CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
RISCOS DE EXPOSIÇÃO AO AMIANTO
Sumário

I- O recurso nas contraordenações em segunda instância, além da matéria de direito, abrange a matéria de facto, nos termos estritamente previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
II- A insuficiência da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova pressupõe que do texto da decisão ou deste conjugado com as regras da experiência comum resulte que a matéria provada não consente a emissão de uma decisão absolutória ou condenatória.
III- Tal vício não se verifica quando a sentença dá por demonstrados todos os factos que preenchem os elementos objetivos e subjetivos do ilícito de contraordenação social imputados.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
XX, Lda. veio impugnar judicialmente, como se refere no relatório da sentença recorrida, “a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) nos processos de contraordenação ns.º 012100030 (processo principal), 012100032, 012100034 e 0121000351 , no âmbito do qual lhe foi aplicada uma coima única no valor de € 9.180,00 (90 UC’s), com fundamento na violação do disposto: (i) nos arts. 6.º e 25.º, n.º 1, do DL n.º 266/2007, de 24 de Julho; (ii) nos arts. 11.º, n.º 4, e 25.º, n.º 1, do mesmo DL; (iii) no art. 79.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro; (iv) e no disposto no art. 29.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.”
Recebido o recurso, com efeito devolutivo, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, na qual se decidiu:
“(…)o tribunal julga parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência:
a) mantém a decisão da autoridade administrativa, condenando a recorrente no pagamento de coima no valor 90 UC’s (€ 9.180,00), por cujo pagamento são solidariamente responsáveis AA e BB;
b) revoga a sanção acessória de publicidade.”
Inconformada interpôs a arguida o presente recurso, restrito à prática das contraordenações p.e p. nos arts. 6.º e 25.º, n.º 1, do DL n.º 266/2007, de 24 de julho e nos arts. 11.º, n.º 4, e 25.º, n.º 1, do mesmo DL a que foram aplicadas as coimas de 35 UC, a cada uma, concluindo:
“1. Salvo melhor opinião, entendemos que a Sentença ora em crise padece de erro notório na apreciação da prova, quanto aos factos provados sob os n.os 3, 6 e 8, vício consagrado no artigo 410.º, n.º 2 do C.P.P..
2. Ora, o Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho, no seu artigo 1.º, n.º 2, estipula regras de proteção sanitária dos trabalhadores contra riscos de exposição ao amianto durante o trabalho, pelo que é aplicável a todas as atividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a poeiras do amianto ou de materiais que contenham amianto.
3. As obrigações alegadamente incumpridas pela Recorrente encontram-se previstas nos artigos 6.º e 11.º, n.º 4 do referido Decreto-Lei, sendo que o seu incumprimento constitui uma contraordenação laboral muito grave, em conformidade com o disposto no seu artigo 25.º.
4. Resulta da letra da lei que a aplicação da referida legislação pressupõe a existência, em determinado material, de um componente específico: o amianto.
5. Acontece que a verificação da presença de amianto em determinado material não é detetável a “olho nu”, requerendo, a sua determinação, uma análise em laboratório ou uma testagem específica do material que integra, através de “equipamento adequado” e por “técnicos especializados”.
6. Neste sentido, para se concluir pela aplicação do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho ao caso em apreço, deveria ter sido produzida prova que permitisse concluir que as placas de fibrocimento existentes na cobertura do edifício habitacional acima melhor identificado têm amianto na sua composição.
7. Desde logo, conforme é facto público e notório, o fibrocimento consiste na mistura de cimento, não sendo necessariamente utilizado amianto.
8. A saber, a YY introduziu em Portugal o fibrocimento (NT) que não utiliza amianto ou asbesto na sua composição, mas antes um complexo de fibras vegetais.
9. Pelo que a ausência de verificação da existência de amianto nas placas de fibrocimento removidas do telhado do edifício habitacional acima melhor identificado pelos trabalhadores da Recorrente, através de análise ou testagem, afasta a aplicação do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho.
10. De outra forma, legitimaríamos a referida Autoridade Administrativa a aplicar sanções sem fundamento, através de decisões autoritárias e desconformes com os princípios basilares do nosso ordenamento jurídico.
11. No caso concreto, a Autoridade Administrativa referiu na sua decisão que, à data da visita inspetiva, as placas removidas pelos trabalhadores da Recorrente já não se encontravam no local da obra, não tendo promovido a sua testagem, ou sequer dos alegados “restos” existentes na cobertura, ainda que conhecesse a sua essencialidade (Cfr. Pontos I.1.4. e I.1.5. do elenco dos Factos Provados).
12. Tendo concluído pela prática, pela Recorrente, de duas contraordenações muito graves, previstas e punidas nos termos dos artigos 6.º, n.º 1, 11.º, n.º 4, 25.º, ambos do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho, conjugados com as disposições previstas no artigo 15.º, n.º 2, alínea c) e n.º 14, da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro e dos artigos 554.º, n.º 4 e 562.º do Código do Trabalho, sem apurar e demonstrar que as placas de fibrocimento removidas pelos trabalhadores da Recorrente tinham, na sua composição, amianto.
13. Por conseguinte, a decisão da A.C.T. quanto aos processos de contraordenação n.os 012100030 e 012100032 instaurados carece de fundamento.
14. Atendendo a que o discurso decisório tem que encerrar a explicação da razão por que decide de determinada maneira, explicação esta que deverá conduzir, logicamente, ao resultado adotado, ao cabo e ao resto, a decisão de facto precisa de especificar os respetivos fundamentos, a par de que estes devem ser congruentes, justificando a decisão acolhida, importando inteligibilidade, sob pena de erro de julgamento.
15. Pelo que o Tribunal a quo proferiu uma decisão quanto aos Factos Provados n.os 3, 6 e 8 que não tem qualquer respaldo nos meios de prova, inexistindo qualquer meio de prova que permita concluir pela existência de amianto nas placas de fibrocimento dos autos, pois que, do próprio contexto da decisão, se evidencia que o Tribunal a quo confunde o “amianto” com o “fibrocimento”
16. Assim, a decisão de facto não poderá, por isso, de deixar de ser expurgada dos citados Factos Provados n.os 3, 6 e 8, porque verificado o vício que decorre das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P..
17. Consequentemente, não se pode considerar como preenchido o elemento objetivo do tipo, previsto nos artigos 6.º e 11.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho.
18. Por outro lado, também não se pode considerar como preenchido o elemento subjetivo do tipo, previsto nos artigos 6.º e 11.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho.
19. Porquanto as placas de fibrocimento foram detetadas já durante a execução dos trabalhos de intervenção no prédio mormente de pintura da fachada do prédio, tendo a Recorrente promovido, de imediato, a sua remoção e substituição por painel sandwich.
20. Sendo certo que fora a urgência de remoção e substituição das placas de fibrocimento, com vista a garantir a segurança imediata dos trabalhadores da Recorrente e dos residentes no edifício, que a impediram de elaborar e apresentar previamente um plano de trabalhos e a avaliação, previstos nos artigos 6.º e 11.º, n.º 1 do Decreto-lei acima mencionado.
21. Não obstante, a Recorrente, por mero dever de diligência, adotou o procedimento típico que utiliza para as operações de remoção de amianto, designadamente conferiu aos seus trabalhadores o equipamento adequado, instruiu-os dos comportamentos e cuidados que devem ter, vedou e sinalizou o espaço e promoveu a existência de uma cabine de descontaminação, com um percurso delimitado para a passagem dos trabalhadores.
22. Em face do exposto, verifica-se que falecem os elementos objetivo e subjetivo dos ilícitos contraordenacionais supra referidos.
23. Pelo que não tendo a A.C.T. logrado provar a existência de amianto nas placas de fibrocimento existentes no edifício acima referido, nunca poderia condenar a Recorrente pela prática de duas contraordenações ao abrigo do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho
24. Assim como não poderia o Tribunal a quo considerar provada a existência de amianto na composição das placas de fibrocimento e, consequentemente, manter a decisão administrativa de condenação, porquanto nenhuma prova foi feita.
25. Termos em que sempre deverá revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão da Autoridade Administrativa, que condenou a Recorrente no pagamento de coima no valor de 90 UCs (€ 9.180,00), de que são solidariamente responsáveis AA e BB, absolvendo-a, por não preenchido os elementos objetivo e subjetivo do tipo.
SEM PRESCINDIR
26. Para a hipótese, meramente académica, de se admitir que é aplicável ao caso em apreço o Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho, sempre se dirá que se encontram preenchidos os requisitos do artigo 23.º do mesmo diploma legal, pelo que não recaía sobre a Recorrente qualquer dever de informar a A.C.T..
27. In casu, a atividade de manutenção do telhado em assumiu natureza esporádica, com duração de um único dia, encontrando-se, assim, preenchida a al. a) do referido artigo.
28. Acresce que resulta clara e inequivocamente do mencionado plano de trabalhos que os trabalhos visavam a cobertura das placas de fibrocimento, isto é, visava o seu encapsulamento, pelo que se encontraria preenchido o requisito da alínea c) do artigo.
29. Deste modo, a exposição às placas de fibrocimento era reduzida e de fraca intensidade, em especial considerando o equipamento atribuído aos trabalhadores da Recorrente.
30. Inexistindo, assim, o dever a que se refere o artigo 11.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 266/2007, a atuação da Recorrente não consubstancia contraordenação laboral muito grave nos termos do artigo 25.º, n.º 1, porquanto respeitou os pressupostos aí previstos.
31. Não se vislumbram, por isso, motivos para a existência da responsabilidade contraordenacional da Recorrente.
32. Termos em que sempre deverá revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão da Autoridade Administrativa, que condenou a Recorrente no pagamento de coima no valor de 90 UCs (€ 9.180,00), de que são solidariamente responsáveis AA e BB, absolvendo-a, por não preenchido o elemento objetivo do tipo.
33. Por outro lado, cremos, salvo melhor opinião, que a Sentença ora em crise viola o princípio in dúbio pro re, que consiste num princípio basilar consagrado na Lei Fundamental, igualmente aplicado no processo contraordenacional.
34. Questão que pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem.
35. Entende-se, por isso, que a inexistência de prova de verificação de amianto nas placas de fibrocimento removidas do telhado do edifício acima referido, e do dolo, teria de incutir ao Tribunal a quo a dúvida que levasse o mesmo a proferir um juízo decisório favorável à Recorrente.
36. Termos em que sempre deverá revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão da Autoridade Administrativa, por violação do princípio in dubio pro reo.
37. Pelo que, salvo melhor opinião, deverá proceder in totum o presente recurso. A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes princípios e preceitos legais:
− Princípios in dúbio pro reo;
− Princípio da proporcionalidade.
− Art. 32.º da Constituição da República Portuguesa;
− Artigos 6.º, n.º 1, 11.º, n.º4, 23.º, 25.º, todos do Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho;
− Artigo 15.º, n.º 2, alínea c) e n.º 14 da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro;
− Artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro;
− Artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (R.G.C.O.);
− Artigos 554.º, n.º 4 e 562.º do Código do Trabalho
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O recurso foi admitido.
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Na resposta o M.P. apresentou as seguintes conclusões:
“1ºPor Sentença de 06 de Janeiro de 2023 foi apreciado o recurso interposto pela aqui recorrente vindo o mesmo a ser considerado, parcialmente, improcedente, vindo a mesma a ser condenada numa coima única de € 90 UC’s (€ 9.180,00) e revogada a sanção acessória de publicidade.
2.º A recorrente considera que a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova e afigura-se insuficiência na apreciação da prova quantos aos factos considerados provados em 3.º, 6.º e 8.º da decisão.
3.º Acompanhando e subscrevendo as considerações insertas no Acórdão da Relação de Lisboa de 02 de Maio de 2023, publicado na página web, www.dgsi.pt, “Os vícios contemplados nas três alíneas do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal são vícios que resultam da própria estrutura da sentença que são detectáveis pela simples leitura e análise daquela. II. Se for necessário analisar elementos do processo, como, a prova gravada, documentos ou mesmo peças processuais, tais como a contestação do arguido, para se concluir que faltam factos para sustentar a decisão ou que há erro na apreciação daquela prova, então, não estamos no âmbito dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP mas perante o próprio mérito da decisão”.
4.º A recorrente analisa elementos do processo, como sejam, os factos da decisão administrativa, os procedimentos que deviam ter sido levados a efeito para detecção do amianto, pelo que, não há erro na apreciação da prova nem se verificam os vícios previstos n art. 410.º do CPP mas uma impugnação do mérito da decisão.
5.º A recorrente alega, ainda, que a decisão recorrida viola o principio “in dúbio pro reo”, o que não se infere da decisão recorrida, já que não resulta da mesma que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, pelo que, improcede, igualmente, a violação do aludido princípio.
6.º Entende-se que a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos e o recurso ser declarado improcedente.”
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No parecer emitido pela Exm.a Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal refere-se que :
“Entende a arguida, ora recorrente que existe erro notório na apreciação da prova, por não ter sido produzida prova laboratorial que demonstrasse que as placas de fibrocimento retiradas do telhado em causa nos autos contivessem, efetivamente, amianto
Não tem razão, e neste ponto, acompanhamos a posição assumida pelo Ministério Público na 1.ª instância, uma vez que não resulta do texto da decisão recorrida (cf. Artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) a existência de qualquer vício.
Quanto à ausência de obrigação de informar a ACT, pretendida, à cautela, pela Recorrente, por aplicação do disposto no artigo 23.º do DL 266/2007, de 24 de julho, dir-se-á que também não pode proceder.
Vejamos:
Dispõe o artigo 23.º do DL 266/2007, de 24 de julho «Nas situações em que os trabalhadores estejam sujeitos a exposições esporádicas e de fraca intensidade e o resultado da avaliação de riscos demonstre claramente que o valor limite…» (negrito e sublinhado nossos).
Ora, a arguida foi condenada, além do mais, pela prática da infração p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º e 25.º do DL 266/2007 de 24 de julho e 554.º, n.º 4, alínea b) do Código do Trabalho, por não ter procedido à avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, determinando a natureza, o grau e o tempo de exposição.
Assim, para que se pudesse perspetivar a possibilidade de não se aplicar o disposto no artigo 11.º (ex vi do artigo 23.º do DL 266/2007), leia-se, dispensa de prévia autorização da ACT para a realização dos trabalhos, era necessário que tivesse havido, pelo menos, a avaliação de riscos, o que manifestamente não sucedeu.
Somos, pois, de parecer que o recurso interposto deve improceder.”
2. Questões a resolver
Importa assinalar-se que estatui o art. 60º da Lei 107/2009, de 14.09, sob a epigrafe “ Direito subsidiário” que às contraordenações laborais e de segurança social, sempre que o contrário não resulte da lei se aplica o regime geral das contraordenações. Este regime este previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, com as subsequentes alterações – a última das quais decorrente da Lei n.º 109/2001 de 24.10.
E que, por via do artigo 41.º, n.º 1, Decreto-Lei 433/82, de 27-10, são também aplicáveis às contraordenações laborais e de segurança social com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, máxime as pertinentes disposições do Código de Processo Penal.
E, ainda que este Tribunal de recurso apenas conhece de matéria de direito, artigo 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009, sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410º do CPP (Código de Processo Penal), bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º do CPP.
Por outro lado, o recurso interposto cinge-se à prática pela recorrida das infrações a que alude o art. 6º e 11 º do D.L. 266/2007, de 24 de julho, cfr. conclusão 13º do recurso interposto onde se refere que a decisão da ACT quanto aos processo 012100030 e 01210032 carece de fundamento.
Assim considerando o exposto, sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, artigos 403.º, n.º 1, e 412.º, n.º 1, do CPP , ex vi artigo 50.º, n.º 4, Lei n.º 107/2009, de 14 e as conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões suscitadas:
1. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova nos artigos 3º, 6º e 8º dos factos provados, alíneas a) e c) do art. 410 do CPP.
2. – Da (não) verificação das contraordenações previstas e punidas nos arts. 6.º e 25.º, n.º 1, do DL n.º 266/2007, de 24 de julho; nos arts. 11.º, n.º 4, e 25.º, n.º 1, do mesmo DL.
3. – Da ( não) verificação dos requisitos do art. 23º do DL n.º 266/2007, de 24 de julho inexistindo, assim, o dever a que alude o art. 11º, n.º 4 do mesmo diploma legal.
4. - Da violação do princípio in dubio pro reo.
3-Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância ( transcrição da sentença)
A decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
“(…)CONSIDERAM-SE PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA:
1. A recorrente desenvolve a actividade de construção de edifícios.
2. No dia 3 de Novembro de 2020, a recorrente efectuava trabalhos de remodelação no edifício habitacional sito no ....
3. Os trabalhos de remodelação referidos em 2. consistiam na pintura das fachadas e, bem assim, na remoção da cobertura do edifício, composta por placas de fibrocimento, contendo amianto, e sua substituição por painel sandwich.
4. Na data referida em 2., a recorrente mantinha em obra, sob a sua direcção e fiscalização, pelo menos quatro trabalhadores, três na execução de trabalhos de pintura das fachadas, e um na cobertura, a executar trabalhos de colocação de painel sandwich.
5. Na data referida em 2., a remoção das placas de fibrocimento já tinha ocorrido, nela tendo estado envolvida trabalhadores da recorrente, entre eles e pelo menos CC, sendo que, no entanto, a limpeza do local não havia sido concluída, existindo, ainda, restos de placas de fibrocimento na cobertura.
6. Antes da remoção das placas de fibrocimento, a recorrente teve conhecimento da qualidade e natureza do telhado (cobertura) do edifício referido em 2., sabendo que aquelas placas continham amianto.
7. A fim de proceder aos trabalhos de remoção das placas de fibrocimento e antes da sua execução, a recorrente não realizou uma avaliação e identificação dos riscos relativos à actividade a realizar, relativas aos locais e aos processos de trabalho, avaliando o risco para a segurança e saúde dos trabalhadores, com determinação da natureza, grau e tempo de exposição.
8. Do mesmo passo, a não avaliação referida em 7. importou que não tivessem sido avaliadas as medidas de prevenção e redução, ao mínimo, da exposição dos trabalhadores a poeiras de amianto e que essa exposição não fosse superior ao valor limite de exposição.
9. A recorrente não solicitou à ACT autorização prévia para execução dos trabalhos referentes à remoção das placas de fibrocimento.
10. Do mesmo passo que não elaborou ou submeteu à ACT um plano de trabalho referente execução dos trabalhos de remoção das placas de fibrocimento.
11. Na data referida em 2., a recorrente mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção e mediante retribuição, o trabalhador DD, admitido no dia 1 de Novembro de 2020.
12. Na data referida em 2., a admissão do trabalhador referido em 11. não havia sido efectuada junto da Segurança Social, só vindo a sê-lo no dia 4 de Novembro de 2020, embora com efeitos a dia 1 de Novembro de 2020.
13. Na data referida em 2., a recorrente não tinha transferida para nenhuma entidade legalmente autorizada para o efeito a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho que porventura ocorressem com o trabalhador referidos em 11., só vindo a integrá-lo na Apólice de Seguro a partir de 4 de Novembro de 2020.
14. Em 25 de Janeiro de 2019, a recorrente promoveu a ministração de formação em matéria de segurança em trabalhos em altura aos trabalhadores EE, FF, GG, HH, II, AA, JJ, CC, KK e LL.
15. No dia 30 de Outubro de 2020, a recorrente distribuiu aos trabalhadores MM, NN, CC, EE, GG e KK os seguintes equipamentos de protecção individual: capacete de protecção, calçado de protecção, luvas de protecção, arnês, amortecedor de queda e corda de posicionamento regulável.
16. No dia 1 de Novembro de 2020, a recorrente distribuiu ao trabalhador DD os seguintes equipamentos de protecção individual: capacete de protecção, calçado de protecção, luvas de protecção, arnês, amortecedor de queda e corda de posicionamento regulável.
17. No dia 28 de Outubro de 2020, a recorrente distribuiu aos trabalhadores JJ e LL os seguintes equipamentos de protecção individual: capacete de protecção, calçado de protecção, luvas de protecção, arnês, amortecedor de queda e corda de posicionamento regulável.
18. Nas datas antes referidas, a recorrente forneceu aos trabalhadores CC, JJ, EE, GG e LL o seguinte equipamento de protecção individual: kit amianto.
19. Nas datas referidas em 15. a 17., cada um dos trabalhadores também aí referidos declararam como segue: «Declaro que me foi facultada a informação necessária para a identificação dos riscos e as medidas preventivas a cumprir, comprometendo-se a cumprir os procedimentos de segurança adequados aos tipos de trabalho a desenvolver».
20. A necessidade de execução dos trabalhos referentes à remoção das placas de fibrocimento do edifício referido em 2. surgiu já em fase de execução dos trabalhos de pintura das fachadas.
21. À execução dos trabalhos referidos em 3. foi alocada uma cabine de descontaminação de amianto.
22. Ao não proceder às avaliações referidas em 7. e 8.,ao não comunicar a admissão do trabalhador DD à Segurança Social e ao não contratar entidade legalmente autorizada com vista a transferir a responsabilidade emergente de acidente de trabalho que porventura ocorresse com o dito trabalhador, a recorrente agiu sem a diligência e o cuidado devidos.
23. No ano de 2019, a recorrente apresentou um volume de negócios no valor de € 928.865,00.
(…)CONSIDERAM-SE NÃO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA:
1. Que a execução dos trabalhos referidos em II.1.3., relativos à remoção da cobertura, e a sua necessidade tenha sido decidida na hora ou com urgência por se tratar de edifício residencial. ~
2. Que a presença de amianto só haja sido detectada já na fase de execução dos trabalhos.
3. Que para a execução dos trabalhos referidos em II.1.3., relativos à remoção da cobertura, à recorrente não fosse possível proceder do modo referido em II.1.7. e II.7.8..
4. Que na data referida em II.1.2., DD se tenha dirigido à obra referida em II.1.3. a solicitar trabalho.
5. Que, então e como não estivesse presente nenhum dos sócios gerentes da recorrente, DD tenha feito tal solicitação ao, então, responsável da obra, tendo-lhe este dito que teria de esperar por um dos gerentes, mais o questionando sobre se sabia pintar.
6. Que, sem prejuízo do que lhe fora referido pelo responsável da obra, DD tenha começado a pintar a fim de comprovar que o sabia fazer.
7. Que o trabalhador DD só tenha sido admitido ao serviço da recorrente no dia 4 de Novembro de 2020.
8. Que a recorrente tenha sempre cumprido com a obrigação de transferência da sua responsabilidade por acidente de trabalho para companhia de seguros autorizada para o efeito relativamente a todos os seus trabalhadores.
9. Que a recorrente tenha sempre cumprido, tempestivamente, junto da Segurança Social, com a sua obrigação de comunicação de admissão dos seus trabalhadores.
(…)FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Na fixação dos factos dados como provados constantes dos pontos 1. e 2., o tribunal fundou a sua convicção, desde logo, no teor dos autos de notícia de cada um dos procedimentos contra-ordenacionais, cumprindo salientar, neste conspecto, que estes factos não merecem a oposição dos recorrentes.
Os factos dados como provados sob os pontos 3. a 5. alicerçam-se fundamentalmente, na valoração conjunta dos depoimentos prestados em sede de audiência final, sendo que, no que concerne a esta específica matéria, as testemunhas inquiridas – sejam os srs. inspectores da ACT, sejam os trabalhadores da recorrente – prestaram depoimentos essencialmente idênticos e homogéneos, deles decorrendo, sem que dúvida de relevo se coloque, que os trabalhos a executar no edifício consistiram, efectivamente, na pintura das fachadas e também na remoção da cobertura do edifício. O mesmo se diga quanto ao número de trabalhadores envolvidos, que terão sido pelo menos quatro, e quanto ao facto de, no dia da visita inspectiva, os trabalhos de remoção das placas de fibrocimento já estarem concluídos, embora restasse, ainda, efectuar a limpeza integral do local – já que alguma já teria sido feita –, daí que existissem, ainda, resíduos de placas no chão.
Veja-se, ainda, especificamente no que concerne aos trabalhos que foram adjudicados à recorrente, os documentos de fls. 291-297, dos autos.
No que especificamente concerne ao facto de se ter dado como provada a existência de amianto nas placas de fibrocimento, há a relevar, desde logo, o orçamento que a recorrente elaborou, no qual consta, sem sombra de dúvida, que a remoção da cobertura importava lidar com a substância em causa. Se a recorrente o diz naquele orçamento, maxime a fls. 295, naturalmente que tanto conhecia, caso contrário sequer teria dotado os seus trabalhadores do kit de amianto e da instalação de uma cabine de descontaminação. É estranho, pois, que a recorrente venha, nesta fase, a lançar a suspeita quanto aos materiais nos quais veio a desenvolver trabalhos, colocando em dúvida a sua composição, quando, na verdade, e sem prejuízo do demais, acabe por tomar cuidados que só com a existência de substâncias perigosas são compatíveis. Aliás, a postura da recorrente não deixa de ser absolutamente reprovável quando à notificação que primeiramente lhe é feita e cuja irregularidade suscita, apresenta um recurso com determinada fundamentação, e, depois, aquando da notificação que lhe foi feita posteriormente, na sua sede, apresenta um outro recurso já com uma versão diferente. No mínimo, reprovável…
Veja-se, igualmente, o plano de trabalho da recorrente, relativo à obra em causa e especificamente no que se refere à remoção da cobertura, constante de fls. 265-267.
A matéria de facto provada constante do ponto 6. alicerça-se, desde logo, no próprio documento que consta de fls. 294v.-297, dos autos. Trata-se do orçamento relativo à obra em execução, dele decorrendo saber a recorrente a composição do telhado cuja remoção era necessária efectuar (cfr., em particular, fls. 295, caso contrário tanto não mencionaria no orçamento.
A matéria de facto provada constante dos pontos 7. e 8. alicerça-se na circunstância de se não tratar de matéria que esteja controvertida ou que a recorrente negue. Na verdade, a recorrente limita-se a, quanto a tanto, alegar desconhecer que os trabalhos de remoção das placas estivessem já previamente definidos, indicando que terão surgido no decurso da obra, mais invocando razões de urgência na execução desse trabalho.
A matéria de facto provada constante dos pontos 9. e 10. alicerça-se na circunstância de se não tratar de matéria que esteja controvertida ou que a recorrente negue. Na verdade, a recorrente limita-se a, quanto a tanto, invocar razões de urgência na execução desse trabalho, não impugnando, pois, que não haja realizado o plano de trabalho e solicitado a autorização da ACT.
A matéria de facto provada constante do ponto 11. alicerça-se, por um lado, no teor dos depoimentos das testemunhas OO e PP, ambos inspectores da ACT intervenientes na visita inspectiva que desencadeou o presente processo. De relevar, para além da consistência dos seus depoimentos, também o que de essencial deles resultou, isto é, que na data da visita inspectiva o trabalhador DD estava em plena execução de trabalhos, isto é, envolvido na pintura das fachadas. Aliás, o que ora se prova é de todo consistente com o documento de fls. 25-27, dos autos, juntos pela própria recorrente na fase administrativa do processo, dos quais decorre ter fornecido equipamento a DD no dia 1 de Novembro de 2020, não sendo curial que se distribua equipamento de trabalho a quem não é seu trabalhador ou só o é a partir do dia 4 de Novembro de 2020.
No mais, há a relevar que, neste conspecto, os depoimentos das demais testemunhas inquiridas se revelaram ao tribunal incoerentes e inconsistentes, daí que não hajam merecido qualquer credibilidade.
A matéria de facto provada constante dos pontos 12. e 13. alicerça-se na circunstância de se não tratar de matéria que esteja controvertida ou que a recorrente negue. Na verdade, a recorrente não nega a presente factualidade, alegando, ao invés, que, na data de 3 de Novembro de 2020, DD não era seu trabalhador.
A matéria de facto provada constante dos pontos 14. a 19. alicerça-se no teor dos documentos de fls. 21-53, dos autos.
A matéria de facto provada constante do ponto 20. alicerça-se no teor do documento de fls. 294v.- 297, dos autos, maxime, a respectiva data, conjugado com os depoimentos das testemunhas JJ e CC, tendo, por estes, sido referido que a necessidade de execução dos trabalhos de remoção da cobertura e sua substituição surgiram no decurso dos outros trabalhos e por se ter constatado que a cobertura/telhado estava em mau estado.
A matéria de facto provada constante do ponto 21. alicerça-se nos mesmos meios de prova referidos na fundamentação do ponto 20., conjugados com os documentos de fls. 53-57, dos autos.
A matéria de facto provada constante do ponto 22. decorre de toda a prova produzida e do juízo de desvalor e culpa que se extrai dos factos imputados, sendo que a recorrente, operando em obras, não pode desconhecer ou ignorar as obrigações que sobre si impendem, do mesmo passo que, tendo trabalhadores ao seu serviço, não pode desconhecer as obrigações que sobre si recaem também nesse domínio. Agiu, pois, sem o cuidado e a diligência devidas, a que estava obrigada e que era capaz.
A matéria de facto provada constante do ponto 23. não está impugnada.
A matéria de facto não provada constante do ponto 1. alicerça-se na circunstância de prova alguma ter sido produzida a respeito. Na verdade, sem prejuízo de as testemunhas JJ e CC terem de facto referido que a necessidade de remoção das placas de fibrocimento/obras de intervenção na cobertura apenas surgiu já no decurso da execução dos demais trabalhos, o certo é que nada referiram, por desconhecerem, qual o processo subsequente a essa constatação, designadamente, que a execução haja sido decidida na hora e por urgência.
A matéria de facto não provada constante do ponto 2. decorre do que se mostra já exposto na fundamentação da matéria de facto provada constante do ponto 6.. Mais, a circunstância de a necessidade dos trabalhos de remoção da cobertura do edifício onde ocorreu a visita inspectiva apenas ter surgido no decurso dos outros trabalhos, não significa que, para aquele trabalho em específico, a recorrente já só viesse a constatar a existência de materiais com amianto já na sua fase de execução. Disso mesmo dá nota o orçamento que fez, já que este terá precedido a realização dos concretos trabalhos de remoção da cobertura e, portanto, pelo menos então a recorrente já saberia da presença da substância em causa (tanto que a ela alude no orçamento).
A matéria de facto não provada constante do ponto 3. alicerça-se na circunstância de prova alguma ter sido produzida a respeito. Na verdade, não foi produzida qualquer prova que tivesse a virtualidade de justificar a circunstância de a recorrente não ter podido proceder às avaliações que se impunham e de não ter podido solicitar a necessária autorização à ACT.
A matéria de facto não provada constante dos pontos 4. a 7. alicerça-se na circunstância de prova alguma minimamente credível ter sido produzida a propósito, ao que avulta a sua manifesta inverosimilhança, mais se alicerçando no já exposto na fundamentação do facto provado sob o ponto 11., aqui se dando, por isso, por reproduzidas as considerações aí tecidas.
E falamos na ausência de prova testemunhal credível porquanto: as testemunhas JJ e CC, ambos trabalhadores da recorrente e ambos afectos à obra em causa, vieram, em sede de audiência final, procurar corroborar, embora um pouco atabalhoadamente, a versão trazida pela recorrente no seu recurso de impugnação, sendo que a testemunha JJ referiu que efectivamente DD fora pedir trabalho, no mesmo dia da visita inspectiva, mas que, nesse dia, nada fez. Segundo referiu, foi a si que DD se dirigiu. Já a testemunha CC referiu sequer conhecer DD. Ora, para além de as testemunhas OO e PP, ambos inspectores da ACT intervenientes na visita inspectiva que desencadeou o presente processo, terem referido ter visto DD a efectuar trabalho, referindo inclusive que estava com roupa de trabalho, num andaime, a pintar, há o documento de fls. 25-27, dos autos, junto pela recorrente, donde se extrai a entrega de material de trabalho a DD no dia 1 de Novembro de 2020. Do exposto decorre, para além do juízo de reprovação a endereçar à defesa da recorrente – que expressamente diz que o trabalhador DD apenas se apresentou na obra no dia 3 de Novembro de 2020 –, também a falta que as testemunhas JJ e CC tiveram à verdade, ao procurar escamotear o facto de DD não ser, pelo menos desde 1 de Novembro de 2020, trabalhador da recorrente. A final determinar-se-á o que for tido por conveniente a este propósito, já que se se entende que, de facto, o direito de defesa é um direito fundamental, já faltar com a verdade, perante o tribunal, é comportamento reprovável e que se não pode deixar passar em claro, sob pena de o desrespeito pela casa da justiça se tornar um lugar comum sem qualquer sanção associada.”
4- Fundamentação de Direito
A recorrente foi condenada, no que aqui releva, pela prática de ilícitos contraordenacionais previstos no Decreto-Lei (DL) n.º 266/2007, de 24 de julho que estipula regras de proteção sanitária dos trabalhadores contra riscos de exposição ao amianto durante o trabalho, pelo que é aplicável a todas as atividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a poeiras do amianto ou de materiais que contenham amianto, de acordo com o seu artigo 1.º, n.º 2.
Dispõe o artigo 6.º do referido diploma que “nas atividades suscetíveis de apresentar risco de exposição a poeiras de amianto ou de materiais que contenham amianto, o empregador avalia o risco para a segurança e saúde dos trabalhadores, determinando a natureza, o grau e o tempo de exposição”.
Por seu turno o artigo 11.º, n.º 4 preceitua que “a realização dos trabalhos referidos no n.º 1 depende de autorização prévia da Autoridade para as Condições de Trabalho, que envolve a aprovação do plano de trabalhos e o reconhecimento de competências da empresa que os executa, nos termos do artigo 24.º”, referindo o n.º 1 deste preceito que “o empregador, antes de iniciar qualquer trabalho em edifícios, estruturas, aparelhos, instalações, bem como em aeronaves, material circulante ferroviário, navios ou veículos, que envolva demolição ou remoção de amianto ou de materiais que o contenham, elabora um plano de trabalhos”.
O incumprimento das referidas obrigações constitui uma contraordenação laboral muito grave, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 25.º do citado DL que prescreve que “constitui contraordenação laboral muito grave a violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º, nos artigos 6.º a 10.º, nos n.ºs 1 a 4 do artigo 11.º e nos artigos 17.º e 18.º.”
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova nos artigos 3º, 6º e 8º dos factos provados, alíneas a) e c) do art. 410 do CPP.
Entende a recorrente que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova por, em resumo, não ter sido produzida prova que demonstrasse que as placas de fibrocimento retiradas do telhado em causa nos autos contivessem efetivamente amianto devendo ser expurgados os dos factos provados os n.º 3, 6 e 8 porque verificado o vício que decorre das alíneas a) e c) do art. 410º do CPP.
Estatui o artigo 410.º, n.º 2 do CPP que “ mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) (…);
c) Erro notório na apreciação da prova”.
Estes vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, (…)e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.( Ver Simas Santos, Leal Henriques e David Borges Pinho in Código de Processo Penal, 2º Volume, Rei dos Livros, Edição, 1996, pág. 514)
O seu regime legal não prevê a reapreciação da prova, contrariamente ao que sucede com a impugnação da matéria de facto, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à deteção do defeito presente na sentença e, não podendo decidir a causa, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento, cfr. art. 426º, nº 1 do CPP.
Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69).
E existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341). Dito de outra forma, trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).” ( citação extraída do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 1/19.5GDCBR.C1, de 12-06-2019 e disponível in www.dgsi.pt)
O primeiro vício invocado pela recorrente é o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a) do art. 410 do CPP tem lugar ( como já referimos) quando a factualidade dada como provada na decisão se revela insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado.
Trata-se da existência de uma “lacuna de factos” que deve resultar da própria decisão recorrida, mediante a aferição interna em que apenas se atende ao que nela consta, e não se confunde, pois, com a eventual falta de provas que pudessem sustentar a demonstração da factualidade que ali foi dada como apurada.
No caso sub judice, conforme se alcança do teor da sentença recorrida, o tribunal a quo indagou e levou em consideração os factos relevantes para a decisão que proferiu.
A factualidade apurada preenche os elementos objetivos e subjetivos das infrações em causa vejam-se os factos provados 1º a 10º, para além de que na recorrida resulta, ainda, o tribunal a quo levou ainda à matéria provada ( facto 18 º) que nas datas antes referidas, a recorrente forneceu aos trabalhadores CC, JJ, EE, GG e LL o seguinte equipamento de protecção individual: kit amianto ( facto 21º) que à execução dos trabalhos referidos em 3. foi alocada uma cabine de descontaminação de amianto.
Aponta-se, ainda que, motivação que efetuou o tribunal a quo justificou de forma – para nós convincente – da razão pela qual dá como provada a existência de amianto nas placas de fibrocimento e da qual se conclui a desnecessidade de realização de outra prova “há a relevar, desde logo, o orçamento que a recorrente elaborou, no qual consta, sem sombra de dúvida, que a remoção da cobertura importava lidar com a substância em causa. Se a recorrente o diz naquele orçamento, maxime a fls. 295, naturalmente que tanto conhecia, caso contrário sequer teria dotado os seus trabalhadores do kit de amianto e da instalação de uma cabine de descontaminação. É estranho, pois, que a recorrente venha, nesta fase, a lançar a suspeita quanto aos materiais nos quais veio a desenvolver trabalhos, colocando em dúvida a sua composição, quando, na verdade, e sem prejuízo do demais, acabe por tomar cuidados que só com a existência de substâncias perigosas são compatíveis (…) ou, ainda que “no próprio documento que consta de fls. 294v.-297, dos autos. Trata-se do orçamento relativo à obra em execução, dele decorrendo saber a recorrente a composição do telhado cuja remoção era necessária efectuar (cfr., em particular, fls. 295, caso contrário tanto não mencionaria no orçamento.”
A reforçar este entendimento temos, ainda, a factualidade não provada máxime os artigos 1º e 2º e respetiva motivação.
Não há assim dúvidas que estamos perante material que continha amianto.
Verifica-se, assim, que para a decisão proferida não era necessário (nem exigível) o apuramento de qualquer outro elemento, designadamente através de análise em laboratório ( quer às placas que tinham sido retiradas quer aos restos em obra) porquanto a recorrente desconhecia que se tratava de uma obra com a presença de amianto, porquanto relativamente às placas em concreto que a recorrente se propôs remover não só refere a existência de amianto no orçamento como adota comportamentos que só com a existência de amianto é compatível, sendo certo que na impugnação judicial deduzida contra a decisão administrativa, não invocou qualquer dado factual relativo à questão agora em análise que impusesse ao tribunal a quo investigação e que o este tivesse deixado de investigar quando devia tê-lo feito por aquele a suscitar.
Acresce ainda que não se verifica na sentença recorrida qualquer confusão ente “ fibrocimento” e “ amianto” nem a recorrente identifica onde ocorre essa confusão.
Outrossim se refere que mesmo que se entendesse que se imporia a realização de prova pericial por ser considerada prova necessária, previsivelmente necessária, absolutamente necessária, útil, de interesse, relevante a omissão da sua realização se traduziria uma irregularidade, a atuar dentro dos limites do art. 123.º, n.º 1, do CPP, o que não sucedeu..
Assim, sob a alegação da insuficiência da matéria de facto o que a recorrente suscita verdadeiramente é uma discordância com a avaliação da prova produzida em julgamento e a valoração que a mesma mereceu, o que está vedado nos recursos em matéria contraordenacional, uma vez que não há a redução da prova a escrito
Temos, pois, que a ilação jurídica que o tribunal a quo retirou dos factos provados mostra-se, pois, suficientemente sustentada nestes, sem que ocorra qualquer omissão que releve para efeitos do preceituado no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, em função do que o vício de insuficiência da matéria de facto invocado no recurso deve improceder.
Do erro notório na apreciação da prova
Em matéria de apreciação da prova vale dispõe o artigo 127° do CPP que refere que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo certo que será o juiz de primeira instância que se encontra numa posição privilegiada para avaliar da credibilidade de quem depõe já que foi perante tal juiz que tal prova foi produzida beneficiando assim da oralidade e da imediação plenas, sem prejuízo de ter de explicitar a sua convicção na motivação da decisão.
No que ao caso em preço concerne verifica-se que o Tribunal a quo, analisou criticamente a prova produzida, pronunciando-se relativamente a cada um dos factos que deu como provados e não provados, explicitando relativamente a cada um deles, quais os documentos ou depoimentos que valorou e de que modo realizou tal valoração.
Designadamente quanto aos factos a que alude a recorrente – factos provados nºs 3, 6 e 8 temos que:
- quanto ao facto n.º3 ( motivação é feita em bloco dos factos 3º a 5º ) pode ler-se que:
Os factos dados como provados sob os pontos 3. a 5. alicerçam-se fundamentalmente, na valoração conjunta dos depoimentos prestados em sede de audiência final, sendo que, no que concerne a esta específica matéria, as testemunhas inquiridas – sejam os srs. inspectores da ACT, sejam os trabalhadores da recorrente – prestaram depoimentos essencialmente idênticos e homogéneos, deles decorrendo, sem que dúvida de relevo se coloque, que os trabalhos a executar no edifício consistiram, efectivamente, na pintura das fachadas e também na remoção da cobertura do edifício. O mesmo se diga quanto ao número de trabalhadores envolvidos, que terão sido pelo menos quatro, e quanto ao facto de, no dia da visita inspectiva, os trabalhos de remoção das placas de fibrocimento já estarem concluídos, embora restasse, ainda, efectuar a limpeza integral do local – já que alguma já teria sido feita –, daí que existissem, ainda, resíduos de placas no chão. Veja-se, ainda, especificamente no que concerne aos trabalhos que foram adjudicados à recorrente, os documentos de fls. 291-297, dos autos. No que especificamente concerne ao facto de se ter dado como provada a existência de amianto nas placas de fibrocimento, há a relevar, desde logo, o orçamento que a recorrente elaborou, no qual consta, sem sombra de dúvida, que a remoção da cobertura importava lidar com a substância em causa. Se a recorrente o diz naquele orçamento, maxime a fls. 295, naturalmente que tanto conhecia, caso contrário sequer teria dotado os seus trabalhadores do kit de amianto e da instalação de uma cabine de descontaminação. É estranho, pois, que a recorrente venha, nesta fase, a lançar a suspeita quanto aos materiais nos quais veio a desenvolver trabalhos, colocando em dúvida a sua composição, quando, na verdade, e sem prejuízo do demais, acabe por tomar cuidados que só com a existência de substâncias perigosas são compatíveis. Aliás, a postura da recorrente não deixa de ser absolutamente reprovável quando à notificação que primeiramente lhe é feita e cuja irregularidade suscita, apresenta um recurso com determinada fundamentação, e, depois, aquando da notificação que lhe foi feita posteriormente, na sua sede, apresenta um outro recurso já com uma versão diferente. No mínimo, reprovável… Veja-se, igualmente, o plano de trabalho da recorrente, relativo à obra em causa e especificamente no que se refere à remoção da cobertura, constante de fls. 265-267;
- quanto ao facto n.º 6 escreveu-se:
A matéria de facto provada constante do ponto 6. alicerça-se, desde logo, no próprio documento que consta de fls. 294v.-297, dos autos. Trata-se do orçamento relativo à obra em execução, dele decorrendo saber a recorrente a composição do telhado cuja remoção era necessária efectuar (cfr., em particular, fls. 295, caso contrário tanto não mencionaria no orçamento;
- quanto ao facto n.º 8 a motivação é também em bloco ( facto n.º 7 e 8 ) e refere-se que:
A matéria de facto provada constante dos pontos 7. e 8. alicerça-se na circunstância de se não tratar de matéria que esteja controvertida ou que a recorrente negue. Na verdade, a recorrente limita-se a, quanto a tanto, alegar desconhecer que os trabalhos de remoção das placas estivessem já previamente definidos, indicando que terão surgido no decurso da obra, mais invocando razões de urgência na execução desse trabalho.
Não deixamos de apontar que o tribunal a quo deparou-se com outra versão a da recorrente segundo a qual as placas de fibrocimento só foram detetadas durante a execução da obra e fora a urgência na sua remoção e com vista a garantir a segurança de trabalhadores e residentes que impediram a elaboração e apresentação previa do plano de trabalhos e avaliação.
Mas também esta versão teve a pronuncia do Tribunal nos factos não provados:
1. Que a execução dos trabalhos referidos em II.1.3., relativos à remoção da cobertura, e a sua necessidade tenha sido decidida na hora ou com urgência por se tratar de edifício residencial.
2. Que a presença de amianto só haja sido detectada já na fase de execução dos trabalhos.
3. Que para a execução dos trabalhos referidos em II.1.3., relativos à remoção da cobertura, à recorrente não fosse possível proceder do modo referido em II.1.7. e II.7.8 e respetiva motivação.
E quanto à motivação
Ponto 1
A matéria de facto não provada constante do ponto 1. alicerça-se na circunstância de prova alguma ter sido produzida a respeito. Na verdade, sem prejuízo de as testemunhas JJ e CC terem de facto referido que a necessidade de remoção das placas de fibrocimento/obras de intervenção na cobertura apenas surgiu já no decurso da execução dos demais trabalhos, o certo é que nada referiram, por desconhecerem, qual o processo subsequente a essa constatação, designadamente, que a execução haja sido decidida na hora e por urgência.
Ponto 2
A matéria de facto não provada constante do ponto 2. decorre do que se mostra já exposto na fundamentação da matéria de facto provada constante do ponto 6.. Mais, a circunstância de a necessidade dos trabalhos de remoção da cobertura do edifício onde ocorreu a visita inspectiva apenas ter surgido no decurso dos outros trabalhos, não significa que, para aquele trabalho em específico, a recorrente já só viesse a constatar a existência de materiais com amianto já na sua fase de execução. Disso mesmo dá nota o orçamento que fez, já que este terá precedido a realização dos concretos trabalhos de remoção da cobertura e, portanto, pelo menos então a recorrente já saberia da presença da substância em causa (tanto que a ela alude no orçamento).
Ponto 3
A matéria de facto não provada constante do ponto 3. alicerça-se na circunstância de prova alguma ter sido produzida a respeito. Na verdade, não foi produzida qualquer prova que tivesse a virtualidade de justificar a circunstância de a recorrente não ter podido proceder às avaliações que se impunham e de não ter podido solicitar a necessária autorização à ACT.
Efetuada esta transcrição da leitura que fazemos só podemos concluir que o Tribunal a quo explicita-se de modo coerente e perfeitamente compreensível não se vislumbrando nenhuma regra da experiência comum que tenha sido ultrapassada pelo tribunal nem na motivação nem mesmo das conclusões que retirou da prova produzida.
Nada há de ilógico e irrazoável no afirmado na decisão agora em recurso pelo que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, pelo que também nesta parte, o recurso não merece provimento.
E, a ser assim mantém na factualidade assente pelo Tribunal os factos dos artigos 3º, 6º e 8º.
*
Da verificação dos elementos objetivo e subjetivo dos ilícitos.
No que concerne à infração a que alude o disposto no art. 6.º do D.L. 266/2007, de 24 de julho, temos demonstrando nos autos que:
-a recorrente desenvolve a atividade de construção de edifícios.
- no dia 3 de Novembro de 2020, a recorrente efetuava trabalhos de remodelação no edifício habitacional sito no ....
- tais trabalhos consistiam na pintura das fachadas e, bem assim, na remoção da cobertura do edifício, composta por placas de fibrocimento, contendo amianto, e sua substituição por painel sandwich.
-na referida data, a recorrente mantinha em obra, sob a sua direção e fiscalização, pelo menos quatro trabalhadores, três na execução de trabalhos de pintura das fachadas, e um na cobertura, a executar trabalhos de colocação de painel sandwich
-sendo que, nessa data, a remoção das placas de fibrocimento já tinha ocorrido, nela tendo estado envolvida trabalhadores da recorrente, entre eles e pelo menos CC, sendo que, no entanto, a limpeza do local não havia sido concluída, existindo, ainda, restos de placas de fibrocimento na cobertura.
- antes da remoção das placas de fibrocimento, a recorrente teve conhecimento da qualidade e natureza do telhado (cobertura) do edifício, sabendo que aquelas placas continham amianto.
- a fim de proceder aos trabalhos de remoção das placas de fibrocimento e antes da sua execução, a recorrente não realizou uma avaliação e identificação dos riscos relativos à atividade a realizar, relativas aos locais e aos processos de trabalho, avaliando o risco para a segurança e saúde dos trabalhadores, com determinação da natureza, grau e tempo de exposição.
- essa não avaliação importou que não tivessem sido avaliadas as medidas de prevenção e redução, ao mínimo, da exposição dos trabalhadores a poeiras de amianto e que essa exposição não fosse superior ao valor limite de exposição.
Em face desta factualidade apurada temos preenchido o elemento objetivo do tipo de ilícito em análise que impõe a realização da avaliação do risco para a segurança e saúde dos trabalhadores- avaliação essa que não foi realizada pela recorrente – bem como do elemento subjetivo já que se provou que a recorrente conhecia as caraterísticas do material como que operava e, ainda, assim, não cuidou de avaliar os riscos de exposição ao amianto
No contrapolo, não podemos afirmar que as medidas que a recorrente adotou – cfr. factos n.º 18 e 21º ( Kit de amianto e cabine de descontaminação de amianto ) são suficientes para se considerar que houve uma avaliação de risco, já que são medidas como se refere na sentença recorrida que estão a jusante da necessidade de avaliação, sendo que sem essa avaliação sequer se conhece se tais medidas são ou não as adequadas a diminuir ou a afastar o risco de exposição ao amianto.
Relativamente a infração ao estatuído no art. 11º do D.L. 266/2007, de 24 de julho decorre do contexto factológico apurado que:
- a recorrente não solicitou à ACT autorização prévia para execução dos trabalhos referentes à remoção das placas de fibrocimento.
- do mesmo passo que não elaborou ou submeteu à ACT um plano de trabalho referente execução dos trabalhos de remoção das placas de fibrocimento.
No normativo legal citado impõe-se a solicitação à ACT de autorização prévia o que não se verificou preenchendo-se assim o elemento objetivo do tipo de ilícito e o mesmo se diga relativamente à integração dos factos no elemento típico subjetivo, posto que se provou que a recorrente, sabendo a intervenção a que se propunha, não curou de obter a autorização da ACT
É verdade que se provou, também, que a necessidade de execução dos trabalhos referentes à remoção das placas de fibrocimento do edifício surgiu já em fase de execução dos trabalhos de pintura das fachadas (facto provado sob o ponto 20.) só que, nada impedia a recorrente de sustar os trabalhos a fim de cumprir com os procedimentos que se lhe impunham, sendo certo que nada provou quanto à urgência desses trabalhos.
Não se pode, ainda, olvidar que constitui obrigação geral do empregador a identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos, cfr. art. 15 n-º 2 al c) da Lei 102/2009, de 10 de setembro
Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objetivo e subjetivo dos ilícitos contraordenacionais alvo do presente recurso.
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Da aplicabilidade do art. 23º do D.L. 266/2007 de 24 de julho
Entende, ainda, a recorrente que na hipótese de ser aplicável o DL. 266/2007, de 24 de julho sempre se encontram preenchidos os requisitos do art. 23º pelo que sobre si não recairia sobre si qualquer dever de informar a ACT.
Dispõe o art. 23º sob a epígrafe
“Exposições esporádicas e de fraca intensidade”
Nas situações em que os trabalhadores estejam sujeitos a exposições esporádicas e de fraca intensidade e o resultado da avaliação de riscos demonstre claramente que o valor limite de exposição não será excedido na área de trabalho, o disposto nos artigos 3.º, 11.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º pode não ser aplicado se os trabalhos a efetuar implicarem:
a) Atividades de manutenção descontínuas e de curta duração em que o trabalho incida apenas sobre materiais não friáveis;
b) Remoção sem deterioração de materiais não degradados em que as fibras de amianto estão firmemente aglomeradas;
c) Encapsulamento e revestimento de materiais que contenham amianto, que se encontrem em bom estado;
d) Vigilância e controlo da qualidade do ar e recolha de amostras para detetar a presença de amianto num dado material.
No caso em apreço, como vimos a recorrente não procedeu à avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, determinando a natureza, o grau e o tempo de exposição incorrendo assim na prática da infração prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º e 25.º do DL 266/2007 de 24 de julho.
Ora, como bem se observa no parecer junto aos autos “para que se pudesse perspetivar a possibilidade de não se aplicar o disposto no artigo 11.º (ex vi do artigo 23.º do DL 266/2007), leia-se, dispensa de prévia autorização da ACT para a realização dos trabalhos, era necessário que tivesse havido, pelo menos, a avaliação de riscos, o que manifestamente não sucedeu.”
Ou seja, a não tendo a arguida demonstrado a realização da avaliação dos riscos que demonstre “claramente” que o valor-limite de exposição ao amianto não é excedido na atmosfera na área de trabalho, não poderá ter lugar a aplicação do normativo por si citado, que pressupõe justamente essa a avaliação de riscos para que posteriormente se possa aferir se estamos ( ou não) na presença de alguma das situações subsumíveis às alíneas a) a d) do normativo citado.
De todo o modo não resulta da matéria de facto apurada factualidade da qual se possa afirmar o tempo de duração da execução da obra e/ou se estava perante material que não se fragmentasse naturalmente reduzindo-se a pó nem que a obra consistiria em encapsulamento.
Improcede, assim, também nesta parte o recurso.
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Refere, ainda, a recorrente ser da competência dos Estados-membros a definição das consequências jurídicas pela violação das normas em causa, mormente as sanções decorrentes da sua preterição, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, cf. artigo 20.º, 2.ª Parte da Diretiva 2009/148/CE, que entende que não foi cumprido nos processos contraordenacionais sub iudice, na medida em que estando cumpridas todas as regras de segurança e inexistindo prova da existência de amianto, nunca lhe poderia ser aplicada uma coima.
Também aqui não assiste razão à recorrente porquanto resultou demonstrado não só a presença de amianto como o desrespeito pelas normas de segurança mormente as previstas no art. 6 e 11 n.º 4 do D.L. 266/2007, de 24 de julho, já que realizou a obra sem avaliação de riscos e sem a autorização prévia da Autoridade para as Condições de Trabalho na aprovação do plano de trabalhos e o reconhecimento de competências da empresa recorrente para realização do trabalho em causa.
Por outra lado, há a considerar que as contraordenações em causa nos autos são classificadas como muito graves pelo art.º 25.º, n.º 1 do D.L. 266/2007, de 24 de julho.
E que, nos termos do disposto pelo art.º 559º, n.º1 do CT “na determinação da medida da coima, além do disposto no regime geral das contraordenações, são ainda atendíveis a medida do incumprimento das recomendações constantes de auto de advertência, a coação, falsificação, simulação ou outro meio fraudulento usado pelo agente.”
E, ainda, nos termos do art.º 18.º do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo DL 433/82 de 27/10) “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.”
No caso concreto, apesar de não se ter demonstrado que a recorrente retirou qualquer benefício económico da prática das contraordenações, nem que tenha qualquer antecedente contraordenacional, não foram invocados, nem se demonstraram quaisquer outros factos suscetíveis de atenuar a responsabilidade.
Não se ignora que gravidade das contraordenações praticadas já está contemplada, na sua classificação como contraordenações muito graves e, consequentemente nas molduras aplicáveis mas essa ponderação em abstrato, não substitui a necessidade de na determinação da coima concreta, se ponderar a gravidade dos factos através dos quais, em cada caso, se consuma a contraordenação.
Assim sendo e considerando a elevada censurabilidade da conduta da recorrente – são de todos conhecidos os perigos para a saúde subjacentes à exposição de amianto aliado ao direito fundamental dos trabalhadores de terem boas condições de trabalho que salvaguardem a boa saúde física e mental e ainda que a segurança e saúde no trabalho que têm repercussões na produtividade e competitividade – nenhuma censura há a fazer à coima única aplicada.
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Da violação do princípio in dubio pro reo.
Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP (Constituição da República Portuguesa todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação(…).
Este princípio de inocência in dubio pro reo deve estar sempre presente na mente do julgador pressupondo que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida decida a favor do arguido.
Sucede porém que, a apreciação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto sendo também pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio.
Assim seguindo-se o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido estaremos perante uma situação em que a sentença violará o principio in dubio pro reo.
Considerada a matéria de facto provada, a respetiva fundamentação, e ponderadas as regras da experiência comum, constata-se que o Tribunal a quo não teve dúvidas quer em dar como provados os factos que integram os elementos típicos dos ilícitos contraordenacional imputados, quer em julgar não provados os factos alegados pela recorrente com vista a afastar a sua responsabilidade.
Sendo ainda claro que, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto resulta com clareza que a julgadora não sentiu qualquer dúvida ao decidir, não havendo razões para ser aplicado o princípio in dubio pro reo.
Ou seja, neste segmento também a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Em consequência de tudo o exposto, improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Responsabilidade pelas custas.
As custas, que se fixam em 4 UC serão da responsabilidade da recorrente, (artigos 93.º, nº 3, do RGCOC e 513.º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.º 9, do RCP, bem como Tabela III anexa ao mesmo).

5 - Decisão.
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4UC.

Lisboa, 23 de outubro de 2024
Alexandra Lage
Manuela Fialho
Eugénia Maria Guerra