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PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
DISPENSA
AUDIÊNCIA DO REQUERIDO
SUBSTITUIÇÃO
TESTEMUNHA
PRESCRIÇÃO
LIVRANÇA
AVAL
Sumário
1. A dispensa da audiência do devedor no âmbito do direito da insolvência está prevista no art. 12.º do CIRE, com o seguinte regime: (i) aplica-se em qualquer tipo de processo regulado no CIRE, em que esteja prevista essa audiência, aí se incluindo a citação; (ii) pode ser determinada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento, quando a realização desse ato processual “acarrete demora excessiva”, o que é conforme à natureza dos processos em causa, com caráter urgente (art. 9.º) e à finalidade que preside ao processo de insolvência (art. 3.º, n.1), sendo esse o único fundamento suscetível de suportar o juízo de dispensa (n.º1); (iii) as situações que legitimam a dispensa da audição, são a residência do devedor (pessoa singular) no estrangeiro e/ou o desconhecimento do seu paradeiro (n.º1). 2. O requerente da insolvência – que não o próprio devedor -, está obrigado a “oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511.º do Código de Processo Civil” (art. 25.º, n.º2 do CIRE); vária jurisprudência vai no sentido de que é inviável o pedido de substituição de testemunhas em processo de insolvência, apontando para a existência da referida norma, que afasta a aplicação do regime geral constante da lei processual civil, regime que não é consentâneo com a tramitação particularmente célere que o legislador imprimiu ao processo de insolvência, em particular à sua fase da instrução. A discussão não pode passar à margem das circunstâncias próprias de cada caso, afigurando-se não se justificar posição apriorística e tomada em abstrato. 4. Sindicando o apelante a validade de um despacho de cariz interlocutório (despacho que admitiu a substituição de testemunha), entendendo que o mesmo foi proferido com violação de lei expressa, como invoca em sede de recurso, apresentado, por vicissitudes específicas do processo, apenas com o recurso também interposto da decisão final, tem o apelante que acautelar os reflexos do mesmo em sede de sentença final, mais precisamente, quanto ao julgamento de facto proferido, impugnando igualmente esse julgamento, o que não fez. Assim, independentemente do mérito desse despacho, sempre estava vedado a esta Relação dar provimento ao recurso, nessa parte, atento o disposto no art. 660.º do CPC, uma vez que não se verificam as situações aí indicadas: a eventual infração não teria qualquer consequência a nível da decisão final e também não se coloca a hipótese aí assinalada em último lugar. 5. Assente que se verifica a prescrição da obrigação cartular, porquanto decorreram mais de três anos contados, nos casos de livrança entregue em branco, da data de vencimento aposta no título (arts. 70.º, parágrafo 1.º, ex vi do artigo 77.º da LULL) pode a sociedade requerente, que se arroga a qualidade de credora do requerido, fundar o seu crédito na relação subjacente ou relação causal, desde que o processo forneça elementos de facto que permitam concluir que aquela garantia foi constituída como reforço ou em paralelo com a obrigação que, per se, emerge da relação subjacente também constituída envolvendo a mutuante, a mutuária e os avalistas, todos com intervenção no “Contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples)”; importa, então, atentar no contrato celebrado entre as partes, que deve ser interpretado tendo em conta as regras expressas nos arts. 236.º a 239.º do Cód. Civil, não podendo valer uma interpretação que não tenha qualquer correspondência com o texto que corporiza o acordo celebrado. 6. Decorrendo das cláusulas do contrato que a vinculação do apelante à garantia de cumprimento das obrigações a cargo da mutuária se restringiu exclusivamente ao aval prestado aquando da emissão da livrança, não se extraindo do acordo celebrado a vontade do apelante se vincular ao pagamento fora desse contexto, mormente afiançando o cumprimento das obrigações da mutuária, inexiste fundamento para aplicar o prazo ordinário de prescrição (art. 309.º do Cód. Civil), devendo considerar-se extinto, por prescrição, o direito de crédito invocado pela requerente. 7- Ainda que se mostre assegurada a legitimidade processual da requerente para a instauração da ação (arts. 20.º, n.1 e 25.º do CIRE), impugnando o demandado a existência do crédito invocado e provando-se que esse crédito está extinto, por prescrição, impõe-se concluir que falta um dos pressupostos para o decretamento da providência requerida (que se declare a insolvência do devedor), com a consequente absolvição do demandado do pedido contra si formulado.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO Ação
Processo de insolvência. Requerente/apelada
XYQ LUXCO, S.À., R.L. Requerido/apelante
JG. Pedido
Que seja declarada a insolvência de JG. Causa de pedir
Alega, em síntese, que adquiriu, através de contrato de cessão de créditos, celebrado por escritura pública outorgada a 31.12.2018, com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., sucedendo nos direitos e obrigações relativos aos negócios cedidos, entre os quais o contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, ao qual foi atribuído o número interno n.º PT …092, celebrado com a sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A., a 30/04/2009, como garantia de cumprimento a sociedade subscreveu uma livrança, a que o requerido deu o seu aval, juntamente com a ex-cônjuge. A quantia de 2 000 000,00 foi entregue àquela sociedade, que deixou de cumprir com as prestações a que se tinha obrigado, a livrança foi preenchida com o valor de 971 229,29, com data de vencimento a 20.12.2011. A sociedade, principal obrigada foi declarada insolvente.
O crédito atual cifra-se no valor de 1 631 345,60, correspondente a capital e juros, o requerido apesar de interpelado não procedeu ao pagamento do valor em dívida. Os avalistas são demandados em ações executivas que se extinguiram por insuficiência de bens, o património encontra-se penhorado.
Concluiu que o requerido não dispõe de património, nem rendimentos suficientes para o pagamento das suas dívidas, encontrando-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, pelo que peticiona a sua declaração de insolvência com fundamento nas alíneas a) e b), do artigo 20.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Junta documentos e arrola (duas) testemunhas. Audiência de julgamento
Em 08-03-2021 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Regularmente notificadas a ex-cônjuge do requerido e a Sra. Administrador(a) de Insolvência de Insolvência nomeada no processo de insolvência daquela, nada disseram.
Face à falta de colaboração manifestada vão as mesmas sancionadas em multa que se fixa no mínimo legal – artigo 417.º, do Código de Processo Civil.
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Nos presentes autos em que é requerido JG não foi possível concretizar a sua citação, na morada indicada pela Requerente, nem nas demais obtidas nas bases de dados disponíveis – cfr. expediente de citação, diligências do serviço externo, averiguações das bases de dados e contacto com familiar.
Realizadas todas as diligências e consultas nas bases de dados disponíveis não se mostrou possível a citação da Requerida.
De acordo com o disposto no artigo 12.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa pode ser dispensada a audiência do requerido quando acarrete demora excessiva, residir no estrangeiro ou sendo desconhecido o paradeiro.
Assim e sendo desconhecido o paradeiro do Requerido, cabe dispensar a audiência do devedor e designar data para a produção de prova.
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. Prova testemunhal
Admito o rol de testemunhas.
- as testemunhas são a apresentar em audiência de julgamento pelas próprias partes, nos termos do disposto nos artigos 25.º n.º 2 e 30.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
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Para realização de audiência de julgamento designo o dia 16.03.2021, pelas 10.00 horas.
Notifique, sendo requerente e requeridos para se fazerem representar por pessoa que tenha poderes para transigir e de que, não comparecendo os requeridos se terão por confessados os factos alegados no requerimento inicial e, não comparecendo a requerente, a sua não comparência vale como desistência do pedido – artigo 35.º nºs 1, 2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”.
Na sequência de pedido da requerente procedeu-se ao reagendamento da audiência de julgamento, para o dia 11-03-2021, indicando-se no despacho que “as testemunhas são a apresentar, pelo que à requerente incumbe a notificação”.
Em 17-03-2021 a requerente apresentou requerimento em que indica que “prescinde das testemunhas” que havia arrolado e “[e]m sua substituição, nos termos e para os efeitos do art. 25.º n.º 2 do CIRE, a Requerente apresentará em sede de Audiência de Julgamento a seguinte testemunha: R”, indicando a respetiva residência.
Realizou-se audiência de julgamento, em 17-02-2021, tendo sido proferido o seguinte despacho no início da audiência:
“Admito a alteração ao rol de testemunhas, ouvindo-se a testemunha que se encontra presente”.
Procedeu-se ao saneamento do processo, indicação do objeto do litígio e fixação dos temas da prova, após o que se procedeu à inquirição da referida testemunha. Decisão recorrida
Em 19-03-2021 foi proferida decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“Face a todo o exposto, julgo procedente a presente acção:
1 - Declaro a insolvência de JG, divorciado, com o contribuinte fiscal n.º …, com última residência conhecida na Avenida (…) concelho de Lisboa.
2 – Fixo a residência ao insolvente naquela morada.
3 - Como Administrador da Insolvência Sra. Dra. CM, nomeada no processo de insolvência do ex-cônjuge (artigo 36.º, alínea d) do CIRE);
4 – Por ora, não se nomeia Comissão de Credores.
5 – Determino que o insolvente proceda à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos a que aludem as alíneas a), b), c), e), f) e, do n.º 1 do artigo 24.º (artigo 36.º alínea f) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
6 - Ordeno a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigo 36.º alínea g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
7 - Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (artigo 36.º alínea j) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
8 – Não se designa dia para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o artigo 156.º do CIRE, ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 1, alínea n) e n.º 2, do CIRE, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06.
9 - Dê publicidade à sentença nos termos previstos no artigo 38.º n.º 8 e 37.º n.ºs 7 e 8 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (na versão introduzida pelos Decretos Lei n.º 116/08 de 04/07, 185/2009 de 12/08 e Lei nº 16/2012 de 20 de Abril); 10 – Cite/notifique a presente sentença:
a) ao insolvente nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 37.º, na citação deve consignar a possibilidade de solicitar a exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
b) ao Ministério Público (artigo 37.º n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
c) aos Serviços de Finanças locais e centrais (artigo 37.º nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
d) ao Requerente (artigo 37.º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
11 – Cite os cinco maiores credores se conhecidos, nos termos do artigo 37.º nºs 3 e 5 e os demais credores e outros interessados, nos termos do artigo 37.º n.º 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
12 – Remeta certidão à Conservatória do Registo competente, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38.º n.º 2, alínea a) e nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Após trânsito em julgado desta sentença remeta certidão com nota de trânsito.
13 – Cumpra o disposto no artigo 38.º n.º 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelos Decreto Lei nº 116/08 de 04/07 e 185/2009 de 12/08);
14 – Notifique o Sr. Administrador para os efeitos previstos no artigo 181.º nºs 2 e 4 do Código de Processo Tributário.
15 – Custas pela massa insolvente artigo 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
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Nos termos do disposto no artigo 36.º, alínea l) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.
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Nos termos do disposto no artigo 36.º, alínea m) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ficam os devedores do insolvente advertidos de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao insolvente.
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Nos termos do disposto no artigo 88.º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, com a presente sentença fica vedada a possibilidade de instauração ou de prosseguimento de qualquer ação executiva que atinja o património da insolvente.
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Notifique o Sr. Administrador nomeado para vir aos autos, no prazo de 8 dias, para efeitos de ulterior processamento de remuneração, indicar o seu nº de contribuinte fiscal e o regime de tributação a que está sujeito, bem como o seu nº de identificação bancária, para efeitos de ulterior processamento de pagamentos.
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Os prazos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas por referência à data de realização da assembleia de apreciação de relatório contam-se com referência ao 45º dia seguinte à data da presente sentença – artigo 36.º, n.º4 do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas.
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Das notificações, citações, anúncios e editais deve constar expressamente a possibilidade de qualquer interessado requer ao tribunal a convocação de assembleia para apreciação do relatório, no prazo para a apresentação das reclamações de créditos.
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No prazo de 45 dias contados da data da prolação desta decisão o Sr. Administrador da Insolvência juntará aos autos relatório nos termos previsto no artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, caso entretanto não venha a ser designada data para realização da assembleia de apreciação de relatório – artigo 36.º, n.º5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE e 22.º, 29.º, n.º 8 e 30.º, n.º 3, do DL n.º 22/2013, de 26.02, de 22.07, redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 52/2019, de 17.04, dê-se pagamento ao Sr. Administrador, logo que esta manifeste aceitação do cargo, do valor de 2 Ucs.
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Caso não venha a ser realizada assembleia de apreciação do relatório, conclua logo que apresentado o relatório ou decorrido o prazo concedido ao Administrador da Insolvência para apresentação do mesmo”. Recurso
Não se conformando, o requerido apelou [ [1] ], em 02-04-2024, formulando as seguintes conclusões: “1) O despacho que ordenou a dispensa de citação do Requerido viola o artigo 154.º do CPC e é nulo por falta de fundamentação, designadamente no que se refere à pretensa demora excessiva na citação do Requerido (artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC). 2) Acresce que tal despacho viola o artigo 12.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, norma onde se estabelece que “1 - A audiência do devedor prevista em qualquer das normas deste Código, incluindo a citação, pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro. 2 - Nos casos referidos no número anterior, deve, sempre que possível, ouvir-se um representante do devedor, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, relativamente aos administradores do devedor, quando este não seja uma pessoa singular”. 3) Viola o disposto no n.º 1 na medida em não se vê qual a demora excessiva a que o processo fica sujeito, nem tal demora foi alguma vez alegada pela Requerente ou invocada pelo Tribunal Recorrido. 4) E viola o disposto no n.º 2 pois não foram realizadas todas as diligências necessárias para apurar o domicílio do Requerido e citá-lo pessoalmente. Não foram designadamente ouvidos os seus parentes mais próximos, isto é, sua mãe e seus filhos, pelo que – de forma inequívoca – foi violado o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do CIRE. 5) O despacho que autorizou a substituição de testemunhas é nulo por falta de fundamentação, na medida em que não indica os pressupostos de facto ou de direito em que assenta (artigos 154.º e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC). 6) Esse mesmo despacho viola o artigo 25.º, n.º 2, do CIRE, pois, nos termos daquela disposição legal, atenta a urgência e a gravidade do processo de insolvência, todos os meios de prova têm ser requeridos ou produzidos com os articulados. 7) Segundo o artigo 25.º, n.º 2, do CIRE, “O requerente deve ainda oferecer [na Petição Inicial] todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511.º do Código de Processo Civil”. 8) De tal preceito resulta a impossibilidade de se aditarem testemunhas ao rol contante da Petição Inicial ou de se substituírem testemunhas constantes do mesmo. 9) Daí que esta Veneranda Relação – entre outros arestos – tenha proferido Acórdão em 24 de Novembro de 2016, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Francisca Mendes mas também subscrito pelo Senhor Juiz Desembargador Eduardo Petersen Silva e pela Senhora Juíza Desembargadora Maria Manuela Gomes, onde se decidiu que “Resulta do disposto nos arts. 25.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1, do CIRE que as testemunhas devem ser indicadas nos articulados apresentados (petição inicial e oposição). Incumbe ainda às partes a apresentação de testemunhas na audiência. Estas normas do CIRE revestem natureza especial e a sua razão de ser prende-se com a celeridade do processo de insolvência. Não ocorre, assim, lacuna que determine a aplicação do disposto no art. 598.º, n.º 2 do CPC (cide Acórdãos desta Relação de 11.09.2009 e de 03.03.2011 – ww,dgsi.pt). Este preceito legal prevê a possibilidade de aditamento ou alteração do rol até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, o que não se coaduna com a natureza urgente do processo de insolvência que prevê a realização da audiência nos cinco dias subsequentes à oposição (art. 35º. N.º 1 do CIRE)” – Este aresto foi tirado no processo 26094-15.6T8SNT-B.L1-6 e está disponível em www.dgsi.pt. 10) A sentença de declaração de insolvência viola o disposto nos artigos 12.º, 25.º, n.º 2 e 102.º do CIRE e 77.º da LULL. 11) Deve ser revogada pelos mesmos fundamentos pelos quais o Requerido impugna os dois despachos interlocutórios em causa neste mesmo recurso. 12) E deve ser revogada igualmente na medida em que o Tribunal a quo podia e devia ter decidido – mesmo oficiosamente – duas questões que conduziriam inelutavelmente à improcedência do processo. 13) Desde logo não teve em conta que a livrança dos autos não estava preenchida quando a CRH foi declarada insolvente e que, depois dessa declaração, por força do disposto no artigo 102.º do CIRE já não o podia ter sido, norma que, portanto, o Tribunal a quo violou. 14) Por outro lado, violou o disposto no artigo 77º da LULL; pois não teve também em conta que a livrança se encontrava prescrita. Mesmo que pudesse valer como título quirografo contra a aludida CRH, o aval do Requerido não poderia nunca ser transmudado em fiança. 15) Foi nesse sentido que decidiu, entre outros arestos, esta Veneranda Relação no seu Acórdão de 7 de Março de 2019, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Gabriela Cunha Rodrigues e subscrito pelos Senhores Juízes Desembargadores Arlindo Crua e António Moreira com o sumário: “I - No atual Código de Processo Civil, não obstante a forte limitação do elenco dos títulos executivos não judiciais, a alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º consagrou expressamente que podem valer como títulos executivos os títulos de crédito que, embora desprovidos dos requisitos legais para incorporarem uma obrigação cartular, literal e abstrata, funcionem como meros quirógrafos da obrigação exequenda, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, se não constarem do próprio documento, sejam alegados no requerimento executivo. II - O exequente está onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal à subscrição da livrança, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente, facultando sobre ela o contraditório, cabendo ao executado, por força da dispensa de prova prevista no artigo 458.º do Código Civil, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo exequente. III - Uma vez extinta por prescrição a obrigação cambiária, o aval não pode subsistir automaticamente como fiança, atendendo desde logo à natureza jurídica diversa de ambas as figuras. IV - Só assim não será se o exequente alegar (e provar) que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental” (sublinhado nosso) - Este aresto foi tirado no processo 7162/17.6T8SNT-A.L1-2 e está disponível em www.dgsi.pt.”
Termina como segue: “Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, V. Exas. devem declarar nulo e/ou revogar o despacho que dispensou a citação do Requerido, substituindo-o por outro que ordene tal citação e permita ao Requerido deduzir oposição e apresentar defesa nos presentes autos e anulando todos os actos processuais subsequentes, incluindo a sentença de declaração de insolvência, mais uma vez com todas as consequências legais. Caso assim não se entenda, o que se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder, devem V. Exas. declarar nulo e/ou revogar o despacho que autoriza a substituição das testemunhas arroladas na Petição Inicial e substituí-lo por outro que indefere tal pretensão e, depois, julgar a acção de insolvência improcedente por não provada, com todas as consequências legais Finalmente, de novo a título subsidiário, e também aqui sem conceder, devem V. Exas. revogar a sentença de declaração de insolvência, com todas as consequências legais. Decidindo nesta conformidade, Vossas Excelências farão a esperada e costumada JUSTIÇA!”
Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões: “1. No âmbito de diversas operações celebradas entre o Banco cedente Caixa Geral de Depósitos, S.A. e a empresa CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A., foi celebrado um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, através do qual a Caixa Geral de Depósitos, S.A. entregou a quantia de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) à empresa CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A.. 2. Para garantia do pagamento e liquidação de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, foi entregue uma livrança com o montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela identificada sociedade e avalizada pelo o ora Recorrente JG e por MG, confessando-te devedores da Caixa Geral de Depósitos, S.A, agora da Recorrida, naquele montante e respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos. 3. Nesta senda, na sequência da situação de incumprimento por parte da sociedade e dos avalistas, ora aqui recorrido, dos termos do contrato supra, a recorrida é portadora de uma livrança vencida em 20/12/2011, no valor de € 971.229,29. 4. Acontece que, a ora Recorrida na qualidade de credora da Recorrente, nunca recuperou qualquer montante por conta da quantia que se encontra em dívida, e considerando que, não obstante diligências efetuadas, o Recorrente sempre alegou que não tinha capacidade para fazer qualquer pagamento. 5. Não restou alternativa à aqui Recorrida se não intentar, em 16/06/2020, uma ação de insolvência contra o Recorrente 6. Quanto á finalidade da insolvência, nesse sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-06-2020, Processo 375/19.8T8GRD-C.C1, que começa por referir que “A impotência económica em que se traduz a insolvência corresponde, no caso das pessoas singulares, à impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, por ausência de liquidez, e não à insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa. 2 – Impotência económica de que um credor, quando requerente da declaração de insolvência, não tem que fazer prova direta, tendo antes que alegar e provar os factos indiciadores da situação de insolvência previstos no art. 20.º/1/alíneas a) a g) do CIRE, factos estes que funcionam como requisito indispensável e pressuposto da insolvência e que, simultaneamente, constituem presunções, embora ilidíveis, da insolvência. (…) A situação de insolvência, definida no art. 3.º do CIRE, deve estar preenchida e refletida num dos factos enumerados no n.º 1 do art. 20.º do CIRE; factos estes que são uma condição de recurso à ação e que asseguram seriedade, verosimilhança e viabilidade ao pedido de insolvência.” 7. Pelo que, era evidente a impossibilidade do Recorrente de cumprir a sua totalidade e de forma pontual o pagamento dos créditos da Recorrida. 8. Posto isto, vem o aqui Recorrente impugnar o despacho que ordenou a dispensa da citação do requerido, apesar de “entender que não era possível citar o requerido”, o que não se entende, pois, é esta a principal razão que justifica aquela dispensa. 9. Mas vejamos, em 18 de Junho de 2020, foi proferido despacho a ordenar a citação do Requerido. 10. A 13 de outubro de 2020, foi emitida certidão negativa de citação, pelo oficial de justiça. 11. A 12 de novembro de 2020, foi proferido despacho a notificar a aqui recorrida das diligências de citação realizadas e a ordenar a notificação da ex-cônjuge MG ao abrigo do disposto no artigo 417.º, do Código de Processo Civil, para indicar a atual morada do requerido JG. 12. Nesta senda, apesar das subsequentes insistências, nomeadamente em 28-012021, em 08/03/2021, foi proferido pelo douto tribunal despacho no sentido de, não sendo possível, apesar de todas as diligencias, concretizar a citação do ora Recorrente, na morada indicada pela aqui Recorrida, nem nas demais obtidas nas bases de dados disponíveis – cfr. expediente de citação, diligências do serviço externo, averiguações das bases de dados e contacto com familiar. Realizadas todas as diligências e consultas nas bases de dados disponíveis não se mostrou também possível a citação da Requerida. “De acordo com o disposto no artigo 12.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa pode ser dispensada a audiência do requerido quando acarrete demora excessiva, residir no estrangeiro ou sendo desconhecido o paradeiro. Assim e sendo desconhecido o paradeiro do Requerido, cabe dispensar a audiência do devedor e designar data para a produção de prova.”. 13. De acordo com o disposto no artigo 12.º do CIRE que “A audiência do devedor prevista em qualquer das normas deste Código, incluindo a citação, pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro.”. 14. Neste sentido, a dispensa de citação prevista no art.º 12.º do CIRE constitui uma exceção à regra da prévia audição do devedor e exercício efetivo do seu direito de defesa. 15. A sua aplicação está legalmente dependente da verificação de dois requisitos cumulativos: -o devedor ser uma pessoa singular e residir no estrangeiro ou ser desconhecido o seu paradeiro, -a sua citação acarrete demora excessiva do processo. - Cfr. no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2023, processo 12494/22.9T8SNT-D.L1.S1 disponíveis em www.dgsi.pt. 16. Neste sentido, entendo o Tribunal da Relação de Évora no douto Acórdão proferido que: “Antes de decidir pela dispensa da audição do devedor prevista no artigo 12.º do CIRE e inclusivamente pela sua não citação para deduzir oposição ao pedido de insolvência, o tribunal deve ter o cuidado de ordenar todas as diligências que razoável e prudentemente seja possível realizar para localizar o devedor sem atrasar excessivamente o processo, já que só essa demora excessiva pode justificar aquela dispensa.” - Cfr. no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, processo 5430/20.9T8STB-B.E1, disponíveis em www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nosso). 17. Podemos asism concluir que, in casu, bem andou o Tribunal quando decidiu pela dispensa da citação do insolvente atendendo o tempo decorrido desde a data de interposição da presente ação de insolvência até à data da dispensa de citação (quase um ano decorrido!!!). 18. Vem ainda o Recorrente impugnar o despacho proferido em 17 de março de 2021, que admite a alteração ao rol de testemunhas requerida pela aqui Recorrida. 19. De acordo com o disposto no artigo 598.º do CPC que, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias. 20. A 17 de março de 2021, através de requerimento probatório, a aqui Recorrente prescindiu das testemunhas anteriormente indicadas, e indicou para o efeito outras testemunhas, nos termos e para os efeitos do 25.º n.º 2 do CIRE. 21. A este propósito cite-se o fundamentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-02-2022, processo 3049/20.3T8VIS-A.C1, disponível em www.dgsi.pt: “I – O pedido de aditamento ou de alteração do rol de testemunhas previsto no n.º 2 do artigo 598.º do CPC não carece de ser fundamento, contrariamente ao que sucede com a substituição de testemunhas prevista no n.º 2 do artigo 508.º do mesmo diploma.”. 22. Conclui-se, por todo o exposto, que a aqui Recorrida considera que o bem andou o douto tribunal quando proferiu o despacho aqui objeto de recurso. 23. Diz ainda, o Recorrente que é nulo o despacho que determinou a dispensa da citação do Requerido e é nulo o despacho que autoriza a substituição das testemunhas arroladas na Petição Inicial. 24. O Código de Processo Civil contém uma regra geral sobre as nulidades processuais: de acordo com o artigo 195°, n.º 1 do CPC a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de uma formalidade que a lei prescreva podem constituem nulidade se a lei o considerar ou se a irregularidade cometida puder influir no exame ou decisão da causa. 25. “Na definição de Manuel de Andrade, «as nulidades de processo podem definir-se nestes termos: são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais» (Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979:176)”. – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, processo 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt 26. Desde já referir que, in casu, as alegadas nulidades apontadas, não se tratam de atos ou formalidades cuja omissão a lei prescreve como nulidades principais (art. 186º e segs do CPC) ou nulidades secundárias (art. 195º do CPC), que possam afetar a tramitação do processo, ou que possam constituir vício processual. 27. Antes pelo contrário, o tribunal seguiu todos os formalismos processuais prescritos na lei, como supra se explana, por forma a que fosse possível prosseguir com a tramitação do processo, nomeadamente no que toca à citação do ora Recorrente. 28. In fine, conclui-se que tais “nulidades” não se verificam e que recorrer dos doutos despachos/sentença proferidos ANOS depois, é manifesto abuso de direito e uma manobra claramente dilatória por parte do aqui Recorrente. 29. Porque, vejamos, no apenso de Apreensão de Bens (12357/20.2T8LSB-A) foram, entre outros, apreendidos saldos bancários dos quais o ora Recorrente é titular, pelo que seria inverosímil que este não tivesse conhecimento que os montantes lhe tivessem sido apreendidos, uma vez que há uma comunicação por parte do banco ao titular das contas e, mesmo que não haja, o ora Recorrente há de dar conta que não pode movimentar a conta. (cfr. auto de apreensão com ref.ª citius 38065414, cujo teor, por uma questão de economia processual, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 30. Pelo que, é de pasmar que, passados ANOS, e atendendo o estado em que se encontram os presentes autos, venha o ora Recorrente invocar nulidades (que não o são!) e recorrer sem qualquer fundamento…. 31. Por último, vem o Recorrente alegar que a “(…) sentença de declaração de insolvência viola o disposto nos artigos 12.º, 25.º, n.º 2 e 102.º do CIRE e 77.º da LULL.”. 32. No tocante aos artigos 12.º e 25.º do CIRE, o aqui Recorrida reitera todo o teor do supra explanado. 33. Quanto ao mais, o Recorrido alega que o Tribunal de primeira instância, “Desde logo não teve em conta que a livrança dos autos não estava preenchida quando a CRH foi declarada insolvente e que, depois dessa declaração, por força do disposto no artigo 102.º do CIRE já não o podia ter sido, norma que, portanto, o Tribunal a quo violou.”, e mais alega que “a livrança dos autos se encontrava prescrita por força do disposto no artigo 77.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (“LULL”) e o Tribunal a quo não o teve em conta.” 34. A sociedade em causa e os avalistas, ora Recorrente, confessaram-se devedores da Caixa Geral de Depósitos, S.A, agora da Recorrida. Porém, a sociedade em causa e os avalistas, nomeadamente o ora Recorrente, incumpriram os termos do contrato, tendo deixado de liquidar as prestações a que se obrigaram, na respectiva data de vencimento. 35. Em virtude de tal incumprimento, e no âmbito do contrato celebrado, a aqui Recorrida é portadora de uma livrança vencida em 20/12/2011, no valor de € 971.229,29 (novecentos e setenta e um mil, duzentos e vinte e nove euros e vinte e nove cêntimos), conforme Documento n.º 3 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 36. É certo que a sociedade devedora foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 1516/10.6TYLSB, que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Lisboa, em 30/11/2010, não obstante, não é considerado abusivo o comportamento do portador que completa o preenchimento da livrança apondo-lhe como data de vencimento uma data posterior à da insolvência da subscritora do título cambiário. 37. Neste sentido, cite-se o decidido e fundamentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2022, processo 250/21.6T8OER-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “É verdade que nos termos do nº1 do art. 91º do CIRE “a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva. Através deste preceito, as obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência veem esse vencimento antecipado e sem necessidade de interpelação. Permite-se ao credor do insolvente reclamar no processo de insolvência o seu crédito ainda não vencido, sendo certo que por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, que exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos no CIRE. A obrigação que se venceu com a declaração de insolvência da sociedade A... é a que emerge da relação subjacente – o contrato de abertura de crédito – celebrado com o credor CGD. Sucede que o que aqui está em causa é uma obrigação cambiária resultante da emissão das livranças, subscritas pela insolvente e avalizadas pelos Embargantes. Com efeito, pela aposição do aval nas livranças que fundamentam a presente execução, os Embargantes assumiram a obrigação de pagar a quantia nela titulada, sendo responsáveis por tal pagamento nos mesmos termos que a pessoa por eles afiançada (o subscritor da livrança) – art. 32º da LULL. Constitui entendimento pacífico que, em regra, a emissão de uma letra ou livrança não importa novação, consubstanciando uma “datio pro solvendo” (art. 840º do CCivil), ficando a existir, para além da relação subjacente, uma relação jurídica cambiária destinada a tornar mais segura a satisfação dos interesses do credor. Os subscritores e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram (arts. 47º e 77º da LU). Segundo o art. 30º da LU, o pagamento de uma livrança pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts. 7º e 32º da LU). Como acertadamente ponderou a Relação: A assinatura de um título cambiário em branco, paralelamente ou em cúmulo com a constituição de uma obrigação a ela subjacente, pressupõe o intuito de reforço da posição do credor, que nesse conspecto se reserva a faculdade de exercer o direito cambiário em momento oportuno, na sequência do incumprimento da obrigação principal ou subjacente, com maior ou menor dilação temporal. Posição esta que tem sido seguida neste Tribunal, como sucedeu com o recente Acórdão de 06.09.2022, P. 06.09.2022, P. 3940/20 (José Rainho): “I - A LULL não fixa prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, tão pouco o fazendo qualquer outro dispositivo legal. Será normalmente o acordo de preenchimento subjacente à emissão da livrança em branco que define os termos do preenchimento. II - Nada tendo sido estabelecido diversamente em sede de acordo de preenchimento, é direito potestativo do portador preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento da subscritora; III - Ainda que em ambas as situações releve o decurso do tempo, não há que confundir entre prescrição da obrigação cartular e exercício abusivo, na modalidade da chamada supressio, do direito ao preenchimento da livrança em branco. IV – Mostrando-se que entre a data do vencimento aposta na livrança e o exercício do direito cartular contra o avalista da subscritora não passaram mais de três anos, é quanto basta para se concluir pela improcedência da prescrição estabelecida no art. 70º da LU.” Neste sentido decidiram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2012, P. 35671/06, de 09.02.2012, P. 27951/06, de 24.10.2019, P. 1418/14, de 19.06.2019, P. 1025/18, e de 04.07.2019, P.4762/16. Por se reportar a uma situação semelhante à dos autos, transcreve-se o sumário do citado acórdão de 19.06.2019: “Numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art, 70º, ex vi do art. 77º da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respetivo portador, quer essa data coincida ou não com o do incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando esse vencimento decorre da insolvência do subscritor, em conformidade com o preceituado no art. 91º do CIRE.” Como assim, constando das livranças, como data de vencimento o dia 24.07.2019, quando foi instaurada a execução ainda não havia decorrido o prazo prescricional de 3 anos, pelo que improcede a invocada prescrição das livranças. Cabe dizer ainda que não se verificam os pressupostos do abuso de direito (art. 334º do CCivil), porquanto o banco exequente, como portador legítimo da livrança ao accionar os respectivos avalistas ao abrigo do art. 17º da LU, ex vi do art. 77º, exerce um direito legítimo, que não ofende os limites da boa fé. O STJ tem decidido de forma constante que o simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação (cf. Acórdãos de 15.05.2014, P. 1411/11 e de 19.10.2017, P. 1468/11). Lê-se neste último aresto: “O preenchimento da livrança em branco, quanto ao montante de data de vencimento, decorridos mais de 12 anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de 7 anos sobre a declaração da insolvência da sociedade subscritora e a instauração da execução contra o avalista desta sociedade, só por si, não consubstancia fundamento para o reconhecimento do abuso de direito (art. 334º do CCivil). A alegação de que com este entendimento se violam os princípios constitucionais do art. 2º , que define Portugal como um estado de direito democrático, o art. 13º que consagra o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, e 18º, é manifestamente infundada.” 38. Ainda a este propósito, e contrariamente ao alegado pelo aqui Recorrente quanto à prescrição da livrança in casu, cite-se o decidido e fundamentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-12-2021, processo 4928/20.3T8GMR-A.G1, disponível em www.dgsi.pt: “2) O início do prazo de prescrição previsto no artigo 70º nº 1 LULL (cfr. artigo 77º) afere-se em função da data do vencimento inscrito na livrança, independentemente da data em que tenha sido declarada a insolvência do obrigado, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.” 39. Assim, por todo o exposto, conclui a aqui Recorrida pelo seguinte: no caso em concreto, a livrança venceu-se em 20/12/2011, a sociedade subscritora foi declarada insolvente em 30/11/2010, e a presente insolvência foi requerida em 16/06/2020, pelo que se conclui que, nos termos do disposto e previsto no artigo 70º nº 1 LULL (cfr. artigo 77º), a livrança não se encontrava prescrita, e em consequência andou bem o tribunal quando declarou a insolvência de JG, ora Recorrente. Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser negado provimento ao presente recurso de apelação interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida. Assim decidindo, farão V. Exas a costumada justiça!” Despacho de admissão do recurso
Em 21-05-2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Ref.: 48468172, de 02.04.2024
JG, vem apresentar alegações de recurso e arguir nulidade do despacho de dispensa de citação.
Sucede que, o devedor veio, por sua iniciativa, a 08.03.2024 (ref.: 48219961) aos autos juntar procuração forense, na qual declara residir na Av. (…) Lisboa.
E, a 26.03.2024 (ref.: 48423855) pedir o benefício da exoneração do passivo restante, pagando a multa pela prática do acto no primeiro dia útil posterior ao termo do prazo.
Estatui o artigo 189.º do Código de Processo Civil que “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”
Como vimos o devedor tomando conhecimento da pendência do processo de insolvência, conforma-se com a sentença proferida e, nessa conformidade e de acordo com os seus efeitos, pede a exoneração do passivo restante.
Considerando-se citado com a sua intervenção, a 08.03.2024, paga, a 26.03.2024, a multa pela apresentação do requerimento, no que considera o primeiro dia útil após o termo do prazo.
O devedor tomando conhecimento da declaração de insolvência, bem como dos termos do processo, não vem arguir qualquer nulidade da sua tramitação, pelo contrário, aceitando a declaração de insolvência pede a exoneração do passivo restante.
Neste sentido, o acórdão do STJ de 24-11-2020, proferido no Proc. nº 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1 - 6.ª Secção https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/737da4124b7f2d78802586400 Insolvência pessoa singular (Requerida)
“I - A nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio acto que constitua a sua primeira intervenção no processo, sob pena de sanação nos termos do art. 189.º do CPC.
II- A intervenção do réu no processo, relevante para os fins do art. 189.º do CPC, pressupõe o conhecimento, ou a possibilidade de conhecimento, da pendência do processo, bastando para tal a junção de procuração a mandatário judicial, pois tal acto permite presumir que o réu conhece o processo e prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
III- No caso dos autos, com a junção da procuração e acesso electrónico aos autos o executado tomou conhecimento de que ainda não tinha sido citado, assim como passou a ter conhecimento de todos os elementos do processo.
IV- Defendemos uma interpretação actualista do art. 189.º do CPC face à tramitação electrónica do processo. Com efeito, resulta da Portaria 280/2013 de 26-08 que a junção da procuração é condição de acesso ao processo electrónico. De modo que a expressão “logo” prevista no art. 189.º do CPC não pode ser simultânea a essa junção.
V- Neste contexto, entendemos que o prazo para a arguição da nulidade da falta de citação será o que tiver sido indicado para a contestação (art. 191.º, n.os 1 e 2, do CPC), ou seja, no caso concreto dos autos porque estamos no âmbito de um processo executivo, o prazo de vinte dias fixado no art. 726.º, n.º 6, do CPC”
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Pelo exposto, ainda que se verificasse qualquer nulidade, a mesma ficou sanada com a intervenção do devedor a 08.03.2024 e 26.03.2024, ao abrigo do disposto no artigo 189.º, do Código de Processo Civil.
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A sentença que declarou a insolvência foi proferida a 19.03.2021, com dispensa de audiência do requerido, nos termos do despacho de 08.03.2021, que ao contrário do que invoca o requerido, mostra-se fundamentado com todas as diligências realizadas nos autos, a que se aludo no despacho e constam do processo.
Por despacho de 18.06.2020 ordenou-se a citação do requerido na morada constante da petição inicial Avenida …, N.º 21, 1.º E - São Jorge de Arroios … LISBOA.
Expediente devolvido, a 25.08.2020, com a menção “desconhecido”.
Averiguadas as bases de dados seguiu novo expediente de citação para Rua …, Nº 19 - 1º- A … Barreiro.
Devolvido a 18.09.2020, com a menção “não reclamado”.
Solicitada a citação ao Serviços Externos do Tribunal da Comarca do Barreio foi lavrada, a 13.10.2020, a seguinte informação: «Certifico que não procedi à citação de JG em virtude de me ter deslocado à Rua (…) Barreiro, a horas diferentes e nunca ninguém responder aos meus chamamentos, nem houvesse alguém que me soubesse informar se a pessoa a citar reside efectivamente nesta morada, pois informaram-me desconhece-lo. »
Das bases de dados da Administração Tributária, da Segurança Social e dos Serviços de Identificação Civil constava, à data de 26.08.2020, como residente na R (…)BARREIRO.
Por despacho de 12.11.2020 ordenou-se a notificação da ex-cônjuge MG, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, do Código de Processo Civil, para indicar a actual morada do requerido JG, face ao ofício de 11.09.2020 (informação da declaração de insolvência de MG, no Proc. n.º 12358/20.0T8LSB, deste Tribunal – Juiz 5).
Com insistência a 28.01.2021, incluindo com notificação da Administradora de Insolvência nomeada, e novamente sem resposta, designou-se data para a audiência de julgamento com dispensa de audiência do devedor, a qual se realizou, como consta da Acta de 17.03.2021.
Declarada a insolvência a citação do devedor segue os termos do disposto no artigo 37.º, n.º 2, do CIRE, o que não foi observado como resulta do ofício de 22.03.2021, pelo que verificada a irregularidade, por despacho de 14.02.2024, ordenou-se a citação do devedor.
Consultadas as bases de dados da Administração Tributária, da Segurança Social e dos Serviços de Identificação Civil, à data de 16.02.2024, o devedor constava como residente R (…) BARREIRO.
Enviado expediente de citação para aquela morada veio devolvido com a menção de “não reclamado”
A Sra. Administradora apenas a 10.01.2022 apresentou o relatório do artigo 155.º, do CIRE, o que obrigou a insistências, condenação em multa e cominação de destituição, tendo a Sra. Administradora a 27.11.2023 (ref. 47255105) apresentado requerimento a justificar o irregular acompanhamento do processo, defendendo não haver justa causa de destituição.
Notificada a Sra. Administradora veio informar a 29.02.2024 (ref. 48137085) logrou, finalmente, estabelecer contacto com o insolvente, que a informou que esteve a residir em Inglaterra desde Dezembro de 2020, mas que, entretanto, já regressara a Portugal e que se encontra, presentemente, a residir no imóvel apreendido para a massa insolvente, sito na Av. (…) Lisboa.
Morada onde o devedor recebeu o expediente enviado pela secção a 11.03.2024.
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Pelo exposto, entendemos que não se verificam as nulidades invocadas, contudo Vossas Excelências Venerandos Desembargadores farão mais e melhor justiça.
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Alegações de 02.04.2024 e contra-alegações de 16.04.2024
Por legal e tempestivo admito o recurso interposto pelo devedor JG, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo – cfr. artigo 14.º, n.º 5 do CIRE e artigos 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 1 e 7, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, todos do Código Processo Civil.
Atento o disposto no artigo 40.º, n.º 3, aplicável ex vi artigo 42.º, n.º 3, ambos do CIRE o recurso da sentença de declaração de insolvência suspende a liquidação e partilha do activo.
Instrua o apenso com certidão das peças indicadas nas alegações e contra-alegações.
Oportunamente, remeta os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Notifique, incluindo a Sra. Administradora da Insolvência”. Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por provada a seguinte factualidade:
1. JG, divorciado, filho de (…), nasceu no Barreiro, a 10.07.1966 – cfr. assento de nascimento.
2. Foi casado com MC.
3. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Avenida … Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e Pessoa Coletiva nº …, e a requerente XYQ LUXCO S.À, R.L., celebraram a 31 de dezembro de 2018, uma escritura pública de cessão de créditos e garantias, figurando a Caixa Geral de Depósitos, S.A., como cedente e XYQ LUXCO S.À, R.L., como cessionária.
4. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos e obrigações dos contratos abrangidos, entre os quais o contrato de contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, ao qual foi atribuído o número interno n.º PT …092, celebrado a 30.04.2009, com a sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A.
5. Nos termos do contrato, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. entregou a quantia de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), a título de empréstimo, destinado a adiantar valores a receber pela sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A. da Segurança Social, conforme cláusula n.º 3.ª a 6.ª do contrato junto como documento n.º 2.
6. Para garantia do pagamento e liquidação de todas as responsabilidades decorrentes do Empréstimo, foi entregue uma livrança com o montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela identificada sociedade e avalizada por JG, aqui requerido, e MG, sua ex-cônjuge, conforme cláusula 21.ª e 24.ª do contrato junto como documento n.º 2.
7. O capital foi devidamente entregue pela Requerente à sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A. por crédito na conta de depósito à ordem n.º …130, constituída em nome daquela, conforme cláusula 12.ª do contrato.
8. Nos termos da cláusula 6.ª do referido contrato, o mesmo foi celebrado pelo prazo de 6 (seis) meses, contados da data da sua perfeição, que ocorreu em 13/05/2009, vide cláusula 27.ª
9. A sociedade em causa e os avalistas confessaram-se devedores da Caixa Geral de Depósitos, S.A, agora da Requerente, naquele montante e respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos, conforme cláusulas 22.ª e 24.ª.
10. A sociedade em causa e os avalistas incumpriram os termos do contrato, tendo deixado de liquidar as prestações a que se obrigaram, na respetiva data de vencimento.
11. A Requerente é portadora de uma livrança vencida em 20/12/2011, no valor de € 971.229,29 (novecentos e setenta e um mil, duzentos e vinte e nove euros e vinte e nove cêntimos) – cfr. doc. 3.
12. A sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A. foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 1516/10.6TYLSB, que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Lisboa – cfr. edital juto como doc. 4.
13. O crédito referente ao contrato ascende, com os juros de 660 116,61, calculados até à data da entrada da presenta ação, à quantia de € 1.631.345,60 (um milhão, seiscentos e trinta e um mil, trezentos e quarenta e cinco euros e sessenta cêntimos).
14. O Requerido e a sua ex-cônjuge têm diversas execuções movidas contra si, como o processo executivo n.º 2104/12.8YYLSB, que correu termos no Juiz 9 do Juízo de Execução de Lisboa, conforme pesquisas efetuadas à lista pública de execuções – cfr. doc. 6
15. Os bens do aqui Requerido e da sua ex-cônjuge encontram-se penhorados por credores como o Banco BIC Português, S.A. (€2.089.297,56), o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. (€192.895,88), da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (€978.892,69), Fazenda Nacional (€486.070,15 + €50.984,07+ €51.311,76 + €493.773,98) e, encontra-se registada uma acção para execução específica dos contratos promessa celebrados entre a sociedade Terra – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado e os Requeridos, conforme certidões prediais juntas como Documento n.º 7.
16. A ex-cônjuge do requerido foi declarada insolvente no Proc. n.º 12358/20.0T8LSB do Juízo de Comércio de Lisboa, juiz 5, por sentença proferida a 10.09.2020 – ofício de 11.09.2020.
* Relevam ainda as seguintes vicissitudes processuais que os autos documentam, atento o que decorre do processo principal e que esta Relação fixa nos seguintes termos:
17. A petição inicial da requerente da insolvência deu entrada em 16-06-2020, tendo-se identificado o requerido como “residente na Avenida (…)Lisboa”.
18. Em 18-06-2020 foi proferido despacho ordenando a citação do requerido para deduzir oposição, na sequência do que foi expedida carta registada com A/R para a morada indicada na petição inicial, em 19-06-2020, tendo os CTT informado, em 14-08-2020, que a carta foi entregue mas o A/R “terá sido extraviado”, motivo pelo qual foi expedida, em 14-08-2020, nova carta registada com A/R, para a mesma morada, com vista à citação do requerido, tendo o respetivo aviso sido devolvido com a seguinte indicação: “desconhecido”.
19. Em 26-08-2020 procedeu-se à consulta das bases de dados:
- Da Segurança Social, daí constando a indicação como local de residência do requerido: R. (…)Barreiro, bem como a indicação da “entidade empregadora” do requerido, como “membro de Orgão Estatutário”, de 4 sociedades, a saber Pictorial Centro de Produção Digital SA, Temphorário Empresa de Trabalho Temporário SA, C.R.H.- Consultoria e Valorização de Recursos Humanos SA, e Digital Luxury SA;
- Das Finanças, daí constando a indicação como local de residência do requerido: R. (…) Barreiro;
- Dos Serviços de Identificação Civil, daí constando a indicação como local de residência do requerido: R. (…)Barreiro.
20. Em 26-08-2020 foi expedida carta para citação, enviada registada e com A/R para a referida morada (R. Barreiro), tendo o A/R sido devolvido com indicação de que não foi reclamado; a carta não foi entregue, consignando os CTT que não foi entregue no “domicílio” e que “não atendeu” às 12:05 horas do dia 31-08-2020 tendo-se deixado aviso para entrega na “loja/PC de: Barreiro”, conforme informação de 18-09-2020 (e respetivo aviso).
21. Em 21-09-2020 foi expedido mandado para citação pessoal do requerido, para a referida morada (R. Barreiro), tendo sido lavrada certidão negativa, em 13-10-2020, com indicação de que não se procedeu à citação porque “em virtude de me ter deslocado” ao referido local, “a horas diferentes e nunca ninguém responder aos meus chamamentos, nem houvesse alguém que me soubesse informar se a pessoa a citar reside efectivamente nessa morada, pois informaram-se desconhecê-lo”.
22. Em 12-11-2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Notifique a requerente das diligências de citação realizadas e para requerer o que tiver por conveniente.
*
Ref.: 36321717, de 27.08.2020 e o ofício de 11.09.2020
Notifique a ex-cônjuge MG, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, do Código de Processo Civil, para indicar a actual morada do requerido JG”.
Procederam-se às notificações determinadas, em 13-11-2020, nada tendo sido dito ou requerido pela requerente e por MG.
23. Por despacho de 28-01-2021 determinou-se que se “insista” com a ex-cônjuge do requerido, bem como se notifique a administradora do respetivo processo de insolvência desta para informar “da morada actual do requerido”; em 02-02-2021 insistiu-se com esta e com a administradora do processo de insolvência da mesma, com vista ao cumprimento do solicitado, mantendo ambas o seu silêncio.
24. Na sequência do que foi proferido o despacho supra referido, em 08-03-2021.
25. Em 14-02-2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“O devedor JG, divorciado, com o contribuinte fiscal n.º 137722338, com última residência conhecida na Avenida (…)Lisboa, não foi citado pessoalmente para os autos antes da declaração de insolvência, como resulta do relatório da sentença, pelo que cabe prosseguir com a sua citação pessoal, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – cfr. ofício de 22.03.2021.
Assim, cite o devedor nas moradas conhecidas nos autos – a indicada na petição inicial e a obtida nas bases de dados.
Averigue novamente nas bases de dados.
*
Notifique a requerente e a Sra. Administradora de Insolvência para indicar a morada conhecida do insolvente.
Prazo: 10 dias”.
26. Em cumprimento deste despacho, em 11-03-2024 foi expedida carta registada com aviso de receção para o requerido, com vista à sua citação, dirigida para a aludida morada (Av. Lisboa), tendo sido consignado o recebimento dessa carta por um terceiro que se comprometeu a dar conhecimento ao requerido conforme aposto no A/R devolvido assinado e remetido ao tribunal em 22-03-2024.
27. Em 08-03-2024 o requerido veio “requerer a junção aos autos de procuração”.
Junta procuração pela qual atribuiu poderes forenses, incluindo os especiais para “confessar, desistir ou transigir” ao Dr. MF e outros, documento que se mostra datado de 08-03-2024, constando que o requerido é “residente na Avenida, Lisboa”.
28. Em 26-03-2024 o requerido, por intermédio do respetivo mandatário judicial; apresentou requerimento com o seguinte teor:
“JG requerido melhor identificado no processo à margem referenciado, vem pedir a exoneração do passivo restante
o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 – Entende o requerido estarem reunidas as condições para a exoneração do passivo restante porquanto:
a) está em tempo;
b) não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
c) não foi condenado por qualquer dos crimes previstos e punidos nos arts. 227.º a 229.º do Código Penal;
d) sempre teve um comportamento pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé para com os seus credores, pelo que inexistiu, como inexiste da sua parte, violação de quaisquer deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do Código de Insolvência e Recuperação das Empresas (CIRE), no decurso do processo de insolvência;
e) nunca forneceu, por qualquer via, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
f) sempre acreditou que melhoraria a sua situação económica;
g) não se absteve de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação de estar impossibilitado de cumprir a generalidade das suas obrigações, nem
h) praticou actos que tenham contribuído ou agravado a sua situação de insolvência ou prejuízo para os credores.
2 – Não se verificando nenhuma das situações comtempladas no art. 238.º do CIRE, que prevê o indeferimento liminar do pedido de exoneração, resulta encontrarem-se preenchidos os requisitos de que depende a sua concessão, o que declara expressamente, bem como, e igualmente expressamente declara se dispõe a observar todas as condições exigidas nos arts. 237.º e ss. [Título XII, Capítulo I] do CIRE – declaração que se junta sob o n.º 1.
3 – Acresce que é, de facto, essencial, a exoneração dos créditos sobre a insolvência, designadamente para que recupere alguma estabilidade emocional e psicológica, tão abalada por tudo o que veio a conhecer, e para que satisfaça as necessidades básicas, mais do que as suas, do seu agregado familiar, que inclui uma criança menor de idade.
Junta: 1 documento, comprovativo de pagamento de multa devida pela prática de acto no primeiro dia útil posterior ao seu termo e respectivo DUC.
Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. requer-se seja concedida a exoneração do passivo restante”.
Com esse requerimento juntou documento subscrito pelo requerido e datado de 26-04-2024, com o seguinte teor:
“DECLARAÇÃO
(nos termos do art. 236.º, n.º 2 do CIRE)
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 236.º, n.º 3 do CIRE, eu, abaixo-assinado, JGG, divorciado, titular do de cidadão com o número, emitido pela República Portuguesa, com validade até 19.01.2031, contribuinte fiscal número, residente na Av. (…) Lisboa, declaro, expressamente, que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a exoneração do passivo restante e que me disponho a observar todas as condições exigidas nos arts. 237.º e ss. [Título XII, Capítulo I] do CIRE
Lisboa, 26 de Março de 2024”
29. Em 27-03-2024 o requerido peticiona que “seja concedido acesso aos respectivos apensos pelo seu mandatário, ora signatário”.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se delimitar o objeto de recurso, considerando que o mesmo incide:
(i) Sobre o despacho proferido em 08-03-2021, supra identificado, pelo qual o tribunal de primeira instância decidiu dispensar a audiência do devedor, despacho relativamente ao qual o apelante suscita as seguintes questões:
- Da nulidade do despacho por falta de fundamentação;
- Da correção desse despacho em face do disposto no art. 12.º do CIRE.
(ii) Sobre o despacho proferido em 17-02-2021, em audiência de julgamento, supra identificado, pelo qual o tribunal decidiu admitir “a alteração ao rol de testemunhas” apresentado pela requerente/apelada, despacho relativamente ao qual o apelante suscita as seguintes questões:
- Da nulidade do despacho por falta de fundamentação;
- Da “ilegalidade” desse despacho por violação do disposto no art, 25.º, n.º1 do CIRE;
(iii) Sobre a sentença proferida, que declarou a insolvência do apelante:
- Do preenchimento da livrança em momento posterior à declaração de insolvência da sociedade que assumiu a obrigação a título de devedora principal;
- Da prescrição estabelecida no art. 70.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.
Impondo-se, quanto às nulidades invocadas, a apreciação conjunta dessa matéria.
2. Invoca o apelante que os dois despachos proferidos padecem de nulidade por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC), aplicável aos despachos, “com as necessárias adaptações”, ex vi do disposto no art. 613.º, n.º 3 do mesmo diploma) – cfr. as 1ª e 5.ª conclusões.
Está em causa a salvaguarda do dever de fundamentar as decisões, não bastando a simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes – art. 154º do CPC –, em consonância com o que dispõe o art. 205.º, n.º 1, da CRP e em ordem a que a decisão seja percetível aos interessados a quem a mesma é dirigida e aos cidadãos em geral, permitindo também, de forma mais eficiente, o controlo da sua legalidade.
No entanto, como é pacificamente entendido, apenas a falta absoluta de fundamentação integra o referido vício, e não já a fundamentação deficiente, medíocre ou não convincente.
No caso em apreço, o tribunal motivou a sua decisão de dispensar a audiência do requerido, como claramente resulta da leitura linear do despacho, estando a alegação do apelante no limiar da má-fé: mais precisamente, o tribunal convocou o disposto no art. 12.ºdo CIRE, diploma a que aludiremos sempre que não se fizer menção de origem e considerou justificar-se a dispensa porquanto, pese embora as tentativas feitas para citar o requerido, não se logrou concretizar esse ato processual, “sendo desconhecido o paradeiro do Requerido”. Aceita-se que essa motivação foi expressa com mais pormenor em fase posterior, quando o tribunal foi confrontado com a reclamação por nulidade feita pelo recorrente nas alegações de recurso, mas, ainda assim, breve que seja, a motivação existiu e está expressa no despacho impugnado.
O apelante limita-se a mera afirmação de discordância desse julgamento, o que traduz questão que se prende com o mérito do despacho recorrido e não com qualquer vício, de natureza formal, que inquine esse despacho.
Improcede a nulidade invocada.
O mesmo não pode dizer-se do despacho proferido em 17-02-2021, no qual a juiz se limitou a consignar o segmento dispositivo do seu julgamento, a saber, “[a]dmito a alteração ao rol de testemunhas”, omitindo, pura e simplesmente, a explanação das razões pelas quais assim determinou. Quanto a esse despacho, julgando-se verificada a nulidade, deve esta Relação proceder a uma atividade substitutiva, nos termos do art. 666.º do CPC, se tal se justificar, matéria a que adiante voltaremos.
3. Invoca o apelante a ilegalidade do despacho que dispensou a audiência do requerido (conclusões 2ª e 3ª).
A dispensa da audiência do devedor no âmbito do direito da insolvência está prevista no art. 12.º, inserido no Capítulo I ([d]isposições gerais”), no Título I (“[d]isposições introdutórias”), com o seguinte regime:
- Aplica-se em qualquer tipo de processo regulado no CIRE, em que esteja prevista essa audiência, aí se incluindo a citação;
- Pode ser determinada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento, quando a realização desse ato processual “acarrete demora excessiva”, o que é conforme à natureza dos processos em causa, com caráter urgente (art. 9.º) e à finalidade que preside ao processo de insolvência (art. 3.º, n.1), sendo esse o único fundamento suscetível de suportar o juízo de dispensa (n.º 1);
- As situações que legitimam a dispensa da audição, são a residência do devedor (pessoa singular) no estrangeiro e/ou o desconhecimento do seu paradeiro (n.º 1).
O regime “aplica-se, com as devidas adaptações, relativamente aos administradores do devedor, quando este não seja uma pessoa singular” (número 3).
Considerando a aplicação subsidiária do regime processual civil (art. 17.º, n.º 1), mormente as disposições relativas à citação de pessoas singulares (arts. 225.º e seguintes do CPC), constatada a inviabilidade da notificação/citação do devedor na morada constante do processo, deve a secretaria promover oficiosamente diligências tendentes a apurar o paradeiro do devedor (art. 226.º do CPC).
No CIRE estabelece-se ainda uma exigência específica, que se reporta à audição de outras pessoas próximas do devedor, nos casos de dispensa da audição deste. Assim, nos termos do número 2 do preceito, “[n]os casos referidos no número anterior, deve, sempre que possível, ouvir-se um representante do devedor, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto”. Donde, entende-se que essa audição – “audição sucedânea à do próprio devedor” [ [2] ] – se impõe sempre que constem do processo os elementos de identificação dessas entidades, incluindo a residência respetiva e se tratem de informações atuais; desconhecendo-se esses elementos, não tem cabimento a realização de quaisquer diligências acrescidas, sob pena de se desvirtuar o propósito que preside à dispensa de audiência do próprio requerido que é, exatamente, obviar à demora excessiva do processo: é nesse sentido que dever ser entendido o segmento de texto “sempre que possível”, aposto no preceito [ [3] ].
Em face deste regime, temos por correta a decisão do tribunal de primeira instância que concluiu pela dispensa da audiência do requerido. Efetivamente, como resulta da factualidade que supra se aditou, o processo teve o seu início em 16-06-2020, tendo-se procedido à tentativa de citação do requerido na morada indicada pela requerente, sem êxito (Avenida …Lisboa), sendo que realizadas diligências junto das várias bases de dados oficiais, tentou-se a citação na (única) morada indicada nessas bases (R. Barreiro) igualmente sem êxito; efetuou-se ainda uma diligência complementar, junto da ex-cônjuge do requerido, declarada insolvente noutro processo, bem como da administradora da insolvência respetiva, igualmente sem êxito.
Quanto ao entendimento do apelante, que considera ser ainda exigível que o tribunal indagasse junto dos parentes do requerido (a sua mãe e os filhos) sobre a morada deste, entendemos que tal não tem justificação porquanto implicaria ainda outras diligências tendentes a averiguar da respetiva identidade/residência. É que a certidão de nascimento junta com a petição inicial, indicando a filiação do requerido, é certo, bem como a residência dos pais deste, no Barreiro, remonta a 11-11-2010, ou seja, dez anos antes da instauração da ação, sendo que a morada que se apurou, quanto ao requerido, nas bases de dados, é coincidente com a indicação de que o requerido reside no Barreiro, mas em rua diferente e também aí, insiste-se, não se logrou a citação. Saliente-se que o apelante parece confundir o alcance do número 2 do art. 12.º porquanto daí não resulta qualquer exigência no sentido de se dever ainda apurar o paradeiro dos devedores demandados junto das entidades referidas, tendo o preceito outro alcance, a que já se aludiu.
Em todo o caso, pelas razões apontadas, não tinha cabimento nem o apuramento da residência do requerido junto dessas pessoas, nem a audição das mesmas.
Assim, volvidos mais de oito meses sem que se lograsse efetivar a citação do requerido, desconhecendo-se o paradeiro deste, tinha plena justificação concluir pela dispensa dessa audiência, como entendeu a primeira instância.
Acrescente-se, por último, que causa perplexidade que o requerido venha intervir no processo em 2024, juntando procuração forense e deduzindo pedido de exoneração do passivo restante – cfr. a factualidade assinalada sob os números 27 e 28 –, indicando expressamente como sendo a sua residência aquela que constava do processo e há muito referida pela credora requerente e onde, sem êxito, se tinha tentado a citação.
Improcedem as conclusões de recurso.
4. Alega o apelante que o despacho que “autorizou a substituição de testemunhas” contraria o comando vertido no art. 25.º, n.º 2, padecendo, pois, de vício de “ilegalidade”.
Nos termos do art. 25.º, nº2, o requerente da insolvência – que não o próprio devedor -, está obrigado a “oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do artigo 511.º do Código de Processo Civil”.
Dando a apelada cumprimento à apontada exigência, porquanto arrolou prova (documental e pessoal) no requerimento inicial, a questão que tem sido analisada pela jurisprudência e que o apelante coloca, é a de saber se é viável a alteração desse requerimento probatório e em que termos, nomeadamente se pode o credor proceder à substituição de testemunhas, isto é, prescindido de umas e arrolando outras, como aqui aconteceu.
Sublinha- se, em sentido negativo, vária jurisprudência que, apontando para a existência de norma especial no CIRE, quanto aos meios de prova, afasta a aplicação do regime geral constante da lei processual civil, regime que não é consentâneo com a tramitação particularmente célere que o legislador imprimiu ao processo de insolvência, em particular à sua fase da instrução [ [4] ] [ [5] ] [ [6] ].
A discussão não pode passar à margem das circunstâncias próprias de cada caso, afigurando-se que não se justifica posição apriorística e tomada em abstrato sendo que, aqui, a discussão é espúria, como passamos a analisar.
O despacho impugnado configura uma decisão interlocutória que, incidindo sobre a (in)admissibilidade da produção de um meio de prova, na vertente de um pedido de substituição de testemunhas, se insere no âmbito dos despachos a que alude o art. 644.º, n.º2, alínea d) do CPC; daí que, em circunstâncias normais, o recurso a interpor pelo sujeito afetado pela decisão, no caso o demandado, se insira nas denominadas apelações autónomas, subindo imediatamente e em separado, como se extrai, a contrario sensu, do número 3 do art. 644.º e ainda do art. 645.º n.º 2 todos do CPC. Usualmente, pois, não se coloca nessa tipologia de recursos qualquer questão relacionada com a utilidade e/ou interesse na apreciação do recurso.
No caso dos autos só assim não aconteceu porquanto se dispensou a audiência do devedor, que só mais tarde, já depois de proferida a decisão final incidindo sobre a pretensão formulada pelo credor, vem a tomar conhecimento, em simultâneo, quer daquele despacho, quer desta decisão [ [7] ]; nesse contexto, o apelante veio interpor recurso não só daquele despacho como da decisão final fazendo-o, aliás, na mesma peça processual, tendo-se tramitado conjuntamente o(s) recurso(s).
Assim sendo, se por força das vicissitudes processuais que caraterizaram o processo, aquela decisão interlocutória foi impugnada conjuntamente com a impugnação da decisão final, impõe-se, por identidade de razões, que o tribunal dê aplicação ao disposto no art. 660.º do CPC, no sentido de que o tribunal superior só deve dar provimento à impugnação das decisões interlocutórias “quando a infração cometida possa modificar aquela decisão [decisão final ] ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente [ [8] ]. Como se referiu, ainda que em diferente contexto, no acórdão do TRL de 15-07-2011 “[a] ideia-âncora deste regime terá sido, fundamentalmente, obter ganhos de celeridade e simplificação, fundada no pressuposto da natureza instrumental das decisões interlocutórias em relação à decisão final”, sendo “um modelo recursório assente numa ideia de economia processual referenciada à decisão final” [ [9] ]. O que, acrescente-se, é inteiramente percetível e traduz concretização do princípio da economia processual, na vertente da proibição da prática de atos inúteis (art. 130.º do CPC) e do aproveitamento dos atos processuais (art. 193.º do CPC).
Assim, em situações como a que se nos depara, não teria qualquer sentido o tribunal superior revogar o despacho que admitiu a inquirição de uma testemunha, com a consequente anulação de todo o processado subsequente (audiência de julgamento e sentença) se, em concreto, a testemunha não teve qualquer influência no sentido da decisão final a rever, proferida quanto à matéria de facto. Daí que, em hipóteses como a que se nos depara, tenha o apelante que acautelar essa situação, explicitando as razões pelas quais a decisão interlocutória se refletiu de forma juridicamente relevante na decisão final, em ordem a fundar um juízo de procedência daquela decisão (interlocutória) e nessa medida impedindo a estabilização da decisão final. Que dizer quanto à concreta atuação processual do apelante?
Retomando o que se escreveu no acórdão do TRL de 14-11-2023 [ [10] ], declarada a insolvência do devedor a pedido de um credor, têm os interessados ao seu dispor, em alternativa ou cumulativamente, dois meios de impugnação da sentença, cujos fundamentos não são coincidentes, a saber, os embargos e o recurso.
A oposição por via de embargos deve ser apresentada dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência (art. 40.º, nº 2).
A impugnação por via de recurso é um mecanismo que deve ser utilizado quando o recorrente entende “que, face aos elementos apurados, ela [a sentença] não devia ter sido proferida” (art. 42.º, nº2). O que não significa que o recorrente esteja adstrito à impugnação de direito, podendo igualmente questionar o juízo valorativo feito pelo tribunal quanto aos factos em causa no processo; ponto é que a impugnação em sede de facto (pretensão de ampliação dos factos provados, eliminação ou mera alteração de texto) se circunscreva estritamente àqueles em discussão no processo, quer os constitutivos do direito do requerente e que integram a causa de pedir, quer os pertinentes às exceções invocadas na contestação ou, até, a factos integradores de impugnação motivada. O que se compreende exatamente porque, como se sabe, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” [ [11] ], sendo o limite temporal balizador da discussão, exatamente, o terminus da audiência de julgamento, o “momento do encerramento da discussão” (art. 611.º, nº1 do CPC).
Em suma, a oposição por via de embargos apenas é admissível desde que o embargante alegue factos novos, ocorridos antes da decisão que decretou a insolvência, ou requeira outros meios de prova, que não tenham sido ponderados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos daquela decisão. A doutrina e jurisprudência são unânimes quanto a esse entendimento, não se suscitando qualquer controvérsia ou dúvida interpretativa relativamente ao sentido e alcance dos fundamentos enunciados nos arts. 40.º, nº2 e 42.º, nº1, quanto a cada um dos tipos de impugnação [ [12] ].
No caso, o apelante não apresentou oposição por embargos, como claramente resulta da consulta do processo principal e apensos respetivos, limitando a impugnação da sentença à via do recurso.
Em sede de recurso, constata-se que o mesmo se conformou com o julgamento de facto expresso na sentença, não tendo o apelante impugnado esse julgamento, como podia ter feito; aliás, o tribunal de 1ª instância, na motivação que apresentou nem sequer aludiu ao depoimento da testemunha, omitindo qualquer referência a esse elemento probatório como suporte da sua avaliação [ [13] ]. Decorre das alegações de recurso que a crítica do apelante se coloca exclusivamente a nível da interpretação e aplicação do direito, não questionando a factualidade dada por assente pela primeira instância e partindo até dessa factualidade, que dá como adquirida, para suscitar as questões de direito a que adiante se aludirão.
Em suma, sindicando o apelante a validade do despacho, entendendo que o mesmo foi proferido com violação de lei expressa, como invoca, tinha o apelante que acautelar os reflexos do mesmo em sede de sentença final, mais precisamente, quanto ao julgamento de facto proferido, impugnando igualmente esse julgamento, o que não fez. Assim, configurando o despacho impugnado uma decisão interlocutória, mesmo aceitando a tese do apelante quanto à “ilegalidade” do referido despacho, ainda assim estava vedado a esta Relação dar provimento ao recurso, nessa parte, atento o disposto no referido art. 660.º do CPC, uma vez que não se verificam as situações aí indicadas: a eventual infração não teria qualquer consequência a nível da decisão final e também não se coloca a hipótese aí assinalada em último lugar.
5. O apelante invoca um “terceiro motivo pelo qual o Requerido impugna a sentença de declaração de insolvência” e que reconduz à circunstância da livrança apresentada pela requerente ter sido preenchida em 2011, já depois da declaração de insolvência da sociedade CRH, “principal obrigada cambiária”, o que entende inadmissível convocando o disposto no art. 102.º (conclusões 12.º e 13.º, salientando-se que no corpo das alegações o apelante nada mais adianta de pertinente).
O acordo outorgado em 30-04-2009 (cfr. o documento junto com a petição inicial) entre a CGD SA credora cedente do crédito à apelada e a sociedade CRH- Consultoria e Valorização de Recursos Humanos SA, aludido nos números 4 e 5 dos factos provados, consubstancia um contrato de mútuo bancário, associado a uma abertura de crédito em conta corrente, tendo os outorgantes, incluindo o apelante, estabelecido uma garantia de pagamento pela emissão de uma livrança em branco, naqual o apelante apôs o seu aval conforme factualidade dada por assente sob o número 6 – o apelante subscreveu esse acordo apondo a respetiva assinatura sob a designação “avalistas” –, não se questionando que a CGD SA cumpriu a sua obrigação, entregando o capital mutuado (número 7 dos factos provados) e que a sociedade mutuária não cumpriu as obrigações emergentes daquele acordo, estando em causa o pagamento do capital mutuado, juros, comissões, despesas e encargos – cfr. os números 9, 10 e 11 dos factos assentes.
A sociedade aludida foi declarada insolvente por decisão de 30-11-2010 (cfr. o edital que constituiu o documento n.º 3 junto com a petição inicial, documento referido sob o número 12 dos factos assentes), tendo sido aposta na livrança, como data de emissão, “2009-04-30” e data de vencimento “2011-12-20”, (cfr. o documento n.º3 junto com a petição inicial e aludido sob o número 11 dos factos provados).
Donde, à data em que a sociedade foi declarada insolvente, o contrato encontrava-se em curso, o que significa que todas as obrigações da sociedade mutuária emergentes do contrato, de pagamento do capital utilizado e não amortizado, juros, despesas e imposto, se venceram naquela data, atento o disposto no art. 91.º, n.º 1, nos termos do qual “a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”, consagrando o legislador uma hipótese de exigibilidade antecipada e automática das obrigações, sem necessidade de interpelação do devedor [ [14] ], ainda que o credor deva reclamar a dívida no processo de insolvência para lograr obter o pagamento [ [15] ].
Assim, com a declaração de insolvência da sociedade, dá-se o vencimento antecipado das obrigações, decorrente do referido art. 91.º, n.º 1 do CIRE, com a consequente cessação da relação contratual, salientando-se que nos termos do art. 116.º do CIRE a declaração de insolvência implica o termo dos contratos de conta corrente em que o insolvente seja parte, com o encerramento das contas respetivas [ [16] ] [ [17] ].
Tendo o contrato cessado com a declaração de insolvência da sociedade devedora e estando aqui em causa avaliar da responsabilidade do avalista, que subscreveu uma livrança em branco, nessa qualidade, dessa forma garantindo o cumprimento da obrigação daquela sociedade, conclui-se que a credora tinha direito a reclamar do avalista o crédito em causa, cujo montante o apelante não discute, uma vez que a responsabilidade do avalista, na sua extensão e conteúdo, deve ser aferida pela do avalizado (art 32.º da LULL). Sem prejuízo de se aceitar que “[a] perda do benefício do prazo resultante da insolvência de um só dos devedores, quando a dívida seja solidária, não se estende aos outros co-obrigados, desde que não tenha sido estipulada convenção em contrário ou não se verifique, também quanto a eles, causa determinante dessa perda” [ [18] ], não é esse o caso dos autos, atenta a especial configuração da responsabilidade do avalista quando subscreve a referida obrigação cambiária (livrança).
Nada obstava, pois, ao preenchimento da livrança nos moldes referidos, sendo que nunca foi invocado pelo apelante ter sido violado qualquer acordo alusivo ao preenchimento da livrança.
Improcedem as conclusões de recurso.
6. O “quarto motivo” pelo qual o apelante deduz pretensão recursiva de revogação da sentença reconduz-se à invocação de que “a livrança dos autos se encontrava prescrita”.
A sentença recorrida não apreciou dessa questão, nem o podia fazer porquanto, como se sabe, a prescrição do direito, no caso um direito de crédito, constitui uma exceção (perentória) que não é de conhecimento oficioso, devendo o beneficiário, se quiser recusar o cumprimento da obrigação com esse fundamento, invocar a mesma (arts. 303.º e 304.º do Cód. Civil) [ [19] ].
Pese embora o apelante só alegue a exceção em sede de recurso, considerando que o processo foi tramitado e a sentença proferida com dispensa da sua audiência, tendo apenas sido notificado, posteriormente, da sentença proferida é admissível a invocação nesta sede, impondo-se à Relação apreciar da exceção e não podendo funcionar, pois, o princípio da preclusão (artº 489.º n.1 do CPC), pese embora se trate de questão nova, nunca colocada à apreciação do tribunal de primeira instância. Acresce que, estando assente toda a factualidade pertinente – e suficiente – para apreciação da referida exceção, não tendo qualquer dos intervenientes aludido a outros factos juridicamente relevantes cujo apuramento deva ser feito, nada obsta a que a mesma seja apreciada nesta sede recursiva.
O prazo de prescrição da obrigação cartular é de três anos contados do respetivo vencimento ou, nos casos de livrança entregue em branco como aqui acontece, da data de vencimento aposta no título – art. 70.º, parágrafo 1.º [ [20] ], ex vi do art. 77.º da LULL e considerando que, nos termos do art. 78.º do mesmo diploma “[o] subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra”.
No caso, ponderando a data de vencimento aposta na livrança (20-12-2011) e a data de instauração da presente ação (16-06-2020) é evidente que, atento o lapso de tempo decorrido, se verifica a prescrição da obrigação cartular [ [21] ], não se percecionando o raciocínio exposto, a este propósito, nas contra-alegações de recurso, afigurando-se despropositada a jurisprudência convocada porquanto, no caso, nunca foi invocada a ocorrência de qualquer violação do pacto de preenchimento ou sequer de comportamento abusivo imputável ao credor.
A questão que se coloca é a de saber se, paralelamente à garantia prestada pelo apelante quando subscreveu a livrança nos moldes que resultam da factualidade assente, como avalista, o processo fornece elementos de facto que permitam concluir que essa garantia foi constituída como reforço ou em paralelo com a obrigação que, per se, emerge da relação subjacente também constituída envolvendo a “primeira” contratante (a sociedade CRH), os “segundos” contratantes, “designados como AVALISTAS” (entre eles o apelante) e a “terceira” contratante (a CGD SA), tendo por referência o “Contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples)” outorgado em 30-04-2009 e referido nos números 4 a 9 dos factos provados, em ordem a considerar que a sociedade requerente, arrogando-se a qualidade de credora do requerido, pode fundar o seu crédito nessa relação subjacente ou relação causal descartando, pois, a obrigação cartular, como a apelada parece entender.
A resposta, como o apelante propõe, é negativa, em face dos termos do contrato celebrado, que deve ser interpretado tendo em conta as regras expressas nos arts. 236.º a 239.º do Cód. Civil, não podendo valer uma interpretação que não tenha qualquer correspondência com o texto que corporiza o acordo celebrado.
Relevam, para esta análise, as seguintes cláusulas inseridas no acordo (cfr. a factualidade dada por provada sob o número 9, ainda que sem expressa menção do texto respetivo):
“21. GARANTIA-AVAL: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 24, caso a CAIXA decida proceder ao seu preenchimento de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.
22. CONFISSÃO DE DÍVIDA: A CLIENTE confessa-se devedora das quantias disponibilizadas através desta abertura de crédito, dos respectivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos no presente contrato.
(…)
24. LIVRANÇA EM BRANCO:
24.1-Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.
24.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo incluindo garantias.
24.3- EM ANEXO: LIVRANÇA EM BRANCO”.
O aval é o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra/ livrança garante o pagamento desse título por parte de um dos seus subscritores (art. 30.º da LULL). “O fim próprio do aval, a sua função específica, é garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário; a responsabilidade de garantia é primária” [ [22] ].
Das cláusulas assinaladas decorre que a vinculação do apelante à garantia de cumprimento das obrigações a cargo da mutuária se restringiu exclusivamente ao aval prestado aquando da emissão da livrança, não se extraindo do acordo celebrado a vontade do apelante se vincular ao pagamento fora desse contexto, mormente afiançando o cumprimento das obrigações da mutuária.
Como se referiu no acórdão do TRL de 07-03-2019, a que alude o apelante, “[n]ão obstante ambas sejam garantias obrigacionais, a natureza jurídica do aval e da fiança são claramente distintas. / Na fiança, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor ficando, em princípio, todo o seu património responsável pela satisfação do direito de crédito sobre o devedor, constituindo‑se o fiador como verdadeiro devedor do credor. A obrigação do fiador distingue-se da obrigação do devedor por ser acessória da que recai sobre o principal devedor, embora tenha o mesmo conteúdo – cf. artigo 634.º do Código Civil. / O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos” [ [23] ].
Assim sendo, inexistindo fundamento para aplicar o prazo ordinário de prescrição (art. 309.º do Cód. Civil), conclui-se que procede a exceção invocada pelo apelante, devendo-se considerar extinto, por prescrição, o direito de crédito invocado pela requerente/apelada.
O que significa que a pretensão da requerente formulada na petição inicial soçobra, porquanto não logrou provar, como lhe competia, que é titular de um crédito sobre o demandado, sendo que esse é um pressuposto de legitimidade (legitimidade substantiva) para a instauração da ação, que não se confunde com a legitimidade ad causam.
Da conjugação dos arts. 20.º, n.º 1 proémio e art. 25.º resulta que qualquer credor “ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito” está legitimado a requerer a insolvência do devedor, devendo “justificar na petição a origem, natureza, e montante do seu crédito” e oferecer os respetivos elementos de prova. O cumprimento dessa exigência é fundamental na aferição da legitimidade do demandante para a instauração da ação e a constatação dessa falta é suscetível de gerar a absolvição do requerido da instância (arts. 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e) do CPC).
No caso, em face da petição inicial, não pode questionar-se a legitimidade processual da requerente para a instauração do processo, mas impugnando o demandado a existência do crédito invocado e provando-se que o crédito de que a requerente se arroga titular está extinto, por prescrição, como aqui acontece, impõe-se concluir que falta um dos pressupostos para o decretamento da providência requerida (que se declare a insolvência do devedor), com a consequente absolvição do demandado do pedido contra si formulado.
Como se sabe, ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no nº 1 do artº 20º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artº 3; provado(s) o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência só não será declarada se o requerido ilidir a presunção dele(s) decorrente, demonstrando que, apesar da sua verificação, não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, provando a sua solvência.
No entanto, esse patamar de avaliação só se justifica no pressuposto de que está assente a relação creditícia que autoriza a demanda do devedor no âmbito de um processo de execução universal como é o processo de insolvência. O processo, na sua fase inicial, convive bem com uma situação de uma prova de primeira aparência quanto à existência do crédito do requerente, o seu valor e natureza porquanto, em rigor, essa aferição só é feita em fase posterior, aquando da verificação do passivo (arts. 128.º e seguintes), já com a intervenção de outros interessados, podendo acontecer que o credor que impulsionou o processo venha, a final, a ver o seu crédito impugnado, nomeadamente por outros credores, e não reconhecido/verificado.
Daí não segue que possa declarar-se a insolvência do demandado e permitir-se a continuação do processo nos casos em que se patenteia claramente que o requerente não é titular do direito que se arroga, como aqui acontece, de forma paradoxal, acrescente-se, porquanto, compulsando o apenso C), se constata que a administradora da insolvência, em 27-11-2023 (e, novamente, em 05-01-2024) apresentou a lista de credores reconhecidos/não reconhecidos, em cumprimento do disposto no art. 129.º, incluindo o crédito da requerente na lista dos créditos reconhecidos (pelo valor global de 1 690 098, 62€) [ [24] ], sendo que não se vislumbra sequer que tenha sido apresentada qualquer impugnação à lista (pelo devedor, pelo Ministério Público ou pelos credores). Essa circunstância, no entanto, não tem qualquer reflexo na presente avaliação ou análise, traduzindo apenas o risco inerente à aplicação das demais regras processuais, mormente o efeito do recurso interposto incidindo sobre a decisão que declara a insolvência do requerido, que suspende a tramitação da liquidação e partilha do ativo (art. 40.º, n.º 3 ex vi do disposto no art. 42.º, n.º 3), mas não suspende a tramitação dos demais apensos que compõem o processo de insolvência.
Com o fundamento referido, procede o recurso interposto, tendo por objeto a sentença recorrida.
*
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo-se:
- Manter o despacho recorrido proferido em 08-03-2021;
- Não tomar conhecimento do despacho recorrido proferido em 17-02-2021;
- Declarar extinto, por prescrição, o crédito invocado pela requerente e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e não se decreta a insolvência do requerido.
Condena-se a requerente/apelada nas custas, quer em primeira instância, quer em segunda instância (art. 527.º, n.º1 do CPC).
Notifique.
Lisboa, 29-10-2024
Isabel Fonseca
Renata Linhares de Castro
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________ [1] Indica no cabeçalho do requerimento como segue:
“vem, nos termos e para os efeitos do artigo 42.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), recorrer (i) do despacho que ordenou a dispensa da citação do Requerido; (ii) do despacho que admitiu a substituição de testemunhas; e, (iii) da sentença de declaração de insolvência”. [2] Carvalho Fernandes e João Labareda Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, Lisboa: Quid Juris, p. 120. [3] “Em todo o caso, e segundo já assinalado, o tribunal não pode perder de vista que a razão da exclusão da audiência do devedor reside na necessidade de garantir a celeridade processual, pelo que, consequentemente, não deve escolher um parente cuja dificuldade de contacto implique, também, uma demora excessiva dos autos” (Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit. p. 123). [4] Cfr. o acórdão do TRL de 03-03-2011, processo: 15749/09.4T2SNT-T.L1-8 (Relator: Caetano Duarte), assim sumariado:
“I - Se as testemunhas têm de ser oferecidas com o requerimento inicial, não é possível o aditamento de novas testemunhas. E, havendo norma expressa a obrigar a parte a apresentar as testemunhas, o juiz a quo só podia indeferir o requerimento de notificação das testemunhas para comparecer
II - As regras do CIRE que regulamentam o arrolamento e a apresentação de testemunhas fazem parte da conformação legal do princípio do livre acesso ao direito e que não o violam”.
No mesmo sentido, vide ainda os acórdãos do TRL de 11-09-2009, processo 1929/07.0TBFUN-E.L1-1 (Relator: Maria do Rosário Barbosa) e do TRC de 28-09-2022, processo 3892/12.8TBLRA-B.C1 (Relator: Paulo Correia), acessíveis in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência. [5] No mesmo sentido, refere Fátima Reis Silva:
“O n.º 2 é uma regra processual e essencial que dá corpo à celeridade e concentração que o legislador quis imprimir ao processo de insolvência. / Nos termos do disposto neste preceito, o requerente deve oferecer todos
os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não deve exceder os limites previstos no artigo 789.º do Código de Processo Civil. Esta remissão, por via da entrada
em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, deve agora entender-se como feita para o artigo 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil na versão atual, ou seja um limite de 10 testemunhas ou de 5 testemunhas nas ações até ao
valor da alçada em 1.ª instância (€ 5.000 nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08)./ Em consonância, à oposição deduzida pelo devedor é aplicável o n.º 2 do artigo 25.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas — artigo 30.º, n.º 1./ Ou seja, há apenas dois momentos possíveis de oferecimento de prova em processo declarativo de insolvência — com os articulados legalmente previstos de requerimento inicial e oposição. Este o quadro legal previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para o oferecimento de meios de prova em processo de insolvência orientado por preocupações de celeridade e concentração. /Esta é a orientação geral que temos que retirar desta regra, reforçada pelas demais regras que, nesta exata fase, o sublinham e erigem em objetivo claro: as dificuldades na citação levam à dispensa da mesma, nos termos do artigo 12.º; à apresentação de oposição segue-se a marcação de audiência de julgamento, a realizar nos cinco dias seguintes (35.º, n.º 1); a própria audiência tem regras “aceleradoras” cominando a falta do devedor com a confissão dos factos alegados na petição inicial e a do credor com a desistência do pedido (35.º, n.ºs 2 e 3), tudo finalizado com clara preferência pelo proferimento imediato de sentença (35.º, n.º 8).
Voltando ao pressuposto inicial, direi que é este o quadro previsto no próprio Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, quando demandamos a aplicação das regras instrutórias do Código de Processo Civil, temos que o ter em mente como limite de aplicabilidade. /Por outras palavras, as regras gerais previstas nos arts. 410.º e ss. do Código de Processo Civil não são de aplicação automática, devendo ser adaptadas ou mesmo rejeitadas sempre que comprometam o modelo e caraterísticas essenciais expressamente eleitos pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (Julgar on line, Fase Instrutória do Processo Declarativo de Insolvência, n.º 31, 2017, pp. 64-65). [6] Salienta-se no entanto que, relevando em abstrato, como se referiu no ac. do TRL de 26-09-2019, processo:939/16.1T8LSB-G.L1-2 (Relator: Gabriela Cunha Rodrigues), ainda que noutro contexto, “[o] Código de Processo Civil contém diversos preceitos legais que permitem contrabalançar o regime do artigo 598.º, n.º 2, obviando a eventuais iniquidades decorrentes dos mecanismos de preclusão, designadamente o artigo 526.º, n.º 1, que prevê a iniciativa probatória do juiz quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa”; a afirmação reveste ainda maior acuidade no âmbito do CIRE, ponderando a especial configuração que, aqui, tem o princípio do inquisitório (art. 11.º). / Isto sem prejuízo de, no mesmo aresto, se concluir igualmente que “[o] direito à prova não pode ser esgrimido contra toda e qualquer falta das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, em rota de colisão com princípios estruturantes do processo civil, como o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (artigos 20.º e 62.º da CRP)”. [7] Daí que que o recurso seja tempestivo, ponderando a data em que foi apresentado (02-04-2024), quer se tenha como relevante o momento em que foi deduzido o pedido de exoneração do passivo restante (26-03-2024), momento em que, necessariamente, o apelante teve conhecimento do estado do processo, quer a data em que foi notificado da decisão final (carta expedida em 11-03-2024) e independentemente de saber se a multa devida (e paga) corresponde à entrega no 1º. dia ou no 2.º dia, questão que não foi suscitada na 1ª instância e temos por ultrapassada. [8] Nos casos em que a decisão final não é impugnada, cfr. o art. 644.º, n.º 4 do CPC. [9] Processo 2473/08.4TBALM-A.L1-7 (Relator: Tomé Gomes). [10] Processo nº 822/23.4T8VFX-A. L1 (Relator: Isabel Fonseca). [11] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2006, p. 155. [12] Como refere Paula Costa e Silva:
“Passemos rapidamente em vista a articulação dos meios de impugnação da decisão declaratória da insolvência. Apesar de a lei dispor, no art. 42/1 do CIRE, que podem as pessoas com legitimidade para deduzirem oposição por meio de embargos contra a decisão, alternativamente ou cumulativamente com estes recorrer da decisão, tal não significa que haja uma neutralidade do meio face ao fundamento da impugnação. Como se disse acima, o recurso visa a apreciação da legalidade da decisão recorrida, destinando-se a oposição por meio de embargos à dedução de matéria nova. Daqui resulta que a parte deve escolher o recurso sempre que entenda que a decisão do tribunal a quo é ilegal na medida em que, face aos elementos de que o julgador dispunha, outra seria a solução decorrente do sistema. Ao invés, se a parte pretende trazer matéria nova ao processo deverá deduzir oposição. O que a parte não deve fazer é recorrer da decisão se pretende pedir a apreciação de novos elementos, ou opor-se à decisão quando pretenda sustentar tão só a ilegalidade da decisão recorrida” ( A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados (ROA) Ano 2005 Ano 65 - Vol. III - Dez. 2005, acessível in https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-iii-dez-2005/doutrina/paula-costa-e-silva-a-liquidacao-da-massa-insolvente/).
Cfr. ainda Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit., p. 279), Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 2012, Coimbra: Almedina, p. 119, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2019, Coimbra: Almedina, p. 237 e Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2021, Vol. I, Coimbra: Almedina, p. 164. [13]Lê-se na sentença:
“III. Fundamentação
A. Os Factos
1. Factos provados
Atenta as posições assumidas pelas partes nos articulados, a prova documental junta aos autos e falta de oposição dos Requeridos, julgo provados os seguintes factos”.
Segue-se a enunciação da matéria dada por assente e, seguidamente, a apreciação de “direito”.
Regista-se a incongruência desta motivação em face da tramitação do processo (porventura motivada pela utilização de meios informáticos de processamento de texto), o que, igualmente, não foi assinalado ou de qualquer forma questionado pelo apelante em sede de recurso. Causa, aliás, perplexidade a alegação vertida no corpo das alegações em que, a propósito da questão suscitada e contra a evidência do texto que integra a sentença, o apelante refere:
“Por outro lado, a testemunha que foi indicada pela Requerente depois da petição inicial não podia ter sido ouvida.
Mas foi-o…
O que, evidentemente, teve influência na decisão da causa. O seu depoimento não podia ter sido tido em conta pelo Tribunal a quo, como foi.
Tendo-o sido, é evidente que a própria sentença de declaração de insolvência deve ser revogada” (sublinhado nosso). [14] Cfr. o acórdão do STJ de 18-01-2018, processo: 123/14.9TBSJM-A.P1.S2 (Relator: Henrique Araújo), assim sumariado:
“I - A obrigação solidária de restituição do capital mutuado e respectivos juros, nos prazos estabelecidos nos contratos de mútuo com hipoteca, celebrados entre o banco exequente e a recorrente e o executado, constitui uma obrigação a prazo, em que a exigibilidade do cumprimento é diferida para um momento posterior.
II - Esta possibilidade constitui um benefício, em regra, do devedor (cfr. art. 779.º do CC): o credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo, embora assista ao devedor o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando a esse benefício.
III - Contudo, para além dos casos de exigibilidade antecipada previstos nos arts. 780.º e 781.º, ambos do CC, prevê o art. 91.º, n.º 1, do CIRE, que, com a declaração judicial de insolvência, a dívida a prazo se vence antecipadamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor: dá-se o vencimento automático antecipado.
IV - A perda do benefício do prazo resultante da insolvência de um só dos devedores, quando a dívida seja solidária, não se estende aos outros co-obrigados, desde que não tenha sido estipulada convenção em contrário ou não se verifique, também quanto a eles, causa determinante dessa perda.
V - Ao proceder ao bloqueamento do acesso à conta bancária onde era processado o pagamento das prestações, o banco exequente impossibilitou que continuassem a ser pagas as prestações mensais e sucessivas relativas aos dois contratos de mútuo, razão única pela qual os pagamentos não foram efectuados, não dispondo, consequentemente, de fundamento legal para considerar vencidas todas as prestações ainda em dívida e exigi-las da co-executada recorrida” (sublinhado nosso). [15] Segue-se de perto o acórdão do TRL de 13-09-2024, Processo nº 1665/19.5T8VFX-E. L1 (Relator: Isabel Fonseca). [16] Referem Carvalho Fernandes e João Labareda:
“No âmbito do Anteprojeto, a determinação de encerramento de todas as contas correntes do devedor, como consequência da sentença declaratória da insolvência, estava enunciada no art. 84.º, n.º1, em paralelo com o vencimento de todas as dívidas, e localizada em sede de efeitos sobre os créditos./O Código houve por bem atender primacialmente à fonte das contas correntes, determinando o termo dos respetivos contratos no capítulo dedicado aos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, razão que justificou a inserção sistemática do artigo anotado./Em rigor, o que o art.º 116.º determina é o encerramento das contas correntes emergentes de contrato e como consequência de este terminar” (Obr. cit. p. 494). [17] Com interesse, cfr. o acórdão do TRG de 06-11-2014, processo: 6001/13.1TBBRG.G1 (Relator: Heitor Gonçalves). [18] Acórdão do STJ de 18-01-2018, já referido. [19] Da leitura da sentença extrai-se que o tribunal centrou a sua análise na verificação de alguns dos factos índices enunciados no art. 20.º, n.º 1.
A única referência que se visualiza na decisão quanto à titularidade do crédito da requerente é a seguinte:
“Ficou assim demonstrado que o requerido deu o seu aval a operações bancárias realizadas pela sociedade CRH – Consultoria e Valorização de Recursos Humanos, S.A. e, verificado o incumprimento daquela sociedade da obrigação de pagamento de valores que recebeu, no âmbito do contrato de abertura de crédito celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, S.A., constituiu-se devedor do pagamento da livrança vencida em 20/12/2011, que não foi paga.
A requerente através de contrato de cessão de créditos, adquiriu da Caixa Geral de Depósitos, S.A. os créditos sobre a requerida de que a aquela era titular”.
A final, o tribunal concluiu como segue:
“O património de que o requerido é titular mostra-se penhorado em processos executivos cujos valores peticionados ultrapassam 3 milhos de euros.
O que nos permite concluir que o requerido se encontra em situação de insolvência, impossibilitado de cumprir as suas obrigações, verificando-se a situação prevista na alínea b), do artigo 20.º, do CIRE.
Concluímos, assim, estar demonstrada a insolvência do Requerido pelo que, nos termos dos artigos 3.º n.ºs 1 e 2 e 20.º n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, que cabe declarar”. [20] “Da prescrição
Artigo 70
Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do
protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula «sem
despesas».
As acções dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem em seis meses a contar do dia
em que o endossante pagou a letra ou em que ele próprio foi accionado”. [21] O que, acrescente-se, já se verificava aquando da outorga da cessão de créditos à ora requerente, pela CGD, em 2018 (cfr. o número 3 dos factos provados). [22] Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livrancas, 1984, Lisboa, Livraria Petrony, p. 190. [23] Processo: 7162/17.6T8SNT-A.L1-2 (Relator: Gabriela Cunha Rodrigues), proferido no âmbito de embargos a uma execução; Lê-se seguidamente nesse aresto:
“In casu, e como antes ficou dito, encontra-se prescrita a ação cambiária, razão pela qual a Exequente nada poderia exigir da Executada/Embargante com fundamento no aval que esta apôs na livrança.
É certo que a prestação de um aval pode ter subjacente uma fiança.
Porém, uma vez extinta por prescrição a obrigação cambiária, o aval não pode subsistir automaticamente como fiança, atendendo desde logo à natureza jurídica diversa de ambas as figuras.
Só assim não será se o exequente alegar (e provar) que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental – vide, neste sentido, os acórdãos do TRP de 28.05.2009 (p. 3093/07.6TBSTS) e de 10.05.2010 (p. 1137/06.8TBPMS-A.P1) e o acórdão do TRL de 29.9.2011 (p. 2161/06.6TCSNT-A.L1-8), todos acessíveis em www.dgsi.pt.”. [24] Salienta-se que o valor global dos créditos reconhecidos atinge o montante de 20 999 684, 86€; na sequência do despacho aí proferido, em 14-02-2024, esse apenso está sem qualquer tramitação desde essa data.