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PROCEDIMENTO CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
Sumário
I. No âmbito de uma providência cautelar há lugar a indeferimento liminar designadamente se não se descreverem factos suscetíveis de preencher os respetivos pressupostos. II. Se a empregadora considera que certos trabalhadores são desnecessários para a prestação de serviços mínimos - sem exigir que sejam substituídos por outros – tal não os impede de aderir à greve e de suspenderem a prestação da atividade nos termos gerais. III. A tal não obsta o n.º 7 do art.º 538 do CT., que tem por objeto a identificação dos trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos e não a definição do número de trabalhadores afectos. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
A) Requerente e recorrente: SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, intentou a presente providência cautelar comum, nos termos do disposto no art.º 32º e seguintes do C. P. Trabalho, contra
E-REDES - DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE, SA,
A requerente propôs o presente procedimento cautelar comum pedindo que pedindo que a Requerida seja “condenada a permitir que todos os trabalhadores designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, possam aceder aos postos na sala e na mesa do despacho na sala de operações da DGOS de forma a poderem assegurar os serviços mínimos decretados para a greve em curso até 30 de abril de 2024”.
Para tanto, a requerente alegou:
“I – Da Legitimidade Ativa
1. O SINDEL é uma associação sindical, conforme resulta dos seus estatutos aprovados e publicados no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 19, de 22 de maio de 2022, assistindo-lhe o direito de intervir, sendo parte, em processos judiciais na defesa dos interesses dos seus associados, art.º 443º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, a que se fará referência de ora em diante por C.T..
2. O SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, integra todos os trabalhadores que a ele livremente adiram, independentemente das suas funções, profissão e categoria profissional, que exerçam a sua atividade na indústria, serviços, equipamentos, produção, captação, transformação, transporte, distribuição, montagem e reparação, nas áreas da energia, ambiente, águas, resíduos, metalurgia, metalomecânica, eletromecânica, material eléctrico e eletrónico, sistemas de comunicação da informação, conhecimento e afins, conforme artigo 4º dos estatutos supramencionados.
3. Uma das finalidades do SINDEL é a de defender e promover “por todos os meios ao seu alcance, os interesses dos associados“, art.º 6º, n.º 1, dos estatutos supramencionados.
4. A Lei permite que as associações sindicais surjam legitimamente como Autoras nas ações relativas à defesa de direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam, conforme o disposto no n.º 1 art.º 5º do Código de Processo do Trabalho, de ora em diante C.P.T..
5. Em causa, nos presentes autos, está a violação de um interesse coletivo do universo de trabalhadores representados pelo SINDEL, ou seja, está em causa a violação por parte da Ré do direito à greve, consagrado no art.º 57º, n.º 1 da C.R.P. e no art.º 530º, n.º 1 do C.T. e o direito daí decorrente da designação por parte dos sindicatos dos trabalhadores que ficam adstritos aos serviços mínimos, art.º 538º, n.º 7 do C.T.
II – Da necessidade de Providência Cautelar
6. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
7. O interesse da Requerente em demandar, pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
8. A Requerente considera justificar-se o recurso à presente providência cautelar porque:
a. Está em causa por parte da Requerida o não cumprimento da designação dos trabalhadores que ficam adstritos aos serviços mínimos na greve decretada pela Requerente;
b. A empresa não permitiu a trabalhadores designados, pelas estruturas representativas dos trabalhadores, como adstritos à prestação de serviços mínimos de acederem aos postos de trabalho da DGOS norte e sul;
c. Em resultado os trabalhadores não puderam exercer o seu legitimo direito à greve e foram levados à prestação de trabalho.
III – Dos factos
9. Em 14.03.24 a Requerente enviou à Requerida e demais empresas do Grupo EDP, e ao ministério responsável pela área laboral, o pré-aviso de greve a concretizar nos termos ali constantes, do qual se destaca o início da paralisação para as 00h00 do dia 1 de abril de 2024 às 24h00 de 30 de abril de 2024, conforme documento 2 que se junta.
10. Essa convocatória foi aceite no que à greve respeita.
11. A Requerida apenas não aceitou a proposta de serviços mínimos ali efetuada.
12. Em resultado da não aceitação da proposta de serviços mínimos, seguiu-se reunião nos serviços da DGERT, sem que tenha havido acordo e a 25.03.2024 foi emitido pelos Ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e do Ambiente e da Ação Climática, o despacho n.º 8/2024, que definiu os serviços mínimos a assegurar durante a referida greve convocada para o período de 1 a 30 de abril de 2024, conforme documento 3 que se junta.
13. A Requerente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 538º do C.T., informou a Requerida de quais os trabalhadores que ficavam adstritos à prestação dos serviços mínimos especificamente para a Direção Gestão e Operação Sistema (DGOS), a que de ora em diante se referirá por DGOS, que é o serviço da Requerida que efetua a gestão da rede de distribuição elétrica, através de despachos a norte e a sul, a norte sito na ... e a Sul na ..., conforme documento 4 que se junta.
14. A Requerente designou como adstritos à prestação dos serviços mínimos especificamente para DGOS, todos os trabalhadores constantes das escalas de turnos da DGOS, norte e sul conforme documento 4 que se junta.
15. A Requerida em 31.03.2024, através de email enviado às 17h17, comunicou ao Requerente que, e cita-se a parte relevante:
«A designação de “todos os trabalhadores afetos aos turnos das escalas” para assegurar os serviços mínimos na DGOS é manifestamente excessiva e exorbita o disposto no despacho que fixou os referidos serviços.
Neste contexto, nos termos e para os efeitos do artigo 538.º, n.º 7, do Código do Trabalho, para cumprimento do disposto no mencionado Despacho, a empresa designará na presente data, de entre os referidos trabalhadores, os estritamente “necessários para assegurar os serviços mínimos” em função da “organização técnica do trabalho da empresa”, tanto para a DGOS como para os demais serviços.», conforme documento 5 que se junta.
16. Posição que a Requerente contestou, conforme doc. 6 que se junta.
17. No dia 1.04.24 os trabalhadores do serviço da DGOS, da escala de 3 turnos, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, receberam um email da Requerida no qual foram informados de que ficavam excluídos da designação como adstrito aos serviços mínimos nos turnos de “R” ou “W”, conforme documento 7 que se junta.
18. A norte e a sul, a Requerida através dos seus Diretores e chefias, reuniu os trabalhadores das escalas de 3 e dois turnos da DGOS e comunicou que a Requerida não aceitava a designação de todos os trabalhadores como adstritos aos serviços mínimos efetuada pelo Requerente e que ficavam excluídos os trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos excluía os trabalhadores no turno “R” e “W”.
19. Nos dias seguintes, 2, 3 e 4 de abril, os trabalhadores do serviço da DGOS, da escala de 2 turnos designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, foram impedidos pelas chefias de ocupar os postos de trabalho na mesa do despacho na sala de operações da DGOS.
20. Nas datas referidas, não obstante, terem sido impedidos de ocupar os postos na sala e na mesa do despacho na sala de operações da DGOS os trabalhadores das escalas de2 turnos e das escalas de 3 turnos no turno “R” e “W”, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, mantiveram-se presentes junto das salas de operações da DGOS.
21. Nos mesmos dias, no serviço da DGOS, a norte e a sul, a Requerida colocou a trabalhar na mesa do despacho na sala de operações da DGOS trabalhadores que não os as escalas a quem deu ordem expressa de que não faziam serviços mínimos e só faziam trabalho normal/trabalhos programados.
22. Mais, que não podiam fazer o trabalho dos serviços mínimos, nem que os colegas adstritos aos referidos serviços mínimos que a Requerida tinha aceitado como designados, se ausentassem para ir a casa de banho, ou a qualquer outro local, ou circunstância.
23. Os trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos no turno “R” e “W”, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, viram os dias 2 e 3 de abril serem considerados em sistema como, e cita-se:
«Tipo de ausência/ presença: Greve – Serviços Mínimos
Comentários: de EAI-SAP Sistema do SIMH-PRD Trabalhador em greve nesta data, sem indicação/realização de serviços mínimos.»
24. Os trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos no turno “R” e “W”, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, aos serem impedidos de aceder aos postos na sala e na mesa do despacho na sala de operações da DGOS temeram que a prestação dos serviços mínimos ficasse em causa e viram-se obrigados a trabalhar e a não fazerem greve para assegurar que não havia falha nos serviços mínimos e para não colocar em causa a prestação dos mesmos.
25. A Requerente suspendeu a designação como adstritos aos serviços mínimos dos trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos no turno “R” e “W”, até que seja decidida a presente, conforme documento 8 que se junta.
26. A Requerente considera justificar-se o recurso à presente providência cautelar porque:
a. está em causa o direito dos trabalhadores a aderirem livremente à greve decretada pela Requerente;
b. está em causa a designação efetuada pela Requerente dos trabalhadores da DGOS adstritos aos serviços mínimos;
c. está em causa a prestação dos serviços mínimos;
Especificando:
27. O trabalhador tem direito a aderir, ou não, livremente à greve.
28. A Requerente designou, legalmente, os trabalhadores da DGOS adstritos aos serviços mínimos.
29. A conduta da Requerida constrangeu e constrange o direito dos trabalhadores a aderirem ou não livremente à greve, na medida em que estes ao serem impedidos de aceder aos postos na sala e na mesa do despacho na sala de operações da DGOS temeram que prestação dos serviços mínimos ficasse em causa e viram-se obrigados a trabalhar e a não fazerem greve para assegurar que não havia falha nos serviços mínimos e para não colocar em causa a prestação dos mesmos.
30. A possibilidade de aderirem livremente à greve em curso está em causa.
31. A conduta da Requerida ao não aceitar os trabalhadores designados pela
Requerente como adstritos aos serviços mínimos configura uma violação ao direito à greve que se considera ilegítima.
32. Só a sanação dessa não aceitação pode fazer cessar a violação do direito dos trabalhadores de acederem livremente à greve.
33. O que constitui um prejuízo grave e irreparável no direito dos trabalhadores uma vez que os dias vão decorrendo até ao fim da greve decretada para durar até 30 de abril de 2024.
34. O referido prejuízo só será sanado eficazmente com uma decisão célere.
35. A Requerente, em nome dos seus associados e na defesa dos direitos referidos, não pode esperar por uma decisão proferida em ação declarativa em processo comum laboral, que declare a ilicitude da conduta da Requerida.
36. Deste modo, reitera-se que a única forma de sanar a violação do direito e evitar o prejuízo do mesmo, em tempo útil e de forma eficaz, é através da presente providencia cautelar comum, preliminar a ação declarativa comum a propor.
37. Face ao exposto, existe a probabilidade séria de existência de um direito e da sua lesão, bem como de prejuízo grave e dificilmente reparável, pelo que deve ser admitida a presente providência cautelar como preliminar a ação declarativa comum a instaurar, nos termos dos artigos 32º do CPT e 362º e 368º do CPC.
IV - Do Direito.
1. Resulta claro do art.º 57º, n.º 1 da C.R.P. e art.º 530º, n.º 1 do C.T. o direito à greve dos trabalhadores que a Requerente representa e a designação dos trabalhadores que ficam adstritos aos serviços mínimos, art.º 538º, n.º7 do C.T.
2. Resulta claro do art.º 538º, n.º 7 do C.T. que havendo designação pelos
representantes dos trabalhadores, a empregadora não tem prerrogativa de designar, substituir e muito menos restringir os trabalhadores designados.”
*
O Tribunal a quo proferiu decisão indeferindo liminarmente a requerida providência cautelar.
*
A requerente não se conformou e recorreu, concluindo:
1- A recorrente pretende a revogação da decisão de indeferimento liminar da providência cautelar por si interposta, constante do despacho datado de 17/04/2024, referência 434672198.
2- Da fundamentação da decisão em causa resulta que foi considerado pelo Tribunal a existência do direito à greve na medida em que se refere que foram os trabalhadores que optaram por não aderir, razão pela qual se conclui que se na decisão em apreço, o tribunal considerou que não existe o direito invocado essa decisão é contraditória com a sua fundamentação, e por isso nula nos termos e ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1. do art.º 615º, do C.P.C. e deve ser revogada.
3- Nos termos da mesma norma, se considerarmos não haver contradição entre a fundamentação e a decisão, o que se coloca por mera cautela, na medida em que se não resulta da decisão a existência do direito, temos de concluir que a invocação do direito à greve que é feita na fundamentação da decisão e a conclusão que é retirada da não existência do direito invocado, redunda em obscuridade que torna assim a decisão ininteligível e por isso nula, nos termos da norma invocada, prevista na alínea c), do n.º 1. do art.º 615º, do C.P.C. e deve ser revogada.
4- O tribunal indeferiu liminarmente a providência cautelar interposta pela associação sindical requerente, por ter considerado que não se verificava a probabilidade séria da existência do direito invocado.
5- Ora, a apreciação da existência de grande probabilidade da existência do direito supostamente ameaçado e o receio fundado da sua lesão, são requisitos previstos no n.º 1 art.º 368º do C.P.C., e a verificação dos requisitos que decorrem da norma em causa nos termos da mesma, tem lugar na decisão de procedência ou não da providência cautelar, e não previamente na decisão de recebimento ou indeferimento da providência cautelar.
6- Em sede de admissão da providência cautelar a norma aplicável deve ser o disposto no n.º 1 do art.º 362º do C.P.C., que se tivesse sido corretamente aplicada e interpretada devia resultar na admissão da providência cautelar, na medida em que bastaria a verificação do fundado receio da lesão do direito invocado.
7- O que foi amplamente demonstrado pelos factos alegados e suportados em prova documental, que demonstram que a Requerente designou trabalhadores para os serviços mínimos cuja prestação foi recusada pela Requerida, levando os trabalhadores a trabalhar e a não poderem fazer greve por temerem a não satisfação dos serviços mínimos.
Resultando demonstrado o condicionamento do direito à livre adesão à greve por parte desses trabalhadores, foi demonstrado o requisito de admissibilidade da providência.
8- Face ao que, se conclui que a decisão proferida por um lado efetuou uma errada aplicação do n.º 1 art.º 368º do C.P.C., e por outro lado efetuou uma errada interpretação da norma que devia ter aplicado e não aplicou, o n.º 1 do art.º 362º do C.P.C., que a ser aplicado devia ter determinado decisão contrária à proferida. Razões que determinam a sua necessária revogação.
9- Na decisão proferida, o Tribunal ao considerar que não houve violação do direito invocado, desconsiderou e violou o direito à greve dos trabalhadores, e ao seu legítimo e livre direito de adesão à mesma.
10- O Tribunal confundiu o direito à greve dos trabalhadores e a sua livre adesão à mesma, direito legalmente previsto no art.º 57º da C.R.P., com a competência e prerrogativa legalmente atribuída aos representantes dos trabalhadores que convocam a greve e que são responsáveis pela sua gestão de designarem os trabalhadores adstritos à prestação dos serviços mínimos, prevista no n.º 7 do art.º 538º do C.T.
11- A Requerente tendo designado os trabalhadores adstritos aos serviços mínimos, exerceu o dever legal, que não tendo sido devolvido à Requerida, não tinha assim qualquer legitimidade legal para interferir na designação efetuada.
12- Ao impedir os trabalhadores de prestarem os serviços mínimos a Requerida interferiu ilicitamente na gestão da greve e a consequência desse ato de interferência afetou o direito dos trabalhadores a aderirem livremente à greve.
13- A decisão proferida violou assim a norma prevista no art.º 57º da C.R.P. relativa ao direito à greve e também no n.º 7 do art.º 538º do C.T. referente à gestão da greve.
14- A decisão proferida de indeferimento liminar da providência cautelar interposta negou aos representantes dos trabalhadores que legitimamente convocaram uma greve legal, e que cumpriram a obrigação legal de designarem os trabalhadores adstritos aos serviços mínimos a possibilidade de apreciação pelo Tribunal da conduta da Requerida que reputaram de ilegal e contrária ao direito.
15- Essa negação de acesso a uma decisão nos autos, consubstanciou uma violação da norma do n.º 2 do art.º 266º da CR.P., e art.º 2º do C.P.C..
16- Estando em curso nova greve, foram decretados serviços mínimos através do despacho ministerial 11/2024, mantendo-se a questão objeto dos autos e a necessidade da sua apreciação e decisão nos termos requeridos.
Impetra afinal a revogação da decisão recorrida. *
A requerida não contra-alegou.
O Ministério Público teve vista e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
*
II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC.
Deste modo o objeto do recurso da recorrente consiste em saber se
1) a decisão é nula por contradição com os seus fundamentos ou por obscuridade;
2) podia haver indeferimento liminar;
3) no caso pode verificar-se a probabilidade séria da existência do direito.
*
Factos pertinentes: os acima descritos.
*
C) De Direito
Considerou a decisão recorrida:
“II - Na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titularidade do direito contra a ameaça ou risco que sobre ele paira e que é tão premente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial. Tem, assim, como escopo a adopção de medidas provisórias que permitam remover ameaças sobre o direito, enquanto a questão não é definitivamente decidida.
Os procedimentos cautelares constituem, portanto, mecanismos jurisdicionalizados expeditos e eficazes que visam e permitem assegurar os resultados práticos da ação, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito, de forma a obter-se a conciliação, na medida do possível, entre o interesse da celeridade e o da segurança jurídica.
Surgem como meios jurídico-processuais que têm como função evitar que se realizem actos que impeçam ou dificultem a satisfação da pretensão, o que se consegue mediante uma incidência na esfera jurídica do demandado adequada e suficiente para produzir esse efeito (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., 2ª ed., pgs. 34 e sgs.).
Reconduzem-se, no fundo, ao expediente processual que, "através dum processo mais simples e rápido (summaria cognitio) mas, por isso mesmo, menos seguro, faculta que o tribunal possa decretar uma composição provisória do litígio, que permita esperar pela composição definitiva, demonstrada que esteja uma probabilidade séria da existência do direito" (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, I vol., pág. 287).
O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, i.e., dependência da acção principal; provisoriedade, pois não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e sumariedade, porque implica uma summaria cognitio da situação através de um procedimento simplificado e rápido (v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, pág. 228 a 231).
A procedência das providências cautelares depende sempre de dois géneros
de requisitos ou fundamentos: a probabilidade séria da existência de um direito - fummus bonni juris - e o perigo da sua insatisfação, traduzido no fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável do seu direito - periculum in mora.
Verificados tais requisitos, o tribunal decretará a providência desde que o prejuízo causado ou a causar ao requerido não exceda aquele que o requerente, por sua vez, pretende evitar, numa perspectiva de instrumentalidade hipotética, ou seja, na consideração de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente.
Nos termos do disposto no art.º 32°, nº 1 do C. P. Trabalho, “Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum ...”.
No art.º 362°, nº 1 e 2 do C. P. Civil estipula-se o seguinte:
“1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.”
Por sua vez, o art.º 368°, nº 1 do mesmo código, prescreve que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Temos, assim, que são requisitos, cumulativos, da procedência da presente
providência cautelar:
1 - Grande probabilidade de existência do direito supostamente ameaçado, a consagrar na acção declarativa proposta ou a propor;
2 - Receio fundado de possibilidade de lesão grave e dificilmente reparável,
causada por outrem, antes de proferida a decisão final de mérito.
No caso presente, no que respeita ao primeiro requisito - a probabilidade séria da existência do direito -, verifica-se, face às alegações acima transcritas, que o direito invocado como ameaçado pela Requerente consubstancia-se na violação do direito dos trabalhadores que representa a aderirem livremente à greve por si declarada e em curso, de 1 a 30 de Abril de 2024, nos termos constantes do respectivo pré-aviso e cujos serviços mínimos foram definidos pelo despacho nº 8/2024 dos Ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e do Ambiente e da Acção Climática, despacho proferido em 25.03.2024 pelo Secretário de Estado do Trabalho e pela Secretária de Estado da Energia e Clima, cujo teor se dá aqui por reproduzido, conforme consta de fls. 19 a 21 dos autos, documento 3 junto com o requerimento inicial.
A concreta violação do direito dos trabalhadores que representa a aderirem
livremente à greve refere-se especificamente aos trabalhadores que prestam serviço na Direcção Gestão e Operação Sistema (DGOS), que é o serviço da Requerida que efectua a gestão da rede de distribuição eléctrica, através de despachos a Norte e a Sul, a norte sito na ..., e, a sul, na ..., serviço relativamente ao qual foram definidos os serviços mínimos a prestar durante a greve pelo referido despacho de 25.03.2024, designadamente no que respeita à Requerida, no seu ponto B), e concretamente na alínea a) do mesmo relativamente aos Centros de Despacho (em que se inserem e desenvolvem a sua actividade os trabalhadores da Requerente aqui em causa).
O direito de greve encontra-se consagrado no art.º 57º da Constituição da
República, no capítulo dos direitos, liberdades e garantias (Título II, Capítulo I), sendo a redacção daquela disposição legal a seguinte:
“1 – É garantido o direito à greve.
2 – Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender
através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
3 – A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços
necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4 – É proibido o lock-out”
Actualmente, na lei ordinária, a regulamentação do direito à greve está prevista artigos 530º a 545º do Código do Trabalho, conferindo-se às associações sindicais e aos trabalhadores o direito de estabelecerem o âmbito laboral, o âmbito temporal e o âmbito dos objectivos que se pretendem prosseguir ou obter em matéria de interesses a defender através da greve.
A Requerente invoca especificamente a violação do disposto no art.º 538º, nº 7 do Código do Trabalho, dizendo que resulta claro desta norma que havendo designação pelos representantes dos trabalhadores, a empregadora não tem prerrogativa de designar, substituir e muito menos restringir os trabalhadores designados para ficarem adstritos à realização dos serviços mínimos.
A redacção do artigo 538.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Definição
de serviços a assegurar durante a greve”, é a seguinte:
1 - Os serviços previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores.
2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral, assessorado sempre que necessário pelo serviço competente do ministério responsável pelo sector de actividade, convoca as entidades referidas no número anterior para a negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar.
3 - Na negociação de serviços mínimos relativos a greve substancialmente
idêntica a, pelo menos, duas greves anteriores para as quais a definição de serviços mínimos por arbitragem tenha igual conteúdo, o serviço referido no número anterior propõe às partes que aceitem essa mesma definição, devendo, em caso de rejeição, a mesma constar da acta da negociação.
4 - No caso referido nos números anteriores, na falta de acordo nos três dias posteriores ao aviso prévio de greve, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar são definidos:
a) Por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de actividade;
b) Tratando-se de empresa do sector empresarial do Estado, por tribunal arbitral, constituído nos termos de lei específica sobre arbitragem obrigatória.
5 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
6 - O despacho e a decisão do tribunal arbitral previstos no número anterior
produzem efeitos imediatamente após a sua notificação às entidades a que se refere o n.º 1 e devem ser afixados nas instalações da empresa, estabelecimento ou serviço, em locais destinados à informação dos trabalhadores.
7 - Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.
No caso presente, verifica-se que a Requerente comunicou à Requerida em 27.03.2024 como adstritos à prestação dos serviços mínimos especificamente para DGOS, todos os trabalhadores constantes das escalas de turnos da DGOS, norte e sul, conforme documento 4 junto com o requerimento inicial, a fls. 23 dos autos.
Na sequência desta comunicação, a Requerida em 31.03.2024, através de email enviado às 17h17, comunicou à Requerente que, e cita-se a parte relevante:
«A designação de “todos os trabalhadores afetos aos turnos das escalas” para assegurar os serviços mínimos na DGOS é manifestamente excessiva e exorbita o disposto no despacho que fixou os referidos serviços.
Neste contexto, nos termos e para os efeitos do art.º 538.º, n.º 7, do Código do Trabalho, para cumprimento do disposto no mencionado Despacho, a empresa designará na presente data, de entre os referidos trabalhadores, os estritamente “necessários para assegurar os serviços mínimos” em função da “organização técnica do trabalho da empresa”, tanto para a DGOS como para os demais serviços.», conforme documento 5 junto com o requerimento inicial, a fls. 24 dos autos.
Apesar de a Requerente ter contestado perante a Requerida esta posição, no dia 1.04.24 os trabalhadores do serviço da DGOS, da escala de 3 turnos, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, receberam um email da Requerida no qual foram informados de que ficavam excluídos da designação como adstrito aos serviços mínimos nos turnos de “R” ou “W”, conforme documento 7 junto com o requerimento inicial, a fls. 27 dos autos.
Conforme alega a Requerente, na sequência desta comunicação, a norte e a sul, a Requerida através dos seus Directores e chefias, reuniu os trabalhadores das escalas de 3 e 2 turnos da DGOS (Centros de Despacho da rede de distribuição de electricidade) e comunicou que a Requerida não aceitava a designação de todos os trabalhadores como adstritos aos serviços mínimos efectuada pelo Requerente e que ficavam excluídos os trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos excluía os trabalhadores no turno “R” e “W”.
No entender da Requerente, a conduta da Requerida ao não aceitar os trabalhadores designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos configura uma violação ao direito à greve que considera ilegítima, pois, os trabalhadores das escalas de 2 turnos e das escalas de 3 turnos no turno “R” e “W”, designados pela Requerente como adstritos aos serviços mínimos, aos serem impedidos de aceder aos postos na sala e na mesa do despacho na sala de operações da DGOS temeram que a prestação dos serviços mínimos ficasse em causa e viram-se obrigados a trabalhar e a não fazerem greve para assegurar que não havia falha nos serviços mínimos e para não colocar em causa a prestação dos mesmos.
Ora, perante tais factos alegados pela Requerente, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não ocorreu qualquer violação do direito à greve por parte da Requerida, pois, foram os trabalhadores associados da Requerente que, por sua iniciativa, optaram por não fazer greve, uma vez que a Requerida, ao considerar que não necessitava de todos os trabalhadores do DGOS para assegurar os serviços mínimos previamente definidos, não lhes cerceou o direito a fazer greve.
Assim, salvo o devido respeito, em face dos factos alegados pela Requerente, não se afigura que ocorra violação dos preceitos legais apontados, afigurando-se que a actuação da Requerida ao considerar que não necessitava de todos os trabalhadores previstos para o serviço normal nos Centros de Despacho para assegurar os serviços mínimos legalmente definidos, reputada de ilegal pela Requerente, respeita os limites do exercício do direito à greve, tal como previsto na CRP e no Código do Trabalho.
Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que não ocorre a verificação do primeiro dos requisitos acima indicados para o deferimento da providência, ou seja, não se verifica a probabilidade séria da existência do direito invocado pela Requerente, o que implica o indeferimento da presente providência cautelar, visto que os requisitos acima apontados são de verificação cumulativa”.
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Transcritos os pontos em que se louvou a decisão recorrida e as conclusões da recorrente, importa ponderar se aquela merece censura.
1. Das nulidades da decisão recorrida
a) contradição entre a fundamentação e a decisão
De acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, é nula a sentença quando, além do mais, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisãoou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa (cfr. J.A. Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 5º, p. 141). Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando na fundamentação da sentença o juiz segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Ou seja, a oposição será causa de nulidade da sentença “quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta” (Cfr. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, Coimbra, Julho de 2017, p. 736). Como refere o acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 7.5.2008: "A decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio").
Afirma o recorrente que “se da fundamentação da decisão em causa resulta a existência de direito à greve, a decisão em apreço, ao considerar que não existe o direito invocado, é contraditória com a sua fundamentação”.
E “se não se considerar que existe contradição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão, sempre resultaria uma obscuridade da decisão na medida em que, se na fundamentação é considerada a existência do direito à greve e a alegada opção pelos trabalhadores do seu não exercício, e na conclusão é afirmado que não existe esse direito, sempre tornaria a decisão ininteligível”.
Vejamos. Refere a decisão recorrida que “o direito invocado como ameaçado pela requerente consubstancia-se na violação do direito dos trabalhadores que representa aderirem livremente à greve por si declarada…”. “A concreta violação do direito dos trabalhadores que representa aderirem livremente à greve”. E ao concluir antes da decisão afirma: “… a atuação da requerida ao considerar que não necessitava de todos os trabalhadores previstos para o serviço normal nos centros de despacho para assegurar os serviços mínimos legalmente definidos, reputada de ilegal pela requerente, respeita os limites do exercício do direito à greve”.
Assim sendo, é muito claro que não existe a dita contradição, de lado nenhum resultando da decisão que os trabalhadores não têm/tinham direito à greve. O que está em causa, para a decisão, é saber se concretamente o procedimento da empregadora viola o direito à greve que os trabalhadores têm.
Por outro lado a decisão é perfeitamente clara, não havendo qualquer obscuridade que faça com que a mesma que não seja compreensível, no sentido de não poder ser claramente entendida.
Pelo que improcedem as alegadas nulidades.
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2. Da não demonstração da ausência dos pressupostos legais para a prossecução da providência
Defende o recorrente que o tribunal não podia indeferir liminarmente o procedimento porquanto o fez invocando os requisitos previstos no art.º 368, n.º 1, do CPC, quando teria de aplicar o disposto no art.º 362, n.º 1. E acrescenta: “a apreciação e a aplicação dos termos do disposto no n.º 1 do art.º 368 do CPC e a verificação dos requisitos … tem lugar na decisão de procedência ou não da providência cautelar e não previamente na decisão de recebimento ou indeferimento da providência cautelar”.
Em bom rigor o que está aqui em causa ainda não se prende com o fundo, mas simplesmente em saber se pode numa providência cautelar haver lugar a indeferimento liminar.
Face ao disposto no art.º 590, n.º 1, do CPC, o juiz pode e deve efetivamente indeferir liminarmente um requerimento inicial no âmbito de um procedimento cautelar quando não se verifiquem os pressupostos legais (cfr. nota 1 ao art.º 366, Código de Processo Civil Anotado, Geraldes, Pimenta e Sousa). Com efeito, não faria sentido a sua prossecução caso resulte do requerimento que o procedimento não pode ser acolhido, por a própria alegação não conter os pressupostos necessários (e que é assim até o recorrente o aceita, como resulta da transcrição do acórdão desta Relação de Lisboa de 1.10.2009).
Assim, neste ponto é óbvio que o recurso improcede.
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3. De fundo
3. Mas será que, no que ao mérito da decisão respeita, os factos descritos preenchem o pressuposto tido por ausente, a saber, a probabilidade séria da existência do direito invocado pela requerente?
Resulta da factualidade descrita no requerimento inicial que a requerente designou trabalhadores para assegurar a prestação de serviços mínimos e que a empregadora não os recebeu.
Perante isto concluiu a decisão recorrida que “não ocorreu qualquer violação do direito à greve por parte da requerida, pois foram os trabalhadores associados da requerente que, por sua iniciativa, optaram por não fazer greve, uma vez que a requerida ao considerar que não necessitava todos os trabalhadores do DGOS para assegurar os serviços mínimos previamente definidos, não lhes cerceou o direito a fazer greve”.
É sabido que, nos termos do n.º 1 do art.º 362 do Código de Processo Civil, aplicável aos procedimentos cautelares laborais ex vi art.º 32/1 (e 1/2/a), do Código de Processo do Trabalho, relativamente às providências cautelares não especificadas, que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Daqui resulta que são requisitos do procedimento cautelar:
a) a existência provável do direito;
b) em caso de violação iminente do direito a ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação; caso haja violação, o perigo da continuação, ou repetição1.
Exige-se, pois, o fumus boni juris (al. a) e a iminência de lesão2,3.
E note-se que “não é toda e qualquer previsível consequência susceptível de ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento da providência no âmbito do procedimento cautelar comum – a lei refere-se, apenas, às lesões graves e dificilmente reparáveis – pelo que tendo as requerentes alegado, tão só, prejuízos materiais que não se encontram minimamente quantificados, não se sabendo a quanto ascenderiam, nada inculcando que a requerida não disponha de meios para os ressarcir após a sua apreciação na acção principal, não se encontram nos autos elementos que permitam caracterizar a aludida lesão grave e dificilmente reparável”. (ac. Relação de Lisboa 26-06-2008, processo n.º 4959/2008-2)4.
Está em causa “prevenir um dano muito concreto. Aquele que é causado pelo decurso do tempo5”
A aparência do direito há-de ser afirmada, bem como o fundado receio de que a falta de antecipação da decisão decorrente da demora própria da acção lhe cause lesão grave e dificilmente reparável6. Importa que o requerente alegue e demonstre sumariamente o “direito cuja titularidade se arroga7”.
Não se vislumbra, efetivamente, que ao decidir não carecer dos trabalhadores indicados para assegurar a execução dos serviços mínimos, a requerida tenha impedido o exercício do direito de greve por estes.
Com efeito, uma coisa é a adesão à greve, que cabe aos trabalhadores, outra a determinação do número de trabalhadores que excedem as necessidades da empresa, que é essencialmente uma decisão de gestão e que cabe a esta.
Alega a recorrente que, ao serem impedidos de aceder aos postos de trabalho na sala e na mesa de despachos na sala de operações, os trabalhadores temeram que a prestação de serviços mínimos ficasse em causa e viram-se obrigados a trabalhar e a não fazer greve para assegurar que não havia falha nos serviços mínimos e para não pôr em causa a sua prestação.
Mas não era aos trabalhadores que cabia determinar aquilo que excede as necessidades concretas da empresa, mas sim a esta (repare-se que não está em causa o apuramento do número mínimo de trabalhadores necessário, em que, legitimamente, poderia haver discussão caso a empregadora entendesse carecer de mais elementos do que o sindicato defendia ser razoável; o que está em causa é o contrário: é o sindicato quem entende que são necessários mais trabalhadores). E nada os impedia, de todo o modo, de aderirem à greve, suspendendo a prestação da sua atividade laboral.
Poder-se-á discutir, porém, se, face ao disposto no n.º 7 do art.º 538 do Código do Trabalho, tal competência pertence apenas à entidade sindical, a quem caberia exclusivamente a indicação dos trabalhadores grevistas, nada podendo dizer o empregador.
Afigura-se-nos, porém, que um tal raciocínio é necessariamente formal e não capta o sentido dos interesses legítimos em confronto e das necessidades em causa. Na verdade, a definição ultima dos serviços mínimos não pode ignorar a gestão da empregadora e o conhecimento que têm os trabalhadores. Como referem Bernardo Lobo Xavier et aut., Manual de Direito do Trabalho, 3ª edição, 172-173, “quanto a saber quais serão os efectivos em concreto (número e nome de trabalhadores) que devem trabalhar de modo a assegurar os serviços mínimos, tal terá ainda de ser função dos empregadores e representantes dos grevistas. Nesse sentido, a entidade empregadora, em face do quadro das necessidades de meios concordado ou definido, indicará o número e a qualificação dos trabalhadores de que precisa (se tal não for estabelecido previamente, como parece prudente), devendo as entidades responsáveis pela greve garantir, através do destacamento dos trabalhadores aderentes, que esse número seja preenchido (…)”. E adiante: “devem ensaiar sistemas de consultas recíprocas e permanentes para designação e identificação do pessoal indispensável”.
No mesmo sentido Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12ª ed., pondera “o problema de saber quem tem o poder e o dever definir, em concreto, o âmbito e a natureza dos “serviços mínimos” a prestar durante a greve”. Quanto a um primeiro nível, que se prende com o da determinação das necessidades a satisfazer e do nível de serviço adequado a essa satisfação, em que se trata “de identificar necessidades sociais inadiáveis, apontar bens e interesses gerais que são titulados por direitos constitucionalmente consagrados. Não me parece que a legitimidade para tais determinações possa ser reconhecida, de modo genérico, à empregadora ou ao sindicato” (cfr. pag. 924). “No segundo nível, há que determinar o complexo organizado de meios tecnicamente adequados à prestação do nível de serviço que as necessidades públicas a satisfazer requerem. Que departamentos, que unidades, que equipamentos, que número e que categorias de trabalhadores, que cadeia hierárquica devem ser acionados com essa finalidade? Não se vê que tais determinações possam ser mais certeiramente confiadas do que à entidade responsável pela gestão da organização afetada pela greve. E não se diga que estarão assim a ser reavivados os poderes patronais, enquanto a paralisação suspende os contratos de trabalho. O empregador estará a intervir, não no exercício da autoridade na empresa, nem como credor do trabalho, mas como agente do interesse público - assim como os trabalhadores grevistas que foram chamados a prestar serviços mínimos não estarão a efetivar os contratos de trabalho, nem a obedecer ao empregador, mas a cumprir uma obrigação legal fundada no interesse geral” (cfr. pag. 925).
Afigura-se-nos que nem pode ser de outra maneira. O que cabe ao sindicato, como refere o mesmo autor, num terceiro nível, é “identificar os trabalhadores que irão ocupar-se, durante a greve na prestação dos serviços mínimos indispensáveis. Este é o ponto seguramente mais consensual: tratando-se da afetação de recursos ao cumprimento da obrigação, parece dever ser atribuído ao sindicato o encargo de proceder a essa designação. Localizar-se-á aqui, a nosso ver, o cerne da responsabilidade atribuída pela lei ao sindicato e aos trabalhadores: garantir, em concreto, a disponibilidade dos meios necessários à efetivação dos serviços mínimos”.
Ora, o sindicato insurge-se, salvo o devido respeito mal, contra o facto de a requerida entender que determinado número de trabalhadores não é necessário, coisa que o ultrapassa, por não lhe caber, não encontrando arrimo no n.º 7 do art.º 538 do CT. Aos trabalhadores tidos por desnecessários pelo empregador cabe, simplesmente, fazer greve nos termos gerais, suspendendo a prestação da sua atividade, não ficando o seu direito de greve em nada comprometido.
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Prejudicada fica também a argumentação de que a empregadora deveria ter recorrido aos tribunais se não concordava com os termos em que foram designados trabalhadores adstritos aos serviços mínimos. Com efeito, nem a empregadora deixa de ter os seus poderes de gestão nem o tribunal nesta sede cautelar está impedido de apreciar liminarmente a descrição dos pressupostos para a procedência da providência cautelar.
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Desta sorte, acompanha-se o despacho recorrido.
O que acarreta a improcedência do recurso.
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III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida.
Sem custas (art.º 4/1/f do RCP).
Lisboa, 23 de outubro de 2024
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Manuela Fialho
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1. Neste sentido cfr. o ac. da Relação de Lisboa de 12-01-2010, processo 813/09.8TYLSB-B.L1-71: “são requisitos da respectiva procedência, a existência provável do direito, no caso de situações de violação iminente do direito, a exigência da ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação, e para as situações em que haja violação, o perigo da continuação, ou repetição”.
No acórdão desta Relação e secção de 29.09.21, no proc. 2935/21.8T8LRS.L1-4, considerou-se que "Para uma providência cautelar comum laboral ser decretada devem verificar-se cumulativamente os seguintes requisitos:
- A probabilidade séria de existência do direito invocado;
- O fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na sua pendência, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito ;
- A adequação da providência requerida à situação de lesão iminente;
- Não ser o prejuízo resultante do decretamento da providência superior ao dano que com a mesma se pretende evitar" (in www.dgsi.pt).
2. A iminência de lesão (ou a sua reiteração) envolve a ideia de periculum in mora. Convergindo, o acórdão desta Relação de 17-06-2008, processo 1388/2008-7 refere que “As providências cautelares visam combater o periculum in mora, devendo o mesmo apresentar-se como evidente e real, impondo uma avaliação ponderada da realidade”.
3. Sobre a noção de lesão grave e de difícil reparação, nomeadamente à luz de critérios subjectivos (a possibilidade concreta de o requerido suportar economicamente a reparação) ou objectivos (que se prende com o tipo de dano, a possibilidade de existir reconstituição natural ou mera compensação) cf. Rita Lynce Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar não Especificada, Univ. Cat. Edit., 2003, 59 e ss.
4. E conclui: “II - Nestas circunstâncias a providência não poderia ser decretada, desnecessária se tornando a apreciação dos outros requisitos de que dependia o seu decretamento”
5. Rita Lynce de Faria, op. cit., 32.
6. Neste sentido cf. Lebre de Freitas e out., Código de Processo Civil Anot., Coimbra Edit., vol. II, 6.
7. Rita L. faria, op. cit., 55