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PENA COMPÓSITA
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
CONCURSO REAL
Sumário
Existe um princípio essencial enformador do sistema punitivo português, de harmonia com o qual, a partir da revisão do CP de 1995, o legislador assumiu um firme propósito de erradicar da jurisdição penal as penas compósitas de prisão e de multa para o mesmo crime, em face não só das suas diferentes naturezas, mas sobretudo, dos pressupostos de sinais contrários que subjazem à aplicação de uma e de outra espécie de sanções penais. Porque contrariam um dos valores fundamentais de política-criminal que é o da concepção da multa como uma medida alternativa, verdadeira e própria, à prisão, as penas compósitas, tendo sido suprimidas das molduras penais abstractas previstas na parte especial do Código Penal, para cada crime, também não devem assumir essa natureza mista de penas de prisão e de multa, quando esteja em causa um concurso real de infracções, pois que as razões de política criminal determinantes da erradicação das penas abstractas compósitas são as mesmas que contraindicam o concurso de penas de espécie diferente: é o mesmo e um só o agente, é uma só e unitária a sua personalidade, esta merece ser avaliada relativamente ao conjunto dos factos praticados. (sumário da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 4 de Janeiro de 2024, no processo comum singular nº 61/19.9GACSC do Juízo Local Criminal de Cascais, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi decidido:
A. Absolver a arguida AA da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ex vi artigo 132.º, n.º 2, als. c) e h), todos do Código Penal, e da prática, em autoria material, de um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal;
B. Absolver a arguida BB da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ex vi artigo 132.º, n.º 2, als. c) e h), todos do Código Penal, e da prática, em autoria material, de um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal;
C. Absolver a arguida CC da prática de um crime de difamação com publicidade, p. e p. pelo artigo 181.º e 183.º, n.º 1, a) do Código Penal.
D. Condenar a arguida CC, como autora material, de dois crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão, por cada um deles;
E. Condenar a arguida CC, como coautora material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ex vi artigo 132.º, n.º 2, al. c) todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
F. Proceder ao cúmulo jurídico das penas referidas em D. e E. condenar a arguida CC na pena 7 (sete) meses de prisão, substituída por 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50, perfazendo um total de €1.925,00;
G. Condenar o arguido DD, como coautora material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ex vi artigo 132.º, n.º 2, al. c) todos do Código Penal, na pena de 3 (seis) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00, perfazendo um total de €1.050,00;
H. Condenar os arguidos CC e DD (i) nas custas do processo, fixando-se em 3UC a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo); e (ii) nas demais custas do processo nos termos do artigo 514.º do CPP;
I. Declarar de imediato extinta a medida de coação aplicada às arguidas AA e BB - artigo 214.º, n.º 1 d) do CPP.
J. Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal (artigo 6.º da Lei n.º Lei n.º 37/2015, de 5 de maio) para efeitos de registo criminal.
K. O TIR prestado pelos arguidos CC e DD nos autos manter-se-á até à extinção das penas, mantendo-se este sujeito às obrigações daí decorrentes – vide artigo 214.º, n.º 1, alínea e), in fine, do CPP.
O Mº. Pº. interpôs recurso da sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. Neste processo, a arguida CC foi condenada pela prática, como autora material e em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão, por cada um deles, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, nº 1, alínea a), e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea c), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um total de €1.925,00 (mil novecentos e vinte e cinco euros).
2. A pena de prisão aplicada à arguida, pela prática de dois crimes de ameaça, é excessiva e desproporcional à gravidade dos factos.
3. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que o tribunal a quo sustentou a escolha da pena de prisão, em detrimento da pena de multa, relativamente aos crimes de ameaça, prende-se com a situação concreta de o crime aí punível com pena de multa se encontrar intrinsecamente conexo com o crime punível apenas com pena de prisão, justificando-se, nesse caso concreto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, bem como as finalidades da punição, a unidade da pena.
4. In casu, apesar de as exigências de prevenção geral serem acima da média, dada a frequência com que este tipo de crimes vem sendo praticado, o que constitui motivo de constante alarme social e quebra da confiança nas relações pessoais, ainda que ilícita, a conduta típica da arguida não produziu consequências de elevada gravidade ou danosidade social, pelo que as expectativas comunitárias quanto à validade e vigência da norma violada não saem, no caso, prejudicadas com a aplicação à arguida de pena não detentiva.
5. Por outro lado, as necessidades de prevenção especial não são elevadas no caso em apreço, porquanto, e em sentido favorável, a arguida demonstrou, perante o tribunal, espírito crítico e autocensura quanto à sua conduta, tendo admitido o envio das mensagens com teor de ameaça.
6. Ademais, ainda que ilícita, a conduta típica da arguida não produziu consequências de elevada gravidade ou danosidade social, porquanto remeteu duas mensagens com caráter de ameaça dirigidas à assistente, inexistindo, igualmente, qualquer notícia de a arguida ter praticado factos penalmente relevantes, já que não tem quaisquer antecedentes criminais, encontrando-se social, profissional e familiarmente integrada.
7. Na escolha da pena aplicada à arguida pela prática dos dois crimes de ameaça, o tribunal a quo sopesou de forma excessiva e desproporcional a aplicação da pena de prisão, na medida em que uma pena de carácter não privativo da liberdade seria bastante para, por um lado assegurar as necessidades de proteção dos bens jurídicos violados e, por outro, demover a arguida da prática de novos ilícitos, assegurando cabalmente as finalidades da punição, sem descurar, os princípios da necessidade, proporcionalidade e da subsidiariedade do direito penal.
8. Em sede da “Dosimetria da Pena” o tribunal a quo não atendeu às necessidades de prevenção geral e especial, nem tampouco à sua limitação pela medida da culpa do agente, limitando-se a optar pela pena não privativa da liberdade, em virtude de a arguida ser, igualmente, condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, o qual é punível, apenas, com pena de prisão, na esteira, descontextualizada, do acórdão do Supremo Tribuna de Justiça, que entendeu verificarem-se inconvenientes na aplicação de “penas mistas”.
9. Atendendo ao conjunto dos factos pelos quais a arguida veio a ser condenada, às necessidades de prevenção geral e especial, às finalidades da punição, de acordo com os critérios enunciados pelo artigo 70º, do Código Penal, entendemos ser de optar pela aplicação da pena de multa, no que concerne aos dois crimes de ameaça.
10. Tal pena mostra-se perfeitamente capaz de satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial que o caso reclama.
11. Nesta conformidade, deverá o tribunal de recurso revogar, parcialmente, a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que condene a arguida CC pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça em pena de multa.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada, sendo substituída por outra que condene a arguida CC pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça em pena de multa, assim se fazendo a costumada Justiça.
Admitido o recurso, não houve resposta e na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto apôs apenas visto.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica e as conclusões dos recursos, a única questão que importa decidir é a de saber se as penas de prisão aplicadas à arguida CC pela prática de dois crimes de ameaça são excessivas e desproporcionais à gravidade dos factos e se deveriam ter sido antes aplicadas penas de multa.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida fixou a matéria de facto, nos seguintes termos:
Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos:
A) Da acusação pública:
1. As arguidas CC, AA e BB são amigas.
2. As arguidas conhecem a assistente EE.
3. O arguido DD manteve, em data anterior ao dia 14 de Janeiro de 2019, uma relação de namoro com a assistente.
4. O arguido DD é amigo das arguidas.
5. Por motivo e data não concretamente apurados, originou-se uma desavença entre a arguida CC e assistente, na qual as arguidas AA e BB tomaram partido da primeira.
6. No dia 5 de Dezembro de 2018, a arguida CC remeteu à assistente uma mensagem de texto (sms) com o seguinte teor:
“EE brinca com a tua vida, mete uma coisa na tua cabeça oca, eu não sou a BB nem a AA. Te garanto. É lixo a vida a todos!!! Todos! Brinquem comigo agr vão ver o que vai acontecer, não brinquem comigo caralho!!! Tou-vos a avisar, só um aviso vai tudo com o caralho a começar por ti” e “tou à porta de tua casa. Vou esperar até saires do trabalho, quero ver se me tas a mentir, crl?”.
7. No início de janeiro de 2019 a arguida CC remeteu nova mensagem de texto a FF, amiga da assistente, e, referindo-se a EE, escreveu o seguinte:
“No dia em que eu receber uma carta da polícia ou seja o que for, ela q fuja para muito longe aviso já, pq eu meto-a em coma. Juro peça saúde dos meus filhos, Avisa a puta da tua amiga q se tá fodida comigo, essa porca que não brinque comigo, se ela quiser q venha falar connsco pessoalmente”.
8. Mensagem esta que FF transmitiu à assistente.
9. No contexto da desavença existente, a arguida CC juntamente com o arguido DD, delineou o plano de atraírem a assistente para junto da casa deste último, local pouco iluminado durante a noite, para que, uma vez nesse local, a arguida CC pudesse desferir pancadas com mãos e pés no corpo da assistente EE visando magoar e ferir a mesma, plano este do qual as arguidas AA e BB tinham conhecimento.
10. Em cumprimento do plano delineado, em hora não apurada no dia 14.01.2019, o arguido DD entrou em contacto com a assistente para que aquela se encontrasse consigo, naquele dia, pelas 23 horas e 30 minutos, numa paragem junto ao parque de estacionamento da Escola Básica de Alcabideche, sita na Rua Conde Barão, n.º 614, em Alcabideche, local a escassos metros da residência deste arguido.
11. À data a ofendida encontrava-se grávida de 7 semanas de gestação, o que era do conhecimento dos arguidos.
12. Por ser seu ex-namorado e amigo, a assistente acedeu a encontrar-se com o arguido DD no local e hora indicados.
13. No dia 14.01.2019, pelas 23:30 horas, a assistente chegou ao local referido em 10. visando encontrar-se com o arguido DD que se encontrava no local, conforme combinado, e acompanhado da arguida BB com quem estava a falar.
14. Ao estacionar e sair da sua viatura, a assistente dirigiu-se aos arguidos DD e BB.
15. Ato contínuo, foi surpreendida pela arguida CC, que saiu nesse momento do interior do veículo da arguida BB, onde se encontrava à espera da assistente, e onde se encontrava igualmente a arguida AA sentada.
16. De seguida, a arguida CC, colocando-se de frente para a assistente, desfere-lhe pelo menos dois socos na face, puxando-lhe de seguida os cabelos e desferido pelo menos dois pontapés na barriga.
17. No decurso do circunstancialismo referido em 16., a assistente gritou que estava grávida, ao que a arguida CC respondeu “estragaste a minha vida não quero saber que estejas grávida”, e continuou a desferir-lhe pelo menos mais 2 socos na face.
18. Após a factualidade vertida em 16. e 17, o arguido DD afasta a arguida CC da assistente, a qual conseguiu introduzir-se no seu veículo automóvel, trancou-se no seu interior e de imediato se deslocou ao Hospital de Cascais para receber tratamento médico, local onde deu entrada pelas 23 horas e 52 minutos.
19. Em consequência direta e necessária da atuação descrita , acima descrita, a ofendida EE sofreu dores nas zonas do corpo atingidas sofrendo traumatismos na cabeça, no tórax e no abdómen, ficando com pontos de aplicação (contusão) na região parietal esquerda e na região malar esquerda, sofrendo, ainda, edema nos lábios e dificuldades em abrir a boca, lesões que lhe provocaram 3 dias de doença sendo com afetação da capacidade para as atividades habituais.
20. A arguida CC, ao dirigir-se à assistente e à amiga desta FF, nos moldes descritos em 6. e 7., e proferindo as expressões mencionadas, dizendo-lhes “não brinquem comigo caralho!!! Tou-vos a avisar, só um aviso vai tudo com o caralho a começar por ti” e “No dia em que eu receber uma carta da polícia ou seja o que for, ela que fuja para muito longe aviso já, pq eu meto-a em coma. Juro peça saúde dos meus filhos”, fê-lo de forma adequada a provocar medo e inquietação na ofendida EE.
21. A arguida CC atuou com o propósito concretizado de dirigir à ofendida palavras em que prometiam atentar contra a integridade física desta bem sabendo que as expressões proferidas eram suscetíveis de perturbar a liberdade de determinação da ofendida.
22. Expressões cujo significado EE bem compreendeu.
23. A arguida CC e o arguido DD atuaram em conjunto e comunhão de esforços, com partilha de tarefas, com o intuito logrado de ofender o corpo e provocar lesões em EE.
24. De igual modo, o arguido DD sabia que, ao atrair a assistente para um local com pouca luminosidade durante a noite, permitia que a arguida CC surpreendesse a assistente EE para lhe bater e a apanhar indefesa.
25. Mais quiseram os arguidos CC e o arguido DD dividir tarefas, ficando DD com a tarefa de atrair a assistente nos termos referidos em 26., enquanto a arguida CC ficava com a tarefa de lhe desferir pancadas com murros e pontapés no corpo de EE.
26. Os arguidos CC e DD bem sabiam que as respetivas atuações eram aptas a provocar dores e lesões na assistente.
27. Os arguidos CC e DD, com as respetivas condutas, agiram de modo deliberado, voluntário, livre e consciente, bem sabendo que os seus atos eram proibidos e punidos por lei e, não obstante terem capacidade de determinação em sentido diverso, não se inibiram de as realizar.
B) Da acusação particular:
28. Após, 14.01.2019 a arguida CC publicou, através da plataforma informática instagram, uma publicação, a que todo o círculo de amigos da arguida tinha acesso, com o seguinte teor: “Quando uma mulher quer segurar um homem fica linda e não grávida” “grávida ou gorda???”.
C) Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente:
29. Para além das dores referidas em 19., a assistente sofreu dores durante mais de 15 dias, sobretudo no maxilar.
30. Durante os 15 dias após os factos a assistente teve dificuldade em comer normalmente.
31. Na sequência das agressões de 14.01.2019, e durante cerca de 5 meses, a assistente passou a ter medo de andar sozinha na rua, sendo que apenas fazia o percurso casa-trabalho, evitando locais onde pudesse cruzar-se com os arguidos.
32. Na sequência das agressões de 14.01.2019, a assistente chorou, sentiu-se triste e com receio pela sua gravidez.
D) Do pedido de indemnização civil deduzido pelo hospital
33. A assistência hospitalar referida em 18. foi prestada pela Lusíadas Parcerias Cascais, S.A., a qual importou a quantia de €85,91 referentes a consultas de urgência e exames.
E) Mais se provou:
34. Dos autos não consta que nenhum dos quatro arguidos tenha antecedentes criminais.
35. A arguida CC é auxiliar de farmácia auferindo mensalmente um rendimento líquido de cerca de €850,00.
36. Vive sozinha com os seus 3 filhos menores de 9, 6 e 5 anos de idade, respetivamente, em casa cedida por familiares pela qual não paga qualquer renda.
37. Recebe ainda cerca de €150,00 de abono de família pelos 3 filhos menores, não recebendo pensão de alimentos por nenhum deles.
38. Tem de habilitações literárias o 12.º de escolaridade.
39. A arguida BB é lojista, encontrando-se atualmente desempregada e recebendo um subsídio de desemprego de cerca de 384,00€.
40. Vive sozinha em casa arrendada pela qual paga 400,00€ de renda.
41. Os seus pais e avós suportam parte das suas despesas mensais.
42. Tem de habilitações literárias o 12.º de escolaridade.
43. O arguido DD é arborista, auferindo mensalmente um rendimento líquido de cerca de € 820,00.
44. Vive com os pais, em casa destes, não contribuindo para as despesas do agregado familiar.
45. Tem de habilitações literárias o 12.º de escolaridade.
46. Consta do relatório social da DGRSP referente à arguida CC, para além do mais, o seguinte:
A arguida usufrui de um enquadramento afetivo-familiar e profissional estável, fatores promotores da sua inserção social.
Todavia do ponto de vista do funcionamento, a sua impulsividade em situações de conflito, associada à ausência de autocensura face à sua envolvência no presente processo judicial surgem como vulnerabilidades pessoais a relevar em caso de condenação.
Nestas circunstâncias, afigura-se-nos que, caso haja lugar a condenação existem condições para a execução de uma medida penal na comunidade, de conteúdo probatório, com eventual enfoque não desenvolvimento da capacidade da resolução de conflitos de forma refletida e consequente e da autorregulação.
47. Consta do relatório social da DGRSP referente à arguida AA, para além do mais, o seguinte:
A arguida iniciou-se cedo na vida ativa, situação que terá mantido com regularidade, até à gravidez, mostrando-se investida no trabalho e em evoluir no plano profissional, sendo o seu quotidiano desenvolvido em torno das responsabilidades profissionais. Descrevendo desde cedo a sua autonomia, AA encontra-se no presente desempregada, mas com uma situação económica confortável assente no vencimento do companheiro, tendo o projeto de voltar à atividade após o nascimento do filho. No plano afetivo-familiar tem uma situação que aparenta estabilidade.
Relativamente às suas características pessoais, AA é tomada como uma pessoa sociável, com competências sociais bem assim capacidade de adesão a uma intervenção judicial, em caso de condenação, e para o cumprimento do que eventualmente lhe vier a ser imposto.
48. Consta do relatório social da DGRSP referente à arguida BB, para além do mais, o seguinte:
BB após conclusão do 12º ano de escolaridade, iniciou-se no mercado de trabalho, tendo estado a maior parte do tempo ativa profissionalmente. No presente, encontra-se a frequentar um curso profissional e parece manter um modo de vida socialmente ajustado, detendo um suporte social e familiar aparentemente consistente.
Da análise efetuada da informação recolhida, resulta que, em caso de condenação, BB dispõe de um enquadramento consistente aos diversos níveis, bem assim capacidade de reflexão elaboração de autocensura, o que lhe confere condições para cumprir uma medida de execução na comunidade, eventualmente de conteúdo reparador, que permita a interiorização e o desvalor da conduta criminal.
49. Consta do relatório social da DGRSP referente ao arguido DD, para além do mais, o seguinte:
DD detém uma situação socio profissional de estabilidade, mantendo-se a residir com seus progenitores numa relação gratificante, contando ainda com inserção profissional em empresa familiar.
Face ao seu estilo de vida, o mesmo aparenta ser normativo, fazendo uma ocupação do tempo livre aparentemente ajustada.
Neste contexto de enquadramento do arguido, surge como principal vulnerabilidade, caso haja lugar à sua condenação, a atitude revelada face ao seu envolvimento nos autos. Nessa circunstância, considera-se que o arguido tem condições para a execução de uma medida de execução na comunidade, sendo a principal necessidade de intervenção o desenvolvimento de elaboração crítica face ao crime e bem assim da capacidade de tomada de decisão de forma refletida e ajustada aos valores da vida em comunidade.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A) Da acusação pública:
i. Que as arguidas AA e BB tivessem igualmente delineado o plano referido em 9., ou sequer tivessem tido intervenção nele, e bem assim que o local escolhido para a concretização do plano fosse escuro e ermo, e mais ainda que do plano resultasse que todos os arguidos iriam desferir pancadas na assistente.
ii. Nas circunstâncias referidas em 14., ao sair da sua viatura, a assistente tivesse sido igualmente surpreendida pelas arguidas AA e BB, as quais se colocaram à volta da assistente desferindo-lhe socos na face, na barriga e nas costas bem como pontapés nas costas.
iii. Que nas circunstâncias referidas em 16. a 17., a arguida CC tenha desferido na assistente socos e pontapés em número superior ao dado como provado, e bem assim que desse modo tenha atingido as suas costas.
iv. Que nessas circunstâncias, a presença do arguido DD no local visava vigiar e permitir que as arguidas desferissem pancadas na assistente sem serem interrompidas e sem serem surpreendidas por terceiros ou pela polícia.
v. Em várias datas posteriores não concretamente apuradas, as arguidas dirigiram-se à ofendida e a terceiros amigos da ofendida e disseram “isto ainda não acabou quando ela (EE) deixar de estar grávida a gente volta a resolver”.
vi. Com tal expressão, as arguidas quiseram anunciar à ofendida EE que, quando esta deixasse de estar grávida, ira ser novamente agredida com murros e pontapés no corpo.
vii. De igual modo, em várias datas posteriores não concretamente apuradas, as arguidas, através das plataformas facebook e instagram, redigiriam e remeteram mensagens em que prometiam voltar a agredir a ofendida.
viii. De igual modo, todas as arguidas CC, AA, BB, após o dia 14 de Janeiro de 2019, ao dirigirem-se à ofendida e a terceiros amigos desta dizendo “isto ainda não acabou quando ela deixar de estar grávida a gente volta a resolver” actuaram de forma adequada a provocar medo e inquietação na ofendida.
ix. Com tal expressão, as arguidas quiseram anunciar à ofendida que iriam voltar a desferir-lhe murros e pontapés no corpo.
x. Que as arguidas AA, BB atuaram com o propósito vertido de 23 a 27.
xi. As arguidas sabiam que se encontravam em superioridade numérica, que abordavam a ofendida de surpresa, que a mesma estava grávida, e, ao atuarem de forma conjugada, sabiam que impediam a ofendida tanto de fugir bem como de se defender.
xii. Os arguidos bem sabiam que atuavam em conjunto num total de 4 elementos contra a ofendida, o que quiseram fazer.
B) Da acusação particular:
xiii. Com a publicação referida em 28., a arguida CC estava a referir-se à assistente.
xiv. Com a referida publicação a arguida CC bem sabia que, formulava sobre a assistente um juízo ofensivo da sua honra, consideração e do seu bom nome, e ainda assim não se absteve de publicar tal publicação, o que quis, agindo consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
C) Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente:
xv. Na sequência das agressões de 14.01.2019, a assistente teve insónias e pesadelos.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Nos termos do art.º 40º nº 1 do CP, é função da pena, salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes e, na medida do possível, assegurar a reintegração do agente na sociedade, consagrando a prevenção geral e a prevenção especial como fundamentos legitimadores da aplicação das penas e acrescentando, no seu nº 2, que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Este art.º 40º veio, pois, concretizar no âmbito do Direito Penal e em matéria de escolha e dosimetria das penas, os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, consagrados no artigo 18º nº 2 da CRP.
Por seu turno, o art.º 71º nº 1 do CP impõe que a determinação da pena seja realizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Com efeito, «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena» (Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194).
«A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial» (Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, pág. 25).
A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E é a culpa apreciada em concreto, de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
Assim, em primeiro lugar, a medida da pena será fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos (exigências de prevenção geral positiva).
De seguida, dentro desta moldura, a medida concreta da pena será doseada por referência às exigências de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Por fim, a culpa fornece o limite máximo e inultrapassável da pena.
«A culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção» (Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322).
Culpa e prevenção são, por conseguinte, os dois limites a observar no processo de escolha e determinação concreta da medida da pena e prosseguindo a necessidade de assegurar este equilíbrio, entre a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e a medida concreta da pena abaixo da qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).
O art.º 71º do Código Penal enumera as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, a que o Tribunal deverá atender, para tal efeito.
Dispõe este preceito, no nº 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender, dispondo o nº 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, em correspondência com o artigo 375º nº 1 do CPP, que impõe que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Nessa enumeração exemplificativa vislumbram-se critérios, tanto associados à prevenção geral, como é o caso da natureza e do grau de ilicitude do facto (que impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como relacionados com exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Com efeito, esses critérios referem-se, uns, à execução do facto – als. a), b), c) e e), parte final, como é o caso do grau de ilicitude do facto, do modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência e os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; outros, à personalidade do agente, como sejam as suas condições de vida e a sua preparação ou falta dela, para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – als. d) e f) – e, outros, ainda, à conduta anterior e posterior ao facto – al. e) - especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Mas estas circunstâncias a que se refere o mencionado nº 2 do art.º 71º, são aquelas que não integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem».
No entanto, tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devem ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.
Estas circunstâncias devem ser, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade.
Tal como resulta do teor das conclusões, o recorrente pretende a aplicação a título de pena principal e não como pena de substituição da prisão, como veio a acontecer.
Para o efeito, invocou que a conduta típica da arguida não produziu consequências de elevada gravidade ou danosidade social, pelo que as expectativas comunitárias quanto à validade e vigência da norma violada não saem, no caso, prejudicadas com a aplicação à arguida de pena não detentiva e que as necessidades de prevenção especial não são elevadas no caso em apreço, porquanto a arguida não tem quaisquer antecedentes criminais, encontrando-se social, profissional e familiarmente integrada , e em sentido favorável, a arguida demonstrou, perante o tribunal, espírito crítico e autocensura quanto à sua conduta, tendo admitido o envio das mensagens com teor de ameaça.
A actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo certo que além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento. O tribunal de recurso só alterará a pena aplicada, se as operações de escolha da sua espécie e de determinação da sua medida concreta, levadas a cabo pelo Tribunal de primeira instância revelarem incorrecções no processo de interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais vigentes em matéria de aplicação de reacções criminais. Não decide como se o fizesse ex novo, como se não existisse uma decisão condenatória prévia.
E sendo assim, é preciso ter sempre em atenção que o Tribunal recorrido mantém incólume a sua margem de actuação e de livre apreciação, sendo como é uma componente essencial do acto de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, pois, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197; Acs. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9, da Relação do Porto de 13.10.2021, proc. 5/18.5GAOVR.P1 in http://www.dgsi.pt).
«Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar» (Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1. No mesmo sentido Ac. do STJ de 3.11.2021, proc. 206/18.6JELSB.L2.S1, ambos in http://www.dgsi.pt).
«A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares» (Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9, in http://www.dgsi.pt).
Sobre a escolha da pena e a opção pela aplicação da pena de prisão, o Tribunal recorrido discorreu assim (transcrição):
«O crime de ameaça simples é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias (artigos 47.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1 do Código Penal).
O crime de ofensa à integridade física qualificada, é punível com pena de prisão de um mês até quatro anos – artigos 41.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
O artigo 40.º, do Código Penal, estabelece a proteção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como finalidades da aplicação de uma pena.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, estas afiguram-se particularmente elevadas, atenta a frequência com que os crimes como os dos autos vêm sendo cometidos na nossa sociedade.
A medida da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal)
*
De acordo com o disposto no artigo 70.º, do referido diploma legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
No entanto, sempre que na pena conjunta deva ser incluída uma pena de prisão a jurisprudência do STJ (entre outros, Ac STJ de 7.72.2016, proc. 444/14.0PBEVR.S1, in www.dgsi.pt) “impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa”.
Deste modo, opta o tribunal quanto a todos os crimes, por uma pena de prisão.
Aqui chegados, tendo em conta o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, importa ponderar, no caso concreto:
a) Quanto à arguida CC:
- ter admitido as ameaças, evidenciado espirito crítico quanto à sua conduta, não esquecendo contudo que a sua contribuição para a descoberta da verdade material não é significativa, atendendo a que a prova quanto a estes crimes à sobretudo documental;
- quanto às agressões, a sua versão inverosímil trazida a juízo, não obstante ter admitido as estaladas, evidencia um espírito crítico mitigado quanto à sua conduta;
- a intensidade do dolo é elevada, visto que os factos foram praticados na modalidade de dolo direto;
- a ilicitude elevada dos factos, atendendo ao modus operandi, e bem assim as consequências da conduta são graves atendendo às lesões apresentadas pela assistente na sua sequência;
- a inexistência de antecedentes criminais;
- a sua inserção profissional, familiar e social;
Pelo exposto, quanto a este arguido, as necessidades de prevenção especial e geral são consideráveis, pelo que se entende ser adequada e suficiente a aplicação de: i) uma pena de 1 mês de prisão por cada um dos dois crimes de ameaça; ii) uma pena de 6 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada (fim de transcrição).
Na sentença recorrida foram, pois, sopesados e ponderados todos os factores atinentes quer às razões de prevenção geral e especial, quer às condições de vida da arguida, desde a ausência de antecedentes criminais, até às circunstâncias da confissão e da sua inserção social, familiar e laboral.
Em todo o caso, sempre se dirá, no que se refere à confissão, que a arguida assumiu aquilo que afinal não poderia negar, em face das evidências resultantes da prova documental. De resto, o modo de execução dos crimes de ameaça e o meio de anúncio do mal futuro escolhido acabaram por providenciar a prova dos factos, logo, a confissão não tem um significado de auto-censura e de sensibilidade à importância dos bens jurídicos violados, como teria, se tivesse sido realizada, num contexto de ausência de provas.
Depois, não ter antecedentes criminais, não é mais, nem menos do que aquilo que é de esperar e de exigir de todos os cidadãos, não tendo, em si mesma considerada, nada de extraordinário.
Quanto à inserção social, familiar e laboral, nem estas, nem a inexistência de condenações anteriores constituíram contramotivos ou factores de dissuasão da prática dos crimes cometidos, sendo certo que, como se refere, na sentença recorrida, as exigências de prevenção geral são acentuadas, face à natureza dos bens jurídicos lesados com os comportamentos da arguida, bem assim, ao recurso das redes sociais que se vêm convertendo, de modo crescente e preocupante, em instrumentos difusores de comportamentos de ódio ou de desrespeito por bens jurídicos pessoais de inestimável valor, que traduzem direitos de personalidade com consagração constitucional, como a liberdade individual e a integridade física.
O recorrente não colocou em causa a opção pela aplicação da pena de prisão imposta à arguida, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, apenas se insurgindo contra a opção pela pena de prisão aos dois crimes de ameaça por ela cometidos
Do mesmo modo o Tribunal explicou os motivos determinantes da opção pela aplicação de penas de prisão a todos os crimes e essa explicação é lógica, está de harmonia com os princípios gerais e as grandes linhas orientadoras da política criminal e do sistema punitivo portugueses e por isso, a sentença não merece qualquer reparo, pois não se vislumbra nela qualquer erro de apreciação.
É o próprio recorrente que admite a intensidade das razões de prevenção geral, no caso vertente o que é o suficiente para reconhecera bondade da opção pela aplicação a título principal da pena de prisão.
O Recorrente veio argumentar que «o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que o tribunal a quo sustentou a escolha da pena de prisão, em detrimento da pena de multa, relativamente aos crimes de ameaça, prende-se com a situação concreta de o crime aí punível com pena de multa se encontrar intrinsecamente conexo com o crime punível apenas com pena de prisão, justificando-se, nesse caso concreto, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, bem como as finalidades da punição, a unidade da pena».
Ora, o alcance do acórdão não se afigura que seja exactamente aquele que o recorrente lhe assinala, antes parece ser a concretização de um princípio essencial enformador do sistema punitivo português, de harmonia com o qual, a partir da revisão do CP de 1995, o legislador assumiu um firme propósito de erradicar da jurisdição penal as penas compósitas de prisão e de multa para o mesmo crime, em face não só das suas diferentes naturezas, mas sobretudo, dos pressupostos de sinais contrários que devem subjazer à aplicação de cada uma delas.
O recurso à pena de multa em complemento da pena de prisão deteriora a «verdadeira função político-criminal da multa como alternativa à prisão, para além de cometer gravíssimo erro de política criminal, revela patente infidelidade ao pressuposto de que arranca. A pena “mista” de prisão e de multa é, na verdade, condenável do ponto de vista político-criminal: quer enquanto patenteia inadmissível desconfiança na eficácia penal da multa simples e vacilação na convicção de que a multa é primordialmente uma alternativa à prisão; quer enquanto implica o pagamento de uma percentagem dos rendimentos do condenado ao mesmo tempo que, privando-o de liberdade, lhe retira a possibilidade de os angariar! Uma tal pena “mista” é, numa palavra, profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena “mista” aquele já as perde na prisão!» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §192, pág. 154. No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues, “O sistema punitivo português. Principais alterações no Código Penal revisto”, Sub judice, II, 1996, janeiro/junho, p. 34 e Maria João Antunes, Anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 12 de Março de 2014, Revista de Legislação de Jurisprudência, nº 3992, páginas 411-412 https://www.prialteur.pt/application/files/9316/5349/0601/Determinacao_da_pena_e_concurso_de_crimes_punidos_com_pena_de_diferente_natureza_M.J.Antunes_RLJ_2015.pdf).
E, em caso de concurso de infracções penais, «as razões que fundamentam aquele sistema e aqueles princípios continuam, desde logo, a valer completamente em caso de concurso de penas de espécie diferente: é o mesmo e um só o agente, é uma só e unitária a sua personalidade, esta merece ser avaliada relativamente ao conjunto dos factos praticados» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, § 418).
É, pois desta linha de raciocínio que deriva a necessidade de evitar a aplicação de penas mistas e não do que o recorrente considera ter sido o alcance do acórdão do STJ invocado na sentença recorrida para justificar as razões que contraindicam a aplicação compósita de penas de multa e de prisão a crimes que estejam numa relação de concurso real de infracções, julgados em simultâneo.
A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo quanto à escolha e determinação concreta das penas parcelares para os crimes de ameaça, por se encontrarem fixadas, de forma ponderada e equilibrada, em conformidade com o grau de culpa da arguida e com as finalidades da punição e em estrito cumprimento dos critérios previstos nos arts. 40º e 71º do CP e 18º da Constituição.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Sem custas – art.º 522º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Juízas Adjuntas.
Tribunal da Relação de Lisboa, 23 de Outubro de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Maria Elisa Marques
Margarida Ramos de Almeida