CONTRATO DE TRABALHO
UNIVERSIDADE
INSTITUTO PÚBLICO
FUNDAÇÃO PRIVADA
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
PREVPAP
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE DO CONTRATO
CONVALIDAÇÃO
Sumário

I – Estando prevista uma presunção legal de laboralidade, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, embora não esteja dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, o ónus de ilisão da presunção prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.
II – A celebração de contrato de trabalho ao abrigo da Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro, que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de carácter imperativo (PREVPAP) constitui a regularização formal de uma situação material pré-existente de “vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do sector empresarial do Estado ou do sector empresarial local, sem vínculo jurídico adequado", não se traduzindo na celebração de um novo vínculo.
III – Ainda que não possa afirmar-se ter-se constituído validamente um contrato de trabalho em funções públicas no período em que o empregador tinha a natureza de Instituto Público, nem possa afirmar-se que o ulterior contrato de atribuição de bolsa, em si, permita a aquisição da qualidade de trabalhador em funções públicas, o vínculo laboral deve ser judicialmente reconhecido desde a data (no caso 2 de Janeiro de 2012) em que os factos apurados permitam a sua qualificação como tal.
IV – Para apurar as consequências jurídicas da invalidade contratual que se verifica, deve lançar-se mão do regime especial previsto nos artigos 122.º a 125.º do Código do Trabalho.
V – Passando o empregador a ser uma fundação pública com regime de direito privado, com efeitos a partir de 14 de Julho de 2017, podendo, a partir de então, admitir pessoal não docente em regime de direito privado, deixaram nessa data de existir escolhos à celebração de contratos de trabalho de direito privado.
VI – E, tendo regularizado em Novembro de 2019 o vínculo precário que mantinha em execução com a trabalhadora, em observância do estabelecido no PREVPAP, o qual, foi criado precisamente para ultrapassar os obstáculos que as instituições abrangidas tinham à contratação de trabalhadores e resultou de uma estratégia de combate à precariedade no sector público, com vista à regularização de vínculos muito diversificados que não eram adequados às relações contratuais que titulavam – como acontecia com os contratos de prestação de serviço e de bolsa de investigação celebrados entre as partes –, é de considerar o contrato convalidado desde o início da sua execução nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CT.
VII – Sendo a Lei n.º 112/2017 de carácter imperativo, não podem as partes estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade.
VIII – É nula a cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAV que restringe a produção de efeitos do contrato de trabalho ao período posterior a 1 de Novembro de 2019, por contrariar o regime imperativo do Código do Trabalho e da Lei n.º 112/2017 que salvaguarda a antiguidade do trabalhador, com a concomitante salvaguarda dos direitos que a pressupõem.
IX – É também nula a cláusula de tal contrato que fixa a retribuição mensal ilíquida da trabalhadora em valor inferior à retribuição mensal antes convencionada entre as partes (o valor anterior multiplicado por 12 e dividido por 14), por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição, quando não resulte dos factos provados que no montante mensal antes convencionado estivesse incluída alguma outra prestação, designadamente os subsídios de férias e de Natal.
X – Durante a vigência do contrato de trabalho, o direito à retribuição do trabalhador é de natureza indisponível.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

1. Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
1.1. AA, intentou a presente acção declarativa de condenação contra Universidade XX, pedindo que a ré seja condenada:
a. a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 2 de Janeiro de 2012, com as inerentes consequências legais;
b. a reconhecer a antiguidade da autora desde 2 de Janeiro de 2012, com as inerentes consequências legais;
c. a fixar a retribuição base da autora em € 1.494,65, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;
d. a pagar à autora a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de Novembro de 2019 a Abril de 2021 e, aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 3.781,92;
e. a pagar à autora a diferença entre a retribuição mensal que vier a pagar à autora e, aqueles que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 1.494,65;
f. a pagar à autora o montante global de € 24.907,09, a título de subsídio de férias e Natal, referente aos anos de 2012, 2013, 2014, 2016, 2018 e 2019.
g. tudo isto, acrescido dos respectivos juros legais.
Para tanto alegou, em síntese: que com a promessa pela R. da celebração de um contrato de trabalho, em 2 de Janeiro de 2012, começou a desempenhar funções de Assessora da Direcção, no Centro de História ... da Faculdade YY; que passados alguns meses foi informada que, aquela celebração não era possível e que o vínculo laboral entretanto estabelecido teria de ser formalmente regularizado através de um contrato de prestação de serviços, o que se verificou; que este contrato de prestação de serviços foi sucessivamente renovado até Abril de 2015; que posteriormente, para dar continuidade à relação laboral, a R. propôs à A. a celebração de um contrato de bolsa de gestão de ciência e tecnologia e este foi também sucessiva e ininterruptamente renovado até Outubro de 2019, auferindo a A. o montante mensal de € 1.794,99; que a partir de Junho de 2012 a retribuição mensal foi reduzida, fixando-se por força do disposto na lei do orçamento em 2014, no valor de € 1.605,22; que a R. tentou compensar essa perda de rendimentos, pelo que somando-se todos os recibos a retribuição mensal média da autora no ano de 2014 foi de € 1.825,56; que no ano de 2019, a retribuição da A. passou a ser de € 1.494,65; que desde Janeiro de 2012 a autora exerceu sempre as funções de Técnico Superior, nas instalações do Centro de História ... da Faculdade YY, cumprindo um horário de trabalho definido pela referida unidade orgânica da ré, das 09h00 às 17h30, com intervalo para almoço das 12h30 às 14h00, estando sempre sujeita à autorização dos respectivos superiores hierárquicos para gozar férias bem como para se ausentar do local de trabalho; que no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários (PREVPAP), foi considerado que as funções desempenhadas pela A. satisfaziam funções permanentes da R. e, por isso foi assinado um contrato de trabalho com efeitos a 01.11.2019, sem fazer qualquer menção à antiguidade, mas a A. presta a sua actividade desde 2 de Janeiro de 2012, nos mesmos termos; que nesse mesmo contrato foi fixada uma remuneração de € 1.281,13, reduzindo-se desta forma a remuneração anteriormente fixada, o que é proibido ao empregador, devendo a mesma ser fixada em € 1.494,65, bem como pagos subsídios de férias e do Natal desde o início da relação laboral.
Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação alegando, em suma: que a A. formulou um pedido ilegal, uma vez que estava vedado à ré estabelecer entre 02 de Janeiro de 2012 e 14 de Julho de 2017 relações de trabalho em regime de direito privado, estando sujeita à observância do regime que enquadra os contratos de trabalho em funções públicas, bem como às restrições orçamentais, o que integra excepção dilatória atípica de pedido ilegal; que em 2 de Maio de 2012 foi celebrado um contrato de avença entre as partes; que esse contrato foi renovado até 1 de Maio de 2015; que em 1 de Junho de 2015, foi celebrado um contrato de atribuição de bolsa na sequência de um concurso público promovido pela Faculdade YY, havendo uma interrupção nos contratos; que nessa interrupção foi celebrado um contrato de prestação de serviço na área da divulgação e comunicação; que o contrato de bolsa foi objecto de diversas renovações; que a regularização ao abrigo do PREVPAP não implica efeitos retroactivos; que o mesmo dá origem a novos vínculos de trabalho e a antiguidade inicia-se na data da sua celebração; que não se verifica qualquer diminuição da retribuição ou situação mais desvantajosa para a A. do que a que atinha antes da regularização do vínculo; que a R. estava impedida de estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado antes 14 de Julho de 2017; que na regularização só foi atendido o período entre 1 de Janeiro e 4 de Maio de 2017 e é essencial que se esteja perante necessidades permanentes; que no período anterior houve 3 vínculos diferentes e o contrato de bolsa não gera relações de natureza jurídico-laboral (artigo 4.º da Lei n.º 40/2004, de 18/08); que o acto administrativo de homologação do parecer favorável à regularização do vínculo da A. com a R. não tem efeitos retroactivos; que, mesmo que se admitisse a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, a Lei 112/2017 apenas admite que o período anterior à celebração releva para o desenvolvimento da carreira e que a retribuição foi fixada de acordo com o artigo 14.º, n.º 3, da referida lei. Pugna pela sua absolvição da instância por força da excepção dilatória atípica e, sem conceder, pela absolvição do pedido.
A A. veio pronunciar-se quanto aos documentos juntos à contestação e, uma vez notificada para o efeito, respondeu à matéria da excepção, defendendo a sua improcedência, nos termos de fls. 142 e ss.
Foi proferido despacho saneador, fixando-se o valor da acção em € 28.689,01.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi em 20 de Julho de 2023 proferida sentença em 1.ª instância que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julgo a acção procedente e, em consequência decide-se, condenar a ré Universidade XX:
1. A reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre a ré e a autora desde 2 de Janeiro de 2012, com as inerentes consequências legais.
2. A reconhecer a antiguidade da autora desde 2 de Janeiro de 2012, com as inerentes consequências legais.
3. A fixar a retribuição base da autora em € 1.494,65 (mil quatrocentos e noventa e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter.
4. A pagar à autora a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de Novembro de 2019 a Abril de 2021 e aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 3.781,92 (três mil, setecentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos).
5. A pagar à autora a diferença entre a retribuição mensal que pagou à autora e aquela que deveria ter pago, desde Maio de 2021 até à data em que passe a pagar à autora a retribuição ora fixada.
6. A pagar à autora a quantia global de € 24.907,09, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2018 e 2019.
7. A pagar à autora juros de mora, sobre as quantias devidas, à taxa legal, fixada em 4%, desde a data de vencimento de cada prestação e, até integral e efectivo pagamento.
8. Custas da acção a cargo da ré.
[…]»
1.2. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença. No requerimento de interposição do recuso, arguiu a nulidade da sentença, pediu a correcção de erros de escrita que assinalou e requereu fosse fixado efeito suspensivo ao recurso.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1. Deve ser declarada nula a sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) e d) do CPC por ser omitida pronúncia e ser omitida qualquer fundamentação quanto à exceção de pedido ilegal, referente ao vínculo laboral entre a Recorrente e Recorrida no período anterior a 14/7/2017, por conduzir a um resultado contrário à lei, nomeadamente a impossibilidade de estabelecimento de vínculos laborais em regime de direito privado.
2. Deve ser declarada nula a sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) e d) do CPC por ser omitida pronúncia e ser omitida qualquer fundamentação quanto à exceção do pedido de vínculo laboral à Recorrente (antes e depois de 14/7/2017), por ser contrário às diversas Leis do Orçamento de Estado (artigos 50.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, 60.º da Lei n.º 66/-B/2012, de 30 de dezembro, 56.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, 56.º da Lein.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
3. Tendo em conta a prova produzida, nomeadamente (i) o depoimento da Testemunha BB (Gravação 0221013095210_20190840_2871081), nos minutos 00:05:29 a 00:06:08; 00:07:48 a 00:08:05; 00:08:22 a 00:08:39; 00:24:28 a 00:25:34; 00:26:05 a 00:26:24; e 00:47:39; (ii) o depoimento da testemunha CC (Gravação 20221116104444_20190840_2871081.wma), nos minutos 00:03:56 a 00:04:47, e gravação 20221116095714_20190840_2871081.wma, nos minutos 00:06:30 a 00:08:35; (iii) o documento n.º 1 junto com a petição inicial – proposta de aquisição de serviços assinada por BB e (iv) o documento n.º 2 junto com a Petição Inicial – Contrato de avença, deve ser alterado o facto n.º 4 para:
“Em 2 de janeiro de 2012, a autora começou a desempenhar funções de Assessora da Direção, no Centro de História ... da Faculdade YY, tendo apenas mais tarde sido celebrado por escrito o respetivo contrato de prestação de serviços.”
4. Tendo em conta a prova produzida,nomeadamente a referida no parágrafo anterior,a saber, (i) o depoimento da Testemunha BB (Gravação 0221013095210_20190840_2871081), nos minutos 00:05:29 a 00:06:08; 00:07:48 a 00:08:05; 00:08:22 a 00:08:39; 00:24:28 a 00:25:34; 00:26:05 a 00:26:24; e 00:47:39; (ii) o depoimento da testemunha CC (Gravação 20221116 104444_20190840_2871081.wma), nos minutos 00:03:56 a 00:04:47, e gravação 20221116 095714_20190840_2871081.wma, nos minutos 00:06:30 a 00:08:35; (iii) o documento n.º 1 junto com a petição inicial – proposta de aquisição de serviços assinada por BB e (iv) o documento n.º 2 junto com a Petição Inicial – Contrato de avença, deve ser alterado o facto n.º 5 da matéria dada como provada para:
“Em 2 de maio de 2012, a Faculdade YY da Universidade XX e a autora subscreveram o escrito designado por “Contrato de Avença”, junto a fls. 12 verso e 13 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido…”
5. Tendo em conta a impugnação da matéria de facto na Contestação da Recorrente, em particular nos artigos 39.º, 40.º, 41.º, 53.º e 54.º; bem como a prova produzida, nomeadamente (i) o depoimento da Testemunha BB (Gravação 0221013095210_20190840_2871081),nos minutos 00:49:03a 00:49:17; deveser alterado o facto n.º 17 da matéria dada como provada ser para:
“A autora desempenhou funções desde 2 de Janeiro de 2012, com variações ao longo do tempo, consistindo atualmente as suas funções no seguinte: (…)”.
6. Tendo em conta a impugnação da matéria de facto na contestação da Recorrente e a prova
produzida referidos no parágrafo anterior, em particular nos artigos 39.º, 40.º, 41.º, 53.º e 54.º e o depoimento da Testemunha BB (Gravação 0221013095210_20190840_2871081), nos minutos 00:49:03 a 00:49:17, impugnação da matéria de facto no artigo 55.º da Contestação da Recorrente, e a restante prova produzida, nomeadamente (i) o depoimento da Testemunha BB (gravação n.º 20221013095210_20190840_2871081), nos minutos 00:16:30 a 00:17:02; 00:18:20 a 00:19:22; 01:00:04 a 01:02:03; (ii) o depoimento da Testemunha DD (Gravação 20221013115610_20190840_2871081), nos minutos 00:32:00 a 00:33:57; (iii) o depoimento da Testemunha EE (Gravação 20221013 111239_20190840_2871081), nos minutos 00:35:25 a 00:36:51; (iv) o depoimento da Testemunha CC (Gravação 20221116 095714_20190840_2871081.wma), nos minutos 00:31:49 a 00:33:31; gravação Gravação 20221116 104444_20190840_2871081.wma, nos minutos 00:11:28 a 00:11:45; deve ser alterado o facto n.º 18 da matéria dada para:
“Desde 02 de janeiro de 2012, a Autora prestou serviços/executou tarefas nas instalações do Centro de História ... da Faculdade YY, habitualmente durante o horário de funcionamento daquela das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30.”
7. Tendo em conta a prova produzida, nomeadamente (i) o depoimento da Testemunha BB (20221013095210_20190840_2871081), no minuto 01:00:15; (ii) o depoimento da Testemunha CC (Gravação 20221116 095714_20190840_2871081.wma), nos minutos 00:33:20 a 00:33:31; (iii) o depoimento da Testemunha DD (Gravação 20221013 115610 _20190840 _2871081), nos minutos 00:19:15 a 00:20:56; 00:25:50 a 00:26:23; 00:27:14 a 00:27:35; o facto n.º 19 da matéria de facto dada como provada deve ser alterado o facto n.º 19 para:
“Desde 02 de Janeiro de 2012, a autora comunicava as ausências ao Diretor da Unidade.”
8. Deve ser retirado da matéria de facto dada como provada na Sentença do Tribunal a quo o facto n.º 29, uma vez que se trata de matéria conclusiva, não foi alegado nem feita prova sobre equipamentos e instrumentos de trabalho em concreto, muito menos sobre a sua relevância para a execução dos serviços prestados.
9. Tendo em conta a prova produzida nomeadamente (i) o documento n.º 3 junto com a Contestação; (ii) documenton.º 4juntocom a Contestação,com identificaçãodas atividades que implicava a prestação de serviços em causa; (iii) documento n.º 6 junto com a Contestação; (iv) bem como o lapso de escrita relativamente à data do procedimento; deve ser alterado o facto n.º 31 da matéria de facto dada para:
“Em 21.05.2015 foi autorizado um procedimento de ajuste direto para a celebração de um contrato de prestação de serviços na área da Comunicação e Divulgação – Pedido de bens e Serviços 2015/0979, junto a fls. 109 e verso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e que foi adjudicado à Autora para execução das seguintes atividades:
a. Actualização do website, mailing, newsletter e Facebook do Centro de História ... da Faculdade YY;
b. Criação, na base de dados da internet do Centro de História ... da Faculdade YY, de consultas e relatórios de produtividade científica para compreensão estatística e impacto desta produtividade.”
10. Sendo relevantes para a decisão da causa e por estarem assentes, de acordo com o alegado
pela Recorrente na sua contestação, nos artigos 7.º, 8.º, 21.º e 22.º, bem como por força do depoimento da Testemunha CC (Gravação 20221116 095714_20190840_2871081.wma), nos minutos 00:15:05 a 00:15:10; 00:15:43 a 00:15:53, devem ser aditados os seguintes factos à matéria de facto assente:
a. Antes da sua transformação em fundação pública com regime de direito privado, a Ré configurava-se como pessoa coletiva de direito público, nos termos e para os efeitos do Despacho Normativo n.º 42/2008, de 18 de agosto.
b. Estava vedado à Ré, antes de 14/07/2017, estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado.
11. Antes da transformação em Fundação Pública, que apenas ocorreu em 14/7/2017, a Recorrente era uma pessoa coletiva de direito público, mais concretamente um instituto público de regime especial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º da LQIP, sendo aplicável aos seus trabalhadores o regime jurídico dos trabalhadores que exercem funções públicas,designadamentea Lei n.º 59/20008 de 11 de setembro e, posteriormente,a LGTFP.
12. Tendo em conta este enquadramento, na Recorrente existem dois universos distintos de trabalhadores:
a. Trabalhadores que ingressaram em data anterior à transformação da Recorrente em fundação e, por isso, mantêm o vínculo de emprego público, encontrando-se sujeitos à LGTFP;
b. Trabalhadores que ingressaram na Recorrente em data posterior à transformação da mesma em fundação (14/07/2017), aos quais se aplica o regime de direito privado constante do Código do Trabalho.
13. O reconhecimento de uma relação laboral entre a Recorrente e a Recorrida anterior a 14/7/2017 teria de ser ao abrigo da LGTFP, sendo para esse efeito competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais,nos termos da al.b) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e sendo materialmente incompetente o Tribunal de Trabalho.
14. Ao contrário do regime estabelecido no Código do Trabalho,em que se privilegia a substância
sobre a forma e em que existe uma presunção de laboralidade,na LGTFP estabelece-se como regra para a constituição do vínculo o procedimento concursal (artigos 32.º e seguintes), privilegiando-se a regularidade do processo, a transparência e a imparcialidade.
15. O reconhecimento de existência de uma relação laboral, ao abrigo do Código do Trabalho, no período de 02/01/2012 a 14/07/2017, viola o regime jurídico imperativo que era aplicável
à Recorrente, designadamente a alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º da LQIP.
16. O contrato de atribuição de bolsa é um contrato típico regulado na Lei n.º 40/2004, de 18 de agosto, que aprova o EBI, visando o financiamento de atividades de natureza científica, tecnológica e formativa, não adquirindo o bolseiro a qualidade de trabalhador em funções públicas nos termos do respetivo art. 4.º, sendo esta uma norma imperativa.
17. A bolsa em causa - de gestão de ciência e tecnologia (BGCT) - encontrava-se “definida e enquadrada no artigo 9º do Regulamento de Bolsasda Fundação para a Ciência e Tecnologia, nº 326/2013, publicado na 2ª série do Diário da República, nº 164, de 27 de agosto” (cf. a cláusula I do contrato de atribuição de bolsa celebrado com a Recorrida – doc. n.º 3 junto com a petição inicial).
18. Não foi invocada qualquer norma que tenha derrogado de forma expressa o disposto no artigo 4.º do EBI e, sendo uma norma especial, jamais poderia ser revogada tacitamente por outra lei geral, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil.
19. Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, do procedimento do PREVPAP não resulta o reconhecimento de uma relação laboral pré-existente, mas apenas o reconhecimento de que a atividade desenvolvida correspondia a uma necessidade permanente.
20. No caso concreto, não foi demonstrado que o parecer da CAB continha um reconhecimento de subordinação jurídica pré-existente,nem sequer de elementos quepermitam a verificação de presunção de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.
21. Acresce que, quer o n.º 2 do artigo 1.º da Portaria 150/2017 e 3 de maio, quer a al. a) do n.º do artigo 3.º da Lei n.º 117/2017, de 29 de dezembro, a avaliação da CAB apenas abrange o período posterior a 1 de janeiro de 2017.
22. Ainda que se considerasse que o parecer favorável emitido pela CAB implica um reconhecimento de laboralidade anterior, o que não se admite e que só por mera cautela se concebe,jamais poderia relevar para considerar o período anterior a de 1 de janeiro de 2017.
23. A decisão de homologação do parecer da CAB constitui um ato administrativo, não tendo efeitos retroativos, uma vez que o autor do ato não o declarou e não se encontram verificados os pressupostos do do disposto no artigo 156.º, n.º 2, alínea a), do CPA.
24. Ao contrário do que é decidido na sentença recorrida, a cláusula sexta não é nula, até porque se limita a reproduzir a lei em matéria de período normal de trabalho.
25. Caso se entenda que a nulidade diz respeito à clausula primeira, a mesma não é nula, pois não viola qualquer disposição legal e, antes pelo contrário, seria nula se reconhecesse uma data de admissão anterior, por violação de normas legais imperativas.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que só por mera cautela se admite,
26. O local da prestação da atividade só deve ser considerado quando a atividade pode em abstrato ser prestada noutro local, o que não corresponde ao caso dos Autos, pelo que tal critério [não deve ser] não deve ser considerado para efeitos de aplicação da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.
27. Não foi alegado, nem provado, qualquer facto que permita concretizar que instrumentos eram utilizados pela Recorrida e a sua relevância para a atividade desempenhada, pelo que este critério indiciário não se encontra verificado.
28. Na sentença recorrida confunde-se horário de trabalho com horário de funcionamento, não tendo sido feita prova quanto ao concreto horário praticado pela Recorrida.
29. Não foi feita prova que as horas de início e de termo da prestação eram determinadas pela Recorrente,tendo,antes pelo contrário,ficado demonstrado que não havia qualquer controlo de assiduidade, nem consequência em caso de absentismo.
30. A retribuição sofreu variações ao longo do tempo, só se tendo tornado fixa a partir de junho de 2015.
31. Não foi alegado, nem provado, o exercício de funções de chefia ou de direção na estrutura orgânica da Recorrente.
32. Só se encontra verificado um critério indiciário e, mesmo esse, só a partir de junho de 2015.
33. Independentemente da (não) verificação de critérios indiciários, não foi feita prova de que o modo de execução da atividade correspondia a uma relação de subordinação jurídica, pois não existem elementos que permitam concluir que a Recorrida recebia ordens e instruções quanto ao modo de realização da sua atividade,ou de que estava sujeita ao poder disciplinar.
34. Ainda que se admita que se encontram provados factos dos quais se possa concluir pela existência de uma relação com subordinação jurídica anterior, o que só por mera cautela se admite, não é possível determinar, com base na prova produzida, qual respetiva a data de início, o que é demonstrativo de o próprio tribunal recorrido referir que “a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em ???? e não como se refere no contrato”.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que só por mera cautela se admite,
35. A celebração ou reconhecimento de um contrato de trabalho tinha de respeitar normas imperativas, designadamente o disposto no artigo 10.º e 54.º da Lei n.º24/2012 de 9 de julho, devendo a contratação de trabalhadores estar previamente prevista em orçamento, não estando demonstrando nos Autos que esse pressuposto estava verificado.
36. Por força das sucessivas do Leis do Orçamento de Estado só era admitida a contratação de trabalhadores para as instituições de ensino superior, se tal não implicasse um aumento do valor total das remunerações dos trabalhadores face a anos anteriores, em conformidade com o disposto nos artigos 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro; 37.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro; artigo 42.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.
37. Tratando-se de normas imperativas, o reconhecimento de uma relação laboral com a Recorrida, em violação daquelas normas, conduziria à nulidade do contrato de trabalho.
38. Embora o contrato nulo produza efeitos enquanto estiver a ser executado, o tempo de execução não é tido em conta para efeitos de antiguidade, pois nesse caso não haveria distinção entre um contrato nulo e um contrato válido.
39. A relevância da antiguidade de contrato nulo é excecional, sendo apenas aplicável para efeitos de indemnização pela cessação e se o empregador (público neste caso) estiver de má-fé, situação essa totalmente distinta da que é discutida nos presentes Autos.
40. Não estando em causa qualquer vínculo laboral anterior a 1 de novembro de 2019, não são devidos subsídios de férias e de Natal referentes a esse período.
41. Na sentença recorrida faz-se uma errada aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017 de 29 de dezembro, na medida em que esta norma é apenas aplicável a contratos a termo anteriores ao PREVPAP, situação que não é a destes Autos.
42. No caso dos Autos é aplicável o n.º 3 do mesmo artigo que determina que as retribuições do contrato de trabalho a celebrar serão determinadas de acordo com os critérios gerais, designadamente no que se refere a tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis.
43. A remuneração foi de acordo com o disposto no artigo 5.º do Regulamento 40/2019, publicado na 2ª Série do Diário da República de 10 de janeiro, assegurando-se desta forma quea Recorrida mantinha a mesma remuneração anual da que auferia previamente ao abrigo do contrato tipificado de atribuição de bolsa.
44. Em face da nulidade de qualquer contrato de trabalho anterior a 1/11/2019, a Recorrida não tem direito a quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que decorram de uma eventual errada qualificação jurídica da relação contratual.
45. Quaisquer diferenças salariais teriam de estar sustentadas na desadequação da retribuição acordada face aos critérios gerais, tendo a Recorrida sido omissa quanto a essa questão e não tendo sido feita qualquer prova, pelo que deve igualmente a sentença ser revogada nesta parte.
46. A sentença recorrida faz, assim, uma errada aplicação de diversas normas jurídicas, a saber: (i) alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º artigo 6.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 3/2004 de 15 de janeiro - Lei-Quadro dos InstitutosPúblico; (ii) Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014; (iii) artigos 50.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, 60.º da Lei n.º 66/-B/2012, de 30 de dezembro, 56.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, 56.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro; (iv) artigo 4.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 20/2017, de 2 de maio; (v) al. b) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; (vi) artigos 32.º e seguintes da LGTFP; (vii) artigo 1.º, n.º 1 e 4.º da Lei n.º 40/2004 (Estatuto do Bolseiro de Investigação); (viii) artigo 9º do Regulamento de Bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia, nº 326/2013, publicado na 2ª série do Diário da República, nº 164, de 27 de agosto; (ix) artigo 7.º n.º 3 do Código Civil; (vi) artigo 2.º, artigo 3.º n.º 1 al. a), ambas da Lei n.º 112/2017 (PREVPAP); (x) artigo 1.º da Portaria n.º 150/2017; (xi) Despacho n.º CAB CTES1 – 17/2019; (xii) artigos 148.º e 155.º n.º 1; 156.º, n.º 2, al. a) do CPA; (xiii) artigo 12.º, 122.º, n.º 1 al. b) do artigo 129.º do Código do Trabalho; (xiv) artigo 10.º, 54.º da Lei-Quadro das Fundações; (xv) artigos 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e 32 .º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro; 37.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro; artigo 42.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro; (xvi) artigo4.º n.º 1al.a) da Lein.º 62/2007,de10desetembro(RegimeJurídicodas Instituições de Ensino Superior); (xvii) n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017; (xviii) artigo 5.º do Regulamento n.º 40/2019, de 10 de janeiro; (xiv) Despacho Normativo n.º 42/2008; devendo a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos e seja conforme a correta aplicação do direito,
Com o que se fará inteira JUSTIÇA!.”
1.3. A A., ora recorrida, respondeu à alegação da recorrente pugnando pela improcedência do recurso.
Rematou a sua peça com o seguinte núcleo conclusivo:
“1. Na decisão em apreço não foi cometido qualquer erro na apreciação da matéria de facto e aplicação da matéria de direito, que impusesse uma solução diversa à decidida na aludida sentença, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de confirmação.
2. Com base nos documentos juntos aos autos e com a prova produzida em sede de audiência de julgamento (prova testemunhal e declarações de parte) é possível dar como provada a factualidade que serve de base à improcedência da exceção dilatória invocada pela Recorrente.
3. O pedido deduzido pela Recorrida, de ver reconhecida a existência de contrato de trabalho desde 2 de janeiro de 2012, encontra absoluta sustentação na Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.
4. Não está em causa a admissão da Recorrida na Universidade XX, por livre iniciativa das partes, isto é, não estão em causa as limitações que a Recorrente, enquanto pessoa coletiva de direito público, ou agora, enquanto pessoa coletiva de direito privado, possa ter tido, e ainda tenha, na admissão de trabalhadores ao seu serviço.
5. A Recorrente regularizou o vínculo precário que mantinha com a Recorrida em observância do estabelecido no Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (adiante apenas PREVPAP), o qual, foi criado precisamente para ultrapassar os obstáculos que as instituições públicas tinham, e continuam a ter, à contratação de trabalhadores, e resultou de uma estratégia de combate à precariedade no setor público que foi estabelecida no artigo 19.º, n.º 1 da Lei 7-A/2016, de 30 de março e no artigo 25.º, n.º 1 da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.
6. Tratou-se de estender ao setor público o regime de combate à precariedade laboral que foi introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, com a criação da ação com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
7. Sempre foi entendido que não estava em causa a constituição de um novo vínculo, mas o reconhecimento de que a relação anterior correspondia a uma relação laboral e que a mesma deveria ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho.
8. No PREVPAP, trata-se do reconhecimento de que a situação anterior correspondia a uma relação laboral e da sua regularização formal através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou um contrato individual de trabalho.
9. O PREVPAP e a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho têm a mesma finalidade, ou seja, a de acabar com a precariedade laboral, pelo que, não faz qualquer sentido, atenta a unidade do sistema, interpretar as suas normas com base em premissas absolutamente distintas e até contraditórias!
10. A referência de que a regularização do vínculo precário da Recorrida foi feita no âmbito do PREVPAP afigura-se como refutação suficiente para abalar a procedência da exceção de pedido ilegal invocada pela Recorrente, porquanto ficou totalmente demonstrado que existe sustento legal que conforme o pedido da Recorrida relativamente ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho – o PREVPAP – e, desse modo, não poderá ser esse pedido considerado ilegal e, consequentemente, configurar-se como uma exceção dilatória atípica.
11. Deverá ser julgada improcedente a pretensão da A. Recorrente de ver declarada a nulidade da sentença, recusando-se provimento ao recurso, desde logo, nessa parte.
12. Importa relembrar a Recorrente que um dos princípios basilares, senão mesmo o fundamental, quanto à prova, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, nos termos do qual, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
13. Tal princípio não equivale a prova arbitrária, razão pela qual, a convicção do Juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, emotiva.
14. A fundamentação da sentença deve conter uma exposição dos factos que o Juiz julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda o Juiz em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.
15. Embora o princípio da livre apreciação da prova constitua um limite à discricionariedade do Juiz, a decisão do Tribunal acaba sempre por ser uma convicção pessoal do Julgador, na medida em que, além dos elementos cognitivos, na sentença também intervêm elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
16. O Tribunal ad quem, para alterar a decisão da matéria de facto feita pelo Tribunal de primeira instância, segundo os princípios da oralidade e da imediação, tem que ter uma razão muito ponderosa, não podendo basear-se apenas no ponto de vista da sua livre apreciação.
17. Da leitura da sentença recorrida resulta que o Tribunal construiu a sua convicção perante as provas constantes dos autos e as produzidas na audiência, dando todas como credíveis, explicando de forma fundamentada a sua opção.
18. A Recorrente esqueceu-se do teor do artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, na medida em que, as divergências apontadas à sentença recorrida são claramente pessoais e subjetivas, carecidas de qualquer relevância jurídica e, como tal, inconsequentes.
19. O que releva, é a convicção que o Tribunal forma perante as provas produzidas, como ocorreu no caso concreto, e não a convicção pessoal da Recorrente, nomeadamente quando apenas selecionam a prova que lhes interessa à defesa do seu ponto de vista.
20. Quanto ao ponto 4 dos factos provados, no seu depoimento, a testemunha BB, referiu expressamente que conhece a ora Recorrida tendo esta sido aluna da Universidade R. e, à posteriori, ter sido contratada em 2011 pelo Centro de História ... da Faculdade YY, centro que o Sr. … era diretor na época, para funções de secretariado e coordenação de secretariado, por forma a substituir uma outra pessoa que exercia as ditas funções.
21. Mais afirmou a testemunha BB, expressamente que foi a faculdade que tratou dos procedimentos administrativos relativos à dita contratação e que a antecedente proposta feita à aqui Recorrida vertia no sentido de promessa de celebração de contrato de trabalho.
22. O facto n.º 5 que o Tribunal a quo considerou como assente refere-se à celebração, em 2 de maio de 2012 de um contrato designado como “Contrato de Avença” entre a Autora e a Universidade XX, face à impossibilidade da celebração de um contrato de trabalho.
23. O Tribunal a quo formou a sua convicção com base, uma vez mais, nas declarações da testemunha BB que confirmou que tanto o contrato de avença como o contrato de bolsa celebrados com a Recorrida foram somente as soluções formais encontradas para manter o trabalho da Autora, uma vez que por questões inerentes à natureza da ré, não era possível celebrar contratos de trabalho
24. Ambos os factos dados como provados, 17 e 18, resultaram igualmente da não impugnação da matéria daí constante, motivo pelo qual não pode vir agora a R. tentar impugná-lo, uma vez que, conforme decorre dos artigos 573.º e 574.º do Código de Processo Civil, é na contestação que o R. deve concentrar toda a sua defesa, sob pena de ver precludido esse ónus – por ter perdido a oportunidade de deduzir a defesa por impugnação, ou seja, preclusão do ónus de impugnação.
25. Do facto 19, relativo ao direito de férias da A., o Tribunal a quo apurou o respetivo facto com base nas declarações da testemunha BB.
26. O Tribunal a quo deu como provado que a Autora sempre prestou as suas funções utilizando os equipamentos e instrumentos disponibilizados pela Ré e, fê-lo com base na falta de impugnação da Ré.
27. Alega a Recorrente que a ora Recorrida nunca especificou que instrumentos são esses, o que é manifestamente falso.
28. Quer a Recorrente fazer crer ao Tribunal ad quem que a aqui Recorrida, celebrando o contrato de prestação de serviços em 2015, apenas passou a exercer funções de atualização do website, mailling, newsletter e Facebook do Centro de História ... da Faculdade YY e criação, na base de dados da internet do Centro de História ... da Faculdade YY, de consultas e relatórios de produtividade científica para compreensão estatística e impacto da produtividade.
29. Não assiste qualquer razão e fundamento fáctico à Recorrente, porquanto, conforme bem andou o Tribunal a quo, o referido documento n.º 4 terá que ser necessariamente conjugado com o depoimento da testemunha BB que confirmou, de forma expressa e evidente, que o referido contrato de prestação de serviços celebrado com a A. era tão-só uma formalidade e que, na verdade, desde o início da relação laboral estabelecida entre a Recorrida e a Recorrente, a Recorrida sempre prestou as mesmas funções, pelo que estas sempre extravasaram, em muito, as de facto contidas nos respetivos contratos.
30. Invoca a Recorrente a necessidade de se aditar à matéria de facto, a matéria relativa à evolução da natureza jurídica da Ré, por, segundo o seu entendimento, importar para a boa decisão da causa.
31. Não se desconhece que as relações que levaram à aplicação do PREVPAP decorriam ao abrigo de vínculos muito diversificados, todavia, de acordo com o artigo 4.º e 5.º n.º 1 do referido EBI, “os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de trabalhador em funções públicas”, pelo que, é proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
32. Os contratos de prestação de serviços e de bolsa de investigação celebrados constituíram-se como que uma capa de legalidade a uma situação absolutamente ilegal
33. O programa PREVPAP, conforme resulta da análise do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017, nunca teve em vista a constituição de novas relações de trabalho, mas sim a mera regularização formal dos vínculos precários, aplicando a uma realidade que já existia no plano material o regime jurídico que lhe devia ter sido aplicado desde o início.
34. A relação estabelecida entre as partes, aqui Recorrente e Recorrida, desde 2 de janeiro de 2012 constitui uma verdadeira relação laboral e que, através do programa PREVPAP houve um reconhecimento da existência da respetiva laboralidade, isto é, não está aqui em causa, nem a constituição de um novo vínculo, nem a conversão de um vínculo já existente para outro, mas sim o reconhecimento de que a relação anterior correspondia já a uma relação laboral e, assim, devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, dada a clara existência de subordinação jurídica entre a Recorrida para com a Recorrente.
35. A reanálise da solução jurídica aplicada ao caso concreto deve prender-se, segundo cremos, com o estudo dos efeitos decorrentes da celebração de um contrato de trabalho entre A. e R., em resultado da regularização do vínculo contratual anteriormente estabelecido entre as partes, por força da aplicação do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), nos termos estabelecidos pela Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.
36. O PREVPAP tem o respetivo regime jurídico previsto na Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, e com ele pretendeu-se combater a precariedade no setor público, estratégia que foi definida no artigo 19.º n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016) e no artigo 25.º n.º 1 da Lei 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017).
37. O PREVPAP foi o mecanismo criado pelo Estado para combater a precariedade criada pelo próprio Estado, ao permitir a contratação com vínculo precário para satisfazer necessidades permanentes na Administração Central e Local e no setor empresarial do Estado.
38. Este programa de regularização dos vínculos precários dos colaboradores do Estado visou a eliminação progressiva do recurso ao trabalho precário como forma de colmatar necessidades de longa duração para que os serviços do Estado pudessem funcionar de forma regular.
39. Tratou-se de estender ao setor público o que já havia sido feito no setor privado, com a criação da ação com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, através da Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.
40. Sempre foi entendido que não estava em causa a constituição de um novo vínculo, mas o reconhecimento de que a relação anterior correspondia a uma relação laboral e devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, razão pela qual, o artigo 186.º-O n.º 8 do CPT determina que a sentença proferida nesta ação que reconheça a existência de um contrato de trabalho estabelece a data de início da relação laboral.
41. Com o PREVPAP visou-se o reconhecimento de que “as situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes” correspondam a uma relação laboral e a consequente regularização formal mediante a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou de um contrato individual de trabalho.
42. Para além de no artigo 13.º n.º 1 da Lei 112/2017 de 29 de dezembro, se prevenir o respeito pela antiguidade, o que não pode ter outro sentido senão que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo laboral, como se a anterior situação de facto não tivesse existido, o certo é que, para as entidades abrangidas pelo Código do Trabalho, consignou-se a obrigatoriedade de regularização formal da situação, mediante o reconhecimento “da existência de contrato de trabalho, nomeadamente, por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes” (artigo 14.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro).
43. Trata-se da mera regularização formal, fazendo a correspondência entre o vínculo que já existia anteriormente no plano de facto ao regime jurídico que deveria ter sido aplicado desde o início.
44. Da simples análise do artigo 14.º da Lei n.º 122/17, conforme anteriormente explicado, resulta, de forma clara e sem margem para dúvidas, que o legislador não visou, com o PREVPAP, a criação de novas relações de trabalho, mas antes a regularização das existentes, mesmo que formalmente a relação pré-existente não tivesse natureza laboral.
45. Caso assim fosse, não faria sentido que o legislador, no âmbito da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, tivesse usado as expressões “proceder imediatamente à regularização formal das situações” e “reconhecer”, e tivesse feito alusão à figura da presunção do contrato de trabalho, pois, por um lado, regularizar significa corrigir e somente se corrige uma situação já existente, tornando-a mais de acordo com uma determinada regra, e, por outro lado, só se aceita/assume uma situação que também já existe, e não algo que só existirá no futuro.
46. No artigo 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017 estabelece-se que, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho – como é o caso – as entidades ficam obrigadas a proceder imediatamente à regularização formal das situações, mediante o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente, por efeito da presunção de contrato de trabalho e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes.
47. No mencionado preceito legal, além de fazer alusão à figura da presunção do contrato de trabalho, o legislador socorreu-se da expressão reconhecer/reconhecimento, expressão essa que, conforme é consabido, significa, entre outros: admitir e aceitar.
48. É evidente que só se reconhece algo que já existe, isto é, uma vez que não é possível reconhecer uma realidade – contrato de trabalho – que só vai existir no futuro, e partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento – artigo 9.º do Código Civil – salvo o devido respeito, é manifesto que a intenção do legislador foi a de que a entidade reconheça (aceite, assuma) que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, se assim não fosse, ao invés de se ter socorrido da figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão reconhecer, o legislador teria certamente mencionado que a entidade estava obrigada a celebrar um contrato de trabalho sem termo, ou que o vínculo precário se convertia num contrato de trabalho sem termo!
49. No mencionado preceito legal, o legislador também se socorreu da palavra regularizar, o que é bem revelador de que com o PREVPAP visou-se apenas fazer uma correspondência entre a realidade material existente e o regime do contrato de trabalho, pois, caso contrário, não faria sentido que o legislador tivesse usado a mencionada expressão, na medida em que, regularizar significa corrigir e somente se corrige uma situação já existente, tornando-a mais de acordo com uma determinada regra.
50. Conforme resulta da leitura da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, o legislador distinguiu a regularização do vínculo precário através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou um contrato individual de trabalho.
51. Aplicando-se o artigo 12.º à regularização dos vínculos de trabalhadores de órgãos ou serviços da administração pública propriamente dita, aos quais é aplicável a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e às situações que implicam a celebração de um contrato individual de trabalho o disposto no artigo 14.º.
52. Resulta também expressamente do artigo 13.º da Lei n.º 112/2017, pelo que, dúvidas não existem que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo, nem para os trabalhadores integrados na Administração Pública em sentido estrito, nem para os trabalhadores integrados ao abrigo do artigo 14.º da Lei PREVPAP, mesmo quando a relação prévia não tinha formalmente natureza laboral.
53. O entendimento plasmado na decisão recorrida é o único que se revela coincidente com a letra da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, com o espírito do legislador, e com o princípio da unidade do sistema, pois, seria desprovido de qualquer sentido que as relações de trabalho precário regularizadas por força da Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, retroagissem ao momento em que se iniciou a prestação do trabalho precário, e as relações laborais regularizadas ao abrigo do PREVPAP apenas fossem consideradas como tal, isto é, apenas produzissem os efeitos de uma relação de trabalho, para o futuro.
54. Importa ter em conta os termos exatos em que a A., aqui Recorrida, definiu o pedido dirigido ao Tribunal e a sua causa da pedir que lhe subjaz.
55. A competência do Tribunal, enquanto pressuposto processual que é, se determina pelos termos em que o Autor formula o pedido, o “quid disputatum”, e apresenta a correspondente causa de pedir, devendo observar-se os elementos objetivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.) e subjetivos (identidade das partes) - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares Do Processo Civil, 1993, p. 88 e 91).
56. A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.02.1990 e de 09.05.1995, disponíveis em www.dgsi.pt.
57. A questão encontra-se uniformemente observada pelo Tribunal dos Conflitos, devendo considerar-se que a competência se determina tendo em conta os “termos da ação, tal como definidos pelo autor — objetivos, pedido e da causa de pedir, e subjetivos, respeitantes à identidade das partes” - Acórdãos de 28.09.2010, proc. n.º 023/09, de 20.09.2011, proc. n.º 03/11, de 10.07.2012, proc. nº 3/12, de 18.02.2019, proc. n.º 12/19, disponíveis em www.dgsi.pt.
58. Estamos perante, sem margem para dúvidas, um contrato celebrado ao abrigo do direito privado e não um contrato de trabalho em funções públicas.
59. A Recorrida fundamentou o seu pedido nos contratos celebrados e no princípio de igualdade de tratamento quanto ao nível retributivo com consequências no posicionamento remuneratório, jamais sendo colocados em causa os procedimentos que culminaram na celebração daqueles contratos.
60. As alegações de recurso apresentadas assentam, além do mais, na alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF, contudo, salvo o devido e merecido respeito, fá-lo apenas numa interpretação parcial, a qual convém os seus interesses, mas é corresponde à correta aplicação da lei.
61. A Constituição da República Portuguesa no artigo 211.º n.º 1 dispõe que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
62. Ao contrário dos Tribunais Judiciais, os Tribunais Administrativos e Fiscais têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas e a sua jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212.º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
63. O artigo 212.º, n.º 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, e no mesmo sentido dispõe o artigo 1.º, n.º 1 do ETAF dispõe que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”.
64. Encontramo-nos obrigados a recorrer as regras de interpretação e aplicação da lei por forma a compreender o sentido e alcance das referidas disposições sobre competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
65. Extrai-se que os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º concretizam as questões que devem ser julgadas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, os n.ºs 2 e 3 encerram exceções à competência destes Tribunais.
66. Mesmo que a alínea e), n.º 1, artigo 4.º do ETAF inclua na jurisdição administrativa a “interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”, a verdade é que a alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo exclui expressamente a “apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público” (sublinhado nosso).
67. A única interpretação que se poderá extrair é que não cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais dirimir litígios decorrentes de contratos de trabalho, salvo quando estejamos perante contratos em funções públicas, o que manifestamente não é o caso!
68. Dúvidas inexistem que o presente litígio apenas poderá ter cabimento na alínea b) 1.ª parte do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF a qual se refere a litígios decorrentes de contratos de trabalho.
69. O que ainda se impõe averiguar é se o litígio em causa é emergente do vínculo de emprego público, caso em que a competência regressa à alçada dos Tribunais Administrativos e Fiscais (alínea b) 2.ª parte do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF).
70. A Recorrente é uma fundação pública que se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal, podendo, por isso, admitir pessoal em regime de direito privado.
71. O que está em causa nos presentes autos é um litígio decorrente de um contrato de trabalho em regime do direito privado, celebrado no âmbito das competências da Recorrente, e não uma relação jurídica administrativa, nem tampouco um contrato individual de trabalho da Administração Pública, ou ainda um contrato de trabalho em funções públicas.
72. O que se pretende é que a R., na qualidade de empregadora, cumpra o disposto no seu Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho, bem como no Código do Trabalho, dúvidas não existem de que não é a jurisdição administrativa competente para apreciar e decidir todos os pedidos formulados pela A.
73. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.”.
74. No âmbito do procedimento de formação dos contratos de trabalho sob discussão seguindo o Regulamento n.º 449/2009 de 17 de novembro, a Recorrente não se encontrava a atuar no âmbito da sua veste pública, ou seja, com ius imperium, consubstanciando o ato de contratação e formação do contrato, irrefutavelmente, um ato de gestão privada ao abrigo do exercício de poderes privados.
75. Vem a Recorrente ainda invocar uma interpretação no mínimo inventiva da alínea b), n.º 4 do artigo 4.º do ETAF, dizendo que na medida em que a Recorrida vem invocar normas aplicáveis aos vínculos de emprego público, tal confere competência à jurisdição administrativa nos termos da parte final daquele preceito.
76. O artigo 4.º, n.º 4, aliena b) do ETAF determina que apenas os litígios emergentes do vínculo de emprego público devem ser da competência da jurisdição administrativa, não havendo margem para contrariar a sua letra.
77. A exceção da 2.ª parte do referido preceito apenas abrange as situações em que as partes estejam vinculada por emprego público e não qualquer caso, desde que se invoque no litígio normas aplicáveis àqueles vínculos, nomeadamente Lei geral do trabalho em funções públicas, conforme defende a Recorrente.
78. A alegação da Recorrente viola manifestamente as regras de interpretação as normas jurídicas, às quais já nos referimos, ignorando o elemento mais importante - a letra da lei - pelo que deve também improceder o seu fundamento na 2.ª parte da alínea b), n.º 4 do artigo 4.º do ETAF!
79. Não se desconhece que as relações que levaram à aplicação do PREVPAP decorriam ao abrigo de vínculos muito diversificados; uns de natureza laboral, como sucedia quando as funções anteriores eram exercidas formalmente ao abrigo de contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo certo, contratos de utilização de trabalho temporário ou outros contratos laborais (artigo 14.º n.º 1 c) e d)); e outros sem natureza laboral, como acontecia quando as funções eram exercidas ao abrigo de contratos de bolsa ou de prestação de serviços (artigo 14.º n.º 1 b)).
80. Não se vislumbra como poderia ter sido aplicada outra solução de Direito ao caso concreto, nomeadamente, a de considerar que os vínculos prévios à regularização operada ao abrigo do PREVPAP consubstanciavam um contrato de bolsa de investigação.
81. O nomem iuris que as partes possam dar a um contrato não pode, de per se, alicerçar a conclusão de que se está, de facto, perante um contrato de trabalho ou um contrato de bolsa de investigação, sendo necessário proceder-se a análise da situação concreta e a conjugação dos elementos factuais provados.
82. Só o conjunto do acervo fáctico provado, aferido caso a caso, permite, com rigor, concluir, no sentido da qualificação do contrato como de trabalho ou de bolsa de investigação, pelo que, reitera-se, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que entre as partes existiu, desde 2 de janeiro de 2012, uma relação de natureza laboral.
83. O reconhecimento da existência de um contrato de trabalho é feito mediante o preenchimento dos requisitos do artigo 12.º do Código de Trabalho.
84. Os contratos de bolsa, regem-se pelo Estatuto do Bolseiro de Investigação (adiante EBI), aprovado pela Lei n.º 40/2004, de 18 de agosto, sendo celebrados entre uma entidade de acolhimento / financiadora (de natureza pública ou privada) e um beneficiário (bolseiro), destinando-se a financiar a realização, por este, num período de tempo limitado, de atividades de natureza científica, tecnológica e formativa, em regime de dedicação exclusiva, com um objeto e segundo um plano previamente definidos, sob a supervisão de um orientador científico.
85. De acordo com o artigo 4.º e 5.º n.º 1 do referido EBI, “os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de trabalhador em funções públicas”, pelo que, é proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
86. Os contratos de bolsa estão sujeitos a Regulamentos próprios, emanados pela entidade de acolhimento e dependentes de aprovação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., onde devem constar, além do mais, a descrição do tipo, fins, objeto e duração da bolsa, incluindo os objetivos a atingir pelo candidato; as componentes financeiras, periodicidade e modo de pagamento da bolsa, e os termos e condições de renovação da bolsa, se a ela houver lugar – artigo 6.º n.º 1 alíneas a), b) e e) do Estatuto do Bolseiro de Investigação.
87. Perante a multiplicidade de situações práticas que podem surgir, nem sempre é fácil caracterizar um contrato como sendo de trabalho, ou seja, nem sempre é fácil apreender a existência ou não da subordinação jurídica que lhe é característica, pelo que, como é consabido, é usual o recurso a métodos indiciários, previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho.
88. A factualidade é bastante para que se dê por verificada a presunção da existência de contrato de trabalho, por se mostrarem preenchidas, em concreto, as circunstâncias previstas nas alíneas a) – a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, b) – os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade, c) – o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma e d) – seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma, do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
89. Presunção essa que a Recorrente não logrou definitivamente afastar, pois, apesar de poderem ter sido observados os trâmites formais inerentes à elaboração, prossecução e renovação dos contratos de prestação de serviços e de bolsa de investigação – o que ocorreu para dar uma capa de legalidade a uma situação absolutamente ilegal – o certo é que, ficou provado que materialmente, factualmente, no dia-a-dia, a atividade desenvolvida e a forma como a mesma era levada a cabo não era compatível com um contrato de prestação de serviços, nem com um contrato de investigação.
90. A Recorrida exercia sempre as mesmas funções, fazendo-o nas instalações do Centro de História ... da Faculdade YY.
91. O local de trabalho é indicativo da subordinação do trabalhador porquanto este desenvolve a sua atividade em instalações predispostas pelo seu empregador, ao passo que o desenvolvimento da atividade laborativa em instalações próprias denuncia uma certa autonomia do prestador, na medida em que, num local de trabalho fisicamente distante do empregador, é menos fácil o controlo direto do credor sobre a execução da prestação.
92. Analisando as funções exercidas pela Recorrida que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, consubstanciam muito além de “apoio administrativo” (ponto 17 factos provados), facilmente nos apercebemos que dizem respeito a atividades facilmente executadas fora das instalações da Universidade XX e que, dada a existente relação de subordinação jurídica entre a Recorrente e a Recorrida, eram e sempre foram exercidas em local pertencente à beneficiária Universidade XX, ficando, assim, provada a verificação da alínea a), do número 1, do artigo 12.º do Código do Trabalho.
93. Foram especificados os instrumentos de trabalho que a Recorrida utilizava e utiliza em sede de depoimento de testemunha, e dadas as funções exercidas pela A., notório é que, referem-se a instrumentos típicos de trabalho desenvolvido em escritório, como, por exemplo, o computador e telefone.
94. Por forma a preencher o requisito de presunção de laboralidade constante na alínea b) do preceito legal em apreço, tal especificação não é necessária. Importa ter, sim, em consideração que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela Recorrida pertencem efetivamente à Universidade XX e, nessa perspetiva, temos em vista a verificação da alínea b), do número 1, do artigo 12.º do Código de Trabalho.
95. A. vem “cumprindo um horário de trabalho de funcionamento daquela das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30”.
96. A alínea d) do preceito em referência apenas exige que “seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma”, pelo que, pouco ou nada importa que o valor efetivamente auferido pela Recorrida não fosse constante e sofresse aumentos – como é legítimo.
97. A retribuição recebida pela A. era certa e paga todos os meses e no mesmo dia e afigurava-se como contrapartida da atividade laboral exercida pela Recorrida e, nesta medida, encontra-se, mais uma vez, verificado o requisito constante na alínea d), do número 1, do artigo 12.º do Código de Trabalho.
98. Embora do EBI se imponha ao bolseiro o desempenho de funções em regime de exclusividade e em cumprimento do plano de atividades acordado e das regras de funcionamento da entidade de acolhimento, a verdade é que, compete ao orientador científico, e não à entidade de acolhimento, supervisionar a atividade desenvolvida pelo bolseiro e garantir a sua afetação exclusiva ao cumprimento do plano de trabalhos, competindo apenas à entidade de acolhimento acompanhar e fornecer o apoio técnico e logístico necessário ao cumprimento do plano de atividades e proceder à avaliação do desempenho do bolseiro.
99. Não se descortina que possa ser imposto ao bolseiro um horário de trabalho ou possam ser extraídas consequências da falta de assiduidade e pontualidade, na medida em que, isso excede o controlo do cumprimento do plano de trabalhos, o qual deve, pela própria natureza dos contratos de bolsa, ser prosseguido com autonomia necessária aos cumprimentos dos objetivos definidos em conjunto com o orientador científico.
100. Não se afigura razoável entender que as competências de acompanhamento e avaliação reconhecidas às entidades de acolhimento, possam abranger poderes próprios de um empregador, nomeadamente, o poder de emitir instruções ou regras sobre a organização e disciplina do trabalho, como sucedia no caso concreto, conforme ficou provado!
101. Ficou provado nestes autos que a Recorrida desempenhou sempre as mesmas funções, as quais, a Universidade XX sempre precisou que fossem desempenhadas, pelo que, dúvidas não existem de que a atividade levada a cabo pela Recorrida supriu necessidades permanentes da Recorrente e, consequentemente, que o contrato existente entre as partes, apesar de denominado como tal, nunca foi um contrato de bolsa.
102. O EBI impede o recurso ao contrato de bolsa para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.
103. As funções que foram desempenhadas pela A. Recorrida extravasam claramente os fins dos contratos de bolsa de gestão de ciência e tecnologia, os quais se destinam a licenciados mestres ou doutores, com vista a proporcionar formação complementar em gestão de programas de ciência, tecnologia e inovação, ou formação na observação e monitorização do sistema científico e tenológico ou do ensino superior, e ainda para obterem formação em instituições relevantes para o sistema científico e tecnológico nacional de reconhecida qualidade e adequada dimensão, em Portugal ou no estrangeiro.
104. A natureza laboral da relação estabelecida entre as partes foi já reconhecida pela CAB, no parecer que emitiu, razão pela qual, foi proposta por aquela Comissão a regularização do vínculo, mediante o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, e, ainda pela própria Recorrente, pois, conforme já se referiu, além de ter reconhecido que aquelas funções concorriam para a satisfação de necessidades permanentes da Universidade XX, notificou a Recorrida para proceder à assinatura de contrato de trabalho sem termo, ao abrigo do referido PREVPAP.
105. Como resulta da análise do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017, nunca teve em vista a constituição de novas relações de trabalho, mas sim a mera regularização formal dos vínculos precários, aplicando a uma realidade que já existia no plano material o regime jurídico que lhe devia ter sido aplicado desde o início.
106. Não estamos perante uma conversão de um contrato de atribuição de bolsa a contrato de trabalho, porquanto, a relação estabelecida entre as partes, aqui Recorrente e Recorrida, desde 2 de janeiro de 2012 constitui uma verdadeira relação laboral e que, através do programa PREVPAP houve um reconhecimento da existência da respetiva laboralidade, isto é, conforme anteriormente mencionado, não está aqui em causa, nem a constituição de um novo vínculo, nem a conversão de um vínculo já existente para outro, mas sim o reconhecimento de que a relação anterior correspondia já a uma relação laboral e, assim, devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, dada a clara existência de subordinação jurídica entre a Recorrida para com a Recorrente.
107. Estabeleceu-se no artigo 25.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017 que, no âmbito da estratégia de combate à precariedade supra referida, e na sequência do levantamento dos instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado, o Governo teria de apresentar à Assembleia da República até ao final do primeiro trimestre de 2017 um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública para as situações do pessoal que desempenhava funções que correspondiam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção, e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico.
108. No âmbito da estratégia plurianual de combate à precariedade, prevista no artigo 19.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, procedeu-se, numa primeira fase, ao levantamento de todos os instrumentos de contratação utilizados na Administração Pública e no Setor Empresarial do Estado, estratégia essa, mais tarde explicitada pelo artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que foi orientada pelo programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, o qual, abrange as situações do pessoal da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado que desempenha funções correspondentes a necessidades permanentes, de forma coincidente com uma relação de trabalho.
109. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro, estabeleceu, entre outras, as regras a que devia obedecer a avaliação dos requisitos de acesso ao referido programa de regularização dos vínculos precários, a realizar por comissões criadas no âmbito de cada área governativa, com participação de representantes sindicais, e que podia ser desencadeada por solicitação dos trabalhadores, as quais, constaram inicialmente da Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio.
110. Resulta claro que a apreciação das situações de exercício efetivo de funções que correspondem a necessidades permanentes é feita com apelo à verificação das características descritas no artigo 12.º do Código do Trabalho que legitimam a presunção do contrato de trabalho, pelo que, dúvidas não existem de que o que a aludida Portaria “veio regular é precisamente a matéria que a Lei 63/2013, de 27.08 atribuiu aos Tribunais de Trabalho” – neste sentido vide Acórdão da Relação de Coimbra de 19.01.2018 – processo n.º 1020/17.1T8GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
111. Na análise do regime do PREVPAP e das medidas introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, resulta que a ratio dos dois regimes é a mesma – acabar com a precariedade laboral – e que a apreciação da existência de uma relação laboral oculta é feita mediante o preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, isto é, os que permitem presumir a existência de uma relação de trabalho.
112. Resulta claro que a intenção do legislador não foi o de fazer nascer uma nova relação laboral, mas sim impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer (assumir, aceitar) que a relação prévia àquela regularização já tinha natureza laboral, pois, caso contrário, ao invés de ter utilizado a expressão reconhecer, teria certamente dito que os vínculos precários se convertiam, a partir do momento da regularização, em contratos de trabalho, ou que as entidades estavam obrigados a proceder imediatamente à regularização do vínculo, celebrando, para o efeito, contratos de trabalho.
113. Ao socorrer-se da expressão reconhecer, o legislador quis claramente que o tempo de exercício de funções anterior à regularização do vínculo fosse considerado um contrato de trabalho.
114. O respeito pela antiguidade, resulta também expressamente do artigo 13.º da Lei 112/2017, pelo que, dúvidas não existem que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo, nem para os trabalhadores integrados na Administração Pública em sentido estrito, nem para os trabalhadores integrados ao abrigo do artigo 14.º da Lei PREVPAP.
115. O Erudito Tribunal andou bem ao proferir tal decisão, pois, contrariamente ao que a Recorrente invoca nas alegações de recurso a que respondemos, da interpretação da Lei PREVPAP resulta claro que a antiguidade reconhecida à Recorrida é equiparada à existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade.
116. Da interpretação da Lei PREVPAP resulta claramente que a antiguidade reconhecida à Recorrida é equiparada à existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade e, desse modo, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 14.º n.º 3 desse diploma legal, norma que proíbe que o trabalhador seja, injustificadamente, colocado numa situação mais desvantajosa do que aquela que detinha antes da regularização do vínculo precário, tem apoio na letra da norma, e no próprio regime, na medida em que, havendo antiguidade a reconhecer, também existe retribuição a considerar.
117. Não se desconhece que as relações que levaram à aplicação do PREVPAP decorriam ao abrigo de vínculos muito diversificados; uns de natureza laboral, como sucedia quando as funções anteriores eram exercidas formalmente ao abrigo de contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo certo, contratos de utilização de trabalho temporário ou outros contratos laborais (artigo 14.º n.º 1 c) e d)); e outros sem natureza laboral, como acontecia quando as funções eram exercidas ao abrigo de contratos de bolsa ou de prestação de serviços (artigo 14.º n.º 1 b)).
118. Aceita-se que as situações em que o vínculo anterior não tinha (formalmente) natureza laboral foram reguladas ao abrigo do artigo 14.º n.º 3 do diploma legal em apreço.
119. Essa diferença de regime não se justifica pelo facto de não existir qualquer comando legal que imponha o reconhecimento de antiguidade, mas sim pela circunstância de, nestas situações, (em que o vínculo pré-existente não tinha natureza laboral) a conversão automática das quantias recebidas pelos falsos prestadores de serviços ou bolseiros na retribuição que lhes passava a ser paga no âmbito do contrato de trabalho celebrado para a regularização formal do vínculo, poder gerar situações de discriminação ou diferenciação injustificada com o pagamento de um montante que tinha sido determinado segundo critérios muito distintos e que podia ser diferente do que era pago a outros trabalhadores que prestavam as mesmas funções.
120. Na concretização do critério previsto no n.º 3 do artigo em análise devem estar presentes os interesses que o mesmo pretendeu conciliar na Lei n.º 112/2017, que são a necessidade de acautelar a situação anterior dos trabalhadores, não podendo admitir-se que acabem prejudicados, ficando numa situação pior do que aquela em que se encontravam, e o respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, não podendo criar-se disparidades ou diferenciações entre trabalhadores nas mesmas condições.
121. A retribuição da A. foi determinada pelo Regulamento n.º 40/2019, de 21 de dezembro de 2018 que estabeleceu a seguinte fórmula de cálculo: a retribuição base mensal foi determinada de acordo com o valor mensal que a trabalhadora auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas.
122. Essa fórmula, conforme entendeu o Tribunal a quo, não respeita o critério estabelecido no artigo 14.º n.º 3, da Lei n.º 112/2017, pois, a R. deveria ter tomado em consideração o valor que a A. recebia no momento da regularização do vínculo, o que se traduz numa diminuição da retribuição que não era permitida, pois, como já se disse, o legislador estabeleceu o respeito pela antiguidade, o que significa que não pretendeu a criação de um novo vínculo, como se a anterior situação de facto não tivesse existido.
123. A R. decidiu que a retribuição da A. era calculada multiplicando a quantia que recebia mensalmente como bolseira por doze e dividindo o resultado por catorze.
124. O que está em causa uma diminuição da retribuição que não é admitida, pois, a opção das universidades pelo regime do contrato individual de trabalho nas relações laborais implica o seu acolhimento na totalidade, não podendo ser criado um modelo alternativo em que, com fundamento na natureza pública da fundação ou na prossecução do interesse público, os aspetos considerados desvantajosos ou prejudiciais são substituídos por outros, designadamente através da utilização de instrumentos de natureza administrativa.
125. Os subsídios de férias e de Natal correspondem a montantes que acrescem à retribuição, não sendo permitida a sua dedução nas quantias que são pagas ao trabalhador, o que consiste numa contraordenação, dúvidas não existem de que ao estabelecer que a retribuição mensal correspondia ao valor anterior multiplicado por doze e dividido por catorze, o resultado do Regulamento n.º 40/2019, foi que o valor dos subsídios que entretanto seriam pagos não acrescia à retribuição e era afinal deduzido nesta, uma vez que os trabalhadores passavam a receber os subsídios de férias e Natal, mas, simultaneamente, recebiam mensalmente a menos o valor que correspondia a estes subsídios.
126. Não é minimamente defensável que, apesar de estar preocupado com a precariedade laboral, o legislador não tenha querido acautelar a situação anterior dos trabalhadores, isto é, que a solução por si contemplada permita que os trabalhadores, após a regularização do vínculo, fiquem numa situação pior do que a anterior, o que, sucedia caso a pretensão da Recorrente fosse procedente!
127. O que o legislador pretendeu acautelar, através do regime previsto no artigo 14.º n.º 3, foi a que se gerassem situações de desigualdade, situações essas que a Recorrente não fez qualquer prova de terem sucedido.
128. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que, quando fixou a retribuição da A. em montante inferior ao que aquela auferia em momento prévio, a Universidade XX reduziu injustificadamente a retribuição da Recorrida, o que não era permitido pela Lei n.º 112/2017.
129. A obrigação de pagamento do subsídio de férias e Natal resulta de norma imperativa, não poderia o Tribunal a quo ter concluído noutro sentido, que não o de também condenar a Recorrente no pagamento dos aludidos subsídios em falta.
130. Mesmo que não tivesse sido criado o PREVPAP, programa de combate à precariedade laboral, atenta a matéria de facto considerada provada nos presentes autos, sempre se imporia ao Tribunal a quo a condenação da Recorrente no pagamento dos referidos subsídios.
131. A Recorrente mesmo tendo limites à contratação de trabalhadores sem lançamento de um concurso, considerando-se nulos os contratos celebrados sem obediência de tal formalismo, o certo é que, os efeitos da nulidade impunham igualmente à recorrente que pagasse à Recorrida os referidos subsídios de férias e natal, uma vez que, o artigo 122.º do Código do Trabalho determina que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.
132. Tendo sido iniciado o contrato de trabalho em 2012, deverá manter-se igualmente a decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria, na medida em que, reitera-se, através do PREVPAP não se visou a criação de novas relações de trabalho, mas sim a mera regularização formal das relações já existentes no plano material, aplicando-se às mesmas o regime jurídico que lhe devia ter sido aplicado desde o início.
133. Atento o que se deixa alegado, e atenta a matéria dada como provada nos presentes autos, o Tribunal a quo não podia ter aplicado outra solução de Direito ao caso concreto que não fosse a constante na sentença recorrida.”
1.4. Foi deferida a pretendida rectificação de erros de escrita contidos no facto 31. e na p. 37 da fundamentação da sentença (vide o despacho de fls. 289 e verso que rectificou o facto 31. nos termos pedidos e, quanto à referência na p. 37 à cláusula 6.ª, a rectificou determinando a sua substituição pela referência à cláusula 4.ª).
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito suspensivo, atenta a caução prestada. A Mma. Juiz a quo pronunciou-se aí quanto à nulidade invocada, expressando que a sentença dela não padece.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se em douto Parecer no sentido de que se deve confirmar a decisão sob sindicância e declarar improcedente o recurso.
Apenas a R., recorrente se pronunciou quanto a tal Parecer, dele discordando.
Colhidos os vistos, e no âmbito da discussão da decisão final da apelação, prefigurou-se como perspectiva jurídica possível (cfr. o artigo 5.º, n.º 3 do CPC) a da aplicação do regime da convalidação do contrato de trabalho previsto no artigo 125.º do Código do Trabalho em consequência, por um lado, da alteração da natureza jurídica da recorrente para fundação pública de direito privado com efeitos a 14 de Julho de 2017 e, por outro, do facto de a recorrente ter regularizado o vínculo precário que mantinha com a recorrida ao abrigo do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP) em Novembro de 2019.
Foram ouvidas as partes sobre esta perspectiva jurídica, previamente à prolação da decisão final da apelação nos termos prescritos no artigo 3.º do Código de Processo Civil, vindo ambas a pronunciar-se nos termos que constam de fls. 341-342-, a recorrida, e de fls. 343-345, a recorrente.
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Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da correcção de erros materiais;
2.ª – da nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil;
3.ª – da impugnação da decisão de facto quanto aos pontos 4., 5., 17., 18., 19., 29. e 31. dos factos provados;
4.ª – saber se deve ser aditado à decisão, por alegado nos artigos 7.º, 8.º, 21.º e 22.º da contestação e se encontrar assente, o seguinte: a. Antes da sua transformação em fundação pública com regime de direito privado, a Ré configurava-se como pessoa coletiva de direito público, nos termos e para os efeitos do Despacho Normativo n.º 42/2008, de 18 de agosto. b. Estava vedado à Ré, antes de 14/07/2017, estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado;
5.ª – da incompetência material dos Juízos do Trabalho para reconhecer um contrato de trabalho entre as partes antes de 14 de Julho de 2017;
6.ª – da verificação da presunção da existência de contrato de trabalho e da data do seu início;
7.ª – da ilegalidade do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre as partes (antes de 14 de Julho de 2017 por violar o regime jurídico imperativo aplicável à recorrente, por o contrato de atribuição de bolsa impedir a aquisição da qualidade de trabalhador em funções públicas e, também, por do procedimento do PREVPAP não resultar o reconhecimento de uma relação laboral pré-existente, ao menos no período anterior a 1 de Janeiro de 2017);
8.ª – da nulidade das cláusulas 1.ª (não 6.ª) e 4.ª do contrato subscrito em 14 de Outubro de 2019 com efeitos a de 1 de Novembro de 2019, o que implica a análise da sub-questão dos efeitos do reconhecimento de um contrato de trabalho nulo antes de 1 de Novembro de 2019 no que concerne à antiguidade, à retribuição e aos subsídios de férias e de Natal.
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3. Dos erros materiais
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A recorrente sinalizou na apelação a existência de erros materiais na descrição do facto 31. e na p. 37 da sentença, pedindo a sua correcção.
Apesar de ter sido emitido o despacho rectificativo de fls. 287, esta questão não pode deixar de ser por nós conhecida no que concerne ao erro detectado na p. 37 da sentença, que persiste e que urge corrigir nos termos dos artigos 614.º do Código de Processo Civil e 249.º do Código Civil.
Com efeito, a recorrente invoca, quanto a este aspecto, que na fundamentação da sentença, o Tribunal concluiu na p. 37 “pela nulidade do segmento da cláusula sexta, por violação de normas imperativas”, mas que a sentença não se pretendia referir à cláusula sexta, respeitante ao período normal de trabalho e horário de trabalho, pois essa cláusula não se encontrava em discussão nos presentes autos, tendo, possivelmente o tribunal confundindo com a cláusula quarta a que se referia o Acórdão que cita na fundamentação.
A Mma. Juiz a quo, reconhecendo haver um erro, procedeu à correcção da sentença fazendo constar no indicado segmento da p. 37 a referência à cláusula 4.ª do contrato subscrito pelas partes em 2019, como pedido.
Ora resulta claramente do texto da sentença que a cláusula do “contrato de trabalho por tempo indeterminado” junto a fls. 65 verso a 68 que se pretendia referenciar no segmento assinalado da p. 37 era a cláusula 1.ª (“Início e Duração”), na qual se dispôs que “[o] presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 01/11/2019 (…)” e não a cláusula 4.ª (“Retribuição”), a que a sentença dedica depois a sua atenção na p. 38.
Com efeito, antes de incidir a sua decisão sobre estas duas questões que se suscitavam na acção (início da duração do contrato e retribuição devida), a sentença alude a jurisprudência dos tribunais superiores, finalizando essa referência com a seguinte transcrição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2023.03.08 (que, aliás, repete):
E é inquestionável a afirmação do acórdão recorrido de que estão feridos de nulidade quer o segmento da cláusula 1.ª referente à data do início do contrato, por ir contra normas imperativas do PREVPAP, quer o segmento da cláusula 4ª que fixou em (…) a remuneração mensal ilíquida da A., por violar o principio da irredutibilidade da retribuição.”
Logo após, no segmento em análise da p. 37, a Mma. Juiz a quo afirma o seguinte:
“No caso concreto, visando o PREVPAP o reconhecimento de uma situação pré-existente a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em ???? e não como se refere no contrato.
Tal como nos arestos citados se conclui pela nulidade do segmento da cláusula sexta, por violação de normas imperativas do PREVPAP.
Atento os factos provados acima descritos e o disposto no artigo 12.º CT (sendo certo que a ré não ilidiu a presunção de qualquer dos indícios), a 2 de Janeiro de 2012.” [sublinhados nossos]
Aliás, a recorrente bem entende que a sentença no excerto referido incide a sua apreciação sobre a data do início do contrato referida na cláusula 1.ª do contrato de trabalho (não sobre a cláusula 6.ª), na medida em que impugna a sentença também partindo desse pressuposto, como se constata da salvaguarda expressa na conclusão 25.ª.
E na verdade, não só a referência à cláusula 1.ª e à data do início do contrato é consentânea com a jurisprudência antes citada (que versa sobre as cláusulas relativas à data do início do contrato, por um lado, e à retribuição, por outro), como o segmento do texto em que se inclui se reporta à data do início do contrato, como, ainda, a sentença vem a incidir especificamente a atenção sobre a cláusula 4.ª no segmento seguinte dedicado à retribuição – quanto a ela referindo expressamente a sentença, após indicar o regime jurídico que reputou pertinente, que “(…) a autora tem direito à retribuição peticionada de € 1.494,65, a que acrescem nos termos dos artigos 263.º e 264.º CT, os subsídios de férias e de Natal desde o inicio da relação de trabalho subordinado e que não foram pagos. Considerando que estamos perante direitos indisponíveis, também o segmento da cláusula quarta, que fixa a remuneração da autora em € 1.281,13, padece de nulidade” (p. 38 da sentença) –, como, finalmente, o próprio dispositivo da sentença apenas se compreende como consequência lógica da declaração de nulidade da cláusula 1.ª relativa à data de 1 de Novembro e 2019 como a do início do contrato e com a fixação deste em 02 de Janeiro de 2012 (vide os pontos 1. e 2. do dispositivo).
Para além desta referência errónea à cláusula 6.ª (relativa ao período normal e horário de trabalho, aspectos substantivos inquestionados na acção) que a Mma. Juiz a quo admitiu verificar-se no despacho de fls. 289, não podemos deixar de salientar a incompreensível inclusão na sentença de quatro pontos de interrogação na primeira frase indicada, bem como incorrecção da construção frásica da última, que a torna dificilmente compreensível.
Seja como for, é para nós claro – bem como coerente com a matéria de facto antes referenciada – que neste segmento da sentença a Mma. Juiz a quo pretendia fazer referência à data do início da relação laboral, situando-a em 02 de Janeiro de 2012 (em vez dos pontos de interrogação), bem como, em coerência, afirmar a nulidade da cláusula 1.ª (relativa ao “Início e Duração”), do contrato subscrito no âmbito do PREVPAP, que situou o início da relação laboral em data distinta de 02 de Janeiro de 2012.
Assim, considerando que os indicados erros materiais ressaltam evidentes do texto da sentença, determina-se que a fls. 195 (p. 37 da sentença):
- onde se lê “(…) a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em ???? e não como se refere no contrato”, deve ler-se “(…) a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em 02 de Janeiro de 2012 e não como se refere no contrato”;
- onde se lê “Tal como nos arestos citados se conclui pela nulidade do segmento da cláusula sexta, por violação de normas imperativas do PREVPAP”, deve ler-se “Tal como nos arestos citados se conclui pela nulidade do segmento da cláusula primeira, por violação de normas imperativas do PREVPAP”, neste segmento se corrigindo também o despacho rectificativo de fls. 289 e verso.
*
4. Das nulidades
(…)
5. Fundamentação de facto
*
5.1. Da impugnação da matéria de facto
*
(…)
*
5.2. A matéria de facto apurada
*
Tendo em consideração a decisão de facto da 1.ª instância e os termos em que neste Tribunal da Relação foram introduzidas alterações à mesma, são os seguintes os factos materiais a atender para a decisão jurídica do pleito:
1. Eliminado
2. Eliminado
3. A Universidade aqui ré, integra unidades orgânicas, entre as quais se encontra a Faculdade YY.
4. Com a promessa da celebração de um contrato de trabalho, a autora começou a desempenhar funções de Assessora da Direcção, no Centro de História ... da Faculdade YY em 2 de Janeiro de 2012, sendo-lhe mais tarde sugerida a regularização formal do vínculo ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
5. Vindo em 2 de Maio de 2012, a Faculdade YY da Universidade XX e a autora a subscrever o escrito designado por “Contrato de Avença”, junto a fls. 12 verso e 13 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte:
“-PRIMEIRA: O segundo outorgante obriga-se, em regime de trabalho não subordinado e sob a forma de contrato de avença, a prestar serviços, no Centro de História ... da Faculdade YY e a executar as seguintes tarefas:
. Coordenação da equipa administrativa do Centro;
. Acompanhamento e coordenação das atividades gerais de investigação do Centro;
. Articulação entre a Direção e os investigadores;
. Representação do Centro de História ... da Faculdade YY em contactos com instituições e individualidade externas.
-SEGUNDA: O primeiro outorgante facultará ao segundo outorgante os meios necessários ao desempenho das suas tarefas e o local da prestação de serviço será na ...;
-TERCEIRA: Os representantes do primeiro outorgante obrigam-se a pagar ao segundo a remuneração mensal de 1.794,00 € (mil setecentos e noventa e quatro euros), a título de honorários pelos serviços prestados, acrescidos de IVA à taxa legal, se ao mesmo houver lugar, de acordo com as regras de processamento das despesas da Contabilidade Pública;
-QUARTA: A prestação de serviços objeto do presente contrato terá a duração de oito meses, no ano económico de 2012, correspondendo a uma despesa global de 14.352,00 (catorze mil trezentos e cinquenta e dois euros), na dotação orçamental da classificação económica 01.01.07, enquanto durar o presente contrato;
-QUINTA: O presente contrato produzirá efeitos a partir de 02 de maio de 2012, data que será considerada como início de atividade para efeitos de IRS e de IVA e terá a duração de 8 meses, tendo presente o condicionalismo imposto pelo n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro;
-SEXTA: O presente contrato poderá ser denunciado por qualquer das partes, com aviso prévio de sessenta dias e sem obrigação de indemnização.
(…).”
6. O contrato acima referido foi sucessiva e ininterruptamente renovado até Abril de 2015.
7. Em 1 de Junho de 2015, Faculdade YY da Universidade XX e autora, subscreveram o escrito designado por “Contrato de Atribuição de Bolsa”, junto a fls. 13 verso e 14 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte:
“I.
A entidade acolhedora concede ao bolseiro uma BOLSA DE GESTÃO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, tal como definida e enquadrada no artigo 9º do Regulamento de Bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia, nº 326/2013, publicado na 2ª série do Diário da República, nº 164, de 27 de agosto.
II.
A referida bolsa destina-se a financiar o desenvolvimento, pelo bolseiro, sob a orientação científica da Professor Doutor BB, e nos locais a definir pela entidade acolhedora, do seguinte plano de trabalhos, no âmbito do projeto… , designado Centro de História ... da Faculdade YY:
- Assessoria da Direcção da Equipa de Gestão.
- Gestão da implementação do projecto estratégico do Centro de História ... da Faculdade YY: acompanhamento das actividades (científicas, formativas e culturais), projectos de investigação, bolsas, contratos de doutorados e consultores. Apoio ao trabalho de gestão do Centro de História ... da Faculdade YY.
- Articulação entre investigadores e Direcção. Apoio a candidaturas a programas de financiamento à investigação, nacionais e internacionais. Apoio à gestão das carteiras científicas dos investigadores.
- Identificação de oportunidades de trabalho e financiamento.
- Elaboração de relatórios científicos e planos de actividades do Centro de História ... da Faculdade YY.
- Gestão das relações externas do Centro: consolidação da projecção internacional e da cooperação institucional.
- Articulação com os serviços centrais da Faculdade YY, nomeadamente na área de apoio à investigação.
III.
O referido projeto é financiado pela FUNDAÇÃO PARA CIÊNCIA E TECNOLOGIA / MINISTÉRIO DA EDUICAÇÃO E CIÊNCIA.
IV.
A bolsa consiste no pagamento de um subsídio mensal no valor de € 1480,00 (mil quatrocentos e oitenta euros).
V.
A bolsa tem início em 01 de junho de 2015 e término em 31 de maio de 2016, sendo renovável por 5 períodos adicionais de 12 meses cada, não podendo, no entanto, totalizar uma duração superior a 72 meses, sem prejuízo do disposto no artigo 17º da Lei nº 40/2004, de 18 de agosto, na redação atual, e da sua cessação automática com a insuficiência de verbas disponíveis para o pagamento das componentes da bolsa.
VI.
O presente contrato rege-se pelo disposto na Lei nº 40/2004, de 18 de agosto, naredação atual, e, ao abrigo do disposto na parte final do nº 1 do artigo 7º do referido diploma, pelo disposto no Regulamento de Bolsas da Fundação para a Ciência e Teconologia, na redação atual, cujo teor bolseiro declara ter conhecimento.
(…).”
8. O contrato acima referido foi sucessiva e ininterruptamente renovado até Outubro de 2019.
9. Em Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2012, a ré pagou à autora mensalmente a quantia de € 1.794,00.
10. Entre Junho de 2012 e Dezembro de 2013, a ré pagou à autora mensalmente a quantia de € 1.731,21.
11. Por email de 6 de Janeiro de 2014, a Divisão de Recursos Humanos da ré, foi informada que, “Em virtude da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei N.º 83-C/2013 de 31 de dezembro) que, no Artigo 73.º, aplica a redução remuneratória prevista no artigo 33.º aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, enviamos em anexo nova nota de honorários que deverá acompanhar a Fatura-Recibo.”.
12. Por esse facto entre os meses de Janeiro a Maio de 2014, a ré passou a pagar à autora mensalmente a quantia de € 1.605,22.
13. No período compreendido entre Junho e Dezembro de 2014, a ré pagou à autora as seguintes quantias:
- Junho - € 1.794,00;
- Julho - € 1.416,44;
- Agosto - € 1605,22;
- Setembro - € 1.605,22 e € 2.265,37;
- Outubro - € 1.744,02;
- Novembro - € 1.731,21;
- Dezembro - € 1.731,21.
14. No período compreendido entre Janeiro a Maio de 2015, a ré pagou à autora, as seguintes quantias:
- Janeiro - € 1.743,77;
- Fevereiro - € 1.743,77;
- Março - € 1.743,77;
- Abril - € 1.743,77;
- Maio - € 1.762,24.
15. A partir de Junho de 2015, 2016, 2017 e 2018, a ré pagou à autora mensalmente, a quantia de € 1.480,00.
16. No ano de 2019, a ré pagou mensalmente à autora a quantia mensal de € 1.494,65.
17. A autora desempenhou desde 2 de Janeiro de 2012 e desempenha as seguintes funções:
. Implementação das decisões da Direcção
. Coordenação da equipa administrativa
. Articulação entre a Direcção e os Investigadores
. Representação do Centro de História ... da Faculdade YY em contactos com instituições e individualidades externas
. Acompanhamento das atividades (científicas, formativas e culturais), projetos de investigação, bolsas, contratos de doutorados e consultores; apoio ao trabalho dos órgãos de gestão da Centro de História ... da Faculdade YY;
. Articulação com os serviços centrais da Faculdade YY.
18. Desde 2 de Janeiro de 2012 a autora exerceu sempre mesmas funções, fazendo-o nas instalações do Centro de História ... da Faculdade YY, cumprindo um horário de trabalho definido pela Direcção do Centro de História ... da Faculdade YY, que coincidia com o horário de funcionamento do Centro de História ... da Faculdade YY, das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30.
19. Desde 2 de Janeiro de 2012, a autora conjugava as férias com os demais funcionários sendo as férias da autora aprovadas/validadas pelo Director da Unidade.
20. No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP), na sequência do requerimento apresentado pela aqui autora, foi emitido, pela Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que a autora mantinha com a unidade orgânica da ré.
21. …foi considerado que as funções exercidas pela autora satisfaziam necessidades permanentes da Faculdade YY da Universidade XX, e que o vínculo estabelecido entre as partes era inadequado.
22. Tal parecer foi homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social.
23. Em 21 de Dezembro de 2018, foi aprovado pela ré, o Regulamento n.º 40/2019, de 21 de dezembro de 2018, que veio definir as regras relativas à regularização formal das situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo adequado, da Universidade XX, objecto de homologação pelos membros do Governo competentes, tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de prestação de serviços ou através de bolsas.
24. Regras essas que, por força do n.º 2 do artigo 1.º do mencionado Regulamento, foram e são aplicáveis a todos os serviços da Universidade XX, bem como a todas as unidades orgânicas.
25. O artigo 3.º do aludido Regulamento estabeleceu que,
“a regularização formal das situações é concretizada através do reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em regime de direito privado”.
26. O artigo 4.º do Regulamento, consagrou que,
“as pessoas contratadas são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e, no caso de carreiras pluricategorias, na respetiva carreira base”.
27. No artigo 5.º daquele Regulamento, estabelece-se que:
“1. Os trabalhadores são posicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base anteriormente estabelecido, de acordo com as tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos relativos às carreiras, ao recrutamento e aos contratos de trabalho de investigadores e de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho com a Universidade XX.
2. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, em que se verifique a falta de identidade prevista no número anterior, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor da retribuição mensal que o mesmo já auferia.
3. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de prestação de serviços ou bolsas, em que se verifique a falta de identidade prevista no n.º 1, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor mensal que o mesmo auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas.
4. Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, quando se verifique que entre o montante apurado para efeitos de retribuição e uma posição remuneratória, prevista em tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos internos da Universidade, resulte uma diferença remuneratória inferior a € 28, aquele posicionamento tem lugar para a posição remuneratória constante daquelas tabelas, que se siga, quando a haja;
5. A posição remuneratória a atribuir não pode ser inferior:
a) Em carreiras pluricategoriais, à 1ª posição remuneratória da categoria de base da carreira;
b) Em carreiras uni categoriais, à 1.ª posição remuneratória da categoria única da carreira geral de técnico superior”.
28. Após ter definido as regras de regularização dos vínculos precários, em 14 de Outubro de 2019, a ré, através da sua Unidade Orgânica Faculdade YY e autora subscreveram o escrito que designaram por “Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado”, junto a fls. 65 verso a 68 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte:
“(…).
CLÁUSULA PRIMEIRA
Início e Duração
O presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 01/11/2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade XX, durando por tempo indeterminado.
CLÁUSULA SEGUNDA
Período experimental
De acordo com o artigo 11.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração definida para o período experimental da respetiva carreira, neste caso 240 dias.
CLÁUSULA TERCEIRA
Funções
1. O Segundo Contraente é admitido ao serviço do Primeiro Contraente para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Técnico Superior – grau 3/4, no âmbito da atividade de Gestão e Comunicação de Ciência e Tecnologia, nomeadamente na Unidade de Investigação Centro de História ... da Faculdade YY, devendo desempenhar as seguintes funções:
. Funções consultivas, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e ou cientifica, que fundamentam e preparam a decisão;
. Elaboração, autonomamente ou em grupo, de pareceres e projetos, com diversos graus de complexidade, e execução de outras atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços;
. Funções exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado;
. Representação do órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade, tomando opções de índole técnica, enquadradas por diretivas ou orientações superiores.
2. O Primeiro Contraente pode, quando o interesse da Faculdade YY o exija, encarregar temporariamente o Segundo Contraente a desempenhar funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do mesmo, nem diminuição da retribuição.
CLÁUSULA QUARTA
Retribuição
Ao abrigo do disposto no artigo 5.º do Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade XX, o Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de 1.281,13€, correspondente à posição remuneratória, e entre o nível 18-A e 19-A, da carreira de Técnico Superior da tabela constante dos Anexos II e III do Regulamento n.º 577/2017, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 210, de 31 de outubro, - sujeita aos impostos e demais descontos legais, e acrescida de subsidio de refeição de valor igual ao fixado para trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.
CLÁUSULA QUINTA
Local de trabalho
O Segundo Contraente desenvolve a sua atividade profissional na Faculdade YY, encontrando-se, em qualquer circunstância, adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional.
CLÁUSULA SEXTA
Período normal de trabalho e horário de trabalho
O período normal de trabalho diário e semanal é de 7 e 35 horas, respetivamente, sendo o horário de trabalho o definido no Regulamento de Horário de Trabalho da Reitoria da Universidade XX.
(…).”
29. Desde 2 de Janeiro de 2012, a autora prestou sempre as suas funções utilizando os equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré.
30. O Director do Centro de História ... da Faculdade YY assinou a proposta de 3 de Janeiro de 2012, apresentada à ré, junta a fls. 107 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
31. Em 21.05.2015 foi autorizado um procedimento de ajuste direto para a celebração de um contrato de prestação de serviços na área da Comunicação e Divulgação – Pedido de bens e Serviços 2015/0979, junto a fls. 109 e verso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para execução das seguintes atividades: i. Actualização do website, mailing, newsletter e Facebook do Centro de História ... da Faculdade YY; ii. Criação, na base de dados da internet do Centro de História ... da Faculdade YY, de consultas e relatórios de produtividade científica para compreensão estatística e impacto desta produtividade
32. Pelo Centro de História ... da Faculdade YY foi dirigido à autora o escrito datado de 15 de Abril de 2015, junto a fls. 110 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo sido formalmente adjudicada à autora a proposta por esta apresentada.
33. Foi aberto pela ré o procedimento concursal promovido pela Faculdade YY para a atribuição de uma Bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia … nos termos documento junto a fls. 117 e 118 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
34. A candidatura da autora foi formalmente admitida tendo sido excluída uma outra candidata.
35. Antes da assinatura do contrato de trabalho junto aos autos a autora colocou à ré algumas questões sobre o seu conteúdo remetendo o email de 5 de Setembro de 2019 junto a fls. 120 e verso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
36. A ré respondeu por email de 12 de Setembro de 2019, junto a fls. 121 e verso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
6. Fundamentação de direito
*
6.1. A primeira questão de direito suscitada pela recorrente (5.ª enunciada quando se traçou o objecto do recurso) prende-se com a competência material dos Juízos do Trabalho.
Segundo alega a recorrente, o reconhecimento de uma relação laboral entre si e a recorrida anterior a 14 de Julho de 2017 teria de ser ao abrigo da LGTFP, sendo para esse efeito competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da al. b), do n.º 4, do artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), e sendo materialmente incompetente o Tribunal de Trabalho.
Vejamos.
A recorrente é uma fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-Lei n.º 20/2017, de 21 de Fevereiro, que transformou a Universidade XX numa fundação pública com regime de direito privado e aprovou os respetivos Estatutos. Tais Estatutos foram homologados pelo Despacho Normativo n.º 2/2017, de 2 de Maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 91, de 11 de Maio, rectificado pela Declaração de rectificação n.º 482-A/2017, de 7 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 19 de Julho.
De acordo com o artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 20/2017, de 2 de Maio, pode a recorrente, enquanto fundação pública com regime de direito privado, admitir pessoal em regime de direito privado e, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 85º-A do Estatuto da Carreira Docente Universitária, pessoal docente em regime de contrato de trabalho em funções públicas1.
Mas antes da sua transformação em fundação pública com regime de direito privado, que ocorreu em 14 de Julho de 2017 (cfr. o artigo 52.º dos Estatutos2), a recorrente configurava-se como uma pessoa colectiva de direito público, estando os seus estatutos homologados pelo Despacho Normativo n.º 42/2008, de 26 de Agosto.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º, da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, que aprova a lei quadro dos institutos públicos, a recorrente era um instituto público de regime especial, sendo aplicável aos seus trabalhadores o regime jurídico dos trabalhadores que exercem funções públicas, por força do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), da mesma Lei n.º 3/2004, com a alteração operada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
O regime jurídico dos trabalhadores que exercem funções públicas foi sucessivamente traçado no período em análise nos presentes autos – entre 2012 e 2017 –, pela Lei n.º 59/20008 de 11 de Setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, e pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas actualmente em vigor (LGTFP).
Era este o regime e enquadramento jurídico em vigor aplicável à recorrente no período entre 02 de Janeiro de 2012 e 13 de Julho de 2017.
Assim, a única forma de a recorrente estabelecer vínculos jurídico-laborais em observância do regime legal a que se submetia antes da sua transformação em fundação pública, era através das normas aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas, ou seja, através de um vínculo de emprego público – cfr. o artigo 6.º da LGTFP – estando-lhe vedado, antes de 14 de Julho de 2017, estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado.
Mas significará esta circunstância que a competência para reconhecer a existência de um contrato de trabalho antes de 14 de Julho de 2017 caberia aos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da al. b), do n.º 4, do artigo 4.º, do ETAF?
Vejamos.
Como refere Manuel de Andrade, a competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais3.
Quanto aos tribunais judiciais, estabelece o art. 40º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que “[o]s tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
O artigo 40.º da LOSJ está em consonância com o “princípio da plenitude da jurisdição comum” consagrado no artigo 211.º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, na mesma senda estabelecendo o artigo 64.º do Código de Processo Civil.
A competência especializada dos Juízos do Trabalho encontra-se definida no art. 126°, desta Lei, norma de acordo com a qual compete aos mesmos conhecer, em matéria cível, entre outras:
“b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(...)
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;”
Por seu turno, conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa “[c]ompete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Nos mesmos termos estabelece o artigo 144.º, n.º 1 da LOSJ.
Na intercepção entre os domínios administrativo e laboral, importa ainda ter presente o artigo 1.º, n.º 1 do ETAF, que traça a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal através da remissão a que procede para os “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto” e a alínea b) do n.º 4 deste artigo 4.º, nos termos do qual fica “excluída” do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
“b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;”
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.12.044, “a excepção à exclusão redunda manifestamente na inclusão”, o que é o mesmo que dizer que os litígios emergentes de vínculos de emprego público são da competência da jurisdição administrativa e fiscal.
Constitui entendimento jurisprudencial sedimentado o de que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir)5. Parte esta jurisprudência dos ensinamentos do Prof. Manuel de Andrade no sentido de que a competência dos tribunais, ou a medida da sua jurisdição, se afere em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos6.
Na presente acção, a A. fundou o pedido que formula em regras de direito substantivo laboral constantes do Código do Trabalho, caracterizando como relação laboral de direito privado o vínculo jurídico que a liga à R. desde 2 de Janeiro de 2012.
Seja como for, mesmo partindo da perspectiva de que caberia aos tribunais administrativos a competência para aferir da existência de um vínculo de emprego público com um Instituto Publico no período em que a R. teve esta natureza, há que ter presente que a A. invocou como fundamento do seu pedido a existência de relações laborais ao abrigo da lei laboral comum também a partir de 14 de Julho de 2017, sendo que inexiste dúvida quanto a ser o Juízo do Trabalho materialmente competente para julgar os pedidos formulados que se reportam ao período temporal que decorreu a partir de então. A partir de 14 de Julho de 2017, o vínculo está indiscutivelmente sujeito à lei laboral comum e não podia caracterizar-se como “de emprego público”.
Ou seja, independentemente de se considerar que as relações contratuais devessem qualificar-se num determinado período como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa, mesmo assim o Juízo do Trabalho é materialmente competente para esta acção, no que diz respeito a parte substancial do pedido formulado na acção: a relativa ao pedido condenatório da R. no que se reporta ao período temporal que decorreu a partir de 14 de Julho de 2017, face ao disposto na alínea b) do artigo 126.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
E, sendo assim, no que diz respeito aos pedidos que se reportam ao período em que a R. tinha a natureza de um Instituto Publico, é igualmente competente o Juízo do Trabalho para os apreciar nos termos do disposto na alínea n) do artigo 126.º, n.º 1, da mesma Lei, em face da conexão específica de, pelo menos, “complementaridade”, que se verifica entre tais pedidos e a problemática da qualificação contratual em todo o demais período a que se reporta o pedido, à luz da lei laboral privada, tendo presente que o Juízo do Trabalho é directamente competente para a apreciação desta parte dos pedidos que respeitam ao período em que o vínculo não podia caracterizar-se como “de emprego público”.
Assim, mesmo considerando-se que as relações contratuais invocadas na presente acção apenas poderiam ser reconhecidas como um contrato de trabalho em funções públicas no período anterior a 14 de Julho de 2017, estando sucessivamente submetidas, às normas instituídas na Lei n.º 12-A/2008 reguladoras desse tipo de contrato (cfr. o respectivo artigo 81.º) e na Lei n.º 35/2014, os Juízos do Trabalho são directamente competentes para apreciar os pedidos referentes ao período em que a relação contratual se encontra inequivocamente sujeita à lei laboral comum e, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea n) do artigo 126.º, n.º 1, da LOSJ, mantêm a competência material para apreciar os demais pedidos em que, eventualmente, haja necessidade de chamar à colação normas de direito público.
Improcede, neste aspecto, a apelação.
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6.2. Cabe a este passo aferir se, à luz do Código do Trabalho, a factualidade apurada permite a conclusão de que se estabeleceu substancialmente entre as partes um contrato de trabalho antes de 1 de Novembro de 2019 e qual a data do seu início (a 6.ª questão enunciada quando se traçou o objecto do recurso).
As relações contratuais entre as partes, tal como resulta dos factos provados, iniciaram-se no ano de 2012, quando estava em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cuja vigência remonta a 17 de Fevereiro de 2009), pelo que deverá o caso sub judice ser analisado à luz do respectivo regime jurídico.
A noção de contrato de trabalho constante do artigo 1152º do Código Civil - o contrato pelo qual uma “pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” - coincide, no que diz respeito à sua essência, com a definição constante do artigo 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro – “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, em qualquer destes textos normativos, são: a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica. Apesar de o artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009 ter deixado de fazer referência à “direcção” do empregador, a expressa menção da “autoridade” no mesmo contida inclui uma componente de direcção e uma componente disciplinar, não alterando o âmbito de aplicação da norma7.
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil) resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite caracterizar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviço8. Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual9.
Perante as dificuldades muitas vezes inerentes ao cabal cumprimento deste ónus, a jurisprudência que se firmou no âmbito do Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT) passou a recorrer ao denominado “método indiciário”, lançando mão de vários índices – cuja verificação tinha igualmente de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da prova do contrato – sobre os quais formulava um juízo global sobre a qualificação contratual, extraindo a conclusão pela autonomia na prestação do trabalho ou pela subordinação jurídica, a partir de factos índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato.
A partir de 2003, e com o mesmo objectivo de obviar às dificuldades de prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas” entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado e de contrariar a chamada “fuga ao direito do trabalho”, o artigo 12º do Código do Trabalho de 2003, na sua redacção inicial, estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados.
Actualmente, o Código do Trabalho de 2009 regressou a uma norma presuntiva com uma estrutura semelhante à redacção originária de 2003, mas aligeirando o esforço do trabalhador que não terá que provar cumulativamente os vários factos-base, mas apenas “alguns”, para que se possa aferir da existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho. O art. 12.º do Código do Trabalho prescreve agora que:
“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)”
A lei selecciona presentemente um conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de “alguns” deles bastará para a inferência da subordinação jurídica10.
Como refere o Prof. Leal Amado, “provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova do contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a actividade é realizada em local pertencente ao respectivo beneficiário e nos termos de uma horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da actividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção iuris tantum (artigo 350.º do Código Civil), nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.”11
Estando prevista uma presunção legal de laboralidade, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, embora não esteja dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, cumpriu o ónus de ilisão da presunção prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.
Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que a matéria de facto provada contém elementos que preenchem os factos base da denominada presunção de laboralidade constantes das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, a saber:
• Quanto à alínea a) - A actividade era realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, na medida em que se provou que a autora começou a desempenhar funções de Assessora da Direcção, no Centro de História ... da Faculdade YY, a qual é uma unidade orgânica da Universidade aqui ré, em 2 de Janeiro de 2012, exercendo sempre as mesmas funções desde então nas instalações do Centro de História ... da Faculdade YY – factos 3., 4. e 18.
• Quanto à alínea b) – Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertenciam ao beneficiário da actividade, na medida em que se provou que, desde 02 de Janeiro de 2012, a autora prestou sempre as suas funções utilizando os equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré – facto 29.
• Quanto à alínea c) - A prestadora de actividade observava horas de início e de termo da prestação determinadas pelo beneficiário da mesma, na medida em que se provou que desde 2 de Janeiro de 2012 a autora exerceu sempre mesmas funções, cumprindo um horário de trabalho definido pela Direcção do Centro de História ... da Faculdade YY, que coincidia com o horário de funcionamento do Centro de História, das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30– facto 18.
• Quanto à alínea d) - À prestadora de actividade era paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa como contrapartida da actividade, como resulta com clareza dos factos relativos aos valores mensais que a A. foi auferindo ao longo dos anos e do próprio teor dos contratos subscritos pelas partes, independentemente do nomen que neles foi atribuído à indicada contrapartida, ou como “remuneração mensal”, ou como “subsídio mensal” – vide os factos 9. a 16. e os contratos reproduzidos nos factos 5. e 7..
Já no que concerne à hipótese da alínea e) [que o prestador de actividade “desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”], a factualidade apurada não é, a nosso ver, suficiente para que se possa afirmar que a A., ora recorrida, desempenhasse funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da R.. Ainda que dela resulte que coordenava a equipa administrativa (facto 17.), desconhecendo-se em que termos se processava a coordenação e como era composta a equipa, entendemos que aquele facto é escasso para afirmar a direcção ou chefia da mesma.
Tendo em consideração, contudo, que à face da lei actualmente em vigor, não é necessário o preenchimento de todas as características presuntivas estabelecidas no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho (como acontecia no âmbito do Código do Trabalho de 2003), bastando para a verificação da presunção nele estabelecida que se verifiquem “algumas” daquelas características (pelo menos duas), é de considerar que opera a presunção nele prevista ainda que não se verifique no caso a hipótese da sua última alínea.
Resulta ainda evidente da factualidade apurada que a execução da actividade por parte da recorrida se iniciou e perdurou durante quatro meses antes de ser subscrito o primeiro contrato de prestação de serviço (o que veio a suceder em 02 de Maio de 2012), mantendo-se ao longo do tempo apesar da subscrição e renovação formal, quer dos contratos de prestação de serviço que celebrou, quer do contrato de estágio, inexistindo qualquer facto demonstrativo de que a indicada actividade se tenha desenrolado em moldes diversos dos que estão plasmados na matéria de facto ao longo do tempo de execução da actividade.
Assim, o facto de se verificarem as referidas características constantes das alíneas b), c) e d) do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, faz, a nosso ver, operar a presunção de laboralidade nele prevista, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova – que faz recair sobre o autor o ónus de demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) –, o autor fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).
A lei presume que haverá um contrato de trabalho e faz recair sobre a contraparte a incumbência de provar o contrário12, ou seja, passa a incumbir ao réu provar factos reveladores de que as partes não celebraram um contrato de trabalho e se verifica uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Ora no caso vertente cremos que a ora recorrente não logrou fazer a prova do contrário do facto presumido, não bastando para tanto, a nosso ver, o nomen iuris conferido aos sucessivos contratos de prestação de serviço e de estágio celebrados. Aliás, é de notar que, quer o contrato de “avença”, quer o contrato de “atribuição de bolsa” contêm cláusulas indiciadoras do preenchimento dos factos-base da presunção de laboralidade, vg. no que concerne ao local de execução da actividade e à contrapartida da mesma – vide as cláusulas 1.ª e 3.ª do contrato de “avença” referido no facto 5. e os pontos II e IV do contrato de “atribuição de bolsa” referido no facto 7.
Acrescem todos os factos que se apuraram nestes autos não previstos nas indicadas alíneas do artigo 12.º e que constituem tradicionalmente indícios de um contrato de trabalho, a dificultar, nessa medida, a afirmação de que neste caso possa emergir dos factos assentes a prova do contrário de uma vinculação laboral e a consequente ilisão da presunção. Assim se destaca:
- que a recorrida começou a desempenhar funções de Assessora da Direcção, no Centro de História ... da Faculdade YY em 2 de Janeiro de 2012 com a promessa da celebração de um contrato de trabalho, sendo-lhe mais tarde “sugerida a regularização formal do vínculo” ao abrigo de um contrato de prestação de serviços – factos 4. e 5. – o que indicia que as partes, logo no início, perspectivavam a vinculação da recorrida em termos de vinculação laboral;
- que a recorrida após o início das suas funções de Assessora da Direcção, no Centro de História ... da Faculdade YY, assim se manteve sem qualquer título formal durante cerca de 4 meses, prestando a sua actividade, mediante retribuição – factos 4. 5. e 17. – o que também constitui um forte índice da subsistência de um contrato de trabalho, que é um negócio meramente consensual (artigo 110.º do Código do Trabalho);
- que as funções executadas pela recorrida desde 2 de Janeiro de 2012, de implementação das decisões da Direcção, de coordenação da equipa administrativa, de articulação entre a Direcção e os Investigadores, de representação do Centro de História ... da Faculdade YY em contactos com instituições e individualidades externas, de acompanhamento das atividades (científicas, formativas e culturais), projetos de investigação, bolsas, contratos de doutorados e consultores; apoio ao trabalho dos órgãos de gestão da Centro de História ... da Faculdade YY e de articulação com os serviços centrais da Faculdade YY – facto 17. - indiciam uma forte componente de inserção da recorrida na organização da recorrente, como peça essencial para o seu funcionamento (inserção que o artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009 deu especial relevância, incluindo-a na própria definição de contrato de trabalho);
- que a recorrida gozava férias retribuídas – factos 9. a 16. e 19. – o que revela o gozo de uma prerrogativa própria do contrato de trabalho (artigo 237.º, n.º 1, do Código do Trabalho); e
- que a recorrida conjugava as férias com os demais funcionários sendo as férias aprovadas/validadas pelo Director da Unidade – facto 19. – o que igualmente revela a sua inserção numa organização e um tratamento da recorrida similar aos demais funcionários, bem como a dependência de todos eles, nesta matéria, de uma decisão superior.
Finalmente, não pode deixar de se destacar, com muito relevo, ter sido reconhecido no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP), que as funções exercidas pela recorrida satisfaziam necessidades permanentes da Faculdade YY da Universidade XX e que o vínculo estabelecido entre as partes era inadequado, e ter sido emitido, pela Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que a recorrida mantinha com a unidade orgânica da ré – factos 20. e 21. Aliás, conforme salienta a recorrida, a natureza laboral da relação estabelecida entre as partes, sendo reconhecida pela CAB, no parecer que emitiu (razão pela qual foi proposta por aquela Comissão a regularização do vínculo, mediante o reconhecimento da existência de contrato de trabalho), foi-o também pela própria recorrente que, além de ter reconhecido que as funções da recorrida concorriam para a satisfação de necessidades permanentes da Universidade XX, a notificou para proceder à assinatura de contrato de trabalho sem termo, ao abrigo do referido PREVPAP.
Assim, e independentemente da legalidade, ou ilegalidade, do convénio estabelecido em determinados períodos da sua execução, cremos que no caso sub judice a recorrente, enquanto beneficiária da actividade da recorrida, não logrou ilidir a presunção de laboralidade que emerge dos factos provados, pelo que operou a presunção de existência de um contrato de trabalho nos termos do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.
E, perante a factualidade apurada, não temos reservas quanto à fixação do início do vínculo laboral em 02 de Janeiro de 2012, data em que a recorrida começou a exercer funções em benefício da recorrente, por a tanto conduzirem, sem quaisquer dúvidas, os factos 4., 17. a 19. e 29.13.
Improcede, neste aspecto, a apelação.
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6.3. Mas será ilegal reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre as partes antes do procedimento do PREVPAP?
É o que cabe aferir para responder à 7.ª questão enunciada no objecto do recurso.
Alega a recorrente que o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre as partes antes de 14 de Julho de 2017 viola o regime jurídico imperativo que lhe era aplicável enquanto Instituto Público com regime especial, que o contrato de atribuição de bolsa impede a aquisição da qualidade de trabalhador em funções públicas e que do procedimento do PREVPAP não resulta o reconhecimento de uma relação laboral pré-existente, ao menos no período anterior a 1 de Janeiro de 2017.
Não sofre dúvida que, como alega a recorrente, ao contrário do regime estabelecido no Código do Trabalho, em que se privilegia a substância sobre a forma, nos artigos 50.º a 57.º do RCTFP aprovado pela Lei n.º 59/2008, na decorrência da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e nos artigos 33.º e seguintes da LGTFP aprovada pela Lei n.º 35/2014, se estabelece como regra para a constituição do vínculo o procedimento concursal, privilegiando-se a regularidade do processo, a transparência e a imparcialidade – regime imperativo que era aplicável à recorrente enquanto pessoa colectiva de direito público [artigo 9.º da Lei n.º 62/2007 de 10 de Set. (Regime jurídico as Instituições de Ensino Superior) e Despacho Normativo n.º 4/2008, de 18 de Agosto (Estatutos da Universidade XX)] e instituto público com regime especial [alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 3/2004 (LQIP)] – e que este procedimento não foi observado quando a recorrida começou a exercer a sua actividade em benefício da recorrente, em 02 de Janeiro de 2012, nem posteriormente, até 14 de Julho de 2017 – data em que produziu efeitos a alteração da natureza jurídica da recorrente para “fundação pública em regime de direito privado” (Decreto-Lei n.° 20/2017, de 21 de Fevereiro) –, bem como que até então a recorrente não podia admitir pessoal em regime de direito privado (artigo 6.º da LGTFP).
Igualmente não sofre dúvida que o contrato de atribuição de bolsa de gestão de ciência e tecnologia, definida e enquadrada no artigo 9º do Regulamento de Bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia, nº 326/2013 (vide o facto 7.), se mostra regulado na Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto, que aprova o Estatuto do Bolseiro de Investigação e cujo artigo 4.º impede a aquisição pelo bolseiro da qualidade de trabalhador em funções públicas [“Artigo 4.º Natureza do vínculo - Os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de funcionário ou agente”] sendo esta uma norma imperativa, pelo que, é proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços14.
Simplesmente não pode esquecer-se que a recorrente, enquanto instituição de ensino superior pública de natureza fundacional, encontra-se abrangida pelos artigos 1.º, n.º 1 e 2°, n°1 da Lei n° 112/2017, de 29.12., que estabelece o Programa de Regularização dos Vínculos Precários (PREVPAP)15 e que foi ao abrigo desta lei que foi subscrito pelas partes em 14 de Outubro de 2019 o contrato de trabalho documentado a fls. 65 verso a 68 dos autos.
Como decorre do n°1 do seu artigo 1°, a Lei n.º 112/2017 incide sobre a “regularização” de “vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do sector empresarial do Estado ou do sector empresarial local, sem vínculo jurídico adequado (...)".
Em conformidade, o artigo 2.º, n.º 1, diz que a lei “abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes (…) de entidades do setor empresarial do Estado ou do sector empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho, com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direção desses órgãos, serviços ou entidades, sem vínculo jurídico adequado” e o artigo 14.º, n.° 1, alínea b) prescreve que as entidades abrangidas pelo artigo 2.°, n° 1 (em que se inscrevem as instituições de ensino superior pública de natureza fundacional), uma vez cumpridas as formalidades legais aí previstas, estão obrigadas “a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos mediante o reconhecimento (…) [d]a existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar de satisfação de necessidades permanentes" [alínea b)].
Trata-se, assumidamente, da regularização formal de uma situação material pré-existente – cfr. ainda o n.º 2 do artigo 14.º da Lei que qualifica o vínculo contratual pré-existente, como "vínculo laboral".
A outorga do contrato de trabalho em Novembro de 2019 ao abrigo deste programa (facto 28.) não pode, pois, deixar de significar a regularização de algo que já existia e configurava o exercício de funções que satisfazem “necessidades permanentes” de entidade do sector empresarial “com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direcção” dessa entidade e “sem vínculo jurídico adequado” (artigos 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2017).
Ou seja, definindo o legislador que as situações sobre que versa a Lei n.º 112/2017 são aquelas em que se encontram a ser desenvolvidas funções correspondentes a “necessidades permanentes” e “sem vínculo jurídico adequado” e que a lei se destina expressis verbis à regularização desses “vínculos precários”, é patente, por um lado, o reconhecimento pelo legislador de que o acto formal que prevê se destina à “regularização” de um vínculo precário pré-existente e não à criação de um novo vínculo, por outro, o reconhecimento pelo legislador de que as funções que vinham sendo exercidas o eram “sem vínculo jurídico adequado”, padecendo de ilegalidade, e, ainda por outro, o desígnio do legislador de que a qualificação do vínculo contratual corresponda à verdadeira natureza do contrato anteriormente desenvolvido entre as partes, prosseguindo, pois, interesses de ordem pública e assumindo as suas normas carácter imperativo.
É certo que a legislação do PREVPAP não revogou as leis anteriores, vg. qualquer das normas da LGTFP (vg. os seus artigos 6.º e 33.º e ss.) ou da equivalente sua antecessora Lei n.º 59/2008, pelo que é de apodar como nulo o vínculo estabelecido em desconformidade com as respectivas regras no período em que estas se impunham à recorrente, por força do artigo 294.º do Código Civil, nos termos do qual “[o]s negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
Mas é igualmente certo que, ainda que não possa afirmar-se ter-se constituído validamente um contrato de trabalho em funções públicas no período em que a recorrente tinha a natureza de Instituto Público, nem possa afirmar-se que o contrato de bolsa – admitindo-se agora por raciocínio que o mesmo se desenvolveu substancialmente em conformidade com o respectivo regime jurídico e não em termos de prestação de actividade juridicamente subordinada, como aconteceu –, em si, permita a aquisição da qualidade de trabalhador em funções públicas, o vínculo laboral deve ser judicialmente reconhecido desde que os factos apurados permitam a sua qualificação como tal, devendo lançar-se mão para apurar as consequências jurídicas de uma tal invalidade contratual do regime especial previsto nos artigos 122.º a 125.º do Código do Trabalho.
Nesta senda, e lançando mão do preceituado no artigo 122.º, n.º 1, nos termos do qual “[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Março de 202416 decidiu que, não obstante esteja legalmente vedado a instituto de direito público admitir trabalhadores ao seu serviço através de contratos individuais de trabalho de direito privado por não preenchidos os respetivos requisitos de constituição, em particular, a sujeição ao respetivo procedimento concursal, previsto no citado artigo 33.º e ss. da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, a declaração de nulidade de contrato de trabalho não afecta os direitos do trabalhador adquiridos na vigência desse contrato.
Seja como for, o caso vertente tem a particularidade de, por um lado, a recorrente ter passado a ser uma fundação pública com regime de direito privado, com efeitos a partir de 14 de Julho de 2017, passando a partir de então a poder admitir pessoal não docente em regime de direito privado – cfr. a lei n.º 20/2017 de 21 de Fevereiro e o artigo 85.º-A, n.º 2, do Estatuto da Carreira Docente Universitária – pelo que, a partir de então, deixaram de existir os indicados escolhos à celebração de contratos de trabalho de direito privado, cessando a causa de invalidade contratual indicada pela recorrente.
E, por outro, tem a particularidade de a recorrente ter regularizado o vínculo precário que mantinha com a recorrida em observância do estabelecido no Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública o qual, foi criado precisamente para ultrapassar os obstáculos que as instituições públicas tinham à contratação de trabalhadores, e resultou de uma estratégia de combate à precariedade no sector público que foi estabelecida no artigo 19.º, n.º 1 da Lei 7-A/2016, e no artigo 25.º, n.º 1 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com vista, justamente, à regularização de vínculos muito diversificados que não eram adequados às relações contratuais que titulavam – como acontecia com os contratos de prestação de serviço e de bolsa de investigação celebrados entre as partes –, aplicando o programa PREVPAP a uma realidade que já existia no plano material o regime jurídico adequado.
A relação estabelecida entre as partes desde 2 de Janeiro de 2012 constitui, como vimos, uma verdadeira relação laboral que, através do programa PREVPAP, foi reconhecida e que assim deve ser qualificada ab initio.
Como salienta a recorrida, a nosso ver bem, para além de no artigo 13.º n.º 1 se prevenir o respeito pela antiguidade, o que não pode ter outro sentido senão que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo laboral, como se a anterior situação de facto não tivesse existido, no artigo 14.º n.º 1 consignou-se para as entidades abrangidas pelo Código do Trabalho, como o é a recorrente desde Julho de 2017, a obrigatoriedade de “regularização” formal da situação, mediante o “reconhecimento” da “existência de contrato de trabalho, nomeadamente, por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes” [alínea b) do preceito].
Sendo certo que as relações que levaram à aplicação do PREVPAP decorriam ao abrigo de vínculos diversos – uns de natureza laboral, como sucedia quando as funções anteriores eram exercidas formalmente ao abrigo de contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo certo, contratos de utilização de trabalho temporário ou outros contratos laborais (artigo 14.º n.º 1 c) e d)) e outros sem natureza laboral, como acontecia quando as funções eram exercidas ao abrigo de contratos de bolsa ou de prestação de serviços (artigo 14.º n.º 1 b) – é patente que o legislador tinha presente que a forma das relações contratuais não correspondia à sua substância e que visou, com a Lei n.º 112/2017, não a constituição de novas relações de trabalho, mas a “regularização” destas relações de trabalho pré-existentes, nada indiciando que pretendesse amputar dessa “regularização” um qualquer período da sua execução.
Neste cenário normativo, cabe chamar à colação o disposto no artigo 125.º do Código do Trabalho, nos termos do qual, “[c]essando a causa da invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início da sua execução” (n.º 1) e “[n]o caso de contrato a que se refere o artigo anterior, a convalidação só produz efeitos a partir do momento em que cessa a causa da invalidade” “ (n.º 2).
O anterior artigo 124.º refere-se ao “contrato de trabalho que tenha como objecto ou fim uma actividade contrária à lei ou à ordem pública”, o que não é o caso de nenhuma das invalidades assacadas pela recorrente ao contrato de trabalho sub judice.
A disciplina decorrente do artigo 125.º aplica-se à nulidade ou anulabilidade do contrato, sendo indiferente para este efeito a natureza do vício que afecte o contrato17, e a convalidação do contrato implica a sanação do vício do qual decorre a respetiva contrariedade à ordem jurídica e a respetiva estabilização18.
Essencial é que a sanação do vício ocorra durante a execução do contrato, pois é a situação de facto que resulta da execução de um contrato de trabalho inválido que merece esta tutela dos efeitos jurídicos de um negócio inválido19.
Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, “relevam no art.º 125.º do CT três interesses essenciais, que justificam o regime por ele disposto: o interesse do aproveitamento integral do contrato de trabalho executado cujo vício cessou, que justifica a retroação dos efeitos da convalidação ao início do contrato; o interesse da tutela do trabalhador, já que é, sobretudo, a evolução da sua situação jurídica laboral ao longo da execução do contrato que se vê acautelada com este regime; e o interesse na estabilidade e na preservação futura do vínculo que esteja em execução e cujo vício cesse, a denunciar o valor autónomo do elemento de inserção organizacional do contrato de trabalho para este efeito, o que justifica que a convalidação do contrato só ocorra se o contrato estiver em execução20.
Ora no caso vertente, verifica-se desde logo que em 14 de Julho de 2017, data em que produziu efeitos a alteração da natureza jurídica da recorrente, cessou a causa de invalidade do contrato de trabalho sub judice que se prendia com a impossibilidade de a recorrente celebrar contratos de trabalho de direito privado e com a inobservância do prévio procedimento concursal, pelo que o contrato se convalidou então desde o início da sua execução nos termos do artigo 125.º do CT21.
Mas definitivamente em 1 de Novembro de 2019, data em que o contrato de trabalho sub judice permanecia igualmente em execução e nele produziu efeitos o programa PREVPAP, efectivando-se a “regularização” prescrita na Lei n.º 112/2017 com a subscrição do contrato documentado a fls. 65 verso a 68, qualquer invalidade que ainda subsistisse – vg. relacionada com o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços, ao arrepio da Lei n.º 40/2004, ou com a inobservância do dever de a contratação de trabalhadores estar previamente prevista em orçamento nos termos dos arts. 10.º e 54.º da Lei n.º 24/2012 que aprovou a Lei Quadro das Fundações, ou com a inobservância das sucessivas do Leis do Orçamento de Estado, que só admitiam a contratação de trabalhadores para as instituições de ensino superior se tal não implicasse um aumento do valor total das remunerações dos trabalhadores face a anos anteriores, em conformidade com o disposto nos artigos 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, 37.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro e 42.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – deveria ter-se por cessada em consequência de tal regularização extraordinária, considerando-se o contrato de trabalho convalidado desde 02 de Janeiro de 2012, data do início da sua execução (factos 4. a 19.).
Reitere-se: o regime do PREVPAP previsto Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro, tem como pressuposto a irregularidade e inadequação dos vínculos laborais sobre que incide (artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1, da Lei) e visa a sua “regularização” (como o indica o próprio título do diploma, o seu artigo 1.º, n.º 1, a epígrafe do artigo 3.º e o artigo 14.º, n.ºs 1 e 2), não significando o fim do vínculo existente e a celebração de um novo.
É de notar que também o Regulamento n.º 40/2019, de 21 de Dezembro de 2018, que veio definir as regras relativas à regularização formal das situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo adequado, tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de prestação de serviços ou através de bolsas, da Universidade XX, teve em consideração esta ratio da Lei n.º 112/2017 evidenciando que o objectivo do programa é a “regularização formal” dos vínculos e que tal se alcança com o “reconhecimento” da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, ao dispor no seu artigo 3.º que “a regularização formal das situações é concretizada através do reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em regime de direito privado” (sublinhado nosso).
O que conforta a afirmação de que, por força deste regime excepcional previsto na Lei n.º 112/2017, cessou a causa da sua invalidade em plena execução do contrato de trabalho da recorrida (o contrato de trabalho existente ficou regularizado), e o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado sem aquelas máculas que impediam a afirmação da sua validade.
Deve acrescentar-se que, como flui do exposto, não releva também para efeitos de impossibilitar o reconhecimento da existência de uma vinculação laboral desde o início da execução contratual a afirmação da recorrente de que do procedimento do PREVPAP não resulta o reconhecimento de uma relação laboral pré-existente, mas apenas o reconhecimento de a atividade desenvolvida corresponder a uma necessidade permanente, de que o acto administrativo não tinha efeitos retroactivos e de que a avaliação da CAB apenas abrange o período posterior a 1 de janeiro de 2017.
Na verdade, e em primeiro lugar, na presente acção não nos encontramos espartilhados pelo parecer do CAB que fundou a celebração do contrato de trabalho de Outubro de 2019 ao abrigo do PREVPAP. A acção corporiza, justamente, o recurso à justiça do trabalho por banda de uma trabalhadora que, embora integrada por via daquele regime no âmbito da Faculdade YY que integra organicamente a recorrente, com um “contrato de trabalho por tempo indeterminado” subscrito em Outubro de 2019, já antes se encontrava vinculada em tais termos – conforme demonstrou na presente acção –, mas sem um vínculo jurídico adequado. Para estes efeitos, irreleva o que resulta do Parecer da CAB, havendo apenas que proceder jurisdicionalmente à qualificação do vínculo em conformidade com a factualidade provada na acção, situando o seu início também em consonância com a indicada factualidade e daí retirando as consequências jurídicas previstas nas normas laborais pertinentes22.
Em segundo lugar, o facto de a lei prever a avaliação da CAB num período mínimo com início em 1 de Janeiro de 2017 para efeitos do PREVPAP [n.º 2 do artigo 1.º da Portaria 150/2017, de 3 de Maio, e al. a) do n.º 1, do artigo 3.º da Lei n.º 117/2017, de 29 de Dezembro], não impede a avaliação judicial das relações contratuais efectivamente firmadas e executadas em período anterior mais alargado, tal como fez a sentença.
Em terceiro lugar, não é certo que o parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que a autora mantinha com a unidade orgânica da ré emitido pela Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, se tenha limitado a considerar que as funções exercidas pela autora “satisfaziam necessidades permanentes” da Faculdade YY da Universidade XX, pois que afirmou, outrossim, “que o vínculo estabelecido entre as partes era inadequado” – vide os factos 20. e 21..
Em quarto lugar, situando-nos no âmbito de uma avaliação judicial e procurando aferir dos direitos da recorrida que, na sua perspetiva, só viu uma parte destes devidamente acautelados com a celebração do contrato de trabalho em funções públicas no âmbito do procedimento do PREVPAP, é irrelevante que a decisão administrativa de homologação do parecer da CAB não tenha efeitos retroativos (por o autor do acto não o ter declarado e não se encontrarem verificados os pressupostos do disposto no artigo 156.º, n.º 2, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo).
Como resulta do exposto, nada impedia que a sentença, conhecendo de factos anteriores à celebração do contrato referido no facto 28., aplicasse aos mesmos o regime jurídico que julgou pertinente, reconhecendo a existência de um contrato de trabalho entre as partes desde 02 de Janeiro de 2014, sem que declarasse uma qualquer invalidade material ou procedimental, e reconhecendo à recorrida os direitos que entendeu emergirem de tais factos.
Não procede a apelação, também quanto a estes aspectos.
*
6.4. Apreciemos a última questão enunciada, da nulidade das cláusulas 1.ª (início e duração) e 4.ª (retribuição) do contrato de trabalho.
Alega a recorrente que, ao contrário do que é decidido na sentença recorrida, a cláusula “sexta” não é nula, até porque se limita a reproduzir a lei em matéria de período normal de trabalho e que, caso se entenda que a nulidade diz respeito à clausula primeira, a mesma não é nula, pois não viola qualquer disposição legal e, antes pelo contrário, seria nula se reconhecesse uma data de admissão anterior, por violação de normas legais imperativas.
Como acima se indicou, o contrato formalizado entre as partes no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Administração Pública traduz a regularização formal de uma situação material pré-existente e que configurava o exercício de funções que satisfazem “necessidades permanentes” de entidade do sector empresarial “com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direcção” dessa entidade “sem vínculo jurídico adequado”. Ou seja, parte do pressuposto da inexistência de vínculo jurídico adequado, destinando-se o programa previsto na Lei n.º 112/2017 a regularizar tais vínculos em conformidade com o regime nela previsto.
O problema que se coloca no caso em análise resulta do facto de as partes terem inserido no contrato de trabalho que formalizaram as suas cláusulas 1ª (não 6.ª) e 4.ª, relativas, respectivamente, ao “início e duração” e à “retribuição”, das quais ficou a constar:
- que “[o] presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 01/11/2019” [cláusula 1ª];
- que “[a]o abrigo do disposto no artigo 5.º do Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade XX, o Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de 1.281,13 € (…)” [cláusula 4ª]
O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se recentemente no seu Acórdão de 8 de Março de 2023, que versa sobre um contrato de trabalho celebrado pela ora recorrente Universidade XX com um outro trabalhador, nos mesmos termos do PREVPAP e com cláusulas similares. Fê-lo nos seguintes termos:
«[…]
Com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré existente.
No caso que nos ocupa, independentemente de só em 13 de Março de 2009 as partes terem formalmente celebrado o contrato de trabalho sem termo cujo teor consta de fls. 47 e 48, segundo o qual o mesmo produzia “os seus efeitos a partir de 01/04/2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade XX” - facto 31, tem de se considerar como definitivamente assente que se verifica a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e a Ré desde 9.10.2006, já que, desta parte, a Ré não interpôs recurso23, não contestando a asserção do acórdão recorrido de que se verificou a prestação de trabalho por conta da Ré de forma subordinada desde a última data, limitando-se a pôr em causa, como vimos, o direito da Autora aos diferenciais remuneratórios peticionados.
Estabelece-se no artº 14º, nº1, al. b) e nº 2 da Lei nº 112/2017:
Artigo 14.º
Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho
1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento:
(...)
b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;
(...)
2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.
Este nº 2 mais não é do que o acolhimento do princípio da irredutibilidade da retribuição a que alude o art.º 129.º, nº 1, al. d), do Código do Trabalho.
(…)
Estando definitivamente assente que que a Autora prestava trabalho por conta da Ré, de forma subordinada, desde 09.10.2006, não é minimamente defensável, antes tal é proibido por lei, que a mesma Autora não tenha direito à retribuição peticionada, incluindo os subsídios de Natal e de férias.
E é inquestionável a afirmação do acórdão recorrido de que estão feridos de nulidade quer o segmento da cláusula 1ª referente à data do início do contrato, por ir contra normas imperativas do PREVPAP, quer o segmento da cláusula 4ª que fixou em 1.201,48€ a remuneração mensal ilíquida da A., por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição.
[…]»
Não vemos razões para não acolher o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, aliás conforme com a perspectiva sufragada por este Tribunal da Relação nos seus Acórdãos de 26 de Junho de 201924 e de 18 de Dezembro de 201925.
O carácter imperativo da Lei n.º 112/2017 e os termos em que na mesma se mostra estabelecida a regularização dos vínculos precários, veda às partes a estipulação de cláusulas susceptíveis de impedir ou limitar os seus efeitos, sob pena de nulidade nos termos dos artigos 280.º, n.° 1 do Código Civil.
Além disso, se é certo que as partes são livres de escolher o modelo contratual regulador da sua relação profissional (artigo 405.º do Código Civil), é igualmente certo que não podem definir, independentemente da realidade fáctica, que estão ou estiveram vinculadas num determinado período temporal por um modelo de contrato que não corresponde aos termos da relação negocial efectivamente executada.
Finalmente cabe notar que, se o escrito de 14 de Outubro de 2019 visou “regularizar”, como diz a lei, um vínculo contratual laboral pré-existente, conferindo-lhe a forma devida – como efectivamente acontece –, qualquer cláusula contratual firmada entre credor e devedor que possa ser interpretada como vedando o exercício de direitos laborais nascidos entre a data em que se firmou o vínculo (2 de Janeiro de 2012) e a data em que produz efeitos a regularização do mesmo (1 de Outubro de 2019) terá, na perspectiva do credor, que implicar a renúncia do mesmo ao exercício de tais direitos.
Por isso se mostra correctamente colocada na sentença, com apelo ao citado Acórdão desta Relação de Lisboa de 2019.06.26, a questão da impossibilidade de uma tal renúncia26, questão que no caso sub judice surge com expressividade uma vez que se mantém vigente o contrato de trabalho e a A. reclamou nesta acção direitos de natureza laboral que a R. lhe nega com fundamento nas referidas cláusulas contratuais.
Seja como for, e na esteira do aresto do Supremo Tribunal de Justiça que se citou, entendemos que a cláusula 1.ª do escrito contratual referido no facto 28., ao estabelecer que o contrato produz efeitos a partir de 01 de Novembro de 2019, não pode ser considerada válida por não corresponder à verdadeira antiguidade da trabalhadora, em desconformidade com o artigo 14.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 112/2017, limitando a esta o exercício de direitos que pressupõem a efectiva produção de efeitos do contrato em data anterior.
A esta conclusão não obsta a já referida impossibilidade de a recorrente, enquanto Instituto Público, celebrar com a recorrida um contrato em regime de direito privado antes de 14 de Julho de 2017, ou posteriormente por força das normas da Lei Quadro das Fundações (arts 10.º e 54.º da Lei n.º 24/2012, de 09 de Julho), que impunham dever estar a contratação de trabalhadores previamente prevista em orçamento, ou por força das sucessivas do Leis do Orçamento de Estado (artigos 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, 37.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro e 42.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro) que só admitiam a contratação de trabalhadores para as instituições de ensino superior se tal não implicasse um aumento do valor total das remunerações dos trabalhadores face a anos anteriores.
Na verdade, e como resulta do já dito, as causas de invalidade que podiam afectar o vínculo cessaram quando o contrato de trabalho estava em execução, pelo que este “considera-se convalidado desde o início da execução”, nos termos do preceituado no artigo 125.º do Código do Trabalho.
A convalescença do contrato de trabalho opera automaticamente com o desaparecimento da causa de invalidade no decurso da respectiva execução e retroage ao momento do início da execução do contrato27, sendo a partir desse momento que, em coerência, se deve contar a antiguidade da recorrida.
Deve acrescentar-se que não pode, a nosso ver, chamar-se à colação a previsão do artigo 123.º do Código do Trabalho, que articula o regime da invalidade com o da cessação do contrato de trabalho, conferindo relevância à má fé da parte que invoca a invalidade para efeitos de atribuição da indemnização de antiguidade, na medida em que no caso vertente não há notícia de que o contrato tenha cessado.
Pelo contrário, o contrato de trabalho firmado entre as partes, que era executado sem um vínculo jurídico adequado, continuava em execução quando foi “regularizado” ao abrigo de normas especiais e igualmente de carácter imperativo plasmadas na Lei n.º 112/2017, cujo regime denota que constituiu objectivo do legislador o de regularizar formalmente as situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes sem vínculo jurídico adequado, reconhecendo a existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho (cfr. os respectivos artigos 1.º e 14.º), o que é radicalmente distinto da declaração da nulidade do contrato pressuposta no artigo 123.º do CT.
No cenário dos autos, a norma a invocar é, como vimos, a do artigo 125.º, n.º 1, do Código do Trabalho, razão por que deve reputar-se a cláusula 1.ª como nula quando restringe a produção de efeitos do contrato de trabalho ao período posterior a 1 de Novembro de 2019, por contrariar o regime imperativo do Código do Trabalho e da Lei n.º 112/2017 (artigos 13.º, n.º 1 e 14.º) que salvaguarda a antiguidade do trabalhador, com a concomitante salvaguarda dos direitos que a pressupõem.
No que diz respeito à cláusula 4.ª do mesmo escrito celebrado em Novembro de 2019, que fixa a retribuição mensal ilíquida da trabalhadora em € 1.281,13, mostra-se igualmente afectada de invalidade, por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho e também o artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2017, nos termos do qual “[d]e acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente” –, impedindo que na regularização formal do vínculo ao abrigo do PREVPAP se altere o valor das retribuições anteriormente estabelecidas com a entidade empregadora.
Não se acompanha a recorrente quando a mesma afirma que o n.º 2, do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017 apenas se aplica a contratos a termo anteriores ao PREVPAP, pois que a previsão da norma é geral, não tendo justificação, a nosso ver, a interpretação restritiva a que procede.
A recorrente invoca ainda o Regulamento n.º 40/2019, de 10 de Janeiro (que procede à regularização extraordinária dos vínculos precários da Universidade XX) que estabelece, no seu artigo 5.º, que:
“1 - Os trabalhadores são posicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base anteriormente estabelecido, de acordo com as tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos relativos às carreiras, ao recrutamento e aos contratos de trabalho de investigadores e de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho da Universidade XX.
2 - Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, em que se verifique a falta de identidade prevista no número anterior, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor da remuneração mensal que o mesmo já auferia.
3 - Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de prestação de serviços ou bolsas, em que se verifique a falta de identidade prevista no n.º 1, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor mensal que o mesmo auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas.
4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, quando se verifique que entre o montante apurado para efeitos de retribuição e uma posição remuneratória, prevista em tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos internos da Universidade, resulte uma diferença remuneratória inferior a (euro) 28, aquele posicionamento tem lugar para a posição remuneratória, constante daquelas tabelas, que se siga, quando a haja.
(…)”.
alegando que foi em cumprimento do estabelecido no regulamento e no artigo 14.º n.º 3 da Lei n.º 112/2017 que foi estabelecida a retribuição de € 1.281,13, isto é, o montante que a recorrida auferia ao abrigo do contrato de bolsa (€1.494,65) foi multiplicado por doze e dividido por catorze: €1.494,65 x12/14 = € 1.281,13.
Ora, por ser proibido ao empregador diminuir a retribuição – artigos 129º, nº 1, al. d), do Código do Trabalho e 14º, nº 2 da Lei nº 112/2017, de 29 de Dezembro –, não poderia ser reconhecida à recorrida uma retribuição mensal inferior à antes convencionada entre as partes, pelo menos no período de tempo que imediatamente antecedeu a regularização do contrato (facto 16.), o que se afirma independentemente dos valores das quantias anuais auferidas, pois não decorre dos factos provados que hajam as partes acordado que no montante mensal convencionado de € 1.494,65 estivesse incluída alguma outra prestação, designadamente os subsídios de férias e de Natal que o Código do Trabalho prevê nos seus artigos 263.º e 264.º.
Sendo por isso de considerar que a fórmula constante do Regulamento n.º 40/2019 não respeita a lei, implicando uma diminuição da retribuição que esta veda.
Como bem diz a recorrida, os subsídios de férias e de Natal correspondem a montantes que acrescem à retribuição, não sendo permitida a sua dedução nas quantias que são pagas ao trabalhador, pelo que, ao estabelecer que a retribuição mensal correspondia ao valor anterior multiplicado por doze e dividido por catorze, o resultado do Regulamento n.º 40/2019, foi que o valor dos subsídios que entretanto seriam pagos não acrescia à retribuição e era afinal deduzido nesta, uma vez que os trabalhadores passavam a receber os subsídios de férias e Natal, mas, simultaneamente, recebiam mensalmente a menos o valor que correspondia a estes subsídios, o que implica, necessariamente, que os trabalhadores, após a regularização do vínculo, fiquem numa situação pior do que a anterior.
Acresce que, embora as partes tenham configurado a relação contratual como um contrato “de atribuição de bolsa” (factos 7. e 8.), não poderia a recorrente ter deixado de atentar que a mesma integrava substancialmente um contrato de trabalho e, bem assim, de atentar no risco que correria de tal poder vir a ser considerado, com o concomitante reconhecimento do direito a prestações de natureza tipicamente laboral, como o são a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal28.
É assim de reconhecer à recorrida o direito às diferenças entre a retribuição devida e a efectivamente paga, inferior à primeira, no período peticionado.
E o mesmo sucede quanto aos créditos de subsídios de férias e de Natal, tendo em consideração a previsão dos artigos 263.º e 264.º do Código do Trabalho e que o contrato de trabalho firmado entre as partes em 2 de Janeiro de 2012 esteve em execução e produziu os seus efeitos no período a que se reporta o pedido adrede formulado, não se restringindo ao período posterior a 1 de Novembro de 2019.
Improcede a apelação, mantendo-se a sentença recorrida (o que sucede também na parte em que precisa quais os créditos de diferenças salariais e subsídios de férias e de Natal da A. ora recorrida, por não impugnada autonomamente na apelação).
*
6.5. As custas do recurso recaem sobre a recorrente que nele decaiu (artigo 527.º do Código de Processo Civil), não tendo relevo para a decisão final a parte em que obteve sucesso na impugnação da decisão de facto. Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
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7. Decisão
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Em face do exposto:
7.1. determina-se que se proceda à correcção dos constatados erros materiais, de forma a que fls. 195 (p. 37 da sentença):
- onde se lê “(…) a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em ???? e não como se refere no contrato”, deve ler-se “(…) a data do início da relação laboral deveria ter sido fixada em 02 de Janeiro de 2012 e não como se refere no contrato”;
- onde se lê “Tal como nos arestos citados se conclui pela nulidade do segmento da cláusula sexta, por violação de normas imperativas do PREVPAP”, deve ler-se “Tal como nos arestos citados se conclui pela nulidade do segmento da cláusula primeira, por violação de normas imperativas do PREVPAP”, neste segmento se corrigindo também o despacho rectificativo de fls. 289 e verso.
7.2. julgam-se improcedentes as arguidas nulidades da sentença;
7.3. julga-se parcialmente procedente a impugnação deduzida quanto à decisão de facto constante dos pontos 4., 5., 18. e 31., dos factos provados, cuja redacção se altera nos termos sobreditos;
7.4. julga-se improcedente a impugnação da decisão de facto quanto ao mais;
7.5. eliminam-se oficiosamente os factos 1. e 2. e altera-se o facto 3., nos termos sobreditos;
7.6. nega-se provimento à apelação e mantém-se a sentença da 1.ª instância.
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Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
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Lisboa, 23 de Outubro de 2024
Maria José Costa Pinto
Alves Duarte
Celina Nóbrega
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1. Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro. Preceito aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 8/2010, de 13 de Maio. De acordo com o n.º 2 do preceito, «As instituições de ensino superior em regime fundacional podem admitir pessoal em regime de contrato de trabalho em funções públicas, observando os requisitos e procedimentos previstos no presente Estatuto».
2. O Despacho Normativo n.º 2/2017, de 2 de Maio, dispõe no seu artigo 52.º que “[o]s presentes Estatutos entram em vigor cinco dias após a sua publicação no Diário da República, desde que o Conselho de Curadores esteja constituído”. A R. alega todavia no artigo 3.º da sua contestação, matéria que não foi impugnada na resposta apresentada, que a constituição do Conselho de Curadores se verificou em 14 de Julho de 2017, pelo que admitimos considerar-se ter sido esta a data em que entraram em vigor os seus Estatutos.
3. In “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra, 1979, pp.88-89.
4. Processo n.º 636/12.7TTALM.L1-4, in www.dgsi.pt . Este aresto reportava-se à redacção anterior deste artigo 4.º, que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, estabelecendo de modo similar a alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º que se mostrava excluída da jurisdição administrativa a “apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”, pelo que mantém as considerações da Relação de Lisboa toda a actualidade.
5. Vide os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos n.ºs 21/10, 25/10 e 29/10, proferidos, respectivamente, em 2010.11.25, 2011.03.29 e 2011.05.05, in www.dgsi.pt e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.11.16 e de 2011.03.30, respectivamente Procs. n.ºs 981/07.3TTBRG.S1 e 492/09.2TTPRT.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt .
6. In ob. e loc. citados, p. 91.
7. Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, no seu estudo “Delimitação do contrato de trabalho e presunção de laboralidade no novo Código do Trabalho – Breves Notas, in “Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho, Coimbra, 2011, pp. 275 e ss., João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 53 e Joana Nunes Vicente, “Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade”, in Código do Trabalho – A Revisão de 2009”, Coimbra, 2011, p. 59.
8. Como temos repetidamente afirmado em arestos desta Relação, citando Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/166), Albino Mendes Baptista, in Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. n.º 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. n.º 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. n.º 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. n.º 191/03 da 4ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt.
9. Entre muitos outros, afirmou que incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
10. Segundo a doutrina e a jurisprudência basta que se verifiquem, pelo menos, dois dos factos-base da presunção – vide Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 6.ª edição, 2013, p. 307, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2015.10.08, proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, de 2015.07.02, proc. n.º 182/14.4TTGRD.C1.S1, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2015.02.11, proc. 4113/10.2TTLSB.L1-4; de 2014.12.03, proc. 2923/10.0TTLSB.L1-4; e os Acórdãos da Relação do Porto de 2016.10.10, proc. 434/14.3TTVNG.P1, de 2017.0130, proc. 5/14.4T8OAZ.P1 e de 2017.12.14, proc. 1694/16.0T8VLG.P1, todos in www.dgsi.pt.
11. In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 79.
12. Vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, p. 79, Pedro Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 137, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14.ª edição, p. 153 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.10, processo n.º 446/12.1TTCBR.C1.
13. Não relevamos, a este propósito, os pontos de interrogação colocados na fundamentação de direito da sentença relativamente à data do início da relação laboral (vide a conclusão 34.ª), na medida em que, por um lado, o que condiciona a decisão de direito da apelação são os factos provados e não as considerações ulteriores do Mmo. Juiz a quo e, por outro, aquela sucessão de pontos de interrogação (a fls. 195) decorreu de evidente lapso, como supra ficou assinalado e corrigido.
14. No caso, as funções que foram desempenhadas pela recorrida (facto 17.) não se coadunam com os fins dos contratos de bolsa de gestão de ciência e tecnologia, os quais, nos termos do 2.º do Estatuto do Bolseiro de Investigação anexo à Lei n.º 40/2004, prevêem bolsas destinadas a financiar trabalhos de investigação tendentes à obtenção de grau ou diploma académico pós-graduado, actividades de investigação científica, desenvolvimento tecnológico, experimentação ou transferência de tecnologia e de saber, com carácter de iniciação ou actualização, independentemente do nível de formação do bolseiro, actividades de iniciação ou actualização de formação desenvolvidas pelo próprio, no âmbito de estágio não curricular, nos termos e condições previstas no regulamento de concessão da bolsa, sendo sempre exigidos a definição do objecto e um plano de actividades sujeito a acompanhamento e fiscalização.
15. Este procedimento havia sido contemplado na Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – designadamente no seu artigo 25.º, que se referia à estratégia de combate à precariedade definida no artigo 19.° da Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março.
16. Processo 459/21.2T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
17. Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 526.
18. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2018.11.14, Processo 28602/15.3T8LSB.L1.S1, proferido numa situação em que seria de considerar nulo o contrato de trabalho celebrado por presidente da comissão executiva de uma IPSS para desempenhar nesta as funções de diretor-geral, por violação do disposto nos artigos 15.º, n.º 2 e 21.º, n.º 4 do Estatuto das IPSS aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, vindo o aresto a considerar que tal contrato se convalidou, nos termos do artigo 125.º do CT, com a alteração daquele Estatuto aprovada pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de Novembro, que revogou as normas que suportavam aquele entendimento.
19. Vide Pedro Madeira de Brito, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 352.
20. In “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 4.ª edição, Coimbra, 2012, p. 193.
21. Vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Abril de 2018, proferido no Processo n.º 3596/16.1T8CBR.C2, e cujo sumário transcrevemos atento o seu relevante interesse: “I – Padece de nulidade um contrato de trabalho celebrado com um Instituto Público em Abril de 2004, por não ser então possível a contratação sem termo na Administração Pública. II – A partir da vigência da Lei n.º 23/2004, de 22/06, manteve-se a invalidade do contrato pois, apesar de passar a ser possível aquela contratação, obedecia a mesma a um processo prévio de selecção, o que não havia sido observado. III – Porém, tendo persistido a execução contratual sem declaração de nulidade para além de Maio de 2009, altura em que o empregador Instituto Público foi substituído por uma Fundação de direito privado submetida ao regime geral do CT, o contrato nulo convalidou-se desde o início da sua execução. IV – Apesar de este contrato de trabalho que persistia em execução desde 2004 ter passado a vincular o Estado em Setembro de 2015 – com a extinção da Fundação e consequente transição para o Estado (DGAL) dos seus fins, atribuições, património, direitos e obrigações – tal não acarreta a sua invalidade superveniente”.
22. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2024, Processo 825/21.3T8VCT.G2.S1, in www.dgsi.pt.
23. Proferido no Processo n.º 6132/17.9T8FNC.L1, in www.dgsi.pt.
24. Proferido no Processo n.º 3678/18.5T8FNC.L1 relatado pela ora relatora e inédito, tanto quanto nos é dado saber.
25. Que, a existir, teria que se reconduzir à figura jurídica da remissão abdicativa. Isto porque, não sendo reconhecida em termos gerais no domínio do Direito das Obrigações a renúncia enquanto negócio jurídico unilateral, como causa extintiva de créditos (vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume II, 4ª Edição revista e actualizada com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1982, p. 150), apenas se admite que o credor, com a aquiescência do devedor, renuncie ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia. É o que se chama de remissão – cfr. o artigo 863.º do Código Civil – e consiste num contrato entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber desta a prestação devida.
26. Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2023, Processo 176/23.9T8PDL.L1-4, in www.dgsi.pt e João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 4.ª Edição, Coimbra, 2022, p. 178).
27. Vide o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Setembro de 2023, processo n.º 1492/20.7T8VNG.P1, in www.dgsi.pt.