LEI N.º 38-A/2023 DE 02-08
IDADE
LIMITE DE APLICAÇÃO
Sumário

A Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções, a entrar em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, a propósito da realização da Jornada Mundial da Juventude em Portugal e em honra da visita de Sua Santidade o Papa Francisco o nosso país, tal como previsto nos arts. 1º e 15º da referida Lei.   
O âmbito de aplicação subjectiva desta lei, tanto em matéria de amnistia, como de perdão genérico é delimitado em função da idade – jovens que até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, tenham entre 16 e 30 anos.
Assim sendo, as pessoas que não obstante terem cometido crimes passíveis de amnistia ou perdão, se tiverem 30 anos e um dia ou mais, à data da prática dos factos integradores do crime, já não poderão beneficiar de tais medidas de clemência, como a referência «até perfazerem 30 anos» (contida na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª) claramente revela e como se impõe concluir à luz dos critérios de interpretação contidos no art.º 9º do Código Civil, da coincidência mínima do sentido da lei com o seu texto e da presunção de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e consagrou as soluções mais acertadas e justas.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por despacho proferido em 13 de Novembro de 2023, no processo comum singular nº 1312/20.2SILSB do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 11, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi declarada perdoada, ao abrigo da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, a pena de prisão subsidiária, de 46 dias de prisão decorrente da conversão de pena de multa de 70 dias, à taxa diária de 5,00 €, pela prática em 21.11.2020 de um crime de condução sem habilitação legal, que a arguida AA teria de cumprir à ordem destes autos.
O Mº. Pº. interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
a) É o presente recurso interposto da decisão que, por aplicação da Lei 38-A/2023, de 2/8, declarou perdoada a pena que a arguida teria de cumprir à ordem destes autos.
b) De acordo com o art.º 2º, n.º 1, desta Lei, estão abrangidas por este diploma as sanções penais referentes aos ilícitos praticados até às 00:00 horas do dia 19/6/2023 (data da Proposta de Lei que esteve na base da Lei), por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos no art.º 3º (perdão de penas) e 4º (amnistia das infracções penais), desde que respeitadas as excepções previstas no art.º 7º da Lei da Amnistia.
c) No caso presente estão reunidos os legais requisitos para que a arguida pudesse beneficiar do perdão, com excepção feita ao critério da idade à data da prática dos factos, que era de 30 anos e 7 meses, à data dos factos.
d) Como decorre do art.º 9º do Código Civil, a interpretação não se deve cingir à letra da lei mas deve reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2).
e) E na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
f) Ao consultaremos os trabalhos parlamentares prévios à aprovação da Lei da Amnistia verifica-se que o legislador fixou a faixa etária abrangida pela Lei da Amnistia tendo como parâmetros o limite máximo de idade permitido para as inscrições nas Jornadas Mundiais da Juventude.
g) Consignado, de modo expresso e inequívoco, que “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ”.
h) Acresce, à laia de comparação, que também a jurisprudência assim tem vindo a decidir quanto à definição dos limites etários que integram os elementos objectivos de vários tipos de crimes, designadamente no que se reporta ao capítulo dos crimes sexuais.
i) Consideramos que foi feita uma errada interpretação e aplicação do art.º 2º, n.º 1, da Lei da Amnistia, por reporte ao art.º 9º do Código Civil, ao declarar-se perdoada a pena da arguida que à data da prática dos factos tinha mais de 30 anos de idade, pelo deverá tal decisão ser revogada, revogando-se a decisão de extinção da pena, e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Nestes termos deverá ser revogada a decisão sub judice, ordenando-se o prosseguimento dos autos até ser alcançado o cumprimento da pena a que a arguida se mostra condenada.
Admitido o recurso, a arguida não apresentou resposta.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador da República emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, aderindo aos argumentos constantes do recurso apresentado pelo Ministério Público na primeira instância.
Cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica e as conclusões dos recursos, a única questão que importa decidir é a de saber se o arguido deveria ter beneficiado do perdão da totalidade da pena por aplicação da alínea d) do n° 2 do artigo 3° da Lei 38-A/2023 de 02 de Agosto, com sujeição à condição do artigo 8° da mesma Lei.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte:
Por sentença proferida em 5 de Maio de 2022, neste processo sumário nº 1312/20.2SILSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 11 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido:
Condenar a arguida AA pela prática em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) o que perfaz a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) (Sentença de 05.05.2022, com a referência Citius 415481650);
Os factos integradores de tal crime foram praticados em 21 de Novembro de 2020 (Sentença de 05.05.2022, com a referência Citius 415481650);
A arguida nasceu em 6 de Abril de 1990 (Termo de Identidade e Residência com a referência Citius 27790165);
Em virtude de a arguida não ter efectuado o pagamento voluntário da pena de multa, em 3 de Julho de 2023, foi proferido despacho que determinou a conversão da pena de multa aplicada, em pena de prisão subsidiária de 46 dias de duração, nos termos do art.º 49º nº 1 do CP (despacho com a referência Citius 427024558);
Em 6 de Novembro de 2023, o Ministério Público promoveu a emissão de mandados de detenção para cumprimento, pela arguida, da pena de prisão subsidiária, consignando que a mesma não deveria beneficiar de perdão de pena, da Lei 38-A/2023, de 2/8, por já contar com mais de 30 anos na data da prática dos factos.
Foi, então, proferida em 13.11.2023, a decisão recorrida, que tem o seguinte teor (transcrição integral):
Por sentença transitada em julgado em 06.06.2022, a arguida AA foi condenada na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, pela prática em 21.11.2020 de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de janeiro.
Por despacho de 03.07.2023, tal pena de multa foi convertida em 46 dias de prisão subsidiária.
Resulta da análise da Lei n.º 38.º-A/2023 que a aplicação das medidas de clemência previstas na mesma depende da verificação de vários pressupostos, a saber:
1. temporal: a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00:00 horas do dia 19.06.2023 (artigo 2.º);
2. etário: a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º);
3. material: a lei não é aplicável aos crimes previstos nos números 1 e 2 do artigo 7.º.
Impõe-se ainda salientar que a aplicação da lei tem abrangência diversa consoante se trate de amnistia ou perdão.
Assim:
1. A amnistia é apenas aplicável a crimes puníveis com pena de prisão até um ano
ou multa até 120 dias (artigo 4.º);
2. O perdão é aplicável a:
a. Todos os crimes punidos com pena de prisão até 8 anos independentemente da natureza do crime (com restrição apenas do referido supra) e independente do modo de execução da pena, estando, pois, incluídas as penas que estejam ou devam ser cumpridas em regime de permanência na habituação (artigo 3.º, n.º 5);
b. A penas de multa aplicadas até 120 dias;
c. A pena de prisão subsidiária ou de substituição de pena de prisão;
d. As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 3.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, prevê o perdão da “prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa”;
Assim, cumpre apreciar se in casu estão verificados os requisitos de aplicação da lei em análise, a saber:
- Delimitação temporal do ilícito – no caso em concreto verifica-se, uma vez que a data dos factos remonta a 21.11.2020;
- Idade do agente – no caso em concreto verifica-se, atendendo a que à data da prática do facto a arguida tinha 30 anos (data de nascimento: 06.04.1990), sendo certo que a expressão “pessoas que tenham entre 16 e 30 anos” inclui aquelas que já tenham completado os 30 anos (neste sentido, vd. Pedro José Esteves de Brito – “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude” – Revista Julgar Online de Agosto de 2023).
Por outro lado, cumpre referir que o crime em causa não está englobado nas exceções previstas no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, sendo como tal abrangido pelo âmbito de aplicação da referida lei.
Nestes termos conclui-se que a arguida se encontra em condições de beneficiar do perdão da prisão subsidiária.
Pelo exposto, declaro perdoada a pena subsidiária resultante da conversão da pena de multa aplicada à arguida AA, sob a condição resolutiva expressa no art.º 8.º n.º 1 do aludido diploma.
Boletim ao Registo Criminal.
Notifique.
D.N.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O direito de clemência inclui a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual, que, por sua vez, inclui o indulto e a comutação de penas.
A amnistia e o perdão genérico são da competência da Assembleia da República (artigo 161º alínea f) da CRP) e o indulto e a comutação de penas são actos próprios da competência do Presidente da República (art.º 134º al. f) da CRP).
A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos, como da medida de segurança (cfr. art.º 128º nº 1 do Código Penal).
O perdão genérico só extingue a pena, no todo ou em parte (cfr. art.º 128º nº 3 do C.P.). A amnistia é uma medida de clemência, objectiva, de carácter geral e abstracto, cujo critério de aplicação é o tipo de crime a que será aplicável, segundo a descrição constante da norma incriminadora e seja qual for a pena aplicada a um agente concretamente determinado.
A amnistia em sentido próprio, é a que se aplica antes da condenação, refere-se ao próprio crime e faz extinguir o procedimento criminal.
Já a amnistia em sentido impróprio acontece depois da condenação e tem um efeito impeditivo ou modificativo do cumprimento da pena aplicada, fazendo cessar total ou parcialmente a execução da pena principal, bem como das penas acessórias.
A amnistia aniquila os factos já ocorridos como objecto da incriminação, «de sorte que aos olhos da justiça, por uma ficção legal, considera-se como se nunca tivessem existido, salvos os direitos de terceiro com relação à acção civil para a reparação do dano» (Acórdão de Fixação de Jurisprudência, datado de 25.10.2001, processo n.º P00P3209, in http://www.dgsi.pt). Incide «não apenas sobre a pena (como o indulto ou a comutação), no caso de já ter havido condenação, mas sobre o próprio crime que será considerado como não cometido» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, p. 295. No mesmo sentido, Luís Osório, Notas, 2ª edª., pág. 425, Maia Gonçalves, «As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão», in RPCC, ano 4, fasc. 1, p. 13; Ac. do Tribunal Constitucional nº 510/98, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
«O direito de graça só pode ter a ver, em qualquer dos casos, com a consequência jurídica, não com o facto ou o crime praticados», pelo que «o que distingue os vários institutos abrangidos por aquela realidade é o carácter geral da amnistia (dirigida a grupos de factos ou agentes, na qual se inclui o perdão genérico, que deve ser considerado, para todos os efeitos, uma verdadeira amnistia) em contraposição ao carácter individual do indulto (dirigido a pessoas concretas)» (Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 689).
«O perdão, ao contrário do que sucede com a amnistia, não extingue a infração.
«A amnistia é a abolição da incriminação de certos factos passados, objecto de incriminação (…), enquanto que o perdão é uma abolição da execução da pena no todo ou em parte. O perdão difere da amnistia em que aquele pressupõe a culpabilidade e esta aplica-se às infrações, com abstração dos seus agentes» (Ac. da Relação do Porto de 21.11.2012, proc. 83/95.3TBPFR-E.P1. in http://www.dgsi.pt).
A Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções, a entrar em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, a propósito da realização da Jornada Mundial da Juventude em Portugal e em honra da visita de Sua Santidade o Papa Francisco o nosso país, tal como previsto nos arts. 1º e 15º da referida Lei.
Quanto à amnistia, a Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto concede-a às infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa, desde que praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, por jovens, que tenham entre 16 e 30 anos de idade, à data da prática dos factos integradores do crime (tal como resulta das disposições conjugadas do art.º 2º nº 2 alínea a e do art.º 5º, o regime da amnistia também incluí as sanções acessórias, relativas a contraordenações praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, cujo limite máximo de coima aplicável não exceda os € 1.000,00.
No que se refere ao perdão, o âmbito de aplicação da Lei 38-A/2023 são as sanções penais enumeradas no art.º 3º nºs 1 e 2 als. a) a d) (e também as sanções acessórias relativas a contraordenações e as sanções relativas a infracções disciplinares e a infracções disciplinares militares), relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, desde que tenham sido praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos integradores do crime e/ou das contraordenações e restantes infracções abrangidas pelo perdão.
Prevê-se um perdão até um ano de prisão a todas as penas de prisão aplicadas, a título principal, em medida inferior ou igual a 8 anos, das penas de multa até 120 dias, da prisão subsidiária resultante de conversão de pena de multa, da pena de prisão por incumprimento da pena de multa de substituição e das demais penas de substituição, à excepção da suspensão da execução de pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
As leis de amnistia, sendo providências de ocasião e de excepção, interpretam-se e aplicam-se nos seus precisos termos sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas (neste sentido, os Acs. do STJ de 23.11.1917, na Rev. de Justiça, 3, página 420, de 30.06.1976, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138, de 11.06.1987, Tribuna de Justiça, n. 31, página 30, de 13.10.1999, proc. 99P984, de 29.06.2000, proc.121/2000, 5.ª Secção, e de 7.12.2000, proc. 2748/2000, 5.ª Secção, in http://www.dgsi.pt).
«As leis de amnistia devem interpretar-se como qualquer outra lei, não podendo ser consideradas como leis de interpretação restrita, nem aplicadas por analogia a factos não previstos, pois não se compreende que haja neles lacunas e, suspendendo leis incriminadoras, não restringem, mas ampliam a liberdade do indivíduo» (Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, volume 1, 2ª edição, página 425; Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 9ª. edição, página 513).
«São insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo » (Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, de 25.10.2001, Processo n.º P00P3209, in www.dgsi.pt).
Estes princípios defendidos relativamente às leis de amnistia deverão de igual modo aplicar-se ao perdão genérico, dada a mesma natureza de providência de ocasião e de excepção.
No que se refere ao universo de pessoas que podem beneficiar destas medidas de clemência, o mesmo foi circunscrito, às pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do acto, pelo artigo 2º nº 1 da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto.
Assim sendo, cumpre perguntar, o limite etário máximo deve ser fixado no de 31 anos menos um dia, ou até ao de trinta anos, no preciso dia em que os mesmos se completam? Ou perguntado de outra forma: os crimes abrangidos pela amnistia e pelo perdão, desde que praticados até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, serão amnistiados ou as penas por eles aplicadas perdoadas, se no momento da consumação, os seus autores tiverem até 30 anos, ou até 31 anos, menos um dia?
Pese embora o termo juventude, corresponda a um conceito vago e indeterminado, sem uma definição jurídica precisa com diversos conteúdos consoante os fins visados (v.g., jovens para efeitos penais, são as pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, conforme o D.L. 401/82 de 23 de Setembro; a ONU considera jovens todas as pessoas com idades iguais ou inferiores a 24 anos, na sua Resolução n.º 36/28 de 1981), o legislador definiu a faixa etária abrangida pela Lei da Amnistia, por referência ao limite máximo de idade, em regra, permitido para as inscrições nas Jornadas Mundiais da Juventude, tal como expressamente assumido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª, nos seguintes termos:
«Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.
«Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina».
(https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095).
Assim sendo, as pessoas que não obstante terem cometido crimes passíveis de amnistia ou perdão, se tiverem 30 anos e um dia ou mais, à data da prática dos factos integradores do crime, já não poderão beneficiar de tais medidas de clemência, como a referência «até perfazerem 30 anos» claramente revela e como se impõe concluir à luz dos critérios de interpretação contidos no art.º 9º do Código Civil, da coincidência mínima do sentido da lei com o seu texto e da presunção de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e consagrou as soluções mais acertadas e justas.
E sendo assim, a decisão recorrida não pode manter-se porquanto, à data da prática dos factos integradores do crime por que a arguida foi condenada neste processo, a mesma já tinha trinta anos e sete meses.
III – DECISÃO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, mas apenas na parte em que declarou perdoada, ao abrigo da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, a pena de prisão subsidiária, de 46 dias de prisão decorrente da conversão de pena de multa de 70 dias, à taxa diária de 5,00 €, pela prática em 21.11.2020 de um crime de condução sem habilitação legal, imposta à arguida AA.
Sem Custas – art.º 522º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Juízas Adjuntas.

Tribunal da Relação de Lisboa, 23 de Outubro de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Margarida Ramos de Almeida
Ana Rita Loja