I. Tendo ambos os condutores das viaturas que embateram entre si infringido normas do código da estrada e sendo tais violações ali cominadas com coima, tal evidencia que tais infrações constituem actos classificados por lei como ilícitos.
II. E tendo tais condutas ilícitas sido causais (ou concausais) do acidente, há que fixar a proporção da responsabilidade de cada um dos condutores para a produção do evento danoso, atribuindo, em conformidade a indemnização pelos danos sofridos e peticionados pelo autor.
III. É grave o comportamento do lesado que, conduzindo um motociclo, decide encetar manobra de ultrapassagem pela direita de veículo automóvel que seguia à sua frente e abrandava a sua marcha com vista a estacionar em área a tanto destinada e situada à sua direita, apenas porque o mesmo se convenceu que tal abrandamento do automóvel antecedia uma pretensão de mudança de direção à esquerda, onde entroncava outra via, muito embora não tenha sido efetuada qualquer sinalização luminosa indicativa de mudança de direção à esquerda e nem tal automóvel se tenha aproximado do eixo da via com vista a realizar tal manobra.
IV. Porém, também não deixa de ser negligente e grave a conduta do condutor do automóvel que, pretendendo virar à sua direita para ali estacionar, não ponderou a possibilidade de ocorrência de uma ultrapassagem de motociclo pela sua direita, quando a distância que mantinha da berma direita da estrada permitia essa ultrapassagem, já que devia, antes de iniciar tal manobra de viragem à direita, verificar, designadamente pelos espelhos retrovisores, se algum veículo por ali circulava.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.
I – RELATÓRIO
AA propôs ação declarativa sob a forma de processo comum contra Ageas – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de indemnização no valor de 85.447,32 € e, ainda, de quantia a liquidar posteriormente com vista ao ressarcimento dos danos decorrente da perda de rendimento durante período em que esteve impossibilitado de trabalhar e das despesas que suportará em consequência da necessidade de acompanhamento regular por ortopedia.
Alega que tais danos decorreram de acidente que sofreu e que diz ser de imputar ao comportamento do condutor de veículo seguro na Ré.
A Ré contestou apresentando diferente versão do acidente e imputando a ocorrência do mesmo a comportamento ilícito e culposo do Autor, bem como sustentou desconhecer e reputar de excessivos os danos descritos na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador com definição do objecto do litígio e dos temas da prova.
Julgada a causa, foi proferida a seguinte sentença:
“Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o tribunal julga a ação parcialmente procedente, e, consequentemente:
a. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 74,22 (setenta e quatro euro e vinte e dois cent), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais;
a. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euro), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento, a título de dano biológico;
b. Condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 12.000,00 (doze mil euro), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento, a título de dano não patrimonial stricto senso;
c. Condena a ré a pagar ao autor 60% da quantia correspondente aos rendimentos salariais que o autor deixou de auferir no período de 5 meses de incapacidade absoluta para o trabalho, deduzidos dos subsídios de incapacidade recebidos, a liquidar posteriormente;
d. Condena a ré a pagar ao autor 60% das quantias relativas a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia e à necessidade de uso de analgésicos, bem como relativas às despesas inerentes às cirurgias a que o autor se terá de submeter, bem aos valores relativos à perda de ganho salarial nos períodos de incapacidade decorrentes das necessárias intervenções médicas, tudo em virtude das lesões sofridas no acidente, a liquidar posteriormente.
e. Absolve a ré do demais peticionado.”.
Inconformados, recorrem ambas as partes, pretendendo:
- a Ré que se julgue que houve culpa exclusiva do Autor na produção do acidente e que, assim não se entendendo, deve ser reduzida a indemnização fixada pelos danos patrimoniais sofridos pelo mesmo à quantia de 10 000 €;
- o Autor – que recorreu subordinadamente –, sustentando a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré pela produção do acidente.
Em acórdão, a Relação do Porto revogou a sentença, jugando a ação totalmente improcedente e absolvendo a ré dos pedidos.
CONCLUSÕES
A) O Recorrente pretende ver reapreciada a questão central da culpa na produção do acidente - pugnando por que a mesma seja, como deve, atribuída ao condutor do veículo seguro na recorrida – e, em consequência, pretendendo que seja a recorrida condenada a pagar ao Recorrente a quantia correspondente à totalidade dos danos (bem) avaliados na 1ª Instância, sem repartição de responsabilidade, uma vez que uma boia aplicação do Direito aos factos provados a isso deve obrigar.
B) Admite, subsidiariamente, que se considere a repartição de responsabilidades defendida na decisão proferida em 1ª Instância e sustentada pela Senhora Desembargadora subscritora do voto de vencido que integra o douto acórdão recorrido, repondo, então, os montantes de condenação da recorrida nos termos da decisão proferida pelo Juízo Central Cível do ....
C) Dos factos provados resulta que o condutor do veículo seguro na recorrida violou os nºs 1, 2 e 3 do artigo 13º do Código da Estrada, ao circular pela metade esquerda da hemi-faixa de rodagem.
D) Dos mesmos factos resulta que o condutor do veículo seguro na recorrida violou os números 1º e 2º do artigo 21º do Código da Estrada, ao não sinalizar, por qualquer meio, a manobra que pretendia efetuar (que parecia ser uma mudança de direção à esquerda e viria a configurar uma manobra de mudança de direção à direita!).
E) Resulta, ainda, dos factos provados que o condutor do veículo seguro na recorrida violou os números o nº 1 do artigo 43º do Código da Estrada ao circular afastado da berma e concretamente, do início da zona de estacionamento a que pretendia aceder.
F) Resulta, igualmente, dos factos provados que o condutor do veículo seguro na recorrida violou os números o nº 1 do artigo 35º do Código da Estrada ao não ter, de forma evidente, tomado as precauções elementares para efetuar a manobra de mudança de direção à direita,
G) Resulta, assim, dos factos provados que o condutor do veículo seguro na recorrida violou de um modo geral, as obrigações insertas nos nºs 2 do artigo 3º e os n.ºs 2 e 3 do artigo 11º, ambos do Código de Estrada, nos quais são enunciados os deveres gerais do comportamento dos condutores dos veículos automóveis,
H) Estas (todas estas) disposições legais foram notoriamente infringidas pelo condutor do veículo seguro na Recorrida e todos as suas violações são expressamente cominadas com coima, o que evidencia que tais infrações constituem atos classificados por lei como ilícitos, pelo que não pode aceitar-se a classificação de “lícito” relativamente ao comportamento do condutor do veículo seguro da Recorrida, feito no douto acórdão recorrido, que se impõe, por isso, alterar,
I) Relativamente ao comportamento do Recorrente – valha a verdade que se diga – provou-se tão somente que o motociclo manteve a trajetória a que seguia, não se tendo demonstrado que, em qualquer momento, tenha alterado a respetiva velocidade, nada se extraindo, assim, de censurável e por isso suscetível de ser considerado um comportamento ilícito, resultando a aproximação do motociclo ao automóvel tão somente (de acordo com os factos provados) da redução da velocidade do automóvel, que, circulando pela metade esquerda da hemi-faixa de rodagem, evidenciou (para qualquer condutor normal colocado na posição do motociclista!) uma intenção de manobra de mudança de direção à esquerda,
J) Não pode deixar de considerar-se, assim, manifestamente inadequada a referência, feita pelo Venerando Tribunal a quo, à falta de sinalização de manobra de mudança de direção à esquerda por parte do condutor do automóvel que, segundo o Tribunal a quo, deveria ter “impedido” o Recorrente de “pressupor” que o automóvel iria virar à esquerda, isto apesar de circular pela esquerda e reduzir a velocidade à aproximação de um entroncamento à esquerda, o que, atentas as regras de experiência a que deveria ter atentado o Tribunal a quo, nos termos do nº 4 do artigo 607º do CPC,), levaria qualquer condutor a pensar exatamente o que pensou o Recorrente.
K) Deve, assim, ser revogado o douto acórdão recorrido, e proferido acórdão que, considerando os factos assentes e a confirmação pelo Tribunal a quo dos valores fixados em primeira instância, condene a Recorrente no pagamento da totalidade dos danos sofridos pelo Recorrido, quer o montante liquidado na douta sentença proferida na 1ª instância, quer aqueles cuja liquidação for relegada para momento posterior, decidindo, concretamente - condenar a Recorrida - a pagar ao recorrente a quantia de € 84,06 (Oitenta e quatro euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais; a pagar ao recorrente a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a data da prolação do acórdão até efetivo e integral pagamento, a título de dano biológico; a pagar ao recorrente a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa civil legal, desde a data da prolação do acórdão até efetivo e integral pagamento, a título de dano não patrimonial stricto senso; a pagar ao recorrente a quantia correspondente aos rendimentos salariais que o mesmo deixou de auferir no período de 5 meses de incapacidade absoluta para o trabalho, deduzidos dos subsídios de incapacidade recebidos, a liquidar posteriormente, e a pagar ao recorrente a quantia de das quantias relativas a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia e à necessidade de uso de analgésicos, bem como relativas às despesas inerentes às cirurgias a que o recorrente se terá de submeter, bem aos valores relativos à perda de ganho salarial nos períodos de incapacidade decorrentes das necessárias intervenções médicas, tudo em virtude das lesões sofridas no acidente, a liquidar posteriormente.
L) Admitindo-se, no entanto, que este Tribunal também considere ter havido um comportamento negligente do Recorrente e, desse modo, se justifique uma repartição de responsabilidades, entende-se que essa repartição deverá ser valorada nos termos em que o foi em primeira instância (e tal como defendido no douto voto de vencido), condenando a Recorrida no pagamento de 60% dos montantes arbitrados em 1ª Instância, acima transcritos, para compensação integral dos danos sofridos pelo Recorrente.
M) O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 483º do Código Civil por manifesta má interpretação, e consequente errada aplicação das disposições legais insertas nos artigos 3º, nº 2, 11º, nºs 2 e 3, 13º nºs 1,2 e 3, 21º, nºs 1 e 2, 35º, nº 1 e 43º, nº 1, todos do Código da Estrada, devendo ser revogada.
Termos em que, V. Ex.as concedendo provimento ao recurso e, declarando exclusivamente culpado pela produção do acidente o condutor do veículo seguro na recorrida, condenando a Recorrida nos montantes fixados na 1ª Instância,
ou, o que subsidiariamente se pede, considerando a contribuição de ambos os condutores para o acidente e, mantendo a fixação da repartição feita em 1ª Instância e sustentada no voto de vencido, condenando a Recorrida a pagar ao Recorrente 60% daqueles montantes.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Nada obsta à apreciação do mérito da revista.
Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir reduz-se à averiguação da culpa na produção do acidente (se a há e a quem deve ser imputada) e suas consequências em termos indemnizatórios.
III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (na 1ª instância, sem impugnação em recurso):
I. No dia ... de janeiro de 2019, cerca das 18.40 horas, na Rua ..., em ..., do concelho de ..., ocorreu um embate entre dois veículos,
I. O motociclo tripulado pelo autor, marca Kawasaki, Modelo KLX300 e matrícula ..-..-MX, e o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-JR-.., marca Volkswagen, modelo Golf, na ocasião conduzido por BB.
II. Antes do embate, os dois veículos circulavam no mesmo sentido de marcha e pela mesma via de trânsito, no sentido A.....-E........, seguindo o veículo automóvel à frente do motociclo.
III. No local em causa, a rua ... desenvolve-se como uma reta com cerca de 8,70 metros de largura reservada ao transito automóvel (designada faixa de rodagem),
IV. Existindo, à direita da estrada, atento o sentido de marcha de ambos os veículos, uma zona de estacionamento de automóveis, delimitada no pavimento de forma oblíqua em relação à via (vulgarmente conhecida por “zona de estacionamento em espinha”), acessível para os veículos estacionarem sem necessidade de, circulando no sentido de marcha em que seguiam ambos os veículos, se aproximarem do eixo da via, para aí acederem.
V. À hora do embate, já não havia luz solar – era já noite – seguindo ambos os veículos com as luzes (médios) ligadas.
VI. Na sequência do embate, o motociclo ficou caído já dentro da baía de estacionamento, cerca de 2 metros à frente do automóvel.
VII. Ao local do acidente, foi chamada uma patrulha da GNR que lavrou o auto da ocorrência junto como documento 2 da petição inicial, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
VIII. Após o embate e em face dos ferimentos apresentados, o Autor foi transportado ao Hospital.
IX. Em consequência das lesões sofridas com o embate, o Autor manteve-se sem poder trabalhar até 12 de junho de 2019, tenho tido indicação para retomar a sua atividade profissional naquela data,
X. Apresentando, nessa oportunidade, uma incapacidade temporária de 50%,
XI. A qual se reduziu para 30%, a partir de 30 de junho de 2019,
XII. Vindo o Autor a ter alta clínica em 10 de setembro de 2019.
XIII. O Autor nasceu em ... de ... de 1986, conforme assento de nascimento junto como documento 17 da petição inicial.
XIV. O Autor, antes do embate, era muito saudável e fisicamente bem constituído.
XV. A esperança média de vida dos homens, em Portugal, é, atualmente, de 78 anos.
XVI. Em consequência do embate, o motociclo sofreu estragos cujo valor de reparação ascende a 594,64€.
XVII. A obrigação de indemnização decorrente de responsabilidade civil por acidentes de viação imputáveis ao veículo automóvel referido estava, à data do embate, transferida para a ré, por contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº ..........90, nos termos da apólice junta como documento 1 da contestação, que aqui se dá por reproduzida.
XVIII. Os veículos seguiam a sua marcha, antes da manobra tendente ao embate, de forma que, entre o posicionamento do automóvel e a zona de estacionamento, havia espaço suficiente para passar o motociclo do Autor.
XIX. O condutor do automóvel não acionou o respetivo sinal indicador da mudança de direção à esquerda.
XX. Antes de o automóvel virar à direita, para o estacionamento, o mesmo reduziu a velocidade,
XXI. Mantendo, nessa oportunidade, espaço da faixa de rodagem, à sua direita, que permitia pelo menos a passagem do motociclo do Autor,
XXII. E continuando o Autor a circular perto da berma da estrada.
XXIII. Pelo menos a redução de velocidade do automóvel e a manutenção de espaço para o motociclo passar pela direita daquele, sem que o Autor se tenha apercebido que o automóvel tivesse acionado o “pisca” para a direita, fez o Autor acreditar que o automóvel iria virar à esquerda, entrando na referida rua da ... (que entronca na via onde os veículos seguiam).
XXIV. Nessa altura, o Autor aproximou-se do automóvel, pela direita deste,
XXV. Os veículos passaram, então, a seguir sensivelmente a par, embora o motociclo seguisse junto à porta traseira do automóvel.
XXVI. Nessa altura, o condutor do automóvel guinou para a sua direita, atento o seu sentido de marcha,
XXVII. com o propósito de vir a estacionar num dos lugares disponíveis existentes no lado direito da via,
XXVIII. Atravessando-se na frente do motociclo,
XXIX. Sem visualizar o motociclo que seguia a par do mesmo, à sua direita, junto à porta traseira.
XXX. Em face da manobra do condutor do automóvel de viragem para a direita, o Autor não conseguiu travar quando o automóvel se atravessou à sua frente,
XXXI. apesar de o Autor ainda ter tentado desviar para a sua direita,
XXXII. Vindo o Autor a embater com o pulso esquerdo no espelho retrovisor do veículo automóvel, e, em consequência desse embate, caindo no chão,
XXXIII. sendo que o motociclo embateu ainda quase de raspão no automóvel.
XXXIV. A Ré, no quadro da averiguação/decisão extraprocessual de reparação dos danos, propôs fixar a contribuição em 50% do seu segurado para a produção do acidente.
XXXV. Em consequência do acidente, o Autor sofreu fratura – luxação de Galleazi à esquerda, sem perda de conhecimento,
XXXVI. Tendo sido assistido no local pelos Serviços de Emergência Médica, que, após estabilização e imobilização do membro superior esquerdo, procederam ao seu transporte para o Serviço de urgência do Hospital de ..., ....
XXXVII. Após a entrada nos Serviços de Urgência, foi sujeito a avaliação clínica e de imagiologia, sendo-lhe feita redução a frio da fratura, tendo sido internado para ser submetido a tratamento cirúrgico.
XXXVIII. No dia 14 de janeiro de 2019, o Autor viria a ser submetido a intervenção cirúrgica consistente em osteossíntese do radio e redução e fixação da radiocubital distal,
XXXIX. Tendo tido alta do internamento no dia 15 de janeiro de 2019, regressando a casa com o braço imobilizado, com gesso na zona da fratura.
XL. O Autor continuou a ser seguido na consulta Externa do Serviço de Ortopedia do Hospital de ..., vindo a retirar o gesso e ferro que lhe havia sido colocado no osso (denominado fio de kirschner) para estabilização da radiocubital distal em 15 de fevereiro de 2019,
XLI. dia em que nasceu, pelas 2 horas da manhã, o seu filho.
XLII. Após essa data, o Autor passou a ser observado pelos serviços clínicos convencionados da Ré no Hospital de ..., ...,
XLIII. Tendo sido submetido a dolorosos tratamentos de fisioterapia, até meados de junho de 2019.
XLIV. Entre a data do acidente e a data da alta (10 de setembro), o Autor esteve:
a. 4 dias com défice funcional temporário total, correspondente ao período de internamento hospitalar e
b. 238 dias com défice funcional temporário parcial,
i. Sendo 242 dias com afetação temporária na atividade profissional (152 dias de afetação total e 90 dias de afetação parcial).
I. O Autor padeceu de sofrimento físico e psíquico durante o período de incapacidade temporária fixável no grau 4, numa escala de 7 de gravidade crescente.
II. A partir da data do acidente - e por causa das lesões dele resultantes – o Autor esteve em situação de baixa médica, subsidiada pela Segurança Social, - interrompida por período de gozo de licença parental inicial -, mantendo-se esta situação até 12 de junho de 2019.
III. Ao tempo do acidente, o Autor exercia a atividade profissional de ... (e comercial) ao serviço da Sociedade G..., Lda.,
IV. auferindo uma remuneração variável na ordem dos 1.250,00€/1.500,0€ mensais,
V. Resultante da soma de um vencimento base correspondente ao salário mínimo nacional e cerca de 750,00€ a 1.000,00€ de remuneração variável, como comissões ou ajudas de custas,
VI. tendo deixado de receber quaisquer retribuições, durante 5 meses.
VII. Durante aquele período, o Autor recebeu da segurança social diversas quantias a título de subsídio de incapacidade para o trabalho.
VIII. O Autor é canhoto.
IX. Como sequelas definitivas resultantes do acidente, o Autor ficou a padecer de:
a. cicatriz de abordagem cirúrgica no rádio esquerdo com cerca de 20cm, localizada na face lateral do terço médio-distal do antebraço com rigidez na pronação 0% e supinação 30%;
b. dificuldade em escrever, o que obriga a recolocação do cotovelo e antebraço em posição que permita o apoio da mão;
c. existência de fenómenos dolorosos a nível do punho esquerdo;
d. dificuldade em pegar no seu filho ao colo, porquanto sente desconforto emocional e insegurança devido à falta de força e dor no punho esquerdo;
e. dificuldade na realização de algumas tarefas da vida diária, por limitação da mobilidade do punho esquerdo;
f. dificuldade na realização de tarefas a nível profissional que requerem destreza e integridade da mão ativa.
X. As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente implicam um coeficiente de Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 9 pontos.
XI. As limitações sentidas pelo Autor não o inibem de exercer a sua atividade profissional de ..., mas obrigam-no a desenvolver um esforço acrescido para assegurar o desempenho da sua profissão, com frequente recurso a meios informáticos.
XII. O Autor, “hoje”, continua ao serviço da Sociedade G..., Lda, auferindo uma remuneração variável na ordem dos 1.250,00€/1.500,00€ por mês,
XIII. tendo, no entanto, o seu salário sido alterado na sua composição, auferindo agora a quantia de cerca de 1.165,00 € a título de retribuição base, acrescido de componentes variáveis que lhe mantêm a média mensal de 1400,00€ /1500,00€.
XIV. A Ré pagou ao Autor metade do valor do arranjo do motociclo, ou seja, pagou 297,32€.
XV. O Autor suportou custos com deslocações a consultas e tratamentos e nas próprias consultas, nos Hospitais de ... e S.... ....., ...,
XVI. três delas nos montantes de 10,60 €, 7,00 € e 7,00 €.
XVII. No momento do acidente, o Autor sofreu violentas dores resultantes da fratura do pulso e rádio esquerdos, tendo sido submetido a dolorosa redução a frio da fratura a fim de ser sujeito a intervenção cirúrgica.
XVIII. Teve, ainda, o Autor de submeter-se a diversas consultas e tratamentos dolorosos de fisioterapia.
XIX. O Autor sofreu um dano estético fixável no grau 2, numa escala de 7
XX. e repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, numa escala de 7.
XXI. Ainda hoje, o Autor tem, com frequência, dores no pulso esquerdo, tendo, por vezes, necessidade de tomar analgésicos para o alívio das dores, vendo-se confrontado com limitações permanentes no seu dia-a-dia, quer laboral, quer em todas as atividades que executa fora do trabalho e nos seus tempos de lazer.
XXII. A fratura ainda não se encontra totalmente consolidada, o que obrigará a consultas de ortopedia e realização de meios complementares de diagnostico de controle, sendo necessário a extração do material de osteossíntese.
XXIII. A fratura sofrida pelo Autor obrigará à realização de cirurgia mobilizadora do punho para ganho da mobilidade,
XXIV. O que implicará período de inatividade profissional.
XXV. Os atos médico referidos terão custos próprios inerentes a tais atos.
XXVI. O Autor deixou, ainda, de praticar ...., desporto que praticava antes do acidente e que lhe dava prazer,
XXVII. Sentindo, ainda, grandes limitações no dia e dia, nomeadamente para pegar no seu filho ao colo, uma vez que sente instabilidade e, por vezes, dor.
XXVIII. Sentindo limitação com atos como transportar as compras do supermercado, quando estas pesam um pouco mais.
XXIX. O Autor, em virtude das sequelas de que ficou a padecer, tem de se submeter a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia (pelo menos uma vez por ano) e ao uso esporádico de analgésicos, atentas as dores de que é acometido.
XXX. A Rua ..., na zona do sinistro dos autos, caracteriza-se por ser uma reta com cerca de 500 metros de comprimento e com 8,70 metros de largura (sendo que cada uma das hemi-faixas de rodagem mede 4,35 metros).
XXXI. Na zona do sinistro, existem duas hemi-faixas de rodagem em cada um dos sentidos da Rua ... sendo que, do lado direito da via, atento o sentido de marcha prosseguido por ambos os veículos, existe uma zona de estacionamento “em espinha”, que mede 5,20 metros de largura.
XXXII. Era noite e o tempo estava seco.
XXXIII. O pavimento da via era de asfalto e encontrava-se em razoável estado de conservação.
XXXIV. A Rua ... é ladeada por edificações do lado direito da via, atendo o sentido de marcha dos veículos intervenientes no sinistro.
XXXV. O acidente dos autos verificou-se na parte da faixa de rodagem da Rua ... destinada ao trânsito que se processava no sentido S.... ..... .. ...../R.. .....
XXXVI. O condutor do MX (o Autor) decidiu proceder à ultrapassagem, pela direita, do JR, quando o condutor deste se aprestava para estacionar o mesmo no estacionamento que existe do lado direito da via, atento o sentido de marcha de ambos os veículos.
XXXVII. Quando o JR se aprestava para fazer a manobra de saída da via para o estacionamento, o seu condutor é surpreendido pela circulação do motociclo do Autor à sua direita.
XXXVIII. Quando o JR estava com a sua parte frontal a cerca de 1 metro da zona de estacionamento o MX embate no mesmo.
XXXIX. O embate dá-se na zona frontal direita do JR (zona da porta dianteira do lado direito e zona do guarda lamas frontal direito).
XL. O MX acaba por embater no JR com a sua lateral esquerda, quando já tinha entrado em despiste.
XLI. Ambos os veículos, despois do embate, acabam por se imobilizar no já citado estacionamento que se encontra do lado direito da via.
XLII. A Ré, tendo em consideração aquela que é uma prática comum na gestão que faz dos sinistros dos quais possa, em face da existência de um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ter responsabilidade, procurou fazer uma averiguação do sinistro.
XLIII. Da averiguação realizada, resultou que as versões dos intervenientes eram divergentes.
XLIV. Em conversações extrajudiciais encetadas com a congénere SEGURO DIRECTO (seguradora que pertence ao mesmo universo societário da ora Ré) ambas as seguradoras consideraram que uma divisão equitativa da responsabilidade seria a melhor solução para almejar uma tentativa de resolução consensual dos danos decorrentes do sinistro.
2. Factos Não provados.
Não se provaram os seguintes factos potencialmente relevantes:
a. O automóvel circulava em velocidade não superior a 30 km/h,
a. a escassos 60 cm da berma do lado direito.
b. O motociclo seguia a velocidade de cerca de 30 Km/h.
c. Ao aproximar-se do entroncamento da rua ... com a Rua da ... (que, com a via por onde seguiam os veículos e atento o sentido de marcha destes, entronca pela esquerda) o veículo automóvel passou a circular junto do eixo da via.
d. Criando, com essa manobra de aproximação ao eixo da via, a convicção no Autor de que iria virar à esquerda, entrando na referida rua da ....
e. Manteve, entretanto, o Autor, a velocidade a que seguia, cerca de 30kmh,
f. passando o automóvel a circular junto ao eixo da via, deixando livre metade da hemi-faixa direita.
g. O Autor manteve-se a circular à mesma velocidade.
h. O condutor do automóvel não sinalizou a manobra de mudança de direção à direita com o sinal luminoso (pisca).
i. O défice funcional temporário absoluto sofrido pelo Autor foi de 5 dias.
j. Os custos suportados pelo Autor com deslocações a consultas e tratamentos e nas próprias consultas, nos Hospitais de ... e S.... ....., ..., acenderam a € 150,00.
k. O Autor praticava ciclismo e deixou de praticar.
l. O JR seguia cerca de 200 metros à frente do MX,
m. sendo que o seu condutor imprimia ao mesmo uma velocidade de 40 km/h.
n. O condutor do JR diminuiu a velocidade que imprimia ao mesmo para cerca de 5 km/h,
o. acionou o sinal luminoso de mudança de direção à direita
p. e aproximou o carro do lado direito da via para poder estacionar o mesmo.
q. Estava, assim, a cerca de 1,50 metros da zona de intersecção entre a hemi-faixa pela qual seguia e o estacionamento que se encontra do lado direito da via quando inicia a manobra de saída da via para a direita.
r. O MX circulava a uma velocidade superior a 70 km/h.
s. O Autor seguia com completa desatenção ao trânsito que se desenvolvia à sua frente.
Analisemos, então, a questão suscitada na revista: da culpa na produção do acidente (se há culpa de algum dos condutores ou de ambos) e suas consequências em termos indemnizatórios.
Nas instâncias, confrontamo-nos com duas posições antagónicas: a sentença entendeu que “compulsados os factos provados, não é possível imputar a qualquer dos condutores envolvidos uma conduta culposa violadora de alguma norma estradal”; já o acórdão recorrido considerou que a conduta do condutor do automóvel, seguro na ré, não foi violadora de qualquer preceito estradal, logo, não pode ter-se a sua conduta por ilícita e culposa, mas o mesmo não ocorre com o Autor, considerando que o comportamento do Autor deve ter-se por ilícito e culposo. Nessa senda, entendeu o acórdão recorrido que, sendo a culpa exclusiva do Autor lesado, excluía, no caso concreto, a imputação objetiva da responsabilidade decorrente do risco de circulação do veículo automóvel segurado na Ré.
Ou seja, rematou a decisão recorrida que “no caso estamos claramente perante um ato ilícito do lesado que violou normas do Código da Estrada destinadas a evitar exatamente os sinistros como o que ocorreu e uma culpa muito grave sendo o seu comportamento censurável, por temerário”. Acrescentado que “Foi esse comportamento a causa única do acidente”, como tal, “não se justificando no caso a ponderação do contributo de qualquer risco de circulação do veículo seguro na Ré para a produção dos danos.”.
Não concordamos com este entendimento do acórdão recorrido.
1. No dia ... de janeiro de 2019, cerca das 18.40 horas, na Rua ..., em ..., do concelho de ..., ocorreu um embate entre dois veículos,
2. o motociclo tripulado pelo autor, marca Kawasaki, Modelo KLX300 e matrícula ..-..-MX, e o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-JR-.., marca Volkswagen, modelo Golf, na ocasião conduzido por BB.
3. Antes do embate, os dois veículos circulavam no mesmo sentido de marcha e pela mesma via de trânsito, no sentido A.....-E........, seguindo o veículo automóvel à frente do motociclo.
4. No local em causa, a rua ... desenvolve-se como uma reta com cerca de 8,70 metros de largura reservada ao transito automóvel (designada faixa de rodagem),
5. Existindo, à direita da estrada, atento o sentido de marcha de ambos os veículos, uma zona de estacionamento de automóveis, delimitada no pavimento de forma oblíqua em relação à via (vulgarmente conhecida por “zona de estacionamento em espinha”), acessível para os veículos estacionarem sem necessidade de, circulando no sentido de marcha em que seguiam ambos os veículos, se aproximarem do eixo da via, para aí acederem.
6. À hora do embate, já não havia luz solar – era já noite – seguindo ambos os veículos com as luzes (médios) ligadas.
7. Na sequência do embate, o motociclo ficou caído já dentro da baía de estacionamento, cerca de 2 metros à frente do automóvel.
19. Os veículos seguiam a sua marcha, antes da manobra tendente ao embate, de forma que, entre o posicionamento do automóvel e a zona de estacionamento, havia espaço suficiente para passar o motociclo do Autor.
20. O condutor do automóvel não acionou o respetivo sinal indicador da mudança de direção à esquerda.
21. Antes de o automóvel virar à direita, para o estacionamento, o mesmo reduziu a velocidade,
22. Mantendo, nessa oportunidade, espaço da faixa de rodagem, à sua direita, que permitia pelo menos a passagem do motociclo do Autor,
23. E continuando o Autor a circular perto da berma da estrada.
24. Pelo menos a redução de velocidade do automóvel e a manutenção de espaço para o motociclo passar pela direita daquele, sem que o Autor se tenha apercebido que o automóvel tivesse acionado o “pisca” para a direita, fez o Autor acreditar que o automóvel iria virar à esquerda, entrando na referida rua da ... (que entronca na via onde os veículos seguiam).
25. Nessa altura, o Autor aproximou-se do automóvel, pela direita deste,
26. Os veículos passaram, então, a seguir sensivelmente a par, embora o motociclo seguisse junto à porta traseira do automóvel.
27. Nessa altura, o condutor do automóvel guinou para a sua direita, atento o seu sentido de marcha,
28. com o propósito de vir a estacionar num dos lugares disponíveis existentes no lado direito da via,
29. Atravessando-se na frente do motociclo,
30. Sem visualizar o motociclo que seguia a par do mesmo, à sua direita, junto à porta traseira.
31. Em face da manobra do condutor do automóvel de viragem para a direita, o Autor não conseguiu travar quando o automóvel se atravessou à sua frente,
75. A Rua ..., na zona do sinistro dos autos, caracteriza-se por ser uma reta com cerca de 500 metros de comprimento e com 8,70 metros de largura (sendo que cada uma das hemi-faixas de rodagem mede 4,35 metros).
76. Na zona do sinistro, existem duas hemi-faixas de rodagem em cada um dos sentidos da Rua ... sendo que, do lado direito da via, atento o sentido de marcha prosseguido por ambos os veículos, existe uma zona de estacionamento “em espinha”, que mede 5,20 metros de largura.
77. Era noite e o tempo estava seco.
78. O pavimento da via era de asfalto e encontrava-se em razoável estado de conservação.
79. A Rua ... é ladeada por edificações do lado direito da via, atendo o sentido de marcha dos veículos intervenientes no sinistro.
80. O acidente dos autos verificou-se na parte da faixa de rodagem da Rua ... destinada ao trânsito que se processava no sentido S.... ..... .. ...../R.. .....
81. O condutor do MX (o Autor) decidiu proceder à ultrapassagem, pela direita, do JR, quando o condutor deste se aprestava para estacionar o mesmo no estacionamento que existe do lado direito da via, atento o sentido de marcha de ambos os veículos.
82. Quando o JR se aprestava para fazer a manobra de saída da via para o estacionamento, o seu condutor é surpreendido pela circulação do motociclo do Autor à sua direita.
83. Quando o JR estava com a sua parte frontal a cerca de 1 metro da zona de estacionamento o MX embate no mesmo.
84. O embate dá-se na zona frontal direita do JR (zona da porta dianteira do lado direito e zona do guarda lamas frontal direito).
Fundamentou a sentença:
«…. compulsando os factos provados, não é possível imputar a qualquer dos condutores envolvidos uma conduta culposa violadora de alguma norma estradal.
Quanto ao condutor do automóvel, nada se provando quanto à alegação de que o veículo, antes de virar à direita para estacionar, se desviou para a esquerda ou que não acionou o sinal luminoso de mudança de direção (pisca) com a antecedência devida, não se vislumbra que a factualidade provada permita imputar a violação de alguma norma estradal ao condutor do automóvel, mesmo que os factos provados também não permitam afastar a possibilidade de tal infração ter ocorrido, pois também não se provou o contrário.
No fundo, apenas pelos factos provados, não é possível considerar que o condutor do automóvel não tenha realizado a manobra de estacionamento à direita de acordo com as normas estradais previstas no código da estrada, nomeadamente nos arts. 3º, 11.º e 21.º do CE. E, se é certo que o condutor do automóvel ignorou/não viu o motociclo que se encontrava a ultrapassá-lo pela direita, a verdade é, no quadro provado, não é possível concluir que fosse exigível comportamento contrário ao condutor do automóvel. Admitindo que o condutor do automóvel procedeu de forma correta à manobra de tentativa de estacionamento (como, para este efeito, tem de se admitir como possível, pois não resulta provado o contrário), sem se desviar para a esquerda e acionando antecipadamente o “pisca”, não era exigível que o mesmo previsse a possibilidade de, do seu lado direito, estar um veículo a ultrapassá-lo, desde logo porque, supondo a correção da manobra de estacionamento, não seria permitida tal ultrapassagem, como resulta do art. 36.º do CE, isto para além de a própria visualização do retrovisor poder não ser adequada a detetar um veículo à direita, tendo em conta o denominado “ângulo morto”.
Quanto ao condutor do motociclo, não obstante se verificar que, antes do embate, o mesmo se encontrava a ultrapassar o automóvel pela direita deste (aparentemente, em violação do art. 36.º do CE), a verdade é que a imagem global do acidente que se provou não permite, sem mais, considerar também uma violação de norma estradal pela sua conduta, no sentido de se afastar o preenchimento da exceção à obrigação de ultrapassagem pela esquerda prevista no art. 37.º, n.º 1, do CE.
Na verdade, julgou-se pelo menos provado que o automóvel, no local em que se aproximava um entroncamento à esquerda e antes de virar à direita para estacionar, abrandou a sua marcha, mantendo espaço para o motociclo passar pela sua direita, provando-se ainda que o Autor ficou convencido que o automóvel iria virar naquele entroncamento à esquerda, decidindo, por isso, prosseguir a sua marcha, ultrapassando inevitavelmente o automóvel pela direita deste.
Ora, neste quadro de facto, conjugado ainda com a circunstância de não se ter provado que o automóvel tenha acionado o “pisca” da direita (antes de virar para estacionar), não é possível afastar o cumprimento, pelo Autor, da regra estradal que permite a ultrapassagem pela direita, nos termos do art. 37.º, n.º 1, do CE. E, se é certo que o automóvel não acionou o “pisca” para a esquerda, tal não é suficiente para se dissociar do abrandamento da marcha junto ao entroncamento e da pelo menos manutenção de espaço de ultrapassagem pela direita (com possível movimentação do automóvel para a esquerda, apesar de não se ter provado tal movimentação e nem o seu contrário), uma intenção de o condutor do automóvel virar efetivamente à esquerda no entroncamento, pelo menos de acordo com a expectativa legítima dos demais condutores, até no quadro do que é uma normal dinâmica da condução estradal, sendo a falta de “pisca” para a esquerda legitimamente entendível como mera infração estradal do condutor do automóvel.
No fundo, tendo presente as regras estradais referidas, a respeito da ultrapassem, tendo o automóvel abrandado a marcha ao chegar a um entroncamento existente à esquerda, deixando espaço de passagem pela sua direita e sem que se prove que tenha acionado o “pisca” para a direita, tal é suficiente para que os demais condutores, em especial o do veículo de duas rodas que seguia atrás do automóvel e mais junto à berma (pela maior dificuldade de percecionar o acionamento do “pisca” da esquerda), considerassem devidamente assinalada a intenção do condutor do automóvel virar no entroncamento à esquerda, mesmo sem o “pisca” da esquerda. E, nesta sequência, apresentando-se à frente dos veículos que seguiam atrás do automóvel espaço suficiente para continuarem a sua marcha, pela direita do automóvel, não só a ultrapassagem pela direita seria legal (art. 37.º, n.º 1, do CE), como não era exigível prever a intenção do condutor do automóvel estacionar à direita, para mais em espaço que não tinha outros carros estacionados (ou seja, em que não havia especial dificuldade em se aproximar o veículo da direita com antecedência) e sem que se tenha provado que o pisca da direita tenha sido acionado.
Resta salientar que, na situação dos autos, não releva a regra estradal de proibição de ultrapassagem nos entroncamentos prevista no art. 41.º, n.º 1, al. c), do CE, pois esta regra não visa as situações de ultrapassagem pela direita, nos termos da exceção prevista no art. 37.º, n.º 1, do CE, o que, aliás, se compreende, tendo em conta os interesses que aquela proibição pretende acautelar.
Assim sendo, por tudo o exposto, não se surpreende nos factos provados o preenchimento do pressuposto culpa imputável a qualquer dos condutores envolvidos no acidente..».
Passando, de seguida, a averiguar da responsabilidade pelo risco, concluiu pela sua verificação, repartindo-a em 60% para o automóvel e 40% para o motociclo, atribuindo a indemnização em conformidade.
Já o acórdão recorrido teve outro entendimento, no essencial assim fundamentado:
«…. dos factos provados resulta que o Autor conduzia o seu motociclo na mesma via e sentido de trânsito do automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, atrás deste, sendo o local do embate uma reta com cerca de 8, 70 metros de largura.
Era noite e ambos os veículos seguiam na hemifaixa da direita, com as luzes ligadas.
À direita de ambos existia zona destinada a estacionamento, em espinha, que permita a quem seguisse naquele sentido estacionar sem ter de se aproximar, para a esquerda, do eixo da via e de efetuar a manobra descrevendo uma linha perpendicular ao estacionamento.
O automóvel ligeiro seguia a uma distância da referida zona de estacionamento à sua direita que permitia a passagem do motociclo naquele espaço e reduziu a velocidade sem ter acionado qualquer sinal luminoso de mudança de direção para a esquerda. Não obstante, o Autor convenceu-se de que o mesmo pretendia mudar de direção à esquerda, onde entroncava uma outra via. Por isso, encetou a ultrapassagem do automóvel pela sua direita e, quando estavam já a par, encontrando-se o motociclo alinhado com a porta traseira do veículo automóvel este virou para a sua direita com vista a estacionar.
São estes os factos apurados que devem presidir à decisão da questão em apreciação.
A consideração dos factos não provados foi indevidamente feita na sentença recorrida quando se apreciou a verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa o que, salvo o devido respeito terá levado à afirmação, de que discordamos, de que o comportamento do Autor não pode ser tido como ilícito e culposo.
Estipula o artigo 607º número 3 do Código de Processo Civil que na fundamentação da sentença o juiz deve discriminar os factos que julga provados e “indicar interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”. Como é manifesto o que não ficou provado irreleva para a fundamentação da decisão pois, na dúvida sobre a ocorrência de um facto, operam as regras da distribuição do ónus da prova. O que se afirmou não bule com a obrigação de o Tribunal tomar posição sobre todos os factos alegados com relevo para a decisão, julgando-os como provados e não provados e motivando a sua convicção (número 4 do mesmo preceito). Proferida essa decisão sobre a matéria de facto, todavia, apenas há que olhar para o elenco dos factos provados, aplicando-lhe o direito e concluindo pela decisão e, como tal, deve afastar-se qualquer consideração sobre factos que não se provaram e que, para todos os efeitos, portanto, inexistem.
Donde, considerações como as feitas pelo Tribunal Recorrido sobre o relevo da convicção do Autor quando decidiu ultrapassar o automóvel que o antecedia pela direita não podem alicerçar-se na possibilidade de ter ocorrido o que não se provou, nomeadamente a movimentação do veículo automóvel para a esquerda ou a não sinalização luminosa da intenção de estacionar à direita. O Tribunal recorrido, afirmando desconhecer se tal ocorreu ou não, afastou a culpa do lesado por ter entendido justificada a convicção do mesmo de que o condutor que o antecedia pretendia mudar de direção à esquerda na medida em que, embora não se tendo provado tal alegação podia, de facto, ter ocorrido uma aproximação ao eixo da via e ter sido omitida a sinalização luminosa indicativa de viragem à direita.
Discorda-se, com o devido respeito, desse raciocínio já que não está provado nem que não foi acionada a luz indicativa de mudança de direção à direita nem que o automóvel se tenha aproximado do eixo da via antes de virar à direita para estacionar. Deve, pois, apreciar-se a conduta do Autor no pressuposto de que nenhum desses factos aconteceu.
Há, assim, que olhar apenas para o comportamento de ambos os condutores que ficou provado.
Ora, o condutor do veículo seguro na Ré seguia, atento o seu sentido de trânsito, à direita da faixa de rodagem e abrandou a sua marcha por pretender estacionar em lugar a tanto destinado, que se situava à sua direita. É certo que conservava da berma uma distância que permitia a passagem de um motociclo. Daqui não pode concluir-se que o mesmo estivesse demasiado afastado da berma direita já que a via tinha cerca de 8, 70 metros de largura e cada uma das suas hemifaixas 4, 35 metros. Não pode, assim, concluir-se dos factos provados que o espaço livre à sua direta - que permitia a passagem de um motociclo como o do Autor -, fosse violador do disposto no número 1 do artigo 13º do Código da Estrada que obriga a que esse espaço seja o suficiente a que permita evitar acidentes.
Donde, no momento em que o Autor iniciou a sua ultrapassagem pela direita o condutor do veículo seguro não se encontrava em violação de qualquer norma do Código da Estrada. Encontrava-se a circular pela direita e acabara de abrandar a sua marcha sem que tenha manifestado qualquer intenção de mudar de direção à esquerda.
Tampouco resulta necessariamente do facto de ter vindo a embater no motociclo quando fez a manobra que não a tenha antecedido dos cuidados necessários, o que não se provou.
Não pode ser-lhe imputada a violação da obrigação de sinalizar tal manobra, pois tal não resulta dos factos provados.
Da forma como está provada a dinâmica do acidente não pode concluir-se que tal condutor descurou qualquer dever de cuidado, desde logo porque o motociclo iniciou a sua ultrapassagem pela direita quando o condutor à sua frente já preparava a manobra de estacionamento, pois o fez já depois de automóvel ter abrandado a sua marcha com vista a realizá-la e quando este se aprestava para fazer a manobra de saída da via para o estacionamento conforme ficou provado. Tal conclusão decorre da prova de que a viragem à direita se iniciou quando o motociclo já estava a par com a porta traseira do lado direito do automóvel ligeiro, ou seja, a ultrapassá-lo pela sua direita.
O referido condutor não tinha, pois, que esperar estar a ser ultrapassado pela direita, desde logo porque essa manobra é proibida.
O mesmo abrandou com vista a estacionar antes de se ter iniciado tal ultrapassagem o que revela um dos cuidados necessários à manobra que ia encetar e já estava com a parte frontal a cerca de um metro da zona de estacionamento quando foi embatido pelo motociclo.
Está, pois, corretamente afastada a violação de qualquer norma estradal pelo condutor do veículo seguro.
Pelas mesmas razões também não se vê na sua conduta provada a violação de qualquer dever geral de cuidado desde logo porque quem quer estacionar à direita, em lugar a tanto destinado e onde tinha espaço para o efeito, não tem que anteceder a manobra da verificação de que não está a ser ultrapassado por esse lado já que tal é proibido (pelo facto de essa manobra estar a ser feita pela direita e, no caso, também pelo facto de existir entroncamento à esquerda). Conduzindo o seu automóvel pela faixa direita quando decidiu estacionar e tendo abrandado previamente a sua marcha não podia tal condutor legitimamente contar que o motociclo que momentos seguia atrás de si iria passar a circular ao seu lado direito no preciso momento em que o mesmo iniciou a viragem à direta.
Já o comportamento do Autor deve ter-se por ilícito e culposo.
Senão vejamos:
O mesmo convenceu-se que o abrandamento do automóvel à sua frente fazia antever uma mudança de direção à esquerda que, contudo, se provou que não foi sinalizada por qualquer forma. Tampouco se provou que o automóvel, a par com tal abrandamento, se tenha aproximado do eixo da via. Donde não havia qualquer fundamento para que o abrandamento do veículo automóvel fosse entendido como indiciador de uma pretensão de mudança de direção à esquerda.
Nem se percebe, em face do único facto provado (que o referido automóvel abrandou a sua marcha) porque haveria o Autor de presumir que o mesmo se dirigiria para esquerda para passar a circular na via que ali entroncava e não para a direita, onde havia lugares de estacionamento.
Ou seja, em face dos factos provados terá sido completamente aleatória a convicção do Autor, já que o abrandamento do automóvel poderia estar justificado por uma série de razões e, nomeadamente em face dos factos provados, pela intenção de estacionar à direita.
Não tendo sido usada sinalização luminosa indicativa de intenção de mudança de direção à esquerda não podia o simples abrandamento ser entendido como uma manifestação de qualquer intenção do condutor do veículo automóvel de virar à esquerda, pelo que ao Autor restava abrandar também, mantendo do veículo que o antecedia a distância adequada a poder parar caso tal fosse necessário.
Não o fez, contudo, e iniciou a ultrapassagem do veículo seguro em entroncamento, pela direita, sem que estivesse verificada a estatuição do artigo 37º do Código da Estrada, isto é, sem que o veículo que o antecedia se encontrasse em manobra de mudança de direção para a esquerda.
A sua conduta é, assim, violadora do disposto no artigo 36º, número 1 do Código da Estrada e é grosseiramente negligente, uma vez que o mesmo decidiu encetar uma manobra de ultrapassagem com base numa convicção não estribada em qualquer sinal visível de que a mesma fosse correta ou, sequer, provável.
(…).
Ora, o Autor foi imprevidente não só ao formar a convicção de que o automóvel que o antecedia iria mudar de direção à esquerda - pois não havia qualquer indício seguro dessa intenção do seu condutor -, como, ainda, não hesitou em encetar a manobra de ultrapassagem que antecedeu e deu causa imediata ao embate apenas com base nessa convicção, que não tinha alicerce seguro.
Agiu, assim, de forma imprudente e temerária, sendo o comportamento esperado de um homem médio, usando de cautela e cuidados medianos e colocado naquela situação, o de abrandar a sua marcha em conformidade com o veículo que o antecedia, esperando ter a certeza de que o mesmo ia efetuar alguma manobra, e qual, para, só depois, adotar o comportamento adequado.».
Concluiu, ainda, a Relação pela verificação do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa do Autor e os danos que veio a sofrer.
No mais, após abordar a contenda jurídica da eventual concorrência da culpa com o riso, e sem olvidar que a interpretação da máxima de que “a culpa exclui o risco” está hoje ultrapassada, entendeu que no caso sub judice não se justificava aceitar ponderar tal concorrência de culpa do lesado e do risco decorrente da circulação do veículo seguro na Ré, uma vez que “no caso, a conduta do Autor que já acima concluímos ter sido ilícita e culposa, é em termos de adequação a única causa do acidente.”.
Nessa senda, rematou a Relação que “foi esse comportamento a causa única do acidente não se justificando no caso a ponderação do contributo de qualquer risco de circulação do veículo seguro na Ré para a produção dos danos. Desde logo e também porque maior risco normal de circulação se verificava para o lesado do motociclo pelo mesmo conduzido, já que o facto de o seu condutor não estar protegido por habitáculo aumenta exponencialmente o risco de lesão corporal grave.”.
Convenhamos que parece um tanto “ousado” concluir, como faz a sentença, que “compulsando os factos, não é possível imputar a qualquer dos condutores envolvidos uma conduta culposa violadora de alguma norma estradal”.
Da mesma forma se discordando do ac. recorrido ao imputar ao Autor (condutor do motociclo) a culpa exclusiva na produção do acidente.
Assim:
• O Autor violou as seguintes normas do Código da estrada:
- O artº 13º, nºs 1 e 2 (ao dispor que, se é certo que a marcha dos veículos se deve fazer pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes, porém, “2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.”.
Ou seja: a ultrapassagem de veículos deve fazer-se pelo lado esquerdo da faixa de rodagem (o que o Autor não fez);
- O artº 21º (ao dispor que “1 - Quando o condutor pretender …, iniciar uma ultrapassagem …, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção”);
- A disposição comum ínsita no artº 35º (ao referir que “1 - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, … por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.”;
- A regra geral atinente à ultrapassagem ínsita no artº 36º (ao dispor que “1 - A ultrapassagem deve efetuar-se pela esquerda.”);
- O artº 37º, sob a epígrafe exceções (ao dispor que “1 - Deve fazer-se pela direita a ultrapassagem de veículos ou animais cujo condutor, assinalando devidamente a sua intenção, pretenda mudar de direção para a esquerda ou, numa via de sentido único, parar ou estacionar à esquerda, desde que, em qualquer caso, tenha deixado livre a parte mais à direita da faixa de rodagem.”) – sinalização à esquerda que, como vimos, não se provou que tivesse sido feita pelo automóvel.
- O artº 41º, nº1, al. c) (ao referir ser “proibida a ultrapassagem:
(…)
c) Imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos”) 1.
• O condutor do veículo seguro na Ré, por sua vez, violou as seguintes normas do Código da estrada:
- O artigo 13º, nºs 1, 2 e 3 (ao dispor que “1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.
2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.
3 - Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direção.”).
- O artº 21º, nºs 1º e 2º (referindo que “1 - Quando o condutor pretender reduzir a velocidade, …, mudar de direção ou de via de trânsito, …, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.
2 - O sinal deve manter-se enquanto se efetua a manobra e cessar logo que ela esteja concluída.”) – ora, não está provado que o veículo seguro na ré tivesse sinalizado a sua intenção de virar à direita;
- O nº 1 do artigo 43º do Código da Estrada (dispondo que “1 - O condutor que pretenda mudar de direção para a direita deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, do limite direito da faixa de rodagem e efetuar a manobra no trajeto mais curto.”);
- O nº 1 do artigo 35º (ao rezar que “1 - O condutor só pode efetuar as manobras de …, mudança de direção ou de via de trânsito, … por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” – ora, o condutor do veículo seguro na ré não tomou todas as precauções necessárias para efectuar a manobra de mudança de direcção para a direita, ou seja,” não manifestou com a necessária antecedência essa a sua intenção.
- As obrigações ínsita no artigo 11º (mais precisamente, no seu nº2: “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.”).
Foram, portanto, pelos dois condutores infringidas normas do código da estrada, violações essas que ali são cominadas com coima, o que evidencia que tais infrações constituem actos classificados por lei como ilícito.
Efectivamente:
i) o Autor decidiu avançar pela direita, só porque o automóvel circulava deixando à sua direita uma distância da berma suficiente que permitia a passagem de um motociclo. E fê-lo sem que se tivesse provado o que quer que fosse que indiciasse, sequer, que o condutor do automóvel pretendesse virar à esquerda (como, erroneamente, de tal se convenceu o Autor).
É certo que o automóvel manteve da berma direita a referida distância (distância de precaução, para evitar choques com quem eventualmente por ali seguisse). Mas tal comportamento está, precisamente, em conformidade com o comando ínsito no artº 13º, nº 1 do CE (“1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”).
Assim sendo, não devia – não podia – o condutor do motociclo (o Autor) decidir-se pela passagem pela direita do automóvel só porque se apercebeu que tinha espaço suficiente para passar.
Percute-se: o facto de o condutor do veículo seguro na Ré conservar da berma uma distância que permitia a passagem de um motociclo, não permite concluir (como terá feito o Autor) que o mesmo estivesse a infringir a referida disposição legal (cit. artº 13º do CE, que obriga a que esse espaço seja o suficiente a que permita evitar acidentes), ou seja, que estivesse demasiado afastado da berma direita, pois a via era bastante larga, já que se provou que a mesma tinha cerca de 8, 70 metros de largura e cada uma das suas hemifaixas 4,35 metros.
Assim, tem razão a Relação, quando refere que “considerações como as feitas pelo Tribunal Recorrido sobre o relevo da convicção do Autor quando decidiu ultrapassar o automóvel que o antecedia pela direita não podem alicerçar-se na possibilidade de ter ocorrido o que não se provou, nomeadamente a movimentação do veículo automóvel para a esquerda ou a não sinalização luminosa da intenção de estacionar à direita.” (destaque nosso).
Em conformidade, temos como assaz temerária e imprudente a decisão do Autor em avançar, com o seu motociclo, pela direita do automóvel, no fito de, por esse lado, conseguir a ultrapassagem, esta que acabou por bloquear/inviabilizar a inversão de marcha do automóvel, dando-se, então, o choque entre as duas viaturas.
Obviamente que não é expectável que um condutor tenha em mente, quando circula na via pública, que alguém o vá ultrapassar pela direita, sabendo todos os condutores (pois para isso tiram a carta de condução – fazendo o exame de código) que a ultrapassagem só pode ser feita pela esquerda, salvo nas situações excepcionais prevista na lei e que aqui estão de todo arredadas.
ii) Já o condutor do veículo segurado na Ré, mesmo sabendo que as ultrapassagens se devem fazer pela esquerda da faixa de rodagem, deveria, antes de iniciar a manobra de viragem à direita, assegurar-se que com tal manobra não iria comprometer a circulação de outrem, mesmo que esse outrem circulasse em clara infracção ao CE, ou seja, estivesse a ultrapassá-lo…pela direita.
Ou seja, o condutor do veículo seguro na ré, embora não fosse obrigado a prever que alguém o ultrapassasse pela direita – até porque a distância que mantinha da berma direita era de apenas cerca de um metro – , também foi negligente: se olhasse para trás, ou, simplesmente, estivesse atento ao seu espelho retrovisor direito, antes de iniciar a manobra de viragem à direita para estacionar (e deveria tê-lo feito, dado que entre o automóvel e a berma havia espaço suficiente para passar um motociclo, como veio a acontecer – e, infelizmente, acontece com alguma frequência esse tipo de ultrapassagem, como mostra a experiência), teria visto o motociclo, dado que, para além de a rua ... onde se deu o acidente ser “uma recta, com cerca de 500 metros de comprimento” (facto 75), ambos os veículos seguiam “com as luzes (médios) ligadas”. Pelo que, embora se tenha provado que o automóvel seguia “30. Sem visualizar o motociclo que seguia a par do mesmo, à sua direita, junto à porta traseira.”, seguramente que, atenta a demais referida factualidade provada, se atento estivesse, ter-se-ia apercebido da aproximação e tal veículo.
Diz a sentença que “a ..visualização do retrovisor pode não ser adequada a detetar um veículo à direita..”.
Bom, poder não ser “adequada”, lá isso pode. Mas não no circunstancialismo dos autos: como referido, o acidente deu-se numa via cujo traçado era uma recta, com cerca de 500 metros de comprimento. Ora, se numa recta com tal dimensão a “visualização do retrovisor não é adequada a detetar um veículo à direita..”, tal só pode imputar-se a “miopia” do condutor ou a deficiente posicionamento do próprio espelho (o que, então, só ao próprio condutor é imputável)!
Assim se reitera que ambos os condutores incorreram em condutas ilícitas que foram causais (ou, melhor, concausais) do evento danoso, ou seja, sem as quais o acidente teria sido evitado.
Porém, afigura-se-nos que a proporção da responsabilidade do Autor no acidente foi maior do que a do condutor do veículo automóvel, ao decidir, no circunstancialismo apurado acima descrito e de forma temerária, avançar pela direita daquele veículo, no fito de o ultrapassar, sem (repete-se) a prova de qualquer facto que indiciasse, sequer, que o mesmo fosse mudar de direcção à esquerda.
Não podemos olvidar os factos provados (e é apenas com eles que podemos laborar), dando especial enfoque a que:
Antes de o automóvel virar à direita, para o estacionamento, o mesmo reduziu a velocidade (ponto 21).
Mantendo, nessa oportunidade, espaço da faixa de rodagem, à sua direita, que permitia pelo menos a passagem do motociclo do Autor (ponto 22),
Continuando o Autor a circular perto da berma da estrada (ponto 23).
Pelo menos a redução de velocidade do automóvel e a manutenção de espaço para o motociclo passar pela direita daquele, sem que o Autor se tenha apercebido que o automóvel tivesse acionado o “pisca” para a direita, fez o Autor acreditar que o automóvel iria virar à esquerda, entrando na referida rua da ... (que entronca na via onde os veículos seguiam) – ponto 24 (não se percebe essa convicção do autor).
Nessa altura, o Autor aproximou-se do automóvel, pela direita deste (ponto 25).
Os veículos passaram, então, a seguir sensivelmente a par, embora o motociclo seguisse junto à porta traseira do automóvel (ponto 26).
O condutor do MX (o Autor) decidiu proceder à ultrapassagem, pela direita, do JR, quando o condutor deste se aprestava para estacionar o mesmo no estacionamento que existe do lado direito da via, atento o sentido de marcha de ambos os veículos (ponto 81).
Quando o JR estava com a sua parte frontal a cerca de 1 metro da zona de estacionamento o MX embate no mesmo (ponto 83).
O embate dá-se na zona frontal direita do JR (zona da porta dianteira do lado direito e zona do guarda lamas frontal direito) – ponto 84
Esta factualidade traduz, a nosso ver, uma maior proporção/percentagem de culpa do Autor na produção do acidente.
Não é de somenos notar que – o que, aliás, também é salientado no acórdão recorrido – que: “… é frequente acontecer em filas de trânsito em que motociclos vão avançando por entre automóveis em marcha lenta, ora pela sua direita ora pela sua esquerda, sendo sempre impossível nessas circunstâncias aos demais condutores antecipar atempadamente uma ultrapassagem pela direita e deixar um espaço livre que permita que essa manobra, proibida, seja feita em segurança.”.
Porém, no caso sub judice, não se poderá dizer que era impossível ao condutor do veículo seguro na ré se ter apercebido da ultrapassagem pela sua direita. Bastaria que o espelho retrovisor de tal viatura automóvel estivesse “adequado a detetar um veículo à direita”, como é suposto estar e, claro, que o condutor dele fizesse o devido uso (como também é suposto fazer), para se ter apercebido da ultrapassagem do motociclo.
i. € 594,64, relativo aos danos no motociclo, tendo a ré pago já metade deste valor;
ii. € 10,60 €, € 7,00 e € 7,00 € (total de € 24,60), quanto a despesas hospitalares.
iii. € 50.000,00 (pelo défice funcional físico-psíquico, vulgo dano biológico – indemnização pelo maior esforço que a incapacidade permanente de que o Autor ficou afectado é susceptível de provocar).
iv. € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais
v. Danos referenciados nas als. d) e e) da ”decisão final” da sentença.
Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, conceder parcialmente a revista, em função do que se condena a Ré Ageas – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor AA 40% (quarenta por cento) dos danos por si sofridos, quantificados e referenciados nos antecedentes pontos i) a v), no mais se mantendo o ac. recorrido.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Lisboa, 31.10.2024
Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)
Orlando dos Santos Nascimento (Juiz Conselheiro - 2º Adjunto)
Isabel Salgado (Juíza Conselheira - 1º adjunto)
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