RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
ATO DE PRIVAÇÃO DA POSSE
Sumário


I – O esbulho – enquanto pressuposto necessário à procedência do procedimento cautelar de restituição provisória de posse – pressupõe a existência de um acto que prive o possuidor da posse que detinha, ou seja, um acto que lhe retira o poder de facto (de retenção/fruição) que detinha sobre a coisa e a possibilidade de o exercer.
II – A construção de um muro que ocorreu quando os requeridos haviam sido restituídos à posse da parcela de terreno não pode ser enquadrada como esbulho, pois não teve por resultado, privar as requerentes da posse, pois que, por decisão judicial (ainda que provisória) tal posse lhes havia sido subtraída.
III – A recusa da demolição desse muro, não teve o efeito de privar as requerentes da posse, mas apenas de manter tal privação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

1 RELATÓRIO

Vieram AA, por si e em representação (como cabeça de casal) de herança aberta por óbito de BB, CC, por si e em representação (como cabeça de casal) da herança aberta por óbito de DD, e EE, requerer procedimento cautelar de restituição provisória da posse[1] contra FF e GG, de parcela de terreno que identificam em 29º a 32º do RI, em que, na sequência de decisão de restituição da parcela de terreno em causa nos autos de procedimento cautelar de restituição da posse que correram termos sob o n.º 4212/23.... e nestes, os requeridos teriam concluído a construção de muro, muro que não demoliram voluntariamente, nem apesar de para tanto instados, após revogação da aludida providência cautelar, por verificação da excepção de caducidade.
Por ter dúvidas quanto ao concreto acto de esbulho a que se reportavam as requerentes – não logrando perceber se se trataria da construção do muro em si ou da recusa de demolição –, o Tribunal endereçou convite às requerentes, que vieram esclarecer que o acto que configura, na sua ótica, esbulho, é a construção do muro, vendo na recusa de demolição do mesmo a continuação do esbulho.

Atendendo à posição das requerentes e tendo presente a factualidade que alegaram, entendeu o Tribunal a quo encontrar-se em posição de decidir, desde logo, o presente procedimento cautelar liminarmente, o que fez, indeferindo-o, nos seguintes termos:
Cumpre decidir.

Estatui o artigo 362º do CPC “1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.

Em termos gerais, a providência cautelar carateriza-se por ser o meio de tutela indicado a evitar a demora inevitável de determinada ação judicial (periculum in mora) de modo a dar cobertura a um direito sempre que, num juízo sumário (summaria cognitio), se conclua não só pela probabilidade séria da sua existência, mas também pelo fundado receio da sua lesão (fumus boni iuris).
Trata-se, pois, de uma medida provisória a que corresponde a necessidade efetiva e atual de remover o receio de um dano jurídico.
Por seu turno, a restituição provisória da posse constitui uma providência cautelar especificada, correspondendo, no plano processual, a um dos meios de defesa da posse ao serviço do possuidor contra atos de esbulho violento e de acordo com o disposto no art. 1279º do Código Civil: “o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.
Por seu turno, dispõe o artigo 377° do CPC que “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
O esbulho consiste na circunstância de o possuidor ficar privado do exercício dos poderes do possuidor correspondentes à sua posse.
Finalmente, e quanto à violência, perfilha-se a posição segundo a qual a violência não tem necessariamente de ser exercida de forma direta sobre as pessoas, podendo também ser exercida sobre as coisas, pois por essa via repercute-se nas pessoas em termos de intimidá-las ou coagi-las.
É extensa a jurisprudência sobre esta temática, seguindo-se aqui de perto o Ac. TRL de 23-10-2008, proferido no âmbito do Processo nº 2170/08.0TBPDL, deste Tribunal, e integralmente disponível em www.dgsi.pt (Proc. 8672/2008-6, relatado por Carlos Valverde): a esmagadora maioria quer da doutrina quer da jurisprudência é no sentido de que a violência relevante como causal da restituição provisória de posse tanto pode exercer-se sobre as pessoas como sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho, até porque tal parece mais consentâneo com a forma como a própria lei substantiva preenche este vício da posse.
Na verdade, “sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art. 1261º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art. 255º do CC, norma que integra na atuação violenta tanto aquela que se dirige diretamente à pessoa do declaratário (leia-se do possuidor), como a que á feita através do ataque aos seus bens” (cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, pág. 45).
De resto e como dá conta Alberto dos Reis, já aquando da discussão do CPC de 1939 se entendeu que não se tornava necessária a consagração expressa na letra da lei do esbulho violento quando a violência recaísse sobre as coisas, por ser doutrina geralmente seguida a de que a violência tanto podia exercer-se sobre as pessoas como sobre as coisas (cfr. CPC Anotado, vol. I, pág. 670).
Isto posto, vejamos se estão reunidos os pressupostos e rapidamente se dirá que, pelo menos o esbulho não se verifica e isto quer lograssem as requerentes fazer prova da totalidade da factualidade por si alegada, quer não.
Temos, pois, que o ato de esbulho será a construção do muro e a recusa da sua demolição.
Dir-se-á, quanto à conclusão da construção do muro que seria o ato de esbulho, que a construção, como alegam as requerentes e resulta das certidões juntas, ocorreu quanto os requeridos haviam sido restituídos à possa da parcela de terreno (aliás, da leitura na decisão inicialmente proferida no procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 4212/23.... ressalta que a restituição dos ali requerentes e aqui requeridos à posse da parcela de terreno visava, precisamente, possibilitar a conclusão da construção do muro igualmente em causa nestes autos), logo, não teve por resultado, privar as requerentes da posse, pois que, por decisão judicial (ainda que provisória) tal posse lhes havia sido subtraída, o que basta para que se tenha que considerar que tal factualidade não pode ser enquadrada como esbulho.
Veja-se o acórdão do TRC de 24/11/2020, processo 2468/20.0T8LRA.C1, relatado por Maria Teresa Albuquerque em cujo sumário se pode ler “I – Ao contrário do que sucede na turbação, no esbulho o ato do terceiro implica a aquisição originária de uma nova posse, contraditória com a antiga, sem que, no entanto, implique necessariamente que se seja privado da retenção ou fruição, porque o possuidor não perde a posse ainda que um terceiro constitua uma posse contrária, e mesmo contra a vontade do antigo possuidor, salvo se a nova posse houver durado mais de um ano – art. 1279º/2 CC.
II - A violência do esbulho, para efeitos do art. 1279º CC, tanto pode atingir a capacidade volitiva do possuidor espoliado, como sucede com a coação física ou moral, no modo definido no art. 1261º, como pode exercer-se sobre a coisa possuída, ou as coisas e pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho, mesmo que não implique o referido efeito de constrangimento na vontade de ação do possuidor primitivo.
III – Não obstante, para efeito de caducidade das ações possessórias - art 1282º CC - e de perda de posse face a nova posse – art 1267º/2 - o que conta não é a violência no esbulho, mas a verificação em função dele de posse violenta, isto é, que o esbulhado veja constrangida a sua capacidade volitiva ao ponto de não reagir contra a nova posse. Enquanto persistir esse constrangimento não se conta a nova posse de outrem e não se conta o prazo de caducidade da ação de restituição.
O mesmo se diga sobre a recusa de demolição do muro, pois que, logicamente, não teve o efeito de privar as requerentes da posse, mas apenas de manter tal privação, com a agravante de que sequer poderia considerar violento.
A respeito deste segundo segmento, seguimos o entendimento vertido no acórdão TRL, de 26/01/2023, processo 4683/22.2T8OER.L1-2, relatado por Inês Moura e integralmente disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se “1. A existência de esbulho violento enquanto requisito para o decretamento da restituição provisória de posse, tanto pode dirigir-se a pessoas como a coisas. Contudo, a violência dirigida às coisas apenas será relevante para este efeito, a partir do momento em que, ainda assim, visa o possuidor, colocando-o numa situação de intimidação ou constrangimento.
2. A circunstância do Requerido se recusar a abandonar o imóvel onde vivia em união de facto com a arrendatária, com fundamento no direito que invoca à transmissão do contrato de arrendamento não se apresenta como um comportamento violento direcionado ao Requerente, ainda que o prive da disponibilidade absoluta do bem de que é proprietário.
3. Só o esbulho violento pode fundamentar a restituição provisória da posse nos termos do art.º 377 do CPC, o que se compreende, até porque o decretamento da providência tem lugar sem a audiência do esbulhador, o que representa uma diminuição das garantias de defesa da parte contrária. Por um lado, o legislador prescinde da observância prévia do princípio do contraditório; por outro lado, não considera necessária a existência de prejuízo, requisito para as restantes providências cautelares. Tal acontece precisamente pelo facto de ter existido a prática de violência e no sentido de desencorajar tais atos.
Não pode, aliás, deixar de assinalar-se que o que, em rigor, com o presente procedimento cautelar, pretendem as requerentes obter, na verdade, é a demolição que requereram no processo 4212/23.... e que lhes foi negada, sem que hajam reagido contra o despacho de indeferimento que, além do mais, indica a ação principal como a sede própria para requerer tal demolição (ao que não será alheia a circunstância de, de acordo com a alegação das ali requeridas e aqui requerentes, a construção da vedação teria sido anterior a 19/12/2021, colocando questões, até ao nível da caducidade.
Certo é que, os atos alegadamente de esbulho, não podem como tal ser enquadrados, um deles, sequer pode ser enquadrado como violento, o que é bastante para que a pretensão das requerentes deva improceder, pelo que indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.

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São devidas custas pelas requerentes – artigo 539º nº 1 do CPC.
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Fixo ao presente procedimento cautelar o valor de € 5.000,01 – cfr. artigos 296º, 299º, 304º, n.º3, al. d) do CPC.
Notifique e registe.

Inconformadas com essa decisão, as Requerentes interpuseram recurso de apelação contra a mesma, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

I- Objeto do Recurso.

1- O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado pelas ora recorrentes – que pediu a restituição provisória da posse e, subsidiariamente, a decretação de uma medida cautelar não especificada, tudo conforme melhor consta do requerimento inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Assim,

II- DA MATÉRIA DE DIREITO: DA VERIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE, MAXIME DA EXISTÊNCIA DE ESBULHO E DA SUA VIOLÊNCIA:
A) DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS.

2- Entende a ora recorrente que o Tribunal a quo, na decisão proferida, violou a norma do artigo 377º do C.P.C.

B) O SENTIDO COM QUE, NO ENTENDER DA RECORRENTE, AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS.

3- Cumpre salientar que no requerimento inicial, as requerentes relataram amplamente a sua pretensão e os fundamentos da mesma;
4- Para além disso, em requerimento datado de 06/09/2024 (ref. Citius 49778002) expuseram sucintamente o ato que as privou da sua posse, no caso, a construção de um muro na parcela de terreno em discussão, que ainda hoje se mantém.
5- A construção do muro em causa ocorreu após a decisão de restituição provisória no processo 4212/23...., é certo; porém, mesmo que se considere que o ato que desapossou as aqui requerentes do prédio em questão é tal decisão – ou melhor, a diligência de entrega da posse feita pela Sra. Agente de Execução naqueles autos com base na decisão judicial proferida -, tal ato configura, ainda assim, um esbulho às requerentes.
6-O esbulho corresponde a um ato pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada. Há esbulho, para efeito de aplicação do referido art.º 377º, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar. No esbulho, o terceiro não permite que o possuidor atue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/02/2024, processo 19528/23.8T8PRT.P1.
7- É certo que ficaram privadas dessa posse por via de uma decisão judicial (provisória); mas o que releva é a primeira parte daquela oração: ficaram privadas dessa posse.
8- Portanto, as requerentes foram esbulhadas da sua posse.
9- Mesmo que assim não se entendesse, a construção do muro em si é também um ato patentemente impeditivo da posse das requerentes - feito ao abrigo da decisão cautelar inicial, é certo - mas que se manteve ainda após a revogação desta.
10- Ou seja, a construção do muro impede as requerentes de exercer a sua posse, pelo que configura um esbulho em si mesma.
11- E, por último, a manutenção daquele muro por parte dos requeridos, após a decisão cautelar ao abrigo da qual construíram esse muro ter sido revogada – com utilização de câmaras e presença do local -, é um ato que manifesta também o esbulho que operam perante as requerentes, decorrente necessariamente da construção do muro.
12- Destarte, quer se considere que o ato esbulhador é a diligência em que se concretizou o desapossamento das requerentes, a construção do muro por parte dos requeridos ou a manutenção do muro hodiernamente (apesar da revogação da decisão cautelar ao abrigo do qual este foi construído), o que é certo é que as requeridas ficaram privadas da sua posse, por ato de terceiro.
13- E se ficaram privadas da sua posse por ato de terceiro, foram esbulhadas.
14- Assim, entendem as requerentes que se verifica o requisito do esbulho constante do artigo 377º do C.P.C.
15- Cumpre ainda saber se se encontra preenchido o requisito da violência do esbulho perpetrado, nos termos e para os efeitos do artigo 377º do C.P.C., relativamente aos factos em causa.
16- Ora, tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinário maioritário que é suficiente, para a existência de violência do esbulho, basta uma ação que impeça uma pessoa de aceder ou utilizar uma coisa que vinha possuindo, coagindo-a dessa forma a aceitar uma situação que é contra a sua vontade – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 3208/19.1T8GMR.G2, de 17-10-2019.
17- Por outro lado, o esbulho é considerado violento “sempre que seja necessário vencer um obstáculo como seja o que resulta da substituição de fechaduras” de acesso a um imóvel – vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 00117461.
18- Ou seja, é patente que os atos em causa, que influem sobre a coisa, impedem as recorrentes de exercer o seu legítimo direito.
19- Veja-se, a este propósito, a ampla jurisprudência já citada supra.
20- Ora, o esbulho concretizado pelos requeridos apenas pode ser qualificado, em qualquer vertente, como violento.
21- Em primeiro lugar, porque os requeridos utilizaram os meios judiciais – leia-se, a força coerciva do Estado – para obter decisão que ordenasse o desapossamento das requerentes;
22- Em segundo lugar, mesmo que assim não se entendesse, os requeridos ergueram uma edificação com o expresso propósito de impedir as requerentes de aceder à parcela de terreno em causa.
23- Isto é, exerceram violência sobre a coisa por forma a obrigar as requerentes a aceitar uma situação contra a sua vontade.
24- E enquanto o muro se mantiver, essa privação da posse com violência também se mantém, sendo um ato continuado decorrente da construção do muro.
25- Destarte, face ao exposto supra, impõe-se a revogação da sentença ora recorrida, sendo a mesma substituída por outra que aceite liminarmente o requerimento inicial, devendo o processo prosseguir os seus ulteriores termos – máxime com a produção da prova indicada pelas recorrentes, sem audição prévia dos requeridos.
Sem prescindir, subsidiariamente

III- DA MATÉRIA DE DIREITO: DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO À PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA:

a) As normas jurídicas violadas:
26- Entende a ora recorrente que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente a norma prevista nos artigos 379º e 615º, nº1, d) do C.P.C.
b) O SENTIDO COM QUE, NO ENTENDER DAS RECORRENTES, AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS.
27- Relativamente a este ponto, urge apenas realçar que, não tendo o Tribunal a quo proferido decisão sobre uma questão que lhe foi colocada, verifica-se omissão de pronúncia.
28- Não tendo havido decisão sobre esta questão, a sentença proferida padece de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº1, d) do C.P.C., nulidade esta que expressamente se invoca e deverá ser decretada, com as legais consequências.
Nestes termos, não só certamente pelo alegado, mas principalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deverá a sentença ora recorrida ser revogada e, em consequência:
a) Ser substituída por outra que admita liminarmente o requerimento inicial apresentado, devendo o processo prosseguir os seus ulteriores termos, sem a audição prévia dos requeridos;
b) Subsidiariamente, decretar-se a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, com as legais consequências.
*
A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos, o que fez nos termos seguintes:
Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida nos presentes autos, que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar instaurado pelas requerentes AA e Outras.
Analisada a alegação, constata terem as ora recorrentes invocado a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal não se terá pronunciado quanto ao requerido subsidiariamente, procedimento cautelar comum.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto no artigo 617º, n.º1 do CPC, cumpre conhecer a invocada nulidade, e salvo o respeito por opinião diversa, entende-se não ter havido qualquer omissão de pronúncia.
Na verdade e como procurou o Tribunal frisar, entende ter inexistido esbulho – violento ou não – uma vez que a conclusão da construção do muro ocorreu quando as ora requerentes já estavam privadas da posse da parcela de terreno em causa naqueles e nestes autos por força da decisão judicial proferida no processo 4212/23.... e que a recusa de demolição tão pouco tem o efeito de privar as ora requerentes da posse da aludida parcela.
Ora, estando em causa a pretensão de ser restituídas à posse, a grande diferença para o enquadramento jurídico, reside na violência ou não do esbulho, sendo que a primeira situação permite enquadrar no procedimento cautelar de restituição provisória da posse e a segunda só possibilita o procedimento cautelar comum.
Contudo, concluindo o Tribunal, como concluiu, que inexiste esbulho, ainda que se fizesse prova dos demais requisitos, sempre faltaria o esbulho, impossibilitando o visado pelas requerentes, seja em sede de restituição provisória da posse, seja em sede de procedimento cautelar comum.
E foi isto mesmo que a decisão afirmou, ainda que se conceda que não com absoluta clareza.
Assim sendo, e no que concerne à questão que vem de se enunciar, mantenho a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Por ser admissível, ter legitimidade, estar em tempo, se mostrar junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça e vir acompanhado da respetiva alegação [artigos 627º, 629º nº 1, 630º a contrario sensu, 631º nº 1, 637º, 638º nº 1, parte final conjugado com o 644º, n.º 1, al. a), 639º, 641º e 642º, todos do CPC], admito o recurso interposto pela ré, que é ordinário de apelação, a subir imediatamente, nos próprios e com efeito meramente devolutivo (artigos 645º, n.º1, al. a) e 647º do CPC).
Dir-se-á que, em primeira linha, pretendem as requerentes a restituição provisória da posse, procedimento que afasta a citação e audição do esbulhador (cfr. Artigo 378º do CPC), pelo que não há lugar ao cumprimento do disposto no artigo 641º, n.º7 do CPC, como dispõe a parte final da aludida norma.
Notifique.
Oportunamente, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelas apelantes Requerentes, estas, para além da suscitada questão da omissão de pronúncia, pretendem que seja aferido se a decisão supra descrita deve ser revogada e substituída por outra, nos termos pedidos pelas recorrentes.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelas apelantes.
E fazendo-o, começamos pela questão relativa à nulidade da sentença.

I) Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos arts. 635º/4 e 639º/1 e 2 do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[…] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[2]
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[3], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[4]
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[5]

Tendo presente estas considerações, vejamos, agora, o caso sub judice.
Entendem as recorrentes que a decisão em causa no recurso é nula, dado não se ter pronunciado quanto à providência cautelar não especificada (art. 379º do CPC), ou seja, quanto ao pedido subsidiário que formulou na parte final do seu requerimento inicial, para o caso de se entender que não se encontram preenchidos todos os elementos previstos no art. 377º do CPC.
Efectivamente, as requerentes fizeram tal pedido subsidiário para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (cfr. art. 554º/1 do CPC).
Ora, tal alegado vício resulta porém de deficiente compreensão da sentença, pois, ainda que não com absoluta clareza, como reconhecido pela Srª Juiz a quo na pronúncia sobre esta suscitada nulidade, porque estando em causa a pretensão de serem restituídas à posse, a grande diferença para o enquadramento jurídico, reside na violência ou não do esbulho, sendo que a primeira situação permite enquadrar no procedimento cautelar de restituição provisória da posse e a segunda só possibilita o procedimento cautelar comum (…), concluindo o Tribunal, como concluiu, que inexiste esbulho, ainda que se fizesse prova dos demais requisitos, sempre faltaria o esbulho, impossibilitando o visado pelas requerentes, seja em sede de restituição provisória da posse, seja em sede de procedimento cautelar comum. Assim, afigura-se-nos, que a questão invocada pelas apelantes não se enquadra na apontada causa de nulidade da sentença (omissão de pronúncia), antes se prendendo com uma divergência com a decisão proferida pelo Tribunal, contendendo já com a questão de mérito, que de seguida se analisará, com a qual não se conformam.
Há, assim, que indeferir a invocada nulidade da sentença com fundamento no facto de esta não ter conhecido de questão sobre a qual se devia ter pronunciado.

II) Reapreciação da decisão de mérito

Não se conformam as Recorrentes com a decisão recorrida, na medida em que entendeu não estarem verificados os fundamentos da restituição provisória de posse, máxime da existência de esbulho e da sua violência (cfr. art. 377º do CPC).
Entendem as recorrentes que a decisão em causa no recurso é errada, pois quer se considere que o ato esbulhador é a diligência em que se concretizou o desapossamento das requerentes, a construção do muro por parte dos requeridos ou a manutenção do muro hodiernamente (apesar da revogação da decisão cautelar ao abrigo do qual este foi construído), o que é certo é que as requeridas ficaram privadas da sua posse, por ato de terceiro.
Vejamos, então, a situação.
Nos termos do disposto no art. 362º/1 do CPC, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado; excepto se for decretada a inversão do contencioso o procedimento cautelar é sempre dependência da acção que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa (art. 364º/1) e reveste sempre caracter urgente (art. 363º/1).
Quanto ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, o periculum in mora, cumpre referir que, ao contrário do que sucede em alguns procedimentos cautelares nominados em que a lei dispensa a prova especifica do periculum in mora, no procedimento cautelar comum não se verifica tal dispensa e a manifestação dessa ideia geral de periculum in mora é a exigência do fundado receio de lesão grave dificilmente reparável do seu direito.
De facto, ao lado dos procedimentos cautelares genericamente previstos nos arts. 362º e ss. do CPC, o legislador consagrou ainda os procedimentos cautelares especificados ou nominados, entre os quais se enquadra a restituição provisória da posse, dispondo o art. 377º que no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
Cumpre ainda sublinhar que com as providências cautelares se visa alcançar apenas uma decisão provisória do litígio, sendo necessário que a mesma seja fundamental para assegurar a utilidade da decisão, isto é, seja necessária a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na acção principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica[6].
Por outro lado, as providências cautelares, quanto à sua finalidade e efeitos, dividem-se em conservatórias e antecipatórias[7].
Nas conservatórias pretende-se, apenas, acautelar ou garantir o efeito útil da acção principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio a resolver na acção ou aquando da verificação da situação de periculum in mora. As mesmas não produzem efeitos irreversíveis na esfera do requerido, nem proporcionam ao requerente uma tutela imediata do seu direito; será o caso das providências de arresto, arrolamento e, regra geral, de embargo de obra nova.
Já nas providências cautelares antecipatórias e devido à urgência da situação carecida de tutela, o tribunal antecipa, ainda que numa composição provisória, a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal[8]. Estas excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia, aproximando-se de medidas de índole executiva, pois que garantem, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na ação principal, um determinado efeito. É o caso da restituição provisória da posse.
A restituição provisória da posse é, pois, uma providência cautelar com funções antecipatórias.
A razão de ser desta providência, como se escreveu já no Ac. do STJ  de 26-05-1998[9]é, além da ideia de castigo ou repressão da violência, evitar a tentação, por parte do esbulhado, de fazer justiça por meio de ação direta, em princípio gerador de nova violência, compensando-o assim com um meio processual, simples e rápido, de repor a situação anterior”, o benefício concedido ao possuidor “de ser restituído à posse imediatamente, isto é, antes de ser julgada procedente a ação tem a sua justificação precisamente na violência cometida pelo esbulhador; é por assim dizer, o castigo da violência. É a violência que compensa o facto da falta de característica típica das providências cautelares: o periculum in mora[10].
De facto, o beneficio que é concedido ao possuidor esbulhado não tem em atenção um perigo de dano eminente, o periculum in mora, mas é concedido como compensação da violência de que foi vitima, pela aplicação da regra spoliatus ante omnia restituendus; por isso, e ao contrário de outros processos cautelares, designadamente do procedimento cautelar comum, o autor não carece de alegar e provar o periculum in mora bastando-lhe alegar e provar os pressupostos desta providência[11].
São por isso pressupostos de que depende o decretamento da providência de restituição provisória da posse, tal como decorre do referido art. 377º do CPC, a posse, o esbulho e a violência, sem que o requerente necessite de invocar a existência de periculum in mora.
De facto, conforme decorre do art. 1279º do CC, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador; no caso de esbulho violento, o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (art. 377º do CPC) sendo que se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador (art. 378º do CPC).
Da leitura destes preceitos conclui-se, por isso, que o decretamento desta providência pressupõe a demonstração pelo requerente da posse da coisa, do esbulho e da violência (sendo certo que não estando em causa uma situação de esbulho violento será sempre de ponderar a possibilidade de optar pelo decretamento de uma providência cautelar comum desde que demonstrados os pressupostos desta tal como decorre do art. 379º do CPC).
O primeiro dos pressupostos será, por isso, a qualidade de possuidor do requerente, qualidade que decorre[12] do exercício de poderes de facto sobre uma coisa, por forma correspondente ao direito de propriedade ou a qualquer outro direito real.
A posse susceptível de fundar as acções possessórias é por regra a posse em nome próprio; no entanto, além dos possuidores em nome próprio outros podem socorrer-se dos meios de defesa da posse, como é o caso dos titulares de direitos pessoais de gozo, designadamente do locatário[13].
Debruçando-nos, agora, quanto ao caso sub judice, temos que esteve subjacente ao indeferimento liminar da providência, o entendimento do tribunal a quo de que não estavam reunidos os pressupostos, in casu, o esbulho, e isto quer lograssem as requerentes fazer prova da totalidade da factualidade por si alegada, quer não. É que sendo acto de esbulho a construção do muro e a recusa da sua demolição, quanto à construção do muro tal ocorreu quanto os requeridos haviam sido restituídos à possa da parcela de terreno (aliás, da leitura na decisão inicialmente proferida no procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 4212/23.... ressalta que a restituição dos ali requerentes e aqui requeridos à posse da parcela de terreno visava, precisamente, possibilitar a conclusão da construção do muro igualmente em causa nestes autos), logo, não teve por resultado, privar as requerentes da posse, pois que, por decisão judicial (ainda que provisória) tal posse lhes havia sido subtraída, o que basta para que se tenha que considerar que tal factualidade não pode ser enquadrada como esbulho; e quanto à recusa da sua demolição, tal não teve o efeito de privar as requerentes da posse, mas apenas de manter tal privação, com a agravante de que sequer poderia considerar violento.
Ora, face ao enquadramento factual invocado no presente caso, não podemos deixar de concordar com a posição defendida pelo Tribunal a quo, que acompanhamos, pois, o esbulho – enquanto pressuposto necessário à procedência do procedimento cautelar de restituição provisória de posse – pressupõe a existência de um acto que prive o possuidor da posse que detinha, ou seja, um acto que lhe retira o poder de facto (de retenção/fruição) que detinha sobre a coisa e a possibilidade de o exercer[14]. Lembrando-se que a factualidade de construção do muro jamais poderá ser enquadrada como esbulho, pois, ocorreu quando os requeridos haviam sido restituídos à posse da parcela de terreno, pelo que não teve por resultado, privar as requerentes da posse, pois que, por decisão judicial (ainda que provisória) tal posse lhes havia sido subtraída. E quanto à recusa da sua demolição, não tem a mesma o efeito de privar as requerentes da posse, mas apenas de manter tal privação.
Entendeu, ainda, o Tribunal a quo, que na situação da recusa da demolição do muro, para além de inexistir esbulho, nunca seria possível considerá-lo violento, o outro pressuposto para fundamentar o decretamento da providência pretendida pelas requerentes, pois não teve o efeito de privar as requerentes da posse, ainda que mantenha tal privação, o que não é a mesma coisa. Em face do supra exposto, nenhum reparo temos a fazer a este entendimento, que não passava de especulativo, em face da inexistência de esbulho.
Para finalizar, mas sem daí retirar qualquer consequência, resta rememorar a situação assinalada na decisão recorrida de que o que, em rigor, com o presente procedimento cautelar, pretendem as requerentes obter, na verdade, é a demolição que requereram no processo 4212/23.... e que lhes foi negada, sem que hajam reagido contra o despacho de indeferimento que, além do mais, indica a ação principal como a sede própria para requerer tal demolição (ao que não será alheia a circunstância de, de acordo com a alegação das ali requeridas e aqui requerentes, a construção da vedação teria sido anterior a 19/12/2021, colocando questões, até ao nível da caducidade, a que as recorrentes incompreensivelmente não questionaram.

Improcede, pois, a apelação.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 24-10-2024

(José Cravo)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Joaquim Boavida)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JL Cível - Juiz ...
[2] CPC Anotado, 5º, 143.
[3] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
[5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
[6] Vd. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 23.
[7] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, Volume III, pág. 91 e ss. e Marco Gonçalves Carvalho, Providências Cautelares, 2015, pág. 90 e ss.
[8] Vd. António Abrantes Geraldes, Ob. Cit., pág. 92.
[9] In BMJ n.º 477, pagina 506.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 14-11-1994, in BMJ nº 441, pág. 202.
[11] Vd. Marco Gonçalves Carvalho, Ob. Cit., pág. 262, António Abrantes Geraldes, Ob. Cit., Volume IV, pág. 28 e ss. e Moitinho de Almeida, Restituição da Posse e Ocupação de Imóveis, 5ª Edição, pág. 134.
[12] Cfr. art. 1251º do CC.
[13] Vd. Ac. da RL de 27-06-2019, proferido no Proc. nº 43/06.0TBCDV-B.L1-2 e disponível in www.dgsi.pt.
[14] Vd. Ac. da RC de 6-02-2024, proferido no Proc. nº 1715/23.0T8CTB.C1 e disponível in www.dgsi.pt.