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PRIMEIRO INTERROGATÓRIO DE ARGUIDO PRESO
OMISSÃO DE REDUÇÃO A ESCRITO DO DESPACHO QUE APLICOU MEDIDAS DE COACÇÃO
VÍCIOS DO ARTº 410º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
MERA IRREGULARIDADE
AFIRMAÇÕES GENÉRICAS
ABSTRACTAS E CONCLUSIVAS
Sumário
I. Os vícios de procedimento a que alude o art.º 410º, n.º 2 do C.P.P. são vícios próprios da sentença, inaplicáveis, pois, a outras decisões, mormente no que ora releva, ao despacho de aplicação de medidas de coacção. II. Como vem sendo referido, não obstante a inserção do art.º 410º do C.P.P. no capítulo atinente à “Tramitação unitária do recurso”, as referências expressas no n.º 2 à apreciação da prova e à matéria de facto provada só são compagináveis com a sentença, já que no âmbito de uma decisão de aplicação de medidas de coacção, maxime em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a factualidade reconduz-se sempre, atenta a própria natureza da fase de inquérito, àquela que se mostra indiciada e não indiciada. III. De igual modo, como tem sido apontado, na procedência dos vícios de procedimento do art.º 410º, n.º 2 do C.P.P., a consequência a que aludem os art.º 426º e 426º A do mesmo diploma, é, outrossim, inconciliável com a fase de inquérito. IV. É legalmente exigível, com amparo nas disposições conjugadas dos art.º 96º, n.º 4 e 141º, n.º 7 do C.P.P., que o despacho que determina a imposição de medidas de coacção fique reduzido a escrito. V. Todavia, de acordo com o arquétipo legal, tal omissão - de redução a escrito do despacho que aplicou as medidas de coacção - redundará em mera irregularidade que, não tendo sido suscitada atempadamente, se terá de ter necessariamente por sanada. VI. A possibilidade de conhecimento oficioso, pelo Tribunal ad quem, de irregularidades, deverá cingir-se àquelas que assumem particular gravidade, designadamente as que sejam susceptíveis de afectar direitos fundamentais dos sujeitos processuais, o que, de todo, não é o caso. VII. Não está em causa a falta de fundamentação do despacho ou um qualquer desvio legal à obrigação de fundamentação a que alude o citado art.º 194º, n.º 4 do C.P.P. (única susceptível de consubstanciar a nulidade de tal despacho). VIII. A decisão recorrida (como se verifica da transcrição integral, entretanto efectuada) contém, designadamente, a especificação dos factos indiciados, o suporte probatório a partir dos quais se alicerçou o juízo de forte indicação daqueles (por remissão para os elencados no despacho de apresentação), a (respectiva) subsunção jurídico-penal e os concretos factos que amparam os perigos convocados, em estreita obediência ao disposto no art.º 194º, n.º 4 do C.P.P. IX. Isto é, resulta à evidência que a decisão recorrida mostra-se fundamentada, com respeito pelo disposto, maxime, nos artigos 205.º n.º 1, da C.R.P., e 97.º n.º 5, do C.P.P. X. As afirmações genéricas e abstractas sendo, para além do mais, e por natureza, insusceptíveis de prova e contraprova, deverão ser liminarmente expurgadas, isto é, não consideradas na fundamentação indiciária de factos. (Sumário da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Nos autos de inquérito em referência, precedendo primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos, a Sra. Juíza de Instrução Criminal, por despacho de 17 de Abril de 2024, para o que ora releva, decidiu submeter os arguidos AA e BB às medidas de coacção de prisão preventiva e de proibição de contatos, por qualquer meio (nomeadamente, pessoal, por terceira pessoa e/ou por telefone, redes sociais ou qualquer outro meio de comunicação eletrónica) com os restantes arguidos e com as testemunhas já identificadas nos autos, ponderando a verificação dos perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação do inquérito nas vertentes de aquisição da prova e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e a forte indiciação de factos consubstanciadores de, em co-autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.º e 26.º, ambos do Cód. Penal.
2. Os referidos arguidos interpuseram recurso daquele despacho.
3. O arguido AA extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I O arguido foi detido no dia 16/04/2024 e apenas no dia 24/04/2024 foi submetido a 1º interrogatório judicial de Arguido detido, conforme resulta do respetivo auto; Estipulando a Lei claramente um prazo máximo de 48 horas, para o Arguido ser presente a um juiz de instrução, após a sua detenção, e tendo no caso dos presentes autos essa apresentação sido efetuada, quando haviam já decorrido 08 (oito) dias, sem que a detenção fosse sequer validade pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, é manifesto que, no caso sub judice, tal interrogatório, como a sua atual situação de prisão preventiva, configuram uma situação ilegal, e portanto, nos termos do artigo 126º, n. º2, alínea a) do C.P.P., atos nulos. Nulidade que, desde já se argui para os devidos e legais efeitos;
Mas mais, III O despacho que aplicou ao Arguido as medidas de coação é o seguinte: SEGUIDAMENTE PELA MM. JUIZ FOI PROFERIDO DESPACHO, em síntese refere: TIPOS DE CRIME: Nesta conformidade e considerando toda a factualidade acabada de descrever cometeram todos os arguidos, em coautoria material e na forma consumada: - 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I1-4 (arguido CC) e /-C, anexas ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.º • 26.º, ambos do Cód. Penal. E Incorreu o arguido o CC na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efetivo: - 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 3 por referência ao 255.º, alínea c) todos do Código Penal. Incorreu o arguido o DD na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efetivo: - 1(um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e nº 3 por referência ao 255.º, alínea c) todos do Código Penal. PERIGOS:
Perigo de fuga; Perigo de continuação da atividade criminosa; Perigo de perturbação do inquérito nas vertentes de aquisição da prova; Perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. MEDIDAS DE COAÇÃO: Ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193, 196.º, 200.º, n.º 1, al. d), 202.º, n.º als. a) e c) e 204.º, n.º 1, als. a) a c), todos do Código de Processo Penal. Termo de identidade e Residência, já prestados: Prisão preventiva; proibição de contatos, por qualquer meio (nomeadamente, pessoal, por terceira pessoa e/ou por telefone, redes sociais ou qualquer outro meio de comunicação eletrónica) com os restantes arguidos e com as testemunhas já identificadas nos autos. Emita mandados de condução dos arguidos ao Estabelecimento Prisional. Notifique e comunique nos termos do art.º 194.º, n.º 10 do Cód, Proc. Penal. Oportunamente, comunique a prisão preventiva ao TEP e DGRSP Tudo conforme registado no sistema de gravação áudio em uso neste tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 18h37m56s e o seu termo pelas 18h53m52s, tendo o seu reinício ocorrido quando eram 19h04m17s e o término pelas 19h04m55s. Quando eram 18 horas e 56 minutos entra na sala de audiências os arguidos AA, CC, DD e EE para lhe serem comunicadas as medidas de coação. Oportunamente, devolva os autos aos Serviços do Ministério Público. Do antecedente despacho foram todos presentes notificados, tendo a Mm. Juiz de Direito dado por encerrada a diligência quando eram 19 horas e 20 minutos. IV O acto de decidir, de afirmar a indiciação dos factos, de referir os fundamentos da medida de coacção e de, por fim, escolher a medida aplicável tem de ser reduzido a escrito e não está contemplado no artigo 147º, n.º 7 do C.P.P. V O Tribunal a que não procede a qualquer exame crítico da matéria indiciada e apresentada pelo ministério público; VI Apesar do Arguido ter prestado declarações sobre a sua situação pessoal, conforme resulta da ata, o Tribunal a quo não retirou das declarações da mesma qualquer ilação. VII A conduta do Tribunal reconduz-se ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal e VIII A verificação do vício determina nos termos do disposto no art.º 426º do C.P.P., o reenvio do processo à 1ª instância para que o Tribunal a quo supra o apontado vício, a saber refira quais os factos indiciados, fundamente tal afirmação, refira qual a imputação feita ao arguido, quais os perigos que entende existirem e quais as medidas de coação que entende corretas e adequadas e porquê. IX Idênticas decisões foram já tomadas pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito dos processos 133/19.0SHLSB.L1, 887/21.35GLSB.L1, 68/21.6PESTB.L1, 87/20.0SMLSB-B.L1, 2682/20.9T8LSB-D, 41/22.7SHLSB-A.L1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. X Analisados os elementos de prova facultados ao arguido, aquando da sua detenção, não vislumbramos nos mesmos elementos probatórios que permitam dar como indiciados os factos apresentados pelo Ministério público. XI O Tribunal a quo não refere um único facto que permita considerar, em concreto algum dos perigos elencados no artigo 204º do C.P.P. XII Para ser aplicada ao arguido uma medida de coação, nos termos do artigo 204º do
C.P.P., não basta a admissibilidade em abstrato da aplicação de uma medida de coação importa que ela se mostre necessária no caso concreto, objetiva e subjetivamente. XIII No caso sub judice, mesmo que o Tribunal a quo considerasse que ao Arguido deveria ser aplicada uma medida de coação privativa da liberdade, o que por mera hipótese académica se admite, então deveria o mesmo ficar sujeito a OPHVE. XIV Como tem vindo a ser realçado e defendido em todos os países desenvolvidos a prisão domiciliária deve sempre ser privilegiada face à prisão em Estabelecimento Prisional do Estado. Esta opção resulta de uma comprovada maior integração e apoio familiar dos Arguidos, por um lado, e por outro, de uma diminuição acentuada dos custos para o erário público. XV Em face de tudo o que ficou exposto e presentes que são, por um lado, os princípios da excecionalidade, da adequação e da proporcionalidade, Artigos 28º n.º 2 da C.R.P. e 193º do C.P.P., da medida de coação de prisão preventiva, e por outro que "cumpre ... rodear de todas as cautelas necessárias e razoáveis a aplicação de uma medida que incide sobre cidadãos que se presumem inocentes e que reveste uma gravidade extrema", afigura-se-nos por adequada e proporcional a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas semanais, Artigo 198º do C. P.P. ou caso se entenda que é de aplicar ao arguido medida privativa da liberdade, o que por mero dever de patrocínio se admite, então deve ser-lhe aplicada a medida de coacção de "Obrigação de Permanência na Habitação", artigo 201º do C.P.P»
4. O arguido BB aparta da motivação as seguintes conclusões: «1.O presente recurso vem interposto do despacho judicial, com a ref.ª 160659136, que indiciou o RECORRENTE pela prá ca, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I- C, anexa ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos14.ºe26.º, ambos do Código Penal; e determinou, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 200.º, n.º 1, al. d), 202.º, n.º 1, als. a) e c), e 204.º do Código de Processo Penal a sujeição do Recorrente às medidas de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos com os restantes arguidos e demais testemunhas identificadas nos autos. 2.O RECORRENTE não se conforma com o despacho judicial suprarreferido, por considerar que o decretamento da medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada se baseia em factos manifestamente genéricos e conclusivos, que associam indevidamente o RECORRENTE a um pretenso plano criminoso de tráfego de droga, que em nada lhe diz respeito, e para a provado qual não existem nos autos, no que ao RECORRENTE diz respeito, indícios suficientes e, menos ainda, indícios fortes da sua pretensa participação num crime de tráfico de estupefacientes, nos termos legalmente exigidos para a privação da liberdade. 3.Os fatos considerados fortemente indiciados pelo Tribunal a quo, no que diz respeito à participação do RECORRENTE, constituem meras imputações genéricas e conclusivas, não sendo concretizada, nas imputações genericamente formuladas contra “os arguidos”, uma única conduta concreta alegadamente adotada pelo RECORRENTE, em determinadas circunstâncias de tempo ou lugar. 4.Os factos formulados nos parágrafos1.º, 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 29.º do despacho recorrido são genéricos e conclusivos. 5.A prática de um crime não pode ser fortemente indiciada para efeitos de aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade com base em imputações genéricas e conclusivas. 6.A prova constante dos autos, analisada criticamente, não permite indiciar fortemente o RECORRENTE pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. 7.O RECORRENTE é um homem de 45 anos, pai de três filhos menores, que vive em situação de união de facto com a sua companheira, FF, na .... 8.O RECORRENTE e a sua companheira são ambos consumidores regulares e intensivos de haxixe, desde longa data. 9.O RECORRENTE e a sua companheira fumam ambos, conjuntamente, em média, cerca de 10 gramas de haxixe por dia. 10.A fim de suportar os hábitos de consumo do casal, o RECORRENTE decidiu adquirir oito placas – cerca de 800 grs. de haxixe – pelas quais pagou cerca de 600 €. 11.O RECORRENTE adquiriu aquela quantidade de estupefaciente de modo a evitar deslocações frequentes para aquisição de haxixe em pequenas quantidades e por considerar que o produto em causa tinha boa qualidade e estava a ser vendido a um bom preço. 12.O RECORRENTE estima que aquela quantidade de haxixe corresponderia previsivelmente a um período médio de consumo doméstico de dois meses. 13.O RECORRENTE declarou no interrogatório judicial ter adquirido uma quantidade de haxixe (800 grs.) superior àquela que havia sido apreendida na sua residência (740 grs.), consciente das implicações processuais das suas declarações, por ser verdade que, conforme o mesmo declarou, essa droga se destinava ao consumo doméstico comum do casal. 14.Não obstante os seus hábitos de consumo, ambos o RECORRENTE e a sua companheira desenvolvem atividade profissional estável e regular em duas empresas, de das, no todo ou em parte, por cada um deles: i) a empresa ..., como NIPC ...; e ii) a empresa ..., com o NIPC .... 15.O RECORRENTE foi detido na oficina da empresa ..., enquanto se encontra a trabalhar na reparação de um motociclo. 16.A apreensão, em cima de um tabuleiro, no móvel da televisão da sala, na residência do RECORRENTE, de “uma carteira contendo no seu interior vários pedaços com um produto suspeito de ser haxixe com peso de 40,42 gramas”, em conjugação com a fotografia (1) constante do auto de apreensão de fls. 1903 a 1906, conformam indícios claros e evidentes de consumo de haxixe em ambiente doméstico. 17. Não constam dos autos quaisquer indícios –, além do produto estupefaciente em si mesmo considerado –, de que o RECORRENTE se dedicaria a atividades de preparação, pesagem, embalamento, distribuição ou venda de produto estupefaciente, não tendo sido encontrados na residência do RECORRENTE objetos tipicamente conotados como tráfico de estupefacientes, como sejam balanças de precisão, tesouras, recortes plásticos, sacos de plástico ou outro tipo de embalagens, nem tão pouco cadernos outro tipo de apontamentos relacionados com a comercialização de produto estupefaciente. 18.As quantias monetárias apreendidas na residência do RECORRENTE–300€ (trezentos euros) num envelope encontrado em cima da mesa da cozinha; e 580 € (quinhentos e oitenta euros) encontrados dentro de uma carteira – não são, objetivamente, pelo seu valor, quantias suspeitas ou indiciadoras da prática de qualquer atividade criminosa. 19.No âmbito da atividade profissional desenvolvida pelo RECORRENTE, é normal o mesmo proceder ao recebimento de pagamentos em dinheiro e à realização regular de depósitos bancários. 20.O RECORRENTE e o arguido AA são amigos. 21.Em junho de 2023, o RECORRENTE e a sua companheira venderam ao arguido AA um veículo um automóvel da marca ... com a matrícula ..-SJ-.., o qual era, à data do negócio, propriedade de FF. 22.O RECORRENTE é completamente alheio ao modo de vida do arguido AA e à utilização que o mesmo entendeu fazer do veículo automóvel que adquiriu ao RECORRENTE e à sua companheira. 23.As interações entre o RECORRENTE e o arguido AA mantiveram-se sempre no quadro de um relacionamento social normal, não constituindo o mesmo indício da prática de qualquer ilícito criminal pelo RECORRENTE. 24.Não constam dos autos indícios de que o RECORRENTE alguma vez tenha alugado viaturas às empresas ... e .... 25.Não constam dos autos indícios de que o RECORRENTE alguma vez tenha feito deslocações “desde a área do ... até à área metropolitana de Lisboa”, com o propósito de transportar produto estupefaciente. 26.Não constam dos autos vigilâncias ou outras diligências de investigação que indiciem a realização de deslocações por parte dos outros arguidos à residência do RECORRENTE, ou a qualquer outro lugar em que este se encontrasse, a fim de lhe entregarem o produto que a este, supostamente, caberia armazenar e revender. 27.Não constam dos autos escutas telefónicas que indiciem a participação do RECORRENTE no pretenso plano criminoso de tráfico de estupefaciente em causa nos autos. 28.A mera posse de produto estupefaciente em quantidade superior ao consumo médio individual pelo período de 10 dias não constitui “fortes indícios” de que o Recorrente “armazenou” ou “revendeu” produto estupefaciente. 29.Não se encontram verificados nos autos “fortes indícios” da prática, pelo RECORRENTE, dos factos que lhe são imputados no despacho recorrido. 30.Não se encontram verificados os pressupostos legais de aplicação da medida de coação de prisão preventiva e, em geral, de qualquer medida de coação privativa da liberdade, nos termos dos artigos 201.º e 202.º do CPP. 31.O RECORRENTE em conjunto com a sua companheira são responsáveis pelo sustento do seu agregado familiar, tendo três filhos menores a seu cargo. 32.O RECORRENTE exerce uma atividade profissional estável e permanente, prosseguindo um modo de vida certo, constituindo a atividade económica das empresas do RECORRENTE e da sua companheira a principal fonte de rendimentos do RECORRENTE e do seu agregado familiar. 33.A companheira do RECORRENTE sofre de incapacidade de trabalho parcial. 34.Não existem nos autos indícios de que o RECORRENTE tenha predisposição para a prática de ilícitos criminais, nomeadamente para a prática de crimes violentos, contra a integridade fisica de quem quer que seja. 35.O RECORRENTE não tem antecedentes criminais. 36.Não se verificam nos autos, em relação ao RECORRENTE, os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação do inquérito ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. 37.A medida de coação de prisão preventiva aplicada ao RECORRENTE deve ser revogada, e substituída por outra medida de coação, preferencialmente não privativa da liberdade, que permita ao RECORRENTE retomar o exercício da sua atividade profissional. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao Recorrente ser revogada e substituída por outra medida de coação, preferencialmente não privativa da liberdade, que permita ao Recorrente retomar o exercício da sua a vida de profissional»
5. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público em primeira instância respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos.
Aparta das respostas as seguintes conclusões: «O despacho recorrido não violou as normas apontadas pelo recorrente na sua motivação, termos em que deve ser negado provimento ao recurso do arguido, confirmando-se o douto despacho recorrido»
6. Os recursos foram admitidos por despacho prolatado em 23 de Maio de 2024, a subirem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
7. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta propugna pela improcedência dos recursos, louvando-se nas respostas apresentadas na primeira instância, aditando, em síntese, que: «Analisados os elementos de prova certificados, o despacho recorrido e os fundamentos dos recursos, aderimos às respostas aos recursos apresentadas pela nossa Colega na 1.ª instância, por com ela concordarmos. Aditamos, porém, relativamente à nulidade do despacho que aplicou a medida de coação, por falta de redução a escrito, que o arguido/recorrente não coloca em causa a gravação áudio desse despacho, nem o seu conteúdo. Aceita a existência de gravação do despacho e que a mesma correspondência ao despacho oralmente proferido. O JIC que realiza a diligência de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, de acordo com os termos conjugados dos arts. 96.º, n.º 4 e 141.º, n.º 7, ambos do CPP, tem de exarar em auto a decisão oral de aplicação da medida de coação, o que não sucedeu no presente caso, pois o art.º 141.º, n.º 7, do CPP, restringe a oralidade ao interrogatório do arguido e o art.º 96.º, n.º 4, do CPP estatui que os despachos são consignados em auto. No entanto, a falta da redução a escrito da decisão oral não constitui nulidade, atento o princípio da tipicidade legal em matéria de nulidades consagrado no art.º 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, antes configura uma irregularidade da decisão, que se sanou por não ter sido arguida por AA no próprio ato, pois que a ele assistiu, conforme disposto no art.º 123.º, n.º 1, do CPP. Ademais, não se trata de irregularidade de conhecimento oficioso, tal como previsto no n.º 2 do art.º 123.º, n.º 1, do CPP, pois que não afeta o valor do ato praticado. Neste sentido, veja-se o acórdão do TRL de 11/01/2024, P. 511/23.0S6LSB-A.L1-9, relatado pelo Juiz Desembargador Nuno Matos, disponível em www.dgsi.pt, no qual são citados, no mesmo sentido, os “Acórdãos da RL, de 07/02/2023 (relatora: Isilda Pinho, em www.dgsi.pt, este Acórdão está identificado com a data de 07/02/2022, o que constitui um lapso) e de 09/03/2023 (relatora: Paula Penha) e no Ac. RP, de 24/11/2021 (relator: Paulo Costa), todos em www.dgsi.pt.”»
8. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P., ambos os recorrentes responderam, em suma, reiterando o argumentário aduzido nas motivações e conclusões recursivas.
9. Pela Ex.ma Sr. Juíza Desembargadora, em 26 de Julho de 2024, em serviço de turno, foi determinado que a primeira instância procedesse à transcrição integral do despacho recorrido, o que foi cumprido.
10. Sobreveio posteriormente aos autos requerimento apresentado pelo arguido AA, com o seguinte teor: «1º - Em 21/05/2024, não se conformando com o despacho que aplicou ao Arguido a medida de coação de prisão preventiva, o mesmo apresentou Recurso para o Venerando Tribunal da Relação. 2º - Em 12/07/2024 o Recorrente foi notificado do parecer da Senhora Procuradora Geral Adjunta. 3º - Em 25/07/2024 o Recorrente apresentou resposta ao parecer. 4º - Em 26/07/2024 a Exma. Senhora Juíza Desembargadora proferiu douto despacho nos seguintes termos: Analisados os elementos integrantes da certidão que instrui os recursos verifica-se que o despacho judicial recorrido que, em acto subsequente ao primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos, aplicou as medidas de coacção, nomeadamente a de prisão preventiva, foi proferido oralmente e não se mostra transcrito. Considerando igualmente as dificuldades inerentes à gravação, mostra-se indispensável à apreciação dos recursos, a transcrição integral do referido despacho judicial. Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 141º, nº 9 e 101, nº 5 CPP, determino a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí ser elaborada a transcrição integral do despacho judicial devidamente certificado.” 5º - Decorrido, mais de um mês, o Arguido não só não foi notificado da referida transcrição, como não foi, igualmente, notificado do Acórdão. 6º - Se dúvidas existissem, quanto à ilegalidade do despacho proferido, seguramente que a simples necessidade que o Venerando Tribunal da Relação teve para analisar o referido despacho as afastariam. 7º - O acto de decidir, de afirmar a indiciação dos factos, de referir os fundamentos da medida de coacção e de, por fim, escolher a medida aplicável tem de ser reduzido a escrito e não está contemplado no artigo 147º, n.º 7 do C.P.P. Termos em que, como é de direito se requer a V. Exa. que se digne declarar ilegal o despacho que aplicou ao Arguido a medida de coação de prisão preventiva, com as legais consequências, determinando a imediata libertação do mesmo»
11. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Atento o teor das conclusões das motivações dos recursos interpostos pelos arguidos, importa fazer exame das seguintes questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia): Recorrente AA
- Da nulidade decorrente do desrespeito pelo prazo das 48 (quarenta) horas a que alude o art.º 141º do C.P.P.;
- Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Da inexistência/insuficiência de indícios;
- Do erro de jure na aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por desrespeito aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade; BB
- Da inexistência de factos concretos;
- Da inexistência/insuficiência de indícios;
- Do erro de jure na aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por desrespeito aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
2. Do auto de primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos consta a seguinte súmula do despacho recorrido, proferido oralmente: «TIPOS DE CRIME: Nesta conformidade e considerando toda a factualidade acabada de descrever cometeram todos os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada: -1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas II-A (arguido CC) e I-C, anexas ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.º e 26.º, ambos do Cód. Penal. E Incorreu o arguido o CC na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efetivo: - 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 3 por referência ao 255.º, alínea c) todos do Código Penal. Incorreu o arguido o DD na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efetivo: - 1(um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f) e nº 3 por referência ao 255.º, alínea c) todos do Código Penal. PERIGOS: Perigo de fuga; Perigo de continuação da atividade criminosa; Perigo de perturbação do inquérito nas vertentes de aquisição da prova; Perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. MEDIDAS DE COAÇÃO: Ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193, 196.º, 200.º, n.º 1, al. d), 202.º, n.º 1, als. a) e c) e 204.º, n.º 1, als. a) a c), todos do Código de Processo Penal. Termo de Identidade e Residência, já prestados; Prisão preventiva; proibição de contatos, por qualquer meio (nomeadamente, pessoal, por terceira pessoa e/ou por telefone, redes sociais ou qualquer outro meio de comunicação eletrónica) com os restantes arguidos e com as testemunhas já identificadas nos autos. * Emita mandados de condução dos arguidos ao Estabelecimento Prisional. Notifique e comunique nos termos do art.º 194.º, n.º 10 do Cód. Proc. Penal. Oportunamente, comunique a prisão preventiva ao TEP e DGRSP»
3. O despacho revidendo, conforme transcrição integral efectuada na primeira instância, é do seguinte teor: «Valido a detenção dos arguidos por que efetuada ao abrigo dos pressupostos previstos nos artigos 254 a 257 do Código de Processo Penal. Relativamente aos indícios que os autos evidenciam nesta fase da investigação, que já vai longa, (lmpercetível) todos os elementos de prova indicados pelo Ministério Público, com as declarações prestadas pelo arguido EE, o único que decidiu prestar declarações neste primeiro interrogatório judicial, avança-se de imediato que é convicção do tribunal que os autos evidenciam fortemente ou contêm fortes indícios aliás de que os arguidos praticaram todos os factos que aqui lhes são imputados. De uma forma resumida, o arguido AA silenciou, o arguido CC silenciou, o arguido DD silenciou, e apenas o arguido EE decidiu prestar declarações. Quanto ao conteúdo das declarações, também de uma forma resumida, disse o arguido EE, reiteradamente e apesar de não lhe ser questionado, que nunca vendeu estupefaciente, que nunca se dedicou à atividade de venda de estupefaciente em concertação com os demais arguidos. Esclareceu conhecer o arguido AA, seu amigo pessoal e visita de casa, e não conhecer nenhum dos demais arguidos. Salientando-se que de acordo com os relatórios de vigilância, foi visto na companhia do arguido CC, identificando como GG. Que o haxixe que detinha na sua habitação se destinava a consumo próprio e da companheira, à razão de cerca de dez gramas por dia, que relativamente ao veículo onde o arguido AA se fazia transportar, no dia dezasseis de abril, lhe foi vendido por este arguido EE, pertencente à companheira, em junho do ano passado, que se alojou sim em unidade hoteleira, sita no ..., em agosto de dois mil e vinte e três, e que o encargo foi suportado pelo arguido AA, cerca ou de mais de dois mil euros. Para estas circunstâncias deu explicações absolutamente inconsistentes, que faremos referência. Que é frequente guardar dinheiro em casa, mas em simultâneo que, diariamente ou com muita frequência, se dirige a estabelecimentos bancários para fazer o depósito de caixa, que o dinheiro que guarda em casa, diz respeito ao caixa do dia, mas o dinheiro em particular que guardou, os oitocentos euros em particular que lhe foram encontrados, primeiro, diziam respeito ao fecho do dia. No final das suas declarações, já diziam respeito ao sinal que havia recebìdo pela venda de um veículo motorizado. Esclareceu também que para além dos oitocentos euros que lhe foram encontrados em sua casa, ali armazenava também cerca de seis mil euros, sem qualquer razão plausível, se não uma decisão pessoal. Que as empresas de que é proprietário, de que é sócio unipessoal, em nome da companheira e de outra, juntamente com outro sócio, sociedade limitada, faturara no último trimestre cerca de trezentos mil euros. Afirmação que fez também, reiteradamente, como que a justificar as quantias monetárias que foram encontradas em seu poder. Que deposita regularmente o dinheiro que recebe dos seus clientes, exceto o que decide guardar em casa, que tem rendimentos mensais, juntamente com a companheira, de cerca de quatro mil euros, e encargos de cerca de seiscentos, que dos registos da Segurança Social consta a indicação que recebe o ordenado mínimo nacional, na qualidade de gerente, reconhecendo ser este o ordenado que declara, mas que utiliza a faturação da sociedade unipessoal para os encargos pessoais e da família. que o estupefaciente que lhe foi apreendido, foi comprado todo na mesma altura, ao mesmo fornecedor, pelo valor de setecentos euros. E nas suas declarações, armazenado todo no mesmo local, no quarto, exceto o pedaço que estava na sala, para consumo regular. Que relativamente ao facto do estupefaciente que lhe foi apreendido se encontrar acondicionado em lugares diferentes da casa, deu a explicação de que o filho, apercebendo-se da chegada PSP, procurou esconder o haxixe, lançando-o para o exterior, mas não se apercebeu, e apenas arremessou cerca de metade. Em resumo, as declarações deste arguido, o único que decidiu prestar declarações, foram contraditórias, inconsistentes, sem enquadramento lógico, à luz do senso comum. Anote-se com relevância indiciária, o arguido tinha na sua casa cerca de mil quatrocentos e oitenta doses diárias de haxixe, e oitocentos euros, sem qualquer explicação plausível, por referência às suas próprias declarações e ao senso comum. Para a guarda da quantia monetária em dinheiro, o arguido forneceu várias explicações diferentes, respeitava, a dinheiro de caixa, não teve tempo de depositar. Apesar de fazer depósitos diários ou quase diários. Afinal dizia respeito ao sinal de venda de um veículo motorizado, recebido e guardado pela companheira, sendo que neste caso sem explicação para a divisão do dinheiro. Trezentos acondicionados no local, quinhentos e oitenta acondicionados numa carteira. A circunstância do montante em dinheiro ser composto essencialmente por notas de valor facial elevado, indicia, ao contrário do que foi aqui alvitrado, que o arguido ou vendia quantias elevadas, ou armazenava para distribuição a intermediários e não ao consumidor final. indícios que são manifestamente compatíveis com os factos que lhe são imputados. Em resumo e repete-se, o arguido tinha mil quatrocentos e oitenta doses de haxixe acondicionadas em locais e em embalagens distintas. o consumidor regular de haxixe não adquire mil e quinhentas doses de haxixe para consumo. Dinheiro separado fisicamente em casa sem explicação plausível. Conhece o arguido AA e foi visto na companhia do arguido CC, que identifícava como GG. o arguido AA é visita de sua casa. Este arguido fez o transporte de cerca de trezentos e sessenta quilos de haxixe em viatura que pertencia à companheira do arguido EE. AA pagou-lhe uma estadia no ... de mais de dois mil euros de custo, pagamento para o qual este arguido deu diferentes explicações, nenhuma delas plausíveis. Concatenando este raciocínio com o que diz respeito a DD, a circunstância de habitar em casa negociada para arrendamento e, obviamente, por referência a todos os elementos probatórios que constam aqui elencados no requerimento do Ministério Público, o arguido DD habita numa casa negociada para arrendamento por AA, não tem rendimentos, mas declarou que pagou a casa por inteiro, por ter angariado poupança de cerca de trezentos a quatrocentos mil euros, pelo exercício das profissões de estivador, marinheiro e operário. Em seu poder foram encontrados quatro telemóveis, um tablet, um computador portátil, cadernos com anotações compatíveis com preparativos para transporte marítimo de estupefacientes. Existem nos autos registos de vigilância e de localização celular, que o colocam AA. Este arguido tinha na sua posse também documentos de identificação de um outro cidadão espanhol, de nome Diego, e uma carta de condução falsificada, em nome de Diego, com a sua fotografia aposta, dois documentos de identificação espanhóis pessoais, do próprio, carta de condução e documento de identificação pessoal. Quatrocentos e vinte e três vírgula oitenta e sete gramas de haxixe, cento e cinco mil duzentos e setenta e cinco euros em dinheiro. Querendo este arguido convencer este tribunal que se tratava de remanescente de poupanças. O arguido CC detinha em seu poder oito telemóveis, sete cartões de operadora espanhola, três cartões de operadoras de telecomunicações, anotações em papel compatíveis com contabilidade relativa a transação de estupefacientes, reportadas aos anos de dois mil e quinze, vinte e dois, vinte e três, e vinte e quatro. Anotações em papel compatíveis com referências ao estupefaciente apreendido ao arguido AA. Um documento de identificação falsificado, alusivo ao cidadão GG, mas com a sua fotografia aposta. Documentos bancários em nome de GG. Seis mil quinhentos e quarenta euros em dinheiro. Existem nos autos relatórios de vigilância e de localização celular, que o colocam a contactar e a acompanhar o arguido AA. Existem a acompanhar o arguido referências nos autos a interações entre os envolvidos e o indivíduo GG, ou seja, correspondente à identificação falsa adotada pelo arguido. Por fim, o arguido AA, face a todos os elementos probatórios que constam dos autos, destacando-se, obviamente, os relatórios de vigilância e as declarações, ou o conteúdo dos autos de apreensão, dos elementos de (lmpercetívet) criminar que efetuaram a detenção deste arguido, dispensa-se elevadas considerações quanto as indícios que os autos reúnem relativamente a este arguido, por referência aos meios de prova que aqui constam indicados. Por tudo quanto se referiu, o tribunal entende ou tem a convicção de que os autos revelam fortes indícios que os arguidos praticam todos os actos que lhes vêm imputados, como se referiu inicialmente neste despacho. Tais indícios são suscetíveis de fazer incorrer os arguidos na prática. de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21 e24, alínea c, do decreto de lei 15 93; com referência às tabelas 2 A e 1 c, anexas ao referido diploma legal, e também artigos 14 e 26, ambos do código penal. Ainda os arguidos CC e DD a prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 255, 'número um, alíneas E e F, e número três, por referência ao artigo 25s, alínea C, todos do código penal. Julgo não ter feito referência no despacho à detenção por parte do arguido àquilo que foi apreendido, ao arguido CC, relativamente ao MDMA que se encontra apreendido nos autos. Identificados os indícios e feito o respetivo enquadramento jurídico, importa identificar as exigências cautelares que o caso convoca. Os arguidos DD e CC são de nacionalidade espanhola, não têm ligação ao território nacional, embora um deles refira que tem cá uma namorada. São utilizadores de documentos falsos. DD tem um mandado de detenção europeu para cumprimento de doze anos, uma pena de doze anos de prisão, pela prática de crime de natureza idêntica. O arguido AA exibe um registo criminal composto por vinte e quatro boletins. A despeito de não se tratar de crime de natureza idêntica ou contra o mesmo meio jurídico, evidencia sem grandes considerações uma forte propensão para o desrespeito pelo sistema e normas jurídicas vigentes, e uma enorme impermeabilidade às penas, até porque já cumpriu pena de prisão efetiva. As características dos ilícitos indiciados, designadamente o crime de tráfico de estupefacientes agravado, evidencia um envolvimento internacional, que favorece a mobilidade dos envolvidos. Por tudo, entende-se que existe forte perigo de fuga relativamente aos arguidos DD e CC, e com menor intensidade relativamente aos arguidos AA e EE, perigo esse que é, naturalmente, acentuado pela consciência da gravidade do ilícito indiciado e das consequências que daí podem advir para os arguidos. A atividade investigada prolonga-se no tempo, pelo menos desde junho de dois mil e vinte e dois. As quantidades de estupefaciente envolvido e o correspondente valor pecuniário, o facto de se tratar de uma atividade aparentemente com origem transnacional, o envolvimento de cidadãos estrangeiros, pelo menos quanto a isto claramente indiciado, o lucro fácil e avultado que proporciona, ainda que os arguidos declarem situação financeira estável, situação que não os impediu de praticar, indiciariamente, tais factos, a estrutura hierárquica que normalmente obedece este tipo de atividade, tudo conjugado, indicia um forte perigo que os arguidos, tendo oportunidade, irão retomar o plano criminoso interrompido. Também a estrutura hierárquica, novamente, deste tipo de organizações, o envolvimento de cidadãos estrangeiros, a propensão para a colaboração dos seus membros na ocultação da identidade dos demais envolvidos, ou para obstaculizar o desenrolar das investigações, alertando ou inviabilizando o apuramento do território de origem e destino, da localização de origem e de destino do que se pretende, evidencia para todos os arguidos um forte perigo de perturbação do inquérito da mobilidade de aquisição da prova. Por fim, a quantidade do estupefaciente envolvido, as consequências ao nível da saúde pública e reflexas noutro tipo de criminalidade, designadamente na criminalidade contra o património, são causadores de um enorme alarme social, que carece de uma reação securizante por parte dos tribunais. Identificadas as exigências cautelares, importa agora fazer uso dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previstos no código de processo penal, e que presidem a escolha das medidas de coação. Que é necessário aplicar aos arguidos uma medida de coação diferente do termo de identidade e residência, resulta desde logo da identificação das exigências ou de perigos, das exigências cautelares identificadas. Quanto à adequação, importa aplicar os arguidos uma medida de coação se revele apta a evitar a concretização dos perigos identificados. Quanto à proporcionalidade, há que atender, por um lado, à gravidade dos ilícitos indiciados, e por outro, à pena que previsivelmente venha a ser aplicada aos arguidos. Não obstante, os arguidos, com exceção do arguido AA, não terem, não apresentarem registo criminal português, anotando-se que relativamente ao arguido DD existe um mandado de detenção europeu, para a sua detenção, para o cumprimento de uma pena de doze anos de prisão, pela prática de crime idêntico, a circunstância de não terem antecedentes criminais, não elimina, tão pouco atenua a gravidade do ilícito que está em causa. Haverá que ser ponderado no âmbito de determinação de uma pena concreta, no entanto, ainda assim, face à quantidade do estupefaciente envolvido, ao lapso de tempo que perdura a atividade criminosa, ao envolvimento de todos os arguidos, admitindo-se que o arguido HH terá um envolvimento um pouco mais atenuando, mas nem por isso justificador de uma ponderação numa pena afinal não (lmpercetível), ponderando todos estes fatores, com especial relevância e ainda tendo em conta a ausência de registo criminal quanto a três dos quatro arguidos, excluindo-se este juízo atenuante, por referência ao arguido DD, uma vez que tem uma pena de prisão efetiva para cumprir, a gravidade do ilícito, prática de tráfico de estupefacientes agravado, ao qual se junta relativamente aos arguidos de nacionalidade espanhola a prática de um crime de falsificação de documento, que se indiciará sendo um crime praticado de forma instrumental relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, jamais consumido pelo mesmo, o tribunal entende, por conjugação de todos os fatores identificados, que apenas a medida de coação de prisão preventiva serve as exigências cautelares identificadas, sendo, naturalmente, proporcional à gravidade do ilícito, dos ilícitos, obviamente, tráfico de estupefacientes, e proporcional também à pena que previsivelmente será aplicada aos arguidos em caso condenação. A acrescer a esta medida de coação, será também necessário a salvaguardar a atuação das medidas aplicadas, às finalidades que se pretendem, aplicar aos arguidos a proibição de contactos entre todos e com as testemunhas identificadas nos autos. O que se decide tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191 a 193, 204 alíneas a e c, 200 alínea d, 202 número um, alíneas a e c, todos do Código do Processo Penal. Passe mandados de condução dos arguidos ao estabelecimento prisional, comunique ao EP e o TEP, dê cumprimento às comunicações legais, artigo 194, número 10, do Código de Processo Penal. Identificando-se de imediato um lapso no despacho oral proferido pelo tribunal, procede-se à sua retificação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 380, número um e três, do Código de Processo Penal, fazendo constar que no referido despacho, quando se faz referência à detenção de Ecstasy, tal referência é ao arguido CC e não ao arguido DD»
4. O despacho de apresentação, para o qual remete o despacho recorrido, é, para o que ora releva (materialidade, enquadramento jurídico-penal e meios de prova), do seguinte teor: «1º Os arguidos, dedicaram-se, de forma conjugada e na execução de um plano por todos eles gizado e ao qual aderiram ao longo do período de tempo que, dedicam-se ao comércio de produto estupefaciente (haxixe), em contrapartida de quantias monetárias não concretamente apuradas pelo menos desde 10.06.20221. 2º Fazem a sua importação e transporte desde a área do ... até à área metropolitana de Lisboa, por via terrestre e em viaturas alugadas nas empresas - ...3, ...4e ...5 3º Em data não concretamente apurada, mas certamente durante o ano de 2023, os arguidos CC e DD decidiram instalar-se em território português, passando aqui a viver e a dedicar-se à importação e revenda de quantidades avultadas de produto estupefaciente, através do seu desembarque na zcosta portuguesa, em ..., por forma ainda não concretamente apurada 4º Para tal o arguido CC utilizava ainda o documento nacional de identidade onde consta a sua fotografia, com data de validade de 2031.03.19 com o n.º …F com o nome II, nascido a 1986.03.10,– vide relatório de análise documental n.º 166/2024 5º Efectuado exame pericial conclui-se que o documento de identificação que o arguido possuía e apresentada pelo arguido é falso, não correspondendo a carta de condução emitida pela autoridade administrativa competente para o efeito. 6º Por sua vez o arguido DD utilizava ainda a carta de condução com o n.º …H, onde consta a sua fotografia e o nome de JJ, nascido a 05-01-1962– vide relatório de análise documental n.º 167/2024 7º Efectuado exame pericial conclui-se que a carta de condução que o arguido possuía e apresentada pelo arguido é falso, não correspondendo a carta de condução emitida pela autoridade administrativa competente para o efeito. 8º Por outro lado, ambos os arguidos CC e DD, com a colaboração e através de um plano gizado entre todos, colaboravam com o arguido AA na revenda do produto estupefaciente – haxixe -, o qual procedia ao seu transporte e armazenamento, para alem de todos procederem a sua disseminação, através de revenda a terceiros em território nacional, mais concretamente na área de ..., a troco de quantias avultadas de dinheiro, que depois dividiam entre si. 9º O arguido EE colaborava com os restantes arguidos, procedendo ao armazenamento de parte do produto estupefaciente adquirido pelos arguidos, bem como a sua revenda a 3º e consumidores, a troco de quantias avultadas de dinheiro que depois dividiam entre si. 10º No dia16 de Abril de 2024, o arguido AA, em comunhão de esforços e com o conhecimento dos restantes arguidos que com ele colaboravam deslocou-se para o Sul de Portugal, área de Altura, no ..., pela A2m, conduzindo o veículo matrícula ..-SJ-..6– vide prova testemunhal (RV) a fls. 1695/9. 11º Posteriormente, iniciou o regresso, no sentido Norte, percorrendo a A22 e o início da A2, momento em que se apercebendo que estaria a ser vigiado, saiu para a localidade de Castro Verde. 12º Neste local e concretamente após algumas manobras de contra vigilância, imobilizou a viatura e dirigindo-se à mala da mesma, dela retirou vários “fardos” de estupefaciente, que transportou para um ponto com vegetação onde camuflou essa carga – vide reportagem fotográfica e auto de apreensão a fls. 1716/8. Designadamente: - 10 “fardos” de resina de cannabis (haxixe) com o peso total de 364.800 grs. a que corresponde 729.600 doses individuais com um valor de mercado aproximado de 418.600,00€ – vide prova testemunhal (RV) a fls. 1695/9 e auto de apreensão a fls. 1716/9., que trazia consigo no interior da viatura com a matrícula ..-SJ-.. 13º Após ter sido abordado pela PSP, o arguido trazia ainda consigo 780€ (39x20) em notas do BCE e no interior da viatura: em cima do banco do pendura 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 13, de cor preta, com o IMEI ..., com cartão SIM não id., da operadora Lyca;
1. (um) telemóvel de marca Iphone, modelo SE, de cor branca, com o IMEI ..., com cartão SIM não id., da operadora Lyca;
2. 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 12, de cor preta, com o IMEI ..., desprovido de cartão SIM;
3. 1 (um) bloco com apontamentos;
4. 1 (uma) factura de pagamento de portagens com entrada em Pinhal Novo e saída em Paderne pelas 17:01 no dia 27-02-2024; 14º No dia 16 de Abril de 2024, na residência sita na ..., o arguido AA tinha na sua posse– auto de busca e apreensão a fls. 1723/32.
• no quarto do visado, em cima de uma poltrona, 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 15 promax de cor dourada, com o IMEI ... (alvo ...), cartão SIM da NOS, pertencente à KK
• 1 (um) telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy J4, com os IMEI ... e ... (alvo ...), desprovido de cartão SIM
• Em cima de uma mesa-de-cabeceira, 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 7, com o IMEI ..., com cartão SIM de operadora desconhecida
• No interior da terceira gaveta da mesa-de-cabeceira, 1 (um) caderno azul de linhas com diversos apontamentos de quantidades de droga e valores por receber
• No interior da primeira gaveta da mesa-de-cabeceira, 1 (um) telemóvel de marca Nokia, modelo TA-1114, com os IMEI ... e ... (alvo ...), com cartão SIM de operadora desconhecida
• 1 (um) telemóvel de marca F2, modelo N85/21, com os IMEI ... e ..., (alvo ...), com cartão SIM de operadora desconhecida;
• na mesma gaveta no interior de um pequeno saco, foi localizado e apreendido um cartão de estacionamento, do Condominio Twin Towers, Edificio IV, 4º B
• chave suplente da viatura de marca ..., modelo C5, de matrícula ..-SJ-..;
• uma factura/recibo de aluguer de viatura na empresa “...”
• Na casa de banho social, a quantia monetária de 1.370€
(240€+500€+630€), fraccionadas em 1 nota de 200€, 1 nota de 50€, 50 notas de 20€, 12 notas de 10€
• no interior da carteira do AA a quantia monetária de 6885 euros (13), fraccionada em 13 notas de 500€, 1 nota de 200€, 1 nota de 100€, 1 nota de 50€, 1 nota de 20€, 1 nota de 10€ e 1 nota de 5€. Na garagem/box número 13/14 pertencente à habitação, foram localizados e apreendidos em cima de uma caixa de cartão, uma faca de cozinha contendo residuos de fita-cola (14), 3 pedaços de sacos plásticos semelhantes aos apreendidos e utilizados para embalar e ocultar o estupefaciente 15º No dia 16 de Abril de 2024, na residência sita na ..., o arguido CC, tinha na sua posse.
• Em cima do sofá, 3 (três) telemóveis, A – telemóvel de marca Nokia, de cor preto, modelo TA-1557 com o IMEI ... e ..., com cartões SIM/Vodafone com os nºs 3456;6522;3003; 3004;1 e 3456; 6522;3003;3005;8, B - telemóvel de marca Iphone, de cor branco com o IMEI ... alojando o cartão SIM/Vodafone registado com o nº ..., C - telemóvel de marca Iphone, de cor branco com o IMEI ... alojando o cartão SIM/de operadora desconhecida com o n.º 302590, que se encontravam todos ligados.
• Ainda na sala, num móvel por cima da TV, D – dentro de um frasco, várias embalagens, concretamente, D1 – uma embalagem possuindo resíduos de um pó de cor rosa que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 0,18 grs, D2 – uma embalagem possuindo vários pedaços de uma substância que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 4,68 grs, D3 – vários pedaços no total de 8 (oito) de cor amarelo que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 3,63 grs, D4 – uma embalagem possuindo vários pedaços de uma substância que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 0,97 grs, D5 – uma embalagem possuindo vários pedaços de uma substância que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 0,54 grs, D6 – uma embalagem possuindo vários pedaços de uma substância que após teste toxicológico determinou tratar-se de Ecstasy com o pba de 0,15 grs,
• No mesmo local D7 – 7 (sete) cartões de operadora espanhola intactos.
• Ainda na sala, 1 (um) receita médica em nome de LL – folha de suporte 1.
• 1 (um) folha A4, contendo vários apontamentos alusivos a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2023 – folha de suporte 2.
• 1 (um) contrato de arrendamento da residência sita na Av. Doutor Francisco Sá Carneiro, EDF, Mar Azul, Bloco A, ... Quarteira, com início a 01.04.2024, válido por um ano e no interesse de MM – folha de suporte 3.
• 2 (dois) folhas referentes a MM, concretamente conta bancária do Millennium e registo central de contribuinte, efectuado em Castro Marim, no dia 23.01.2024 - folha de suporte 4.
• 1 (um) contrato de empresa de importação/exportação de pesca, moluscos, crustáceos e aquicultura, constituida a 26.03.2024, concretamente NN - folha de suporte 5.
• 3 (três) folhas referente à aquisição do véiculo com a matrícula AR-61-TL, no valor de 40.000,00€, por OO, efectuado a 16.03.2023 - folha de suporte 6.
• 1 (um) canhoto referente a estadia no ..., entre 17.12 e 18.12, no quarto n.º 203 em nome de II - folha de suporte 7.
• Igualmente na sala, no armário, 2 (dois) telemóveis, 1 (um) de marca ..., modelo T610K com o IMEI ... e IMEI ... e 1 (um) de marca Nokia, modelo TA-1034 com o IMEI ... e ....
• Na cozinha, dentro do armário 1 (um) pedaço de haxixe designado por placa, com o pba de 100,92 grs.
• 1 (um) carta de condução em nome de II, - folha de suporte 8.
• No quarto do visado, concretamente numas calças de ganga, o valor de 540€ (20x20€). No guarda-roupa, dentro de um saco de plástico, o valor de 1000€ (11x50, 22x20, 1x10), o valor de 1000€ (12x50€, 10x20€, 19x10€, 2x5€), o valor de 1000€ (14x50€, 15x20€), o valor de 1000€ (17x50€, 6x20€, 1x10€, 4x5€) e numa embalagem que possuía apenas notas de 5€, o valor total de 2000€. Valor total apreendido 6.540€
• Na varanda respectiva ao n. 1 andar letra A, do lote 10, o seguinte,
• 1 (uma) agenda de cor preta, contendo diversos apontamentos fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2023.
• 1 (uma) agenda de cor verde contendo diversos apontamentos fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2022.
• 1 (uma) agenda de cor vermelha contendo diversos apontamentos fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2024.
• 16 (dezasseis) folhas, fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2015 - folha de suporte 9.
• 1 (um) caderno de argolas de cor verde fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2022.
• 5 (cinco) folhas, fazendo menção a avultadas quantidades de estupefaciente, negociadas em 2023 - folha de suporte 10.
• 2 (duas) folhas, fazendo menção, supostamente, ao estupefaciente desembarcado na noite que fez o arguido AA deslocar-se ao ..., indivíduo referido nos apontamentos por “Preto: 5-SAT, 5 MNS” X, ou seja, a qualidade dos fardos que lhe foram apreendidos - folha de suporte 11.
• 5 (cinco) talões referente a carregamentos efectuados em cartões de telemóveis, concretamente, 20€, no dia 24.04.2023 no cartão ..., 20€, no dia 24.04.2023 no cartão ..., 20€, no dia 24.04.2023 no cartão ..., 30€, no dia 24.04.2023 no cartão ..., 10€, no dia 24.04.2023 no cartão ... - folha de suporte 12.
• 3 (três) cartões fazendo alusão aos contactos ..., ... e ... - folha de suporte 13.
• 1 (um) telemóvel de marca Iphone com o IMEI ... com cartão SIM/ n.º 302599. 16º No dia 16 de Abril de 2024, na ... – referida na sessão 190267do alvo ... e arrendada com a participação do arguido AA, o arguido DD, tinha na sua posse:
• Na sala
• vários pedaços de um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Haxixe com o peso total de 19,26 grs;
• 2 (duas) folhas com apontamentos indiciando preparativos de transportes de estupefaciente por via marítima;
• 1 (um) tablet de marca Samsung, modelo Galaxy Tab A,
• 1 (um) telemóvel de marca Iphone com o IMEI ..., bem como um telemóvel de marca Nokia, modelo TA-1557 com o IMEI .../6 e .../6
• Em cima do sofá, foi localizado e apreendido um caderno de capa verde com vários apontamentes indiciando preparativos de transportes de estupefaciente por via marítima;
• Em cima do móvel ao lado da televisão,
• uma carteira contendo no seu interior um Documento de Identificação Espanhol em nome de JJ, nascido a 05-01-1962 com o DNI n.º 26196397H e uma Carta de Condução em nome de JJ, nascido a 05-01-1962 com o n.º 26196397-H, ambos com a fotografia do arguido;
• a quantia monetária de 345 euros (3x50€, 9x20€, 1x10€ e 1x5€)
• Por de baixo do móvel da televisão, foi localizado e apreendido um telemóvel de marca Sansumg com IMEI desconhecido;
• um telemóvel de marca Nokia, modelo TA-1557 com o IMEI ... e ...
• 1 (um) portatil de marca ASUS, modelo Laptop.
• Na cozinha, uma carta da ... em nome de PP com morada na ...
• dentro da última gaveta do armário, duas placas de um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Haxixe com o peso total de 202 grs;
• No quarto do arguido
• na primeira gaveta da mesa de cabeçeira, um saco com vários pedaços de placa de um produto que após despistagem toxicológica, resultou tratar-se de Haxixe com o peso total de 202,61 gramas
• 2 (dois) molhos de notas do Banco Central Europeu, tendo um o valor de 1.000€ (50x20€) e o outro com a quantia monetária de 8.910€ (1x200€, 1x100€, 154x50€, 48x20€, 4x10€),
• 1 (um) documento de identificação Espanhol em nome do arguido DD, nascido a 09-12-1963 com o n.º 29779629B e uma carta de condução em nome do arguido DD, nascido a 09-12-1963 com o n.º 29779629 (localizado não apreendido).
• Na segunda gaveta da mesma mesa de cabeçeira, foi localizado 10 molhos de notas, contendo;
• 10.000 euros (24x50€, 275x20€, 33x10€)
• 10.000 euros (400x20€, 200x10€)
• 10.020 euros (24x50€, 335x20€, 210x10€, 4x5€)
• 10.000 euros (8x100€, 3x50€, 377x20€, 151x10€)
• 10.000 euros (1x200€, 5x100€, 29x50€, 274x20€, 237x10€)
• 10.000 euros (1x100€, 12x50€, 383x20€, 164x10)
• 10.000 euros (24x50€, 247x20€, 33x10€, 106x5€)
• 10.000 euros (500x20€)
• 10.000 euros (426x20€, 148x10€)
• 5.000 euros (107x20€, 270x10e, 32x5€) Valor total apreendido 105.275€ 17º No dia 16 de Abril de 2024, na residência sita na ..., o arguido EE, tinha na sua posse - – auto de busca e apreensão a fls. 1903/6
• Na sala, no móvel da televisão, sobre um tabuleiro, uma carteira contendo no seu interior vários pedaços com um produto que após despiste toxicológico determinou tratar-se de haxixe com peso de 40.42 grs.
• No quarto do visado, no interior do guarda fatos, dissimulado por entre as roupas, quatro placas de um produto que após despiste toxicológico determinou tratar-se de haxixe, com o peso de 401.20 grs.
• Na cozinha, um envelope com 300€ (trezentos euros) em numerário.
• dentro uma carteira, 580€ (quinhentos e oitenta euros em numerário.
• No exterior da habitação, no jardim, dissimulado na vegetação ali existente, três placas de produto que após despiste toxicológico determinou tratar-se de haxixe, com o peso de 300.57 grs. 18º Os produtos estupefacientes, que acima se descreveram, que os arguidos detinham eram por si destinados à sua cedência a terceiros a título oneroso. 19º Os arguidos destinavam todos os objectos que detinham na sua posse e acima se descreveram para serem utilizados na actividade de cedência a terceiros dos produtos estupefacientes em causa. 20º As quantias em dinheiro detidas pelos arguidos, nos termos supra indicados, eram única e exclusivamente produto dessa actividade. 21º Os arguidos conheciam as características estupefacientes dos produtos que adquiriram e detiveram para venda, e que efectivamente transportaram, guardaram, venderam, entregaram a terceiros e que destinavam a ceder a terceiros a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro. 22º Os arguidos conheciam os efeitos nefastos para a saúde humana dos produtos estupefacientes por si guardados, transportados, cedidos a terceiros e/ou detidos. 23º Os arguidos sabiam que é penalmente proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros, como fizeram, ou por qualquer meio deter como detinham, nas circunstâncias acima descritas e para o efeito a que os destinavam, produtos estupefacientes da natureza e com as características especificadas, tanto mais que não tinham autorização legal para o efeito, e, não obstante, quiseram e agiram do modo descrito, de modo a obter vantagens económicas, como obtiveram, que bem sabiam não lhes serem devidas. 24º Os arguidos ao agirem da forma descrita, fizeram-no em conjugação de esforços e intentos e na prossecução de um plano elaborado e aceite por todos, com o propósito de proceder à venda/cedência a terceiros de produto estupefaciente, designadamente, MDMA (arguido CC) e cannabis, como lograram através das várias vendas/cedências a terceiros que efectivaram. 25º Actuou o arguido CC com o intuito, concretizado, de apresentar, perante as autoridades portuguesas que para tal o interpelassem, documentação cujo teor sabia ser falso, para persuadir de que a sua identidade era efectivamente “Juan Hernadenz”, o que bem sabia não ser verdade. 26º Bem sabia o arguido que, ao proceder do modo acima descrito, punha em causa a confiança e credibilidade de que beneficiam os documentos emitidos por autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, causando um prejuízo para o Estado resultante da desconfiança que possa recair sobre a autenticidade das mesmas. 27º Actuou o arguido DD com o intuito, concretizado, de apresentar, perante o as autoridades portuguesas, documentação cujo teor sabia ser falso, para persuadir de que a sua identidade era efectivamente “QQ”, o que bem sabia não ser verdade, pretendendo desta forma se eximir à justiça. 28º Bem sabia o arguido que, ao proceder do modo acima descrito, punha em causa a confiança e credibilidade de que beneficiam os documentos emitidos por autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, causando um prejuízo para o Estado resultante da desconfiança que possa recair sobre a autenticidade das mesmas. 29º Agiram os arguidos em tudo e sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Nesta conformidade e considerando toda a factualidade acabada de descrever cometeram todos os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada: -1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24º, alínea c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas II-A (arguido CC) e I-C, anexas ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.º e 26.º, ambos do Cód. Penal. E Incorreu o arguido o CC na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efectivo: - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 alíneas e) e f) e nº 3 por referencia ao 255ºalinea c) todos do Código Penal. Incorreu o arguido o DD na prática, na forma consumada, em autoria material, em concurso efectivo: - um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 alíneas e) e f) e nº 3 por referencia ao 255º alínea c) todos do Código Penal. * Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados aos arguidos: Para além da prova já indicada ao longo da apresentação, para a qual se remete, estribam-se igualmente nos seguintes elementos: Documental: Fls. 526, 527 Fls. 650-675 Fls. 774-790 Fls. 899-905 Fls. 915-922 Fls. 1051-1058 Fls. 1094-1101 Fls. 1181-1195 fls 1425-1428 fls 1471-1475 fls 1486-88 fls. 1580 a 1583 relatório de analise de fls. 1700-1704 autos de detenção e relatório policial, fls. 1706-1707, auto de apreensão de fls. 1715-1718 guia de entrega fls. 1719 teste rápido fls. 1720 autos de busca e apreensão fls. 1723-1737, 1742-1747, 1752-1765 autos de detenção e relatório policial, fls. 1766-1768, autos de busca e apreensão fls. 1772-1779 guia de entrega fls. 79 auto de apreensão de fls. 1715-1718 relatório de análise documental n.º 166/2024 fls 1782 teste rápido fls. 1781 fls. 1783 autos de exame e avaliação 1784-85; doc. de fls. 1786-1822 autos de busca e apreensão fls. fls. 1825, 1828-1834, 1837-43 autos de detenção e relatório policial, fls. 1844-46, autos de busca e apreensão fls. 1851-56 guia de entrega fls. 1857 doc. fls. 1860 a 1864 autos de exame e avaliação 1865 a 1868; teste rápido fls. 1858 relatório de análise documental n.º 167/2024, fls. 1859 formulário da Interpol fls. 1869-70 autos de detenção e relatório policial, fls. 1895-96, autos de busca e apreensão fls. 1903-1906, guia de entrega fls. 1907 autos de exame e avaliação 1865 a 1868; teste rápido fls. 1908 CRC dos arguidos Pesquisas SS dos arguidos Relatórios de Vigilância: Fls. 180—190 Fls. 476-479 Fls. 496-499 543-545 1540-1551(RV). Fls. 1598 -99 fls. ... Fls. 1695/99. fls. 1716/8. Intercepções telefónicas
• Apenso 1, 2, 3, 6, 11
• Apensos A, B, C, D, E, F, G, H, I»
3. Dos recursos interpostos
3.1. Do recurso interposto pelo arguido AA
3.1.1. Da nulidade decorrente do desrespeito pelo prazo das 48 (quarenta) horas a que alude o art.º 141º do C.P.P.;
O recorrente invoca a propósito que: «I O arguido foi detido no dia 16/04/2024 e apenas no dia 24/04/2024 foi submetido a 1º interrogatório judicial de Arguido detido, conforme resulta do respetivo auto; Estipulando a Lei claramente um prazo máximo de 48 horas, para o Arguido ser presente a um juiz de instrução, após a sua detenção, e tendo no caso dos presentes autos essa apresentação sido efetuada, quando haviam já decorrido 08 (oito) dias, sem que a detenção fosse sequer validade pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, é manifesto que, no caso sub judice, tal interrogatório, como a sua atual situação de prisão preventiva, configuram uma situação ilegal, e portanto, nos termos do artigo 126º, n. º2, alínea a) do C.P.P., atos nulos. Nulidade que, desde já se argui para os devidos e legais efeitos»
Todavia, dir-se-á, desde já, que o recurso, neste segmento, é manifestamente improcedente.
Na verdade, como refere a Ex.ma Magistrada do Ministério Público na resposta apresentada na primeira instância e resulta da simples consulta/análise dos autos, o/s arguido/s foi/foram detidos no dia 16 de Abril de 2024 e o primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos teve inicio no dia seguinte, 17 de Abril de 2024, pelas 16h35, data em que foi, ainda, prolatado o despacho recorrido e na qual foram, também, os arguidos conduzidos ao E.P., na sequência da emissão dos respectivos mandados de condução.
Com efeito, o que se verifica é que, por manifesto lapso de escrita, o auto de primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos está datado do dia 24 de Abril de 2024 quando, inequivocamente, a sua realização ocorreu no dia 17 de Abril de 2024.
Anteriormente à vigência do Código Civil de 1966 tanto a doutrina como a jurisprudência consideravam que o artigo 665º do Código Civil de 1867, na medida em que permitia a rectificação do erro de escrita na declaração negocial, sem atribuir outras consequências além dessa rectificação, continha um princípio geral de direito, já que teria aplicação em todos os casos em que a expressão material externa não correspondesse, por lapso, ao pensamento do declarante. A única exigência, era a de que o erro fosse manifesto.
Quando o erro material ou de escrita se verificasse em decisões, autos judiciais ou nos articulados era unânime que a rectificação se pudesse fazer a todo o tempo.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, o entendimento que era pacífico face ao disposto no artigo 665º do Código de Seabra, passa a ser feito a partir do referido no artigo 249º.
Dispõe este artigo “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o artigo 249º do Código Civil, enuncia um princípio geral, aplicável em todos os casos em que a declaração de vontade contenha um lapso ostensivo que há-de resultar do próprio contexto da declaração, ou advir das circunstâncias que a acompanham, podendo, por isso, aperceber-se deles o declaratário.
O princípio contido no artigo 249º do Código Civil, será, assim, aplicável a todos os actos judiciais ou das partes.
Por outro lado, atento o disposto no artigo 380º do C.P.P., é possível ao juiz, apesar do seu poder jurisdicional se esgotar, em princípio, com a prolação de uma decisão (despacho ou sentença), rectificar erros materiais e esclarecer dúvidas.
Tal norma consagra um princípio geral de rectificação de actos, aplicáveis aos actos dos sujeitos processuais, visto que é reconhecida ao juiz a faculdade de proceder a tais rectificações e esclarecimentos.
Aliás nem se compreenderia que outro fosse o regime, visto que é o próprio artigo 295º do Código Civil, que manda aplicar as disposições referentes aos negócios jurídicos, aos outros actos jurídicos que não o sejam, na medida em que a analogia das situações o justifique. Ora tanto os actos dos sujeitos processuais como os do juiz são actos jurídicos, que, por definição, só são concebíveis como produtos da vontade do sujeito que os pratica.
Termos em que se julga manifestamente improcedente, nesta parte, o recurso e se determina que seja, somente, rectificado o auto de primeiro interrogatório judicial dos arguidos detidos, ficando a constar do mesmo como data da realização o dia 17 de Abril de 2024, ao invés de 24 de Abril de 2024.
3.1.2 Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Neste conspecto, o recorrente aduz que o despacho que se mostra firmado no auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Em síntese, invoca que:
«IV O acto de decidir, de afirmar a indiciação dos factos, de referir os fundamentos da medida de coacção e de, por fim, escolher a medida aplicável tem de ser reduzido a escrito e não está contemplado no artigo 147º, n.º 7 do C.P.P. V O Tribunal a que não procede a qualquer exame crítico da matéria indiciada e apresentada pelo ministério público; VI Apesar do Arguido ter prestado declarações sobre a sua situação pessoal, conforme resulta da ata, o Tribunal a quo não retirou das declarações da mesma qualquer ilação»
Vejamos.
Preliminarmente, cumpre referir que, como é do conhecimento do recorrente e consta expressamente do próprio auto, o despacho que aplicou as medidas de coacção foi proferido oralmente pela Sra. Juíza de Instrução, tendo ficado vertido naquele (auto) apenas uma súmula da decisão prolatada. Aliás, como o recorrente consente, no último requerimento apresentado, o despacho proferido foi, de permeio, integralmente transcrito, nos exactos termos a que se fez referência no Relatório.
Objectivamente, a dissensão centra-se, pois, em saber, em primeiro lugar, se o despacho prolatado deveria ter sido integralmente reduzido a escrito no auto de primeiro interrogatório judicial, e, subsequentemente, a concluir-se afirmativamente, em aquilatar das consequências de uma tal omissão.
Desde logo, em discordância com o propugnado pelo recorrente, e sem desdouro para a posição assumida, ademais alavancada na jurisprudência que cita, é de consignar que estamos convictos que, como tem sido maioritariamente entendido na jurisprudência, os vícios de procedimento a que alude o art.º 410º, n.º 2 do C.P.P. são vícios próprios da sentença, inaplicáveis, pois, a outras decisões8, mormente no que ora releva, ao despacho de aplicação de medidas de coacção.
Com efeito, como vem sendo referido, não obstante a inserção do art.º 410º do C.P.P. no capítulo atinente à “Tramitação unitária do recurso”, as referências expressas no n.º 2 à apreciação da prova e à matéria de facto provada só são compagináveis com a sentença, já que no âmbito de uma decisão de aplicação de medidas de coacção, maxime em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a factualidade reconduz-se sempre, atenta a própria natureza da fase de inquérito, àquela que se mostra indiciada e não indiciada.
De igual modo, a inerente exigência de que o conhecimento de tais vícios assente única e exclusivamente no texto da decisão recorrida, sem possibilidade de amparo em elementos exteriores à decisão, é incompatível com a apreciação do recurso da decisão de aplicação de medidas de coacção, que reclama, invariavelmente, a apreciação de toda a prova indiciária recolhida, o que, aliás, é também, no caso, peticionado pelo recorrente.
Por fim, como tem sido apontado, na procedência dos vícios de procedimento do art.º 410º, n.º 2 do C.P.P., a consequência a que aludem os art.º 426º e 426º A do mesmo diploma, é, outrossim, inconciliável com a fase de inquérito.
Tanto bastará, pois, a nosso ver, para concluir que o denominado vício de procedimento é, por natureza, inaplicável ao caso.
Relativamente à questão de saber se o despacho que determina a imposição de medidas de coacção pode ser proferido oralmente, com remessa para a gravação realizada, bastando-se com a consignação em auto dos tipos criminais indiciados, dos perigos verificados e das medidas de coacção concretamente aplicadas ou se, pelo contrário, é legalmente exigível que aquele fique reduzido a escrito, a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se pacificamente neste último sentido, com amparo nas disposições conjugadas dos art.º 96º, n.º 4 e 141º, n.º 7 do C.P.P.
«A exigência da oralidade dos actos processuais, prevista, como regra, no art.º 96º do CPP, é um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, com aplicação privilegiada na fase de julgamento e no campo probatório (o contacto directo do tribunal com a prova, como regra).
No que respeita aos despachos e sentenças, a oralidade está igualmente prevista (art.º 96º, nº 4, do CPP), mas mostra-se obrigatória a sua redução a escrito / transcrição (“os despachos e sentenças proferidos oralmente são consignados no auto”), com excepção dos casos em que a lei prescinde da sua redução, total ou parcial, a escrito / transcrição (i.e., mostra-se possível, em alguns casos, proferir despachos e decisões – estas com a ressalva do dispositivo – orais cujo teor se encontra gravado).
No caso do 1º interrogatório judicial de arguido detido, o art.º 141º, nº 7, do CPP, restringe a oralidade ao interrogatório do arguido (“o interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto”), o que nos leva a concluir que o Juiz a quo não poderia deixar de verter em auto o acto oral decisório, in casu, o despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva»9
Todavia, de acordo com o arquétipo legal, tal omissão - de redução a escrito do despacho que aplicou as medidas de coacção - redundará em mera irregularidade que, não tendo sido suscitada atempadamente, se terá de ter necessariamente por sanada10.
Na verdade, como tem sido entendido11, a possibilidade de conhecimento oficioso, pelo Tribunal ad quem, de irregularidades, deverá cingir-se àquelas que assumem particular gravidade, designadamente as que sejam susceptíveis de afectar direitos fundamentais dos sujeitos processuais, o que, de todo, não é o caso.
É que, há que ressaltar, não está em causa a falta de fundamentação do despacho ou um qualquer desvio legal à obrigação de fundamentação a que alude o citado art.º 194º, n.º 4 do C.P.P. (única susceptível de consubstanciar a nulidade de tal despacho).
Com efeito, é inequívoco, a decisão recorrida (como se verifica da transcrição integral, entretanto efectuada) contém, designadamente, a especificação dos factos indiciados, o suporte probatório a partir dos quais se alicerçou o juízo de forte indicação daqueles (por remissão para os elencados no despacho de apresentação), a (respectiva) subsunção jurídico-penal e os concretos factos que amparam os perigos convocados, em estreita obediência ao disposto no art.º 194º, n.º 4 do C.P.P.
Isto é, resulta à evidência que a decisão recorrida mostra-se fundamentada, com respeito pelo disposto, maxime, nos artigos 205.º n.º 1, da C.R.P., e 97.º n.º 5, do C.P.P.
Termos em que, também neste segmento, o recurso do arguido terá necessariamente de improceder.
3.1.3. Da (in)existência de fortes indícios
Nesta parte, insurge-se o recorrente contra o despacho recorrido, nas conclusões recursivas, nos seguintes termos: «Analisados os elementos de prova facultados ao arguido, aquando da sua detenção, não vislumbramos nos mesmos elementos probatórios que permitam dar como indiciados os factos apresentados pelo Ministério público»
E, na motivação, o recorrente queda-se, a respeito, pelo seguinte argumentário: «50º - Analisados os elementos de prova facultados ao arguido, aquando da sua detenção, não vislumbramos nos mesmos elementos probatórios que permitam dar como indiciados os factos acima referidos. 51º - Atente-se que não é imputada ao Arguido qualquer venda de produto estupefaciente. 52º - Sendo certo que, em relação aos factos imputados ao Arguido ocorridos no dia 16/04/2024, resulta dos autos que aquando da sua detenção, o mesmo não detinha qualquer produto estupefaciente. 53º - Não resultando qualquer elemento concreto de prova que permita indiciar o ponto 12º acima referido. 54º - Aliás, multo se estranha que existindo um relatório de vigilância sobre este dia, não exista uma única fotografia do Arguido que diretamente o associe ao produto
estupefaciente apreendido. 55º - E muito mais se estranha que se o Arguido tivesse sido visualizado a descarregar aquilo que parecia ser produto estupefaciente, haxixe, o mesmo não tivesse sido imediatamente detido em flagrante delito. 56º - A prova junta aos autos que associa o Arguido a uma alegada atividade ilícita é, com o devido respeito, nesta fase processual, muito vaga e até de duvidosa legalidade»
Atentemos, pois.
Tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), «a prisão preventiva só se justifica se se verificarem indícios concretos que revelem um interesse público premente, digno de se sobrepor ao princípio do respeito da liberdade individual, sem prejuízo da presunção de inocência (…) essa exigência de interesse público é, por isso, fundamento essencial das decisões que indefiram os pedidos de libertação imediata dos detidos, e é com base nessa motivação das decisões judiciais, bem como nos factos não controvertidos apresentados pelo requerente, que o TEDH deve determinar se houve ou não violação do art.º 5.º, § 3, da Convenção»12.
Poder-se-á, pois, afirmar que o conceito de fortes indícios pressupõe, desde logo, a existência de elementos probatórios que, implacavelmente, contradigam a presunção da inocência.
No mais, tal como anotado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/2/2023, processo n.º 1142/22.7JACBR-B.C1, in www.dgsi.pt. «A primeira dificuldade com que depara o intérprete da previsão do art.º 202º do C. Processo Penal, é a definição do conceito de fortes indícios.
A requerida existência de fortes indícios não significa a exigência de uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, portanto, da formação do grau de convicção exigível para a condenação, antes impõe que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida, suportem a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido, do que a da sua absolvição (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, 2002, Editorial Verbo, pág. 262). Numa outra formulação, os indícios serão, para este efeito, suficientes, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, pág. 133) ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 1270).
Temos para nós, serem equivalentes, o conceito de fortes indícios e o conceito de indícios suficientes a que apela o art.º 283º, nº 2 do C. Processo Penal, com a reserva resultante do momento processual a que cada um deles respeita.
Com efeito, ambos apontam uma sólida indiciação no sentido de futura condenação, distinguindo-os o ‘tempo’ de cada um, isto é, o momento da decisão no processo (cfr. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo III, 2021, Almedina, pág. 342) … os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime, no âmbito da aplicação da medida de coacção, e insuficientes para permitirem a dedução da acusação. Na verdade, a qualificação dos indícios como fortes, deve exigir sempre do decisor uma rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, mas depende também sempre, do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, pelo que pode modificar-se, na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos. Na verdade, a coloração da prova pode ir sendo alterada com o avançar do processado e a maior intervenção dos sujeitos processuais na apresentação da sua prova (Tiago Caiado Milheiro, op. e loc. cit.)»13
Preliminarmente, relativamente às contrariedades expostas quanto à forte indiciação da factualidade imputada ao arguido, é inequívoco que, tendo o arguido optado pelo silêncio, em sede de primeiro interrogatório judicial, o tribunal fica, necessariamente, circunscrito à prova carreada para os autos.
Na verdade, como refere Sara Isabel Feio Pinto, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, Lisboa, 2014, «Diz Costa Andrade, citando Kuhl, “(…) se o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida), a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo.”
É um facto que o exercício do direito ao silêncio não pode desfavorecer o arguido, mas também não pode beneficiá-lo. Este direito, muitas vezes, pode efectivamente impedir o tribunal de conhecer factos que são apenas do conhecimento pessoal do arguido, e que poderiam de alguma forma favorecê-lo, v.g., factos que poderiam constituir uma causa de justificação ou exclusão de culpa, arrependimento sincero, circunstâncias atenuantes, etc. Não obstante o arguido estar isento do ónus de provar a sua inocência, não pode ser desfavorecido por optar pelo silêncio, do qual não é legítimo retirar qualquer tipo de significado, quer seja para determinar a culpa, a medida da pena ou o que quer que seja. Por outro lado, quando é do interesse do arguido invocar um facto que o poderá favorecer, optar pelo silêncio pode ser desfavorável para ele, não violando, ainda assim, o in dubio por reo ou o privilégio contra a auto-incriminação. No entanto, fica inibido de apresentar a sua versão dos factos e o tribunal fica limitado ao que se provou em sede de audiência de julgamento. Tem sido entendimento do STJ que a opção pelo silêncio pode ter consequências, ainda que essa opção não possa ser valorada em seu desfavor, pois é um direito seu (art.º 343º do CPP). No entanto, essas consequências não passam pela valoração indevida mas antes pelo facto de assim o arguido prescindir de dar a sua visão pessoal dos factos e de, possivelmente, prescindir de esclarecer determinados pontos de que tem conhecimento pessoal»
No mesmo sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 20/12/2007, proc. n.º 06P775, Ac. do STJ de 10/01/2008, proc. n.º 3227/07, Ac. RC de 15/10/2008, proc. nº 400/06.2GCAVR.C1, Ac. STJ de 24/10/2001, proc. n.º 2762/01-3 e Ac. STJ de 10/03/2004, proc. nº 258/04-3, todos in www.dgsi.pt.
Destarte, sempre se acrescentará que, contrariamente ao aventado pelo arguido/recorrente, da compulsa e leitura dos despachos de apresentação e do revidendo, no confronto com os meios de prova indicados, é inequívoco que os autos reúnem já elementos probatórios que sustentam fortemente a prática por parte daquele da materialidade e crime de que se mostra indiciado.
Com efeito, desde logo e peremptoriamente, o arguido AA foi sujeito a vigilância e seguimento policial no dia 16 de Abril de 2024, tendo sido visualizado a retirar da viatura que conduzia «vários “fardos” de estupefaciente, que transportou para um ponto com vegetação onde camuflou essa carga», que foram apreendidos e que se verificou tratar-se de «resina de cannabis (haxixe) com o peso total de 364.800 grs. a que corresponde 729.600 doses individuais com um valor de mercado aproximado de 418.600,00€»14
Ora, sem descrédito para a argumentação aduzida, neste contexto indiciário e probatório, sabido o espectro legal do crime de tráfico de estupefacientes15, afiguram-se verdadeiramente irrelevantes as circunstâncias invocadas pelo arguido de, por um lado, não lhe ser imputada qualquer venda de produto estupefaciente e, por outro, de não ter sido encontrado na sua posse qualquer produto estupefaciente.
Tal qual narrado no despacho recorrido, a matéria fáctica mostra-se fortemente indiciada (e é inequivocamente subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes agravado), o que vale por dizer que os elementos de prova carreados para os autos até ao primeiro interrogatório judicial do/s arguido/s detido/s amparam sobejamente a asserção de que é maior a probabilidade de futura condenação do arguido/recorrente, do que a da sua absolvição.
Tanto basta, pois, para se concluir, outrossim, pela improcedência, nesta parte, do recurso interposto.
3.1.4. Do putativo erro de jure na aplicação da prisão preventiva, por desrespeito aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade
Por fim, o arguido/recorrente insurge-se quanto à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, invocando a desnecessidade, inadequação e desproporcionalidade de tal medida de coacção, propugnando pela aplicação de outras menos restritivas.
Vejamos.
«Tendo presente o disposto no artigo 191.º n.º 1, do CPP, cumpre ressaltar a configuração intraprocessual das medidas de coacção, limitadoras da liberdade pessoal agindo, de modo instrumental, com o fim de acautelar a eficácia do procedimento, no respectivo desenvolvimento como na execução das decisões condenatórias, vale por dizer que se trata de garantir o bom andamento do processo e o efeito útil da decisão.
De par, impõe-se que tais exigências cautelares resultem da concreta verificação dos perigos previstos no artigo 204.º, do CPP, do que resulta a ilegitimidade de outra qualquer finalidade, de natureza substitutiva, retributiva, preventiva, mesmo protectiva.
A aplicação de tais medidas supõe a prévia constituição como arguido e a pré-existência de um processo criminal e, de par, a verificação de um juízo de indiciação da prática de actos consubstanciadores de determinado crime e, ademais, a probabilidade de aplicação de uma pena – artigos 191, 192.º, 193.º, 197.º, do CPP.
De salientar, por outro lado, que o princípio da presunção de inocência (afirmado no artigo 11.º, da DUDH, no artigo 6.º n.º 2, da CEDH, no artigo14.º n.º 2, do PIDCP e no artigo 32 n.º 2, da CRP) impõe a aplicação, entre as admissíveis, da medida de coacção menos gravosa, e com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade (artigo 193.º n.º 1) e da intervenção mínima, segundo um critério dito de concordância prática.
Por que assim, supõe-se uma adequação qualitativa (aptidão à realização dos fins cautelares visados) e quantitativa (quanto à duração da medida), e impõe-se que a medida de coação seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que, previsivelmente, venha a ser aplicada ao arguido.
No concreto caso da prisão preventiva, na medida em que vem configurada como a mais gravosa das medidas aplicáveis, de par com a obrigação de permanência na habitação, impõe-se o sopeso, especificado, da inadequação e da insuficiência de outras medidas coactivas menos lesivas e gravosas»16
No mesmo sentido, entre muitos outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/4/2020, processo n.º 358/18.5GCTVD, in www.dgsi.pt.: «Como princípio geral, a privação da liberdade só pode ser legitimada por sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (cfr. nº 2 do art.º 27º da C.R.P).
Daí que a prisão preventiva, a medida de coacção mais gravosa porque mais limitadora da liberdade, esteja sujeita a critérios de estrita legalidade, prevista como uma das excepções ao princípio enunciado no nº 2 daquele art.º 27º.
A sua natureza excepcional e subsidiária encontra-se expressamente afirmada no nº 2 do art.º 28º da C.R.P., nos termos do qual “a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
Os princípios constitucionais acima aludidos têm tradução e desenvolvimento na lei adjectiva penal.
Desde logo no nº 1 do art.º 191º, que estabelece os princípios da legalidade e tipicidade das medidas de coacção e de garantia patrimonial.
Em seguida, o nº 2 do art.º 192º do mesmo diploma afasta a aplicação de qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial sempre que haja “fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal”.
Por seu turno, o nº 1 do art.º 193º estabelece os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade de tais medidas, em função das exigências cautelares e da gravidade do crime e das sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas no caso concreto, enquanto que o nº 2 do mesmo preceito reafirma o carácter subsidiário da prisão preventiva, e agora também da obrigação de permanência na habitação, que “só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”.
Por fim diga-se que a prisão preventiva deve ser, de facto, a última ratio; ainda que ao caso deva ser aplicada medida de coacção privativa da liberdade, sempre deverá ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação quando esta medida se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares que no caso se façam sentir (cfr. nº 3 do art.º 193º)».
No caso, o arguido/recorrente está fortemente indiciado da prática de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao aludido diploma legal, ao qual corresponde uma moldura penal de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de prisão.
Os factos indiciados, de indesmentível gravidade e perigosidade, apontam de per si para uma dimensão excepcional, envolvendo ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, como se tem defendido na jurisprudência.
O arguido/recorrente tem averbadas inúmeras condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, de simulação de crime, de injúrias, de resistência e coacção sobre funcionário, de ofensas à integridade física qualificada e de crimes de roubo e agravados, tendo sido condenado, por várias vezes, em penas de prisão suspensas na sua execução e em penas de prisão efectivas, realçando-se uma pena única de 8 (oito) anos de prisão que sofreu e cuja liberdade definitiva foi concedida em 2016.
Por outro lado, e tal como anota o Ministério Público na primeira instância, dos elementos probatórios recolhidos e das declarações fiscais e sociais, resulta que o arguido AA apresenta um percurso laboral inconstante, sem modo de vida certo.
Tudo, pois, a inculcar a conclusão de que se verificam, em concreto e de modo muito intenso, os apontados (no despacho recorrido) perigos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa.
A respeito do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, nº 9 Especial, pág. 131, refere que «(…) mesmo anteriormente à Lei nº 48/2007, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art.º 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto».
Todavia, e não obstante o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas seja insusceptível de afirmação em razão da natureza do crime indiciado, do desvalor que o mesmo evidencia, do comportamento adoptado aquando da prática dos factos ou da comoção e do desassossego que o mesmo, então, causou na comunidade17, in casu, ter-se-á, sempre, que concluir que, em face da personalidade evidenciada, é de recear, e muito, que idênticos comportamentos possam vir a ser adoptados pelo arguido.
Acresce, ainda, o perigo de perturbação do decurso do inquérito, designadamente para a aquisição e conservação da prova, atenta a própria dinâmica da actividade criminosa indiciada, que, sabidamente, para além do mais, assenta sobretudo na cooperação, no silêncio e no cumprimento de códigos próprios de lealdade.
«Não se desconhece o entendimento que sugere que a utilização da prisão preventiva como meio de impedir a continuação criminosa se assume como uma medida de defesa social que, podendo significar uma eventual antecipação da pena, pode beliscar a máxima constitucionalmente consagrada da presunção de inocência.
Todavia, o Tribunal Constitucional em momentos vários, discorrendo a propósito desta dimensão, acabou por concluir que a relevância dos reais perigos, mormente o aqui afirmado, desde que com base em concretos factos expressos e relatados, não questiona / viola qualquer princípio constitucional, desde que atentando a uma certa realidade, espelhada num efetivo processo.
Evocando tais ensinamentos e concatenando-os com o quadro que aqui se apresenta e, nomeadamente, com o apontado pelo tribunal a quo, não só parece claro que o perigo de continuação da atividade criminosa desponta, como resulta que de modo muito claro e direto o justificou e o ilustrou»18
Por último, face ao crime fortemente indiciado e à moldura aplicável ao referido tipo legal, à acentuada gravidade e desvalor dos factos em concreto e aos antecedentes criminais do arguido/recorrente, é de prever, com altíssimo grau de probabilidade, que em sede de julgamento lhe venha a ser aplicada pena de prisão efectiva.
Ou seja, na situação em crise, a alegação do arguido/recorrente quanto à desnecessidade/desadequação de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não pode deixar de ser desconsiderada.
Na verdade, ante o tipo de ilícito fortemente indiciado e a personalidade evidenciada, sempre se terá de concluir que, de per si, as medidas de obrigação de apresentações periódicas e/ou de proibição e imposição de condutas, constituindo medidas que, por definição e natureza, consentem amplo raio de acção, circulação e liberdade, permitiriam ao arguido/recorrente manter contactos, realizar “negócios”, organizar esquemas de acção, isto é, continuar a actividade ilícita pela qual está fortemente indiciado.
Outrossim, a respeito da obrigação de permanência na habitação em situações de tráfico de estupefacientes, mormente naquelas que assumem particular/maior densidade, como tem sido abundantemente frisado na jurisprudência, é manifesto que nunca teria aptidão para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa que se verifica - nada impediria o arguido/recorrente de, a partir do seu domicílio, manter contactos com vista ao planeamento de outros transportes de estupefaciente.
Vale tudo por dizer que, a verificação dos fortíssimos perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de perturbação do decurso do inquérito, afastam, liminarmente, a adequação na aplicação de quaisquer outras medidas de coacção e conduzem à conclusão segura de que, na situação, os apontados perigos só podem ser prevenidos através da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, tal qual decidido.
Termos em que o recurso apresentado pelo arguido AA não pode, de todo, lograr provimento.
3.2. Do recurso interposto pelo arguido BB
3.2.1. Da inexistência de factos concretos
A respeito, invoca o recorrente, em síntese que: «Os fatos considerados fortemente indiciados pelo Tribunal a quo, no que diz respeito à participação do RECORRENTE, constituem meras imputações genéricas e conclusivas, não sendo concretizada, nas imputações genericamente formuladas contra “os arguidos”, uma única conduta concreta alegadamente adotada pelo RECORRENTE, em determinadas circunstâncias de tempo ou lugar. 4.Os factos formulados nos parágrafos1.º, 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 29.º do despacho recorrido são genéricos e conclusivos. 5.A prática de um crime não pode ser fortemente indiciada para efeitos de aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade com base em imputações genéricas e conclusivas»
Vejamos, então.
A propósito de tal querela, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Outubro de 2020, processo n.º 90/16.4JASTB.E1, in www.dgis.pt., ficou impressivamente explanado o seguinte: «Como é sabido, o que caracteriza uma boa exposição factual – à semelhança dos critérios do bom jornalismo – são os critérios de exposição e esses são simples: quem, o quê, onde, como, quando e porquê. Data, local, comportamentos concretos levados ao pormenor possível, mas tendencialmente esgotante de um agir humano, os meios utilizados e circunstâncias da acção, circunstâncias envolventes relevantes, o que – no “pedaço de vida” – possa ser juridicamente relevante e permita o processo mental de todos – acusador, defesa e tribunal – no descortinar se esse agir humano “cabe” no tipo, permite aferir da ilicitude, culpa, maior ou menor perigosidade da acção, desvalor do resultado, o habitual. (…..).
Assim, neste tipo de crimes onde a intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus-tratos, violência doméstica, tráfico de droga), a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é, na sequência, o cerne do direito de defesa.
Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, com utilização de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, nestes tipos de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal (…).
E citem-se os acórdãos que se quiserem citar em recursos, os tribunais não servem para ser “compreensivos” com práticas deficientes de investigação concreta. Uma jurisprudência que aceite este grau de abstracção é a negação do princípio do acusatório e uma defesa quase explícita do princípio do inquisitório e uma efectiva negação do direito de defesa.
Não se pretende com isto afirmar a absoluta necessidade de todos os factos imputados serem definidos ao pormenor, em todos e cada um dos seus aspectos naturalísticos, mas haverá que aceitar um mínimo de concretização normativamente relevante relativo ao tempo, local, modo e circunstâncias do facto. É certo que a exigência de concretização não pode ser tal que inviabilize a prova de factos e a perseguibilidade penal de ilícitos que, pela sua natureza e práticas cada vez mais defensivas, inviabilizariam a punição. Ou seja, os factos naturalísticos expostos devem revelar um mínimo de significado normativo que permita o exercício do direito de defesa.
Como já afirmámos em acórdãos anteriores - de 17 de Setembro de 2013 (proc. 97/11.8PFSTB.E1) e de 01-10-2013 (proc. 948/11.PBSTR) – tudo o que seja narrativa com “abstracção” factual inviabiliza o contraditório. Naturalmente também viola o princípio do acusatório.
Naquele primeiro aresto fundamentámos: «Ou seja, os factos que devem ser/são o “objecto do processo” têm que ter a característica da “falsificabilidade” popperiana, já não como critério essencial para a caracterização das teorias científicas, sim com o sentido de que a sua concretude pode ser declarada falsa”. Ora, no caso nada pode ser declarado falso pois que nada é dito de concreto que possa ser negado. A única defesa possível é afirmar um “não” abstracto, o que sempre seria inútil.
As expressões são meramente conclusivas e inviabilizam o direito de defesa se não for delimitada a factos realmente provados. Não o sendo é romance. E se uma acusação é deveras uma “estória”, não convém que a indeterminação ou a abstracção sejam as características literárias que a definem».
Também a propósito, no mesmo sentido, entre muitos outros, no Acórdão do S.T.J. de 17 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 83/15.9SFPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt., se refere que: «(…) o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente em matéria de tráfico de estupefacientes, tem defendido que não são factos susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, visto que as afirmações genéricas não são susceptíveis de impugnação, pois não se sabe o lugar em que o agente vendeu os estupefacientes, o local em que o fez, a quem, o que foi efectivamente vendido, sendo que a aceitação das afirmações genéricas como «factos» inviabiliza o direito de defesa que ao arguido assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32.º da CRP – veja-se, em tese validada até ao presente, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Fevereiro de 2007 (processo 06P3932, disponível em www.dgsi.pt)».
Ora, na senda da jurisprudência firmada, em concordância com o argumentário aduzido, volvendo à materialidade narrada no despacho de apresentação (para a qual remete o despacho recorrido) verifica-se que, inequivocamente, assiste razão ao recorrente, neste particular.
Com efeito, relativamente à factualidade inscrita no despacho de apresentação, no que a este arguido concerne, a alegada participação do mesmo numa actividade conjunta, em integração de esforços com os demais, queda-se verdadeiramente pela invocação (e mesmo assim genérica) que: «O arguido EE colaborava com os restantes arguidos, procedendo ao armazenamento de parte do produto estupefaciente adquirido pelos arguidos, bem como a sua revenda a 3º e consumidores, a troco de quantias avultadas de dinheiro que depois dividiam entre si»19, restando-nos, somente, no que se revela imputação concreta factual, a descrição das apreensões na residência do mesmo, conforme ponto 17º.
As afirmações genéricas e abstractas sendo, para além do mais, e por natureza, insusceptíveis de prova e contraprova, deverão ser liminarmente expurgadas, isto é, não consideradas na fundamentação indiciária de factos.
Destarte, a sindicância que se seguirá, relativamente à veiculada pelo arguido/recorrente inexistência/insuficiência de indícios, assentará, somente, do ponto de vista objectivo, na narrativa dos pontos 9º e 17º.
3.2.2. Da inexistência/insuficiência de indícios
Neste conspecto, invoca o arguido/recorrente, em suma, que:
«6.A prova constante dos autos, analisada criticamente, não permite indiciar fortemente o RECORRENTE pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. 7. O RECORRENTE é um homem de 45 anos, pai de três filhos menores, que vive em situação de união de facto com a sua companheira, FF, na praceta Jardim de Infância, n.º 3, ... Barril. 8. O RECORRENTE e a sua companheira são ambos consumidores regulares e intensivos de haxixe, desde longa data. 9. O RECORRENTE e a sua companheira fumam ambos, conjuntamente, em média, cerca de 10 gramas de haxixe por dia. 10. A fim de suportar os hábitos de consumo do casal, o RECORRENTE decidiu adquirir oito placas – cerca de 800 grs. de haxixe – pelas quais pagou cerca de 600 €. 11. O RECORRENTE adquiriu aquela quantidade de estupefaciente de modo a evitar deslocações frequentes para aquisição de haxixe em pequenas quantidades e por considerar que o produto em causa tinha boa qualidade e estava a ser vendido a um bom preço. 12. O RECORRENTE estima que aquela quantidade de haxixe corresponderia previsivelmente a um período médio de consumo doméstico de dois meses. 13. O RECORRENTE declarou no interrogatório judicial ter adquirido uma quantidade de haxixe (800 grs.) superior àquela que havia sido apreendida na sua residência (740 grs.), consciente das implicações processuais das suas declarações, por ser verdade que, conforme o mesmo declarou, essa droga se destinava ao consumo doméstico comum do casal. 14. Não obstante os seus hábitos de consumo, ambos o RECORRENTE e a sua companheira desenvolvem atividade profissional estável e regular em duas empresas, detidas, no todo ou em parte, por cada um deles: i) a empresa ..., como NIPC ...; e ii) a empresa ..., com o NIPC .... 15. O RECORRENTE foi detido na oficina da empresa ..., enquanto se encontra a trabalhar na reparação de um motociclo. 16. A apreensão, em cima de um tabuleiro, no móvel da televisão da sala, na residência do RECORRENTE, de “uma carteira contendo no seu interior vários pedaços com um produto suspeito de ser haxixe com peso de 40,42 gramas”, em conjugação com a fotografia (1) constante do auto de apreensão de fls. 1903 a 1906, conformam indícios claros e evidentes de consumo de haxixe em ambiente doméstico. 17. Não constam dos autos quaisquer indícios –, além do produto estupefaciente em si mesmo considerado –, de que o RECORRENTE se dedicaria a atividades de preparação, pesagem, embalamento, distribuição ou venda de produto estupefaciente, não tendo sido encontrados na residência do RECORRENTE objetos tipicamente conotados como tráfico de estupefacientes, como sejam balanças de precisão, tesouras, recortes plásticos, sacos de plástico ou outro tipo de embalagens, nem tão pouco cadernos outro tipo de apontamentos relacionados com a comercialização de produto estupefaciente. 18. As quantias monetárias apreendidas na residência do RECORRENTE–300€ (trezentos euros) num envelope encontrado em cima da mesa da cozinha; e 580 € (quinhentos e oitenta euros) encontrados dentro de uma carteira – não são, objetivamente, pelo seu valor, quantias suspeitas ou indiciadoras da prática de qualquer atividade criminosa. 19. No âmbito da atividade profissional desenvolvida pelo RECORRENTE, é normal o mesmo proceder ao recebimento de pagamentos em dinheiro e à realização regular de depósitos bancários. 28. A mera posse de produto estupefaciente em quantidade superior ao consumo médio individual pelo período de 10 dias não constitui “fortes indícios” de que o Recorrente “armazenou” ou “revendeu” produto estupefaciente»
Atentemos, pois.
Preliminarmente e partindo, como já se disse, da matéria verdadeiramente factual descrita no despacho de apresentação, afigura-se ser de arredar desde logo, por ausência de factos descritivos e conectores, que as apreensões de estupefaciente e de quantias monetárias na residência do arguido (ponto 17º) respaldem, ainda que a título meramente indiciário, a actuação concertada e a colaboração com os demais arguidos, que, na narrativa, lhe foi difusa e abstractamente imputada (pontos 1º a 9º).
É que, com vista à imputação da coautoria, impunha-se que no despacho de apresentação tivessem ficado descritos, ainda que resumidamente, factos capazes de evidenciar a assacada relação colaborativa, o que, de todo em todo, não ocorreu.
Na verdade, como é sabido, são fundamentalmente dois os requisitos exigidos para que se possa falar de co-autoria: um acordo, no sentido de uma decisão conjunta; e uma execução conjunta da decisão.
Para que se considere a existência de uma decisão conjunta (verdadeiro elemento constitutivo da unidade da co-autoria) é necessário que todos os co-autores tenham uma incondicional vontade de realização do tipo.
A coautoria não pode bastar-se com o elemento subjectivo da decisão conjunta, mas exige, ainda, uma contribuição objectiva conjunta para a realização típica, uma execução conjunta, um exercício conjunto do domínio do facto.
O ponto de vista essencial parece ser o do domínio do processo que conduz à realização do tipo.
Existirá domínio funcional do facto quando o contributo do agente - segundo o plano de conjunto - põe, no estádio da execução, um pressuposto indispensável à realização do facto planeado.
A coautoria pressupõe um elemento subjectivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
E assim sendo, inexistindo a priori materialidade que ampare a assacada coautoria, ante a concreta descrição factual efectuada, outra solução não resta senão a de se concluir, logo em abstracto, pela impossibilidade de a este arguido ser imputado um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c) do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao aludido diploma legal, e, bem assim, aos artigos 14.º e 26.º, ambos do Cód. Penal.
No que concerne à factualidade concreta que lhe vem imputada, como resulta da motivação e conclusões recursivas, o arguido consente e confirma as apreensões (de estupefaciente e das quantias monetárias), cingindo-se a sua dissensão à inferência da Sra. Juíza de Instrução, por um lado, relativamente ao destino do estupefaciente e, por outro, à proveniência das quantias.
Em apertada síntese, haverá, pois, in casu que aquilatar se as confirmadas e consentidas apreensões amparam ou não a inferência de que está fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do D.L. n.º 15/93, de 22/1.
Desde já, como acima se deixou consignado no ponto 3.1.3., cujas considerações se dão aqui por reproduzidas relativamente ao conceito de fortes indícios, é de relembrar que a forte indiciação pressupõe a existência de elementos probatórios que, implacavelmente, contradigam a presunção da inocência.
No caso, está em causa haxixe, em quantidade total que ronda as 740 (setecentos e quarenta) gramas, o arguido assume-se como consumidor assíduo de tal substância, invoca que a companheira também o é e as quantias apreendidas totalizam €880,00 (oitocentos e oitenta euros).
É verdade que não existem (ou, pelo menos, não foram carreados para o primeiro interrogatório judicial) elementos probatórios coadjuvantes a suportar a asserção de que o arguido destinava o estupefaciente apreendido à venda ou cedência a terceiros.
Como aduz o recorrente: «Não constam dos autos quaisquer indícios –, além do produto estupefaciente em si mesmo considerado –, de que o RECORRENTE se dedicaria a atividades de preparação, pesagem, embalamento, distribuição ou venda de produto estupefaciente, não tendo sido encontrados na residência do RECORRENTE objetos tipicamente conotados como tráfico de estupefacientes, como sejam balanças de precisão, tesouras, recortes plásticos, sacos de plástico ou outro tipo de embalagens, nem tão pouco cadernos outro tipo de apontamentos relacionados com a comercialização de produto estupefaciente»
Todavia, não é de olvidar que se trata de uma quantidade de estupefaciente já muito considerável, dificilmente compaginável, segundo as regras da experiência, com a propalada detenção exclusiva para consumo, e que, derradeiramente, as explicações aventadas pelo arguido/recorrente, aquando da prestação de declarações, no primeiro interrogatório judicial, como refere a Sra. Juíza de Instrução «(…) foram contraditórias, inconsistentes, sem enquadramento lógico, à luz do senso comum. Anote-se com relevância indiciária, o arguido tinha na sua casa cerca de mil quatrocentos e oitenta doses diárias de haxixe, e oitocentos euros, sem qualquer explicação plausível, por referência às suas próprias declarações e ao senso comum. Para a guarda da quantia monetária em dinheiro, o arguido forneceu várias explicações diferentes, respeitava, a dinheiro de caixa, não teve tempo de depositar. Apesar de fazer depósitos diários ou quase diários. Afinal dizia respeito ao sinal de venda de um veículo motorizado, recebido e guardado pela companheira, sendo que neste caso sem explicação para a divisão do dinheiro. Trezentos acondicionados no local, quinhentos e oitenta acondicionados numa carteira. (…) Em resumo e repete-se, o arguido tinha mil quatrocentos e oitenta doses de haxixe acondicionadas em locais e em embalagens distintas. o consumidor regular de haxixe não adquire mil e quinhentas doses de haxixe para consumo. Dinheiro separado fisicamente em casa sem explicação plausível»
Com este manancial probatório indiciário, que inclui as declarações inverosímeis do arguido, sabido o espectro legal do crime de tráfico de estupefacientes20, afigura-se que a matéria fáctica, aliás, objectivamente não impugnada pelo recorrente e sem esforço subsuntivo, reclama a inferência de que se mostra fortemente indiciada a prática, por parte deste recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do D.L. n.º 15/93, de 22/121.
Procede, pois, nestes termos e apenas parcialmente este segmento recursivo.
3.2.3. Do erro de jure na aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por desrespeito aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade
Por último, insurge-se este recorrente quanto à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, com a seguinte fundamentação: «30. Não se encontram verificados os pressupostos legais de aplicação da medida de coação de prisão preventiva e, em geral, de qualquer medida de coação privativa da liberdade, nos termos dos artigos 201.º e 202.º do CPP. 31. O RECORRENTE em conjunto com a sua companheira são responsáveis pelo sustento do seu agregado familiar, tendo três filhos menores a seu cargo. 32. O RECORRENTE exerce uma atividade profissional estável e permanente, prosseguindo um modo de vida certo, constituindo a atividade económica das empresas do RECORRENTE e da sua companheira a principal fonte de rendimentos do RECORRENTE e do seu agregado familiar. 33. A companheira do RECORRENTE sofre de incapacidade de trabalho parcial. 34. Não existem nos autos indícios de que o RECORRENTE tenha predisposição para a prática de ilícitos criminais, nomeadamente para a prática de crimes violentos, contra a integridade física de quem quer que seja. 35. O RECORRENTE não tem antecedentes criminais. 36. Não se verificam nos autos, em relação ao RECORRENTE, os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação do inquérito ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. 37. A medida de coação de prisão preventiva aplicada ao RECORRENTE deve ser revogada, e substituída por outra medida de coação, preferencialmente não privativa da liberdade, que permita ao RECORRENTE retomar o exercício da sua atividade profissional»
Atentemos.
Dando-se aqui por reiteradas as considerações genéricas já efectuadas no ponto 3.1.4., estamos em crer que, a alegação deste arguido/recorrente quanto à desnecessidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não pode deixar de ser considerada.
Com efeito, como atrás concluímos, a materialidade narrada e indiciada não consente a subsunção à figura da coautoria, nem ao tipo legal de tráfico de estupefacientes agravado, mas, simplesmente, ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do D.L. n.º 15/93, de 22/1, em autoria material.
No que se reporta à verificação dos perigos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 204.º, do C.P.P., ressalta-se, por um lado, que o arguido é primário, mostra-se inserido familiar e profissionalmente e, por outro, que, no que a este recorrente concerne, se mostra sedimentado e adquirido o aporte probatório, tudo, pois, a inculcar, na prognose possível, que se mostram consideravelmente apaziguadas as necessidades cautelares, afastando, liminarmente, a adequação e/ou urgência na aplicação de medidas de coacção privativas da liberdade, em concreto da medida de coacção de prisão preventiva.
Assim – e sem desdouro para a sensibilidade e juízo decisório da Sra. Juíza de Instrução, ademais beneficiado pela imediação e pela oralidade de que, nesta instância, se não dispõe –, não pode deixar de ter-se por suficiente, adequada e proporcional uma medida coactiva cumulada de obrigação de apresentação periódica e de proibição de condutas.
Com efeito, estamos convictos, os invocados perigos podem ser prevenidos através da apresentação semanal às autoridades policiais (artigo 198.º, do C.P.P.), e da proibição de estabelecer contacto, por qualquer meio, com os demais arguidos e testemunhas (artigo 200.º, do C.P.P.)
III - DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA;
b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, revogando-se o despacho recorrido, nos segmentos em que considerou existirem indícios da prática por parte do mesmo, em co-autoria com os demais arguidos, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e em que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva;
c) Determinar que o arguido BB aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de apresentação semanal no posto/esquadra policial da área da sua residência, cumulada com a proibição de contactos;
d) Determinar que sejam emitidos mandados de libertação do arguido BB, caso não interessa a sua prisão à ordem de outros processos;
e) Condenar o recorrente identificado em a) no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 4 UC.
Notifique e comunique, de imediato, ao Tribunal recorrido e ao O.P.C.
Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Ana Marisa Arnêdo
Jorge Rosas de Castro
Cristina Luísa da Encarnação Santana
______________________________________________________
1. fls. 6 e 30/4 - Denunciado em processo de violência doméstica (NUIPC 681/22.4PCAMD) por, supostamente, se dedicar ao comércio de droga, concretamente onde se lê - “que o suspeito não consome estupefaciente e que está ligado ao comércio de drogas, razão do seu comportamento e troca constante de telemóveis ou cartões” ou, quando já referenciado no inquérito NUIPC 198/21.4JAFAR, por ligação suspeita a supostos traficantes de ...
2. ..., com morada na ...
3. ..., ...
4. ... – ....
5. ... -...
6. Viatura habitualmente utilizada nas viagens a sul, para, supostamente, transportar o estupefaciente, como já descrito no presente inquérito.
7. AA mostra interesse ao RR (dono da casa) em arrendar o apartamento de .... RR diz que tem lá uma pessoa atá ao fim do mês. AA diz que fica com a mesma, assim que ele saia, por um período de um ano e que efectua o pagamento na sua totalidade no acto do arrendamento. Ficam de falar através de ...
8. Neste sentido, entre outros, os acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa de 12/5/2015, de 31/10/2017, de 24/11/2020, de 8/6/2021 e de 13/1/2021; da Relação do Porto de 26/5/2021; da Relação de Évora de 3/7/2012, de 18/4/2017, de 13/7/2021 e de 9/1/2024, todos in www.dgsi.pt.
9. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/1/2024, proc. 511/23.0S6LSB-A.L1-9, in www.dgsi.pt., no qual a ora relatora foi adjunta.
10. Neste sentido, para além do já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/1/2024, proc. 511/23.0S6LSB-A.L1-9, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/2/2023 processo n.º 419/22.6JELSB-B.L1-5 (este Acórdão está identificado por lapso com a data de 7/2/2022), do Tribunal da Relação do Porto de 24/11/202, processo n.º 404/21.5GBPRD-B.P1 e a declaração de voto de vencida proferida no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/4/2024, processo n.º 2/24.1GAABF-A.E1, todos in www.dgsi.pt.
11. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 15ª ed., Coimbra, 2005, pág. 306 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/1/2013, processo n.º 13/11.7GAGMR-A.G1, in www.dgsi.pt.
12. Acórdão do TEDH de 6 de Abril de 2000, caso Labita/Itália.
13. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 28/8/2018, processo n.º 142/17.3JBLSB-A.S e do Tribunal da Relação de Évora de 22/1/2019, processo n.º 2/17.8GBFAR-C.E1, ambos in www.dgsi.pt.
14. Prova testemunhal (RV) a fls. 1695/9 e auto de apreensão a fls. 1716/9.
15. «O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no art.º 21.º do DL 15/93, de 22-01. À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como "motivo da proibição", sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência»
16. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/7/2017, processo n.º 10/17.9 PALGS-B.E1, in www.dgsi.pt.
17. No sentido sufragado e a propósito do conceito de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/7/2003, processo n.º 5372/2003-3, in www.dgsi.pt.
18. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/11/2023, processo n.º 56/22.5PESTB-A.E1, in www.dgsi.pt.
19. Ponto 9º da matéria de facto.
20. «O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no art.º 21.º do DL 15/93, de 22-01. À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como "motivo da proibição", sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência».
21. E já não do crime de tráfico de estupefacientes agravado, em coautoria, como sufragado no despacho recorrido.