto a factos não provados, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Assim, no essencial e para o objecto da presente acção, importa apenas referir que não resultaram provados os factos alegados pela autora relativos à posse que alegou em nome próprio e/ou que, como tal, tivesse actuado, bem como não resultou provado que a herança dos de cujus tivesse efectuado obras de reparação do prédio.”.
2.3. E motivou a decisão de facto, nos seguintes termos: O tribunal fundamenta a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados nos documentos juntos aos autos (nomeadamente certidões públicas juntas aos autos), tudo em conjugação com as regras da experiência comum e em confronto com os depoimentos a que infra, no essencial, nos referiremos mais especificadamente: Assim, desde logo, a generalidade das testemunhas oferecidas pela autora e ouvidas em audiência (ou em produção antecipada de prova), com maior ou menor conhecimento dos factos, com maior ou menor relacionamento com as partes, são nascidas e/ou residentes naquele local e/ou vizinhanças há muitos anos. Nenhuma delas afirmou ser a autora a dona do imóvel ou que agisse e se intitulasse como tal. É certo que, afirmam algumas das testemunhas que a autora efectuou obras no local e/ou que tratava do mesmo. Face à normalidade das coisas, nada nos parece mais natural, atendendo ao caso concreto, em que, tendo falecido os senhorios, desconheciam os seus moradores os respectivos herdeiros ou, pelo menos, a totalidade dos herdeiros ou a qual ou quais deles haveriam de pagar as respectivas rendas e exigir as respectivas contraprestações, tais como obras necessárias no locado, prestando-se a autora a efectuar tais serviços prementes (necessários também para ela como moradora), mas nunca se lhes dirigindo como dona do imóvel, pedindo ou recebendo rendas, que, quando pagas, eram depositadas em conta bancária da Banco 1.... Aliás, era também pelo desconhecimento do número de herdeiros ou a qual deles haviam de prestar contas, que procediam ao depósito das rendas, sendo que algumas das testemunhas (e a própria autora em declarações de parte) referem mesmo contactos com pessoas (nomeadamente o reconvinte) que se intitulavam herdeiros ou seus representantes, mas a quem se recusavam a prestar contas, por desconhecimento de poderes ou títulos destes para tais exigências (cfr. nomeadamente, a este respeito, depoimentos das testemunhas VVV, WWW e GG). Aliás, face ao elevado número de herdeiros, nem conseguiu a herança proceder ao levantamento das rendas depositadas, pois que o Banco (Banco 1...), obviamente, exigia a intervenção de todos os herdeiros, que nunca conseguiram reunir e estar de acordo quanto a tal matéria. Aliás, como já referido, nem a própria autora em declarações de parte se consegue afirmar como possuidora em nome próprio, declarando-se como dona e à vista de toda a gente, pois que, como resulta do seu depoimento, foi para lá morar como inquilina, havia pelo menos mais duas inquilinas, quando estas saíram entregaram-lhe as chaves porque “não conheciam ninguém da herança”, passando a ocupar o 3º andar “porque não está lá ninguém”, a firma que é inquilina do rés-do-chão e de que é sócia, vem pagando renda, depositando-a em nome da herança (pelo menos até há cerca de dois anos), o Sr. LL aparecia muitas vezes, dizendo-se procurador da herança, tendo posteriormente aparecido também o réu/reconvinte afirmando-se herdeiro.
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3. Apreciando de direito
3.a) Da nulidade por omissão de pronúncia
Nas conclusões das suas alegações veio a recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida, com base em omissão de pronúncia, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(…).
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Um dos vícios da sentença que configura a respetiva nulidade é a omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Invocando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre um dos pedidos formulados na petição inicial e em requerimento posterior, conclui a apelante que é nula a sentença nos termos do disposto no preceito referido.
Vejamos:
Como já referido, é nula a sentença, entre outros, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d), do nº 1, do art. 615.º).
Assim, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2020, Processo 12131/18.6T8LSB.L1.S1 (disponível em dgsi.pt), “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ora, lida a decisão recorrida, não se vê qual ou quais as questões colocadas pelas partes sobre as quais o Tribunal não se pronunciou.
Efetivamente, o tribunal a quo julgou improcedentes todos os pedidos formulados pela autora, ou seja, também o pedido subsidiário (que a autora chama de alternativo).
E também não se pode dizer que não se pronunciou, na fundamentação da sentença, sobre essa questão, desde logo, porque os fundamentos para os pedidos principais e para o pedido subsidiário, eram os mesmos, ou seja, a prática de atos materiais de posse, de forma reiterada, e com características tais e período de duração, que, acompanhados do animus de proprietário, levaram à aquisição do direito respetivo, por usucapião.
Tendo o tribunal a quo decidido que não se provou a matéria de facto respetiva, não ocorreu a aquisição do direito por usucapião, o que abrange necessariamente tanto o pedido principal como o subsidiário.
Na realidade, o que a autora/apelante pretende é que se altere a matéria de facto, por forma a ficar provada a posse necessária para a aquisição originária do direito, por usucapião, o que, contudo, não configura nulidade da sentença, antes contende com a impugnação da matéria de facto que iremos apreciar a seguir.
Não ocorre, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
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3.b) Do erro de julgamento
Veio a apelante, ainda, requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação (embora de forma não muito clara), indica a prova a reapreciar, e sugere, ainda que de forma pouco precisa, a decisão que deve recair sobre os factos, mostrando-se, assim, minimamente, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância (sublinhado nosso).
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.
Cabe, pois, analisar se assiste razão à apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Antes de mais, contudo, cabe referir que se bem entendemos essa parte do recurso, a apelante não impugna os factos provados 4.º a 9.º e 12.º a 14.º, apesar de se afigurar algo confusa a alegação. Entende-se que quando a apelante, em relação a esses factos, diz “os quais se pretende aqui sublinhar e reiterar”, está a aceitá-los, tal como foram dados como provados, até porque não faria sentido que fosse de outra forma.
Os factos provados que impugna e que pretende sejam dados como não provados, são, assim, os factos 17.º, 25.º, 26.º e 29.º.
Por sua vez, quanto aos “factos” não provados que a apelante identifica como parágrafos, apenas aquele que nomeia de Parágrafo 1.º versa sobre factos não provados, ou seja, “os factos alegados pela autora relativos à posse que alegou em nome próprio e/ou que, como tal, tivesse atuado”.
Os demais “parágrafos” que a apelante identifica como factos não provados, constituem a fundamentação de facto que o senhor Juiz a quo fez constar da sentença e não são factos, pelo que este tribunal não irá apreciá-los como tal.
Posto isto:
Como resulta das respetivas conclusões do recurso, a apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos números 17.º, 25.º, 26.º e 29.º, factos provados que entende deverem ser considerados como não provados.
Considera, ainda, que os factos dados como não provados devem, por sua vez, considerar-se como provados.
São os seguintes os factos provados impugnados: 17- Pelo que, à data do respectivo decesso, beneficiavam os aludidos BB e mulher da presunção decorrente do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial, ou seja, da presunção de que tal prédio existia e a eles pertencia; 25- Por escritura de compra e venda, lavrada em 2 de Março de 2007, no Cartório Notarial da Licenciada OOO, no Porto, sito à Rua ..., nº ..., 1º andar, lado esquerdo, o aqui contestante/reconvinte, EE, casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com PPP, adquiriu os quinhões hereditários que na herança da falada CC pertenciam aos herdeiros QQQ, WW, RRR, SSS e TTT, todos estes por herança de seu falecido pai e avô, QQ, primitivo herdeiro testamentário daquela CC (doc. junto aos autos); 26- E por escritura de compra e venda, lavrada, em 20 de Novembro de 2009, no mesmo Cartório Notarial, adquiriu os quinhões hereditários que na herança da falada CC pertenciam aos herdeiros (testamentários) AAA, BBB, DDD, e EEE (doc. junto aos autos); 29- DD, que foi uma das herdeiras dos de cujus e entretanto também falecida (habilitação em processo apenso), por procuração outorgada em 22 de Janeiro de 2007, no Cartório Notarial da Notária UUU, sito na Rua ..., nº ... – 2º, Sala ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, constituiu seu bastante procurador o senhor LL, ao qual atribuiu poderes, entre outros, para tratar de todos os assuntos relacionados com aquelas heranças, incluindo nas Repartições de Finanças e em Câmaras Municipais, podendo aí praticar e promover quaisquer actos de natureza administrativa, podendo apresentar projectos, petições, requerer vistorias, licenças e tudo o mais que preciso fosse, e ainda para celebrar contratos de arrendamento, alterá-los, rescindi-los, receber rendas, actualizá-las, passar recibos e movimentar as contas onde vinham a ser depositadas tais rendas (doc. junto aos autos).
E quanto a factos não provados, no que para a impugnação interessa, o Tribunal a quo refere o seguinte: “Assim, no essencial e para o objecto da presente acção, importa apenas referir que não resultaram provados os factos alegados pela autora relativos à posse que alegou em nome próprio e/ou que, como tal, tivesse actuado (…)”.
Vejamos.
Ouvida a prova gravada e consultada a documentação junta aos autos, diremos o seguinte:
No que diz respeito aos factos provados 25.º, 26.º e 29.º, e como resulta da sentença recorrida, os mesmos fundamentam-se em prova documental que consta dos autos, tratando-se, aliás, de documentos autênticos.
Os factos em causa afirmam o que em termos objetivos consta dos documentos respetivos e que se mostram juntos com a contestação.
Assim, nada foi alegado pela apelante que imponha a alteração desses factos, com exceção do que consta do facto 29.º, entre parêntesis, ou seja “(habilitação em processo apenso)”, por, de facto, não se mostrar apensada qualquer habilitação da pessoa em causa, o que, aliás, não tem interesse para o facto, o qual se refere à outorga da procuração aí referida, a qual consta do processo. Mantém-se, assim, o facto 29.º, do qual será retirada apenas a expressão referida.
Já quanto ao ponto 17 dos factos provados, ou seja, “17- Pelo que, à data do respectivo decesso, beneficiavam os aludidos BB e mulher da presunção decorrente do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial, ou seja, da presunção de que tal prédio existia e a eles pertencia”, entende-se que não contém qualquer facto, mas, antes, matéria de direito, pelo que deve ser eliminado do elenco de factos, provados ou não provados, o que se decide.
Nada mais há, pois, a alterar no que diz respeito aos factos provados impugnados.
No que se refere aos factos não provados, o Senhor Juiz a quo não os discriminou, referindo apenas que não se provaram os factos alegados pela autora relativos à posse que alegou em nome próprio e/ou que, como tal, tivesse atuado.
O certo é que a apelante também não os refere expressamente, nem diz, em concreto, quais os factos que devem ser dados como provados.
Assim, o que a autora/recorrente alega sobre essa matéria, e não foi dado como provado, é o seguinte:
- Que a Autora, tem a posse, pacífica, pública, sem oposição de ninguém e ininterrupta do prédio urbano em causa;
- Que a Autora, por volta do ano de 1992, começou a utilizar o referido 3.º andar, sem oposição de quem quer que seja, à vista de todos, há mais de 21 anos;
- Que nunca qualquer dos herdeiros se apresentou investido de qualquer documento, onde lhe seja reconhecido a propriedade sobre o imóvel.
Ora, antes de mais, verifica-se que a autora não alega outros factos relativos à posse que diz ter sobre o imóvel em causa, para além daqueles que foram dados como provados, já que aqueles que agora referimos, ou são conclusões ou não resultaram provados.
De facto, não resultando esses factos de prova documental, ouvida a prova gravada, também não se vê que a mesma tenha sido apreciada de forma incorreta pelo Tribunal recorrido.
O que resulta da prova testemunhal e até das próprias declarações de parte da autora, é que esta agiu como inquilina que é, da fração onde reside e daquela onde funciona o estabelecimento comercial que gere, sendo que o facto de as inquilinas que foram saindo do prédio lhe entregaram as chaves, resultou de não saberem a quem mais recorrer e por a autora aí permanecer, e não porque a viam como proprietária, valendo o mesmo para as obras que foram sendo realizadas e que, ao contrário do que agora pretende, foram apenas as obras necessárias e urgentes, como a própria alega no artigo 24.º da petição inicial.
Também não resulta provada a posse, com as características exigidas para a aquisição do direito por usucapião, sobre os 2.º e 3.º andares, já que, para além de nenhuma das testemunhas ter referido, com suficiente credibilidade sobre o conhecimento concreto dos factos, que os ditos andares eram efetivamente ocupados pela autora, existe prova documental que o contraria, nomeadamente, o documento 4 junto com a contestação, do qual resulta que esses andares se encontravam devolutos quando aí foi feita uma vistoria pelos serviços da Câmara Municipal ....
Não existem, assim, quaisquer factos que devessem ter sido dados como provados, sendo certo que a própria autora/recorrente, como dito, também não os discrimina.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se como provados os factos como tal considerados na sentença recorrida, com exceção da menção ao processo de habilitação apenso e à eliminação do ponto 17, por não se tratar de matéria de facto.
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3.c) Decisão de Direito
Resulta das alegações de recurso da apelante que esta se conforma com a improcedência dos pedidos principais que havia formulado, ou seja, de declaração e reconhecimento de que ela, Autora, é dona e legítima proprietária, decorrente da aquisição originária, por usucapião, da totalidade do prédio identificado nos autos, com o inerente cancelamento do atual registo, e condenação dos Réus, a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade da Autora, sobre o aludido prédio e absterem-se da prática de qualquer ato que a perturbe.
O seu recurso versa, apenas, sobre o pedido que identificou como alternativo, mas que será subsidiário, face ao disposto no art. 554.º do CPC, ou seja, a autora/recorrente pretende ser declarada e reconhecida como dona e legitima proprietária, por aquisição originária, por usucapião, dos 2.º e 3.º andares, do prédio identificado, com as consequências legais, pedindo, precisamente, que seja revogada a sentença e substituída por outra que declare totalmente procedente o pedido referido.
Sucede que, para ver proceder esta sua pretensão, teria que ter procedido a impugnação da matéria de facto, o que não sucedeu.
Assim, com a factualidade dada como provada e não provada pelo Tribunal recorrido, considera-se que nada há a apontar à decisão tomada pelo tribunal a quo.
Efetivamente, face ao pedido formulado, e ainda em discussão, a Autora instaurou ação de reivindicação dos dois andares (2.º e 3.º) do prédio identificado nos autos.
Ora, antes de mais, há que considerar se é sequer possível o reconhecimento do direto de propriedade, adquirido de forma originária, por via da usucapião, sobre dois dos andares do prédio mencionado, uma vez que o imóvel em causa existe em propriedade total e não dividido em frações.
Ainda que se considerasse a ampliação do pedido formulada através do requerimento de 19-12-2021, que nunca chegou a ser apreciada, nem tal falta de apreciação foi suscitada pela autora, entendemos que nunca seria possível apreciar tal questão, neste processo.
Por um lado, a autora não alegou os factos necessários para ser apreciada a possibilidade de constituição da propriedade horizontal, conforme se retira ser exigido, do disposto nos arts. 1415.º a 1418.º do Código Civil.
Por outro lado, não é este o processo próprio, face ao disposto no art. 1417.º, nº 1 do referido diploma legal, que prevê que a propriedade horizontal pode ser constituída, no que para o caso interessa, por decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, o que não é o caso deste processo.
Contudo, independentemente dessa situação, sempre a ação teria de improceder, como improcedeu.
De facto, no que respeita ao modo de aquisição do direito de propriedade, dispõe o art. 1316º do Código Civil que o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei.
Desses modos legítimos de adquirir o direito de propriedade, há uns que são meros atos translativos do direito, também designados de “modos de aquisição derivada”, como são os casos do contrato e da sucessão mortis causa; outros são constitutivos do próprio direito, por isso designados de “modos de aquisição originária”, como são os casos da usucapião (art. 1287º Código Civil), da ocupação (arts. 1318º e ss. do Código Civil) e da acessão (arts. 1325º e ss. do Código Civil).
Tem-se entendido que se alguém invoca como fonte do seu direito uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutivas, mas meramente translativas do direito (e, por isso, subordinadas ao princípio "nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet", ou seja, ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que o próprio tem), não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado o titular do direito. Terá ainda que demonstrar que esse direito já existia na titularidade do seu transmitente e bem assim as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles.
São, no entanto, ressalvados os casos em que existe presunção legal da propriedade, como a resultante do registo (art. 7º do Cód. Reg. Predial) ou a resultante da posse (art. 1268º do Código Civil), porque em tais casos, por força do disposto nos arts. 344.º, nº 1 e 350.º do Código Civil, cabe à parte contra quem tais presunções são invocadas fazer a prova do seu direito, de modo a ilidir essas presunções.
No presente caso, está em causa o reconhecimento do direito de propriedade plena e exclusiva, sobre os dois referidos andares do prédio identificado nos autos, o qual se mostra inscrito no registo predial competente e registado na Conservatória do Registo Predial a favor de outrem que não a autora, concretamente, a favor dos herdeiros dos primitivos inscritos, pelo que se verifica a aludida presunção resultante do registo.
E sendo assim, impunha-se que a autora, para ver ilidida tal presunção, fizesse a prova de uma forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre os andares em causa, a seu favor.
Ora, nos termos da lei civil, a posse mantida por certo lapso de tempo faculta ao possuidor a aquisição do direito a que corresponda a sua atuação, por usucapião.
A posse, por sua vez, consiste no poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (pressupondo quer o “corpus”, elemento objetivo da posse, que consiste na prática reiterada e pública de atos materiais correspondentes ao exercício do direito, quer o “animus”, elemento subjetivo, ou seja, a intenção por parte do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela), podendo a posse ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, tudo de acordo com o estabelecido nos arts. 1251º e 1258º e ss. do Cód. Civil.
No caso concreto, perante a realidade factual provada e descrita supra, tem de concluir-se que a autora/recorrente não logrou fazer a prova que lhe cabia – art. 342.º, nº 1 do Código Civil.
Desde logo, não logrou sequer fazer prova no sentido de que exercia atos de posse de forma pública, pacífica e reiterada, e ao longo de mais de vinte anos, sobre as habitações em questão, até porque resultou, antes, nos termos decididos supra, que os dois andares se encontravam devolutos, aquando de uma vistoria, aí levada a cabo. E nem sequer a própria autora alegou que usava os ditos andares nos termos exigidos para se considerar que praticava atos de posse sobre os mesmos com as características previstas legalmente.
E não provando o poder de facto sobre essas partes do imóvel, muito menos logrou provar o animus, enquanto convicção de que exercia a posse sobre os bens como proprietária dos mesmos, animus que nem sequer alegou devidamente.
O que resulta da prova produzida, e até da própria alegação da autora/recorrente, é que a mesma, enquanto inquilina de dois andares do prédio, sendo que no rés-do-chão existe um estabelecimento aberto ao público e gerido pela autora, foi recebendo as chaves das duas inquilinas que saíram do prédio, apenas pelo factos de não conhecerem os herdeiros dos primitivos proprietários, e a autora aí se manter.
O mesmo vale para as obras que foi realizando, e que foram efetivamente apenas obras necessárias, designadamente para evitar infiltrações, sendo que é a própria autora que as apelida como tal, ou seja, como necessárias, no seu articulado, apenas mudando a versão no recurso.
E também não colhe a alegação de que a autora inverteu o título de posse, há mais de 20 anos, o que apenas poderia ocorrer por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía (art. 1265.º do CC), sendo que, no caso, a autora não possuía os dois andares em causa em nome dos herdeiros/proprietários, para além de que, a ter havido inversão do título de posse, o mesmo nunca teria ocorrido há mais de 20 anos, já que resulta da prova produzida e a autora/recorrente não o negou, que quer o réu/recorrido, quer o mandatário de alguns dos herdeiros, tentaram aceder ao prédio há bem menos do que os 20 anos, tendo sido, quando muito, nessa altura que a autora quis evitar o acesso dos mesmos ao imóvel, o que foi referido, nomeadamente, pela testemunha GG que disse que tal ida do réu e de um advogado, ao prédio, ocorreu há cerca de 10 anos.
Aliás, a própria autora/recorrente alega que não deixou entrar quem se apresentava como representante dos herdeiros, apenas porque ninguém apresentou documentação convincente de tal facto.
Não colhe, pois, nenhum dos fundamentos invocados pela apelante para ver alterada a decisão proferida, pelo que, deve manter-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos.
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).