Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
DIREITO AO ARRENDAMENTO
COMPROPRIETÁRIO
Sumário
(da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC) I – Do disposto no art.º 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, sob a epígrafe “Protecção da casa de morada da família em caso de ruptura”, conjugado com o preceituado nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil resulta que o tribunal pode determinar a transmissão do direito ao arrendamento sobre a casa de morada de família de que um ex-membro da união de facto seja titular a favor do outro ex-membro dessa união de facto, ou a constituição do direito ao arrendamento sobre tal casa, quando seja um bem comum de ambos ou próprio do outro. II – No caso dos autos, um processo de atribuição da casa de morada da família (art.º 990.º do CPC) convolado de procedimento cautelar comum, em que um dos membros da união de facto, entretanto foi dissolvida, peticionou que lhe fosse (provisoriamente) atribuída a casa de morada de família, suportando metade do valor do empréstimo, “até que seja decidido o destino a dar a tal imóvel”, releva o disposto no art.º 1793.º do CC (aplicável ex vi do art.º 4.º da Lei n.º 7/2001), normativo legal que prevê a constituição, por decisão judicial, de um direito ao arrendamento, que fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, cumprindo ao tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os ex-cônjuges/unidos de facto, designadamente no que respeita ao prazo do arrendamento e ao valor da renda, sendo indispensável que o imóvel seja bem comum dos cônjuges ou que pertença, em propriedade ou compropriedade, ao ex-cônjuge/unido de facto que fica sendo senhorio. III – Considerando o Tribunal recorrido que o Requerente era comproprietário da fração em apreço e tendo decidido atribuir-lhe (até ser decidido o destino a dar a esse imóvel) o uso da casa mediante o pagamento de metade do “empréstimo mensal devido ao banco pelo casal”, incluindo os seguros, e a totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo), não foi, em bom rigor, determinada a constituição de uma relação de arrendamento, mas de uma espécie de direito de uso, o que não tem cabimento legal, sendo certo que não se está perante a situação prevista no art.º 931.º, n.º 9, do CPC. IV – Não se afigura correto, oportuno e conveniente, atribuir ao Requerente o direito ao arrendamento da casa de morada da família, muito menos o direito ao uso da mesma nos termos determinados na decisão recorrida, nas circunstâncias de facto apuradas, em que avultam a pendência de ação à qual os autos foram apensos (em que está a ser discutido, com caráter “definitivo”, o mesmo objeto do litígio, bem como a reconvenção deduzida pela aí ré-reconvinte, estando agendada a audiência de julgamento para o próximo mês), e não tendo ficado provada a incipiente factualidade que foi alegada pelo Requerente tendente a demonstrar a existência de periculum in mora, nem que ele seja o principal cuidador dos filhos, parecendo indiferente para o bem estar destes se ficam a residir na casa que é morada da família, com o Requerente ou com a Requerida, ou se ficam a viver na casa arrendada pela Requerida (dada a localização dessas casas e da escola que aqueles frequentam), não se podendo considerar que a situação económica da Requerida seja mais “vantajosa” do que a do Requerente, revelando ainda os factos provados que o Requerente pode ter outras fontes de rendimento (por ser proprietário/comproprietário de imóveis) e ser premente, dado o nível de endividamento das partes, que procurem um entendimento para a gestão do seu património, acordando em vender ou arrendar parte do mesmo.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A … interpôs o presente recurso de apelação da decisão final proferida no processo que lhe move B ….
Os autos tiveram início em 11-08-2023, com a apresentação de Requerimento inicial, em que o Requerente indicou que intentava “providência cautelar comum não especificada para atribuição da casa de morada da família”, pedindo que lhe fosse (provisoriamente) atribuída a casa de morada de família sita na Rua …, n.º …, ….º andar, … – … Lisboa, suportando o Requerente metade do valor do empréstimo, “até que seja decidido o destino a dar a tal imóvel”.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- O Requerente e a Requerida viveram em união de facto desde 2009, tendo em 2020 passado a morar na casa situada na Rua …;
- Desta relação nasceram dois filhos, frequentando ambos o Agrupamento Escolar ..., em Campo de Ourique;
- Foi pedida a regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo o Requerente pedido que as crianças fixassem residência consigo, uma vez que a Requerida não tem disponibilidade para se ocupar das necessidades delas, sendo ele o principal cuidador das crianças, pois acompanha-as quase em exclusivo;
- O Requerente tem 54 anos de idade e uma saúde precária, com dores lombares crónicas, colesterol elevado e toma de medicação diária;
- O Requerente tem despesas nomeadamente com o pagamento de pensão de alimentos e outras despesas relativas ao filho nascido de relacionamento anterior;
- O Requerente não tem, ao contrário da Requerida, outro imóvel em Lisboa;
- O Requerente receia que a Requerida mude a fechadura da porta da casa e o impeça de ali entrar, tendo o Requerente receio de se ver sem local onde morar;
- O Requerente não tem capacidade para adquirir ou arrendar um imóvel em Lisboa, ficando o interesse das crianças salvaguardado se a casa lhe for atribuída.
Foi proferido despacho que convidou o Requerente a “alegar a motivação de facto e de direito que” o impeliu a pretender uma decisão cautelar, ao invés do processo previsto no art.º 990.º do CPC.
O Requerente pronunciou-se, conforme consta do requerimento de 17-08-2023, alegando designadamente que: apesar de estar prevista na lei uma ação relativa à atribuição de casa de morada de família, isso não obstava à possibilidade de ser requerida providência cautelar de atribuição da casa de morada de família; no caso, deve ser decretada uma tal providência, dado o periculum in mora, considerando o receio de que a Requerida venha mudar a fechadura da porta da casa, uma vez que é ela a proprietária do imóvel.
Foi determinada a citação da Requerida nos termos do art.º 366.º do CPC, tendo esta, em 07-09-2023, apresentado a sua Oposição, em que se defendeu por impugnação de facto e de direito, alegando, em síntese, que:
- O pedido formulado é legalmente inadmissível, conforme resulta do disposto no art.º 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, já que a atribuição provisória de casa de morada de família ao membro da união de facto que não é seu proprietário apenas tem cabimento no quadro de um contrato de arrendamento;
- Não existe fundado receio de uma lesão grave e dificilmente reparável;
- O Requerente não é o garante exclusivo da rotina diária dos filhos comuns, nem se encontra numa situação de carência económica que o impeça de arrendar outro imóvel em Lisboa.
Em 11-09-2023, foi proferido despacho que, ao abrigo do disposto no art.º 364.º do CPC, determinou a apensação dos presentes autos à ação principal instaurada em 13-07-2023, em que a Ré, citada em 22-09-2023, deduziu Contestação, defendendo-se por impugnação e por reconvenção, peticionando que seja reconhecido à Ré o direito de utilização da casa de morada de família a título definitivo; foi aí proferido, em 18-09-2024, despacho saneador e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sendo o objeto do litígio averiguar e declarar a existência de união de facto entre as partes, declarar a cessação da mesma e decidir se a casa de morada de família deve ser atribuída aos (aí) autor ou à ré-reconvinte; mais foi designado o dia 11-11-2024 para realização da audiência de julgamento; em 24-09-2024, a ora Requerida apresentou articulado superveniente, dando conta da sua cessação de funções como ... em ... e ter passado a desempenhar funções como vogal do Conselho de Administração da sociedade que identifica, com remuneração líquida mensal de 3.088 €; em 07-10-2024, o aí autor apresentou requerimento em que veio requerer designadamente o seguinte: “pese embora se esteja a discutir nestes autos o uso da casa de morada de família e que já se tenha determinado por sentença, no apenso A, que o uso é provisório até à resolução da ação que corre no Juízo Local Cível, Juiz 8, entende o A. que esta demanda deveria ficar suspensa até que se decida a demanda que corre em tal Juízo. O que se requer ao abrigo do disposto no art.º 272º do CPC”; “Na verdade, a R continua a insistir que o imóvel lhe pertence em exclusivo, o que decorre das alegações de recurso que intentou, sendo que pede ao A metade das despesas referentes à reabilitação do imóvel”; assim, a decisão da presente ação está dependente da resolução da outra demanda. Até porque, e como referido pela MM. Juiz, o uso do imóvel é provisório até que seja decidida tal ação. O que fundamenta o presente pedido de suspensão”.
Após tal apensação, veio a ser proferido pelo Tribunal a quo despacho, datado de 04-10-2023, em que referiu não resultar do Requerimento inicial qualquer facto concreto de onde resultasse concreto e real periculum in mora; porém, como existe uma providência tipificada na lei processual civil para obter o efeito pretendido pelo Requerente e a Requerida já tinha deduzido oposição, podia ser aproveitado o processado, pelo que determinava que o processo passasse a ser tramitado como “incidente de atribuição provisório de casa de morada de família (art.º 990º do CPC)”.
Realizou-se audiência de julgamento, no decurso da qual as partes prestaram declarações e foram ouvidas as testemunhas arroladas; na sessão de 04-03-2024, o Requerente deu conta da instauração de ação declarativa em que peticionou uma “alteração registral” do imóvel que é casa de morada da família.
Em 16-07-2024, foi proferida a Decisão recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo a acção procedente por provada. Em consequência, atribuo o uso da casa de morada de família ao Requente B … mediante o pagamento do valor de metade do empréstimo mensal devido ao banco pelo casal (incluindo os seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo). Valor: o da petição inicial. Custas pela Requerida.”
É com esta decisão que a Requerida não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1 - Na sua Oposição, a Recorrente suscitou uma questão prévia (alegou que o pedido formulado no requerimento inicial era legalmente impossível) sobre a qual não recaiu qualquer decisão da Mma. Juiz a quo. 2 - Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão prévia suscitada pela Recorrente, violando o disposto no art.º 608º, nº 2 do C.P.C., o que determina a sua nulidade nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C.. 3 - No ponto 20 dos factos provados, o Tribunal a quo deu por provado que “O Requerente propôs acção que corre termos no J.. do Juízo Local Cível sob o nº …/…, onde se discute a propriedade do imóvel que é casa de morada de família”, mas na fundamentação de direito da sentença recorrida afirma-se que o Requerente (por lapso refere-se o Requerido) é comproprietário do imóvel em apreço. 4 - Os fundamentos de facto da sentença recorrida são, nesta parte, contraditórios com a decisão, o que, nos termos do disposto na alínea c) do art.º 615º, nº 1 do C.P.C. determina a sua nulidade. 5 - A decisão de atribuição da utilização da casa de morada de família ao Requerente constante da sentença recorrida carece, em absoluto, de fundamentação de facto e/ou de direito. De facto, 6 - Percorridos os pontos I (Relatório), II (Fundamentação de facto) e III (Do Direito) até ao parágrafo em que se afirma “Importa determinar o valor da compensação devida pelo Requerido” (segmento a parte do qual se trata da fundamentação para fixação de tal compensação), todos da sentença recorrida, não se encontra a fundamentação para a decisão de atribuição do uso da casa de morada de família ao Requerente (em bom rigor, nem a própria decisão se encontra). No texto da sentença apenas se encontra justificação para a decisão de fixação da compensação a pagar pelo Requerente à Requerida. Por isso, 7 - A sentença recorrida viola, nesta parte, os artigos 154º e 607º, nº s 2 e 3 do C.P.C. e é, por isso, nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, alínea b) do mesmo diploma. 8 - Nos termos do disposto no art.º 369º do C.C. e da presunção legal (não ilidida nestes autos) do art.º 7º do Código do Registo Predial, o documento junto pela Requerida com o seu requerimento de 29 de janeiro de 2024 (refª citius nº …), cuja falsidade não foi arguida, deverão ser aditados à decisão sobre da matéria de facto constante da sentença recorrida os seguintes factos: a) a casa de morada de família em causa nestes autos é a fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao segundo andar do prédio sito na Rua …, nº s … e …, freguesia de Santa Isabel, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … - freguesia de Santa Isabel, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campo de Ourique sob o art.º …; b) Sobre a referida fracção autónoma está registada pela Ap. … de 23/8/2019 a aquisição da referida fracção a favor da Requerida A …, solteira, maior; c) Sobre a referida fracção autónoma estão registadas pelas Aps. … de 23/8/2019 e Ap. … de 24/5/2021 duas hipotecas voluntárias a favor do C …, S.A., para assegurar os montantes máximos de, respetivamente, €349.953,00 (trezentos e quarenta e nove mil novecentos e cinquenta e três euros) e €57.304,52 (cinquenta e sete mil trezentos e quatro euros e quarenta e dos cêntimos). d) A Requerida é a única e legítima proprietária da fracção autónoma que constitui a casa de morada de família. 9 - A jurisprudência tem considerado relevante para apurar qual o membro do casal com maior necessidade da casa de família, comparar, em concreto, os seus rendimentos, os seus encargos e as suas possibilidades de trabalho. Para tanto, é importante caracterizar a situação sócio-profissional de cada um. Na sentença recorrida essa caraterização foi feita quanto à Requerida (pontos 5 e 6 dos factos provados) mas não o foi quanto ao Requerente existindo elementos de prova nos autos para o efeito. Assim, 10 - O recibo de vencimento do Requerente - junto com o seu requerimento inicial - e o Despacho nº 891/2020, de 22 de janeiro de 2020 (publicado no DR, IIª Série, de 22/1/2020), impõem o aditamento do seguinte facto aos factos provados na sentença recorrida: “O Requerente exerce, desde 22 de janeiro de 2020, o cargo ...” 11 - A comparação da idade de cada um dos membros do casal pode ser igualmente elemento importante para aferir da necessidade que cada um tem da casa de morada de família. No ponto 8 dos factos provados na sentença recorrida, está assente que o Requerente tem 54 anos de idade, mas, naqueles factos, nada consta sobre a idade da Requerida. Porém, 12 - A certidão de nascimento da Requerida junta aos autos pelo Requerente com o seu requerimento inicial faz prova plena de que a Requerida tem 46 anos de idade pelo que se impõe seja este facto aditado aos factos provados na sentença recorrida. 13 - No ponto 8 dos factos provados consta que “o Requerente tem cinquenta e quatro anos e saúde precária com dores lombares crónicas, colesterol elevado e toma diária de medicação” Acontece que, 14 - Não foi produzido um único elemento de prova sobre a saúde precária do Requerente e, nas declarações que prestou (00:13:59 – 00:14:51), o Requerente reconheceu até que não tem despesas especiais de saúde e que apenas tem indicação médica para ir ao ginásio. 15 - Deverá, por isso, ser o ponto 8 dos factos provados na sentença recorrida corrigido para a seguinte redação: “O Requerente tem 54 anos” 16 - A comparação dos encargos do casal é um critério importante para se aferir da sua necessidade de uso da casa de morada de família, no entanto, no ponto 14 dos factos provados, não se indica o valor de tais consumos. Mas, 17 - Nas declarações que prestou (00:07:23 – 00:07:51), a Requerida indicou especificamente este valor médio mensal dos seus consumos domésticos fixando-o em €100,00, pelo que deverá alterar-se a redacção do ponto 14 dos factos provados para a seguinte: 14. A casa foi arrendada pelo valor de € 1.400,00 mensais, a que acrescem os consumos domésticos mensais no montante de €100,00. 18 - No ponto 18 da matéria dos factos provados na sentença recorrida, consta: “O casal tem três casas em Galveias, uma das quais ainda com empréstimo bancário dividido por ambos os membros do casal.” Porém, 19 - O documento 4 junto pela Recorrente com o seu requerimento de 30/10/2023 (refª citius …) - certidão permanente do prédio urbano sito em Galveias, Rua Dr. …, nº …, freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sor, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o nº … - freguesia de Galveias e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º … - prova que o prédio urbano a que se refere pertence, em comum e na proporção de 1/2 para cada um, ao Requerente e à Requerida. O referido documento prova ainda que, sobre este imóvel, está registada uma hipoteca voluntária a favor do D …, S.A.. 20 - Este documento é o único elemento de prova relativo a “casas em Galveias” pertencentes ao casal pelo que se impõe a correção do ponto 18 dos factos provados para a seguinte: “O casal tem uma casa em Galveias onerada por hipoteca voluntária para garantia de um empréstimo bancário pelo qual ambos são responsáveis”. 21 - A necessidade já apontada de apuramento, em concreto, das despesas suportadas por cada membro do casal e à existência de elementos nos autos que permitem esse apuramento concreto, determina que o ponto da matéria de facto provada é injustificadamente incompleto e vago, impondo-se a sua correção. 22 - As declarações do Requerente (00:06:35 – 00:09:40) e Requerida (00:08:13 – 00:09:43) e o acordo das Partes por elas revelado impõem a alteração do ponto 19 dos factos provados para o seguinte: “A Requerida paga igualmente metade das seguintes despesas comuns com o Requerente: - Empréstimo para aquisição do prédio urbano sito na Rua Dr. …, nº …, freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sor, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o nº …- freguesia de Galveias e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º …, com uma prestação mensal global de € 500,00; - Empréstimo ao consumo para construção de um furo com uma prestação mensal de €342,00; - Empréstimo automóvel com uma prestação mensal global de €350,00; - Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira com uma prestação mensal global de €1.100,00 (mil e cem euros).” 23 - Os 6 documentos juntos com o requerimento da Requerida de 31/10/2023 (Refª citius …), que não foram impugnados pelo Requerente e as declarações da Requerida (00:01:41 – 00:06:35) impunham que se tivesse dado por provado que: - a prestação mensal do empréstimo para aquisição da casa de morada de família é de €1.487,42; - a prestação mensal do empréstimo para obras na casa de morada de família é de €272,82 - o seguro de vida associado ao empréstimo para aquisição de habitação tem um custo mensal de €112,72 - o seguro de vida associado ao empréstimo para obras na casa é de €32,00 - a quota mensal de condomínio da casa de morada de família é de €53,63 - o valor mensal do IMI suportado com a casa de morada de família é de €20,88. Pelo que. 24 - Face aos mencionados elementos de prova, deverão ser os pontos 22 e 23 dos factos provados da sentença recorrida alterados para a seguinte redacção: 22 - A prestação bancária da casa de morada de família é de €1.487,82 mensais, a que acresce a prestação bancária do empréstimo para obras na casa de morada de família no montante de € 272,82 e ainda os seguros de vida associados aos dois empréstimos, nos montantes mensais de €112,72 e €32,00. 23 - É ainda devido o pagamento de 53,63 euros mensais de condomínio, 20,88 mensais de imi e o valor dos consumos domésticos. 25 - O Tribunal a quo decidiu atribuir o uso da casa de morada de família ao Requerente B … mediante o pagamento do valor de metade do empréstimo mensal devido ao banco pelo casal (incluindo os seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos). 26 - Esta decisão defere o que foi pedido pelo Requerente no seu requerimento inicial e que é um pedido legalmente impossível, sendo, em consequência, ilegal a decisão que o acabou por deferir e que está contida na sentença recorrida. 27 - O art.º 1793º do C.C. permite que, em caso de ruptura e a seu pedido, o tribunal dê a um dos unidos a utilização da casa de morada de família, mas tal utilização deve ser atribuída no quadro de um contrato de arredamento e fica sujeita às regras do arrendamento para habitação. E, como resulta da letra do nº 1 do art.º 1793º do C.C., esta regra aplica-se quer a casa de morada de família seja um bem próprio do outro unido, quer ela seja um bem comum dos dois unidos. 28 - Na sentença recorrida afasta-se expressa e injustificadamente a aplicação das regras do arrendamento para habitação, pelo que a decisão contida na sentença recorrida viola expressamente o disposto no art.º 1793º do C.C., deixando assim a Requerida completamente desprotegida, seja porque a utilização da casa de morada de família não tem prazo certo, seja porque não lhe confere sequer protecção em caso de incumprimento pelo Requerente da obrigação de pagamento da renda. Ademais 29 - Na sentença recorrida atribui-se ao Requerente o direito de uso da casa de morada de família “até à divisão do imóvel”. Ora, 30 - A mencionada “divisão do imóvel” pressupõe que o Requerente e a Requerida são seus comproprietários. Acontece que 31 - A (inevitável) procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto na qual se pugnou pelo aditamento de um novo facto provado reconhecendo a Requerida como única e legítima proprietária da casa de morada de família, impõe que a decisão de atribuição do uso da casa de morada de família ao Requerente “até à divisão do imóvel” tenha de ser revogada. Não há, efetivamente, nada para dividir e, por isso, a decisão assente no pressuposto de uma futura e inexistente divisão não pode subsistir. 32 - Face à prova produzida e aos factos provados (os factos provados na sentença recorrida, reforçados com as alterações impostas pela impugnação da matéria de facto precedente), não pode concluir-se (i) que o Requerente precise mais da casa de morada de família do que a Requerida e (ii) que o interesse dos filhos justifique a utilização da casa de morada de família pelo Requerente. 33 - Requerente e Requerida têm situações financeiras equivalentes e estão ambos em idade ativa, com bons curriculae e sem qualquer constrangimento para trabalhar. 34 - É certo que a Requerida ganha (ganhava) mais do que o Requerente, ela auferia a remuneração mensal de €4.300,00 e ele de €2.800,00. Porém, a diferença de remunerações mensais entre os dois (€1.500,00) é completamente consumida pela renda e consumos domésticos que a Requerida tem com a casa onde reside, sendo certo que, com o remanescente, tem de fazer face aos mesmos encargos que o Requerente (€1.000,00 com despesas da casa de morada de família, €1.146,00 de despesas com outros empréstimos, despesas com alimentação sua e dos filhos, despesas com saúde, educação, vestuário, sua e dos filhos). 35 - A Requerida não tem qualquer outra fonte de rendimento mas o Requerente tem ou pode ter (se quiser) nomeadamente 1/3 de um T5 em Oeiras (fracção …, correspondente ao 2º andar do prédio sito na Rua da …, nº …, em Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n° … e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e S. …, Paço de Arcos e Caxias sob o art.º …). Acresce que, 36 - Entre os encargos que o Requerente e a Requerida têm de suportar contam-se empréstimos que podem ser eliminados ou reduzido se os bens para cuja aquisição foram contraídos fossem vendidos mas o Requerente não tem qualquer incentivo para se empenhar na concretização destas vendas e na eliminação destes encargos, antes lhe interessa mais manter esta situação de alegada “carência económica”. 37 - Ao contrário da Requerida - que não tem outra alternativa de residência (e que, por isso, gasta todo o seu rendimento disponível no arrendamento de uma outra casa) – o Requerente é dono de 1/3 de um imóvel com a mesma tipologia sito em Oeiras. 38 - Se, como o Requerente alega, o imóvel está ocupado pelo seu irmão, não ficou demonstrado que não o pudessem partilhar ou que o imóvel não tivesse condições para albergar o Requerente e os seus filhos (aliás este imóvel situa-se a 100 metros da casa do seu filho mais velho fruto de outro relacionamento anterior). 39 - Não ficou demonstrado nos autos existir interesse dos filhos do casal que justifique a atribuição do uso da casa de morada de família ao Requerente. 40 - Os filhos menores do casal, ao longo dos seus poucos anos de vida, por circunstâncias da vida profissional dos seus pais, já viveram em Oeiras, em Ponte de Sôr e agora, há cerca de 4 anos, vivem em Lisboa, em Campo de Ourique. 41 - Estas mudanças não prejudicaram o seu bem-estar e felicidade, são crianças equilibradas e felizes. 42 - Se o pai ou a mãe tiverem de mudar de bairro, de freguesia ou de concelho não será isso que os irá prejudicar, não existindo nestes autos quaisquer elementos que o façam prever. Finalmente, 43 - Na sentença recorrida atribui-se ao Requerente o direito de uso da casa de morada de família “até à divisão do imóvel”. Tendo em conta que o Requerente propôs acção que corre termos no J … do Juízo Local Cível de Lisboa com o nº …/… onde se discute a propriedade do imóvel que é a casa de morada de família, é absolutamente impossível prever quando estará definitivamente decidida esta acção e caso, por absurdo, nela se decidida que o Requerente é seu co-proprietário, é também impossível prever quando será feita a “divisão do imóvel” que, ainda para mais, depende (também) da vontade do Requerente. 44 - Na prática, a sentença recorrida não fixa qualquer prazo à utilização que atribuiu ao Requerente o que significa um ónus quase eterno num imóvel que, nestes autos, se demonstrou pertencer, em exclusivo, à Requerida. Por outro lado, 45 - A sentença recorrida fixou a renda a pagar pelo Requerente à Requerida em metade da prestação mensal devida ao banco (incluindo seguros), acrescida da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo). 46 - O que, na prática, significa que, enquanto a utilização do Requerente durar (e a Requerida mantiver o seu rendimento mensal), a Requerida vai ser obrigada a consumir todo o seu rendimento disponível em duas habitações, trabalhando durante esse tempo exclusivamente para garantir as (supostas) necessidades de um homem jovem, válido, com formação académica e profissional e capacidade de trabalho (que, por sua vez, não terá qualquer incentivo para procurar alternativas). Assim, 47 - Não são estes interesses que o art.º 1793º do C.C. quer ver salvaguardados, pelo que se, no limite e por absurdo, se entender que há alguma razão para atribuir ao Requerente a utilização da casa de morada de família, deverá fixar-se a tal utilização um prazo certo e curto, não superior a 6 meses (já que o Requerente já está a utilizar a casa de morada de família há quase um ano), e ser fixada a renda mensal no valor total da prestação mensal devida pelos empréstimos contraídos pela Requerida para sua aquisição e para obras (incluindo seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo).
Terminou a Apelante requerendo que o recurso seja considerado procedente e, em consequência,
a) Ser a sentença recorrida declarada nula;
Assim se não entendendo,
b) Ser a sentença recorrida revogada e substituída por acórdão que absolva a Requerida do pedido ou, no limite, fixe um prazo curto (seis meses) para a utilização da casa de morada de família pelo Requerente e lhe fixe uma renda mensal no valor total da prestação mensal devida pelos empréstimos contraídos pela Requerida para a aquisição da casa de morada de família e para obras (incluindo seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo).
Foi apresentada alegação de resposta, em que o Requerente-Apelado concluiu nos seguintes termos: Nesta conformidade, o recurso da apelante deve claudicar in totum, porquanto, não contém o mesmo qualquer fundamento factual ou legal que abale o mérito da decisão, devendo assim, manter-se a sentença como proferida. 1. A presente demanda foi intentada pelo apelado para que lhe fosse atribuído, a título provisório, o uso da casa de morada de família, por via de auferir rendimentos inferiores aos da apelante, o facto de esta ter saído de tal imóvel, arrendando outro, o interesse das crianças, que residem em residência alternada, e frequentam uma escola em Campo de Ourique, que se situa perto da casa de morada de família e da casa arrendada pela apelante, e ainda o facto do apelado apresentar 55 anos de idade e estar em risco de perder o emprego, e não ter capacidade económica para arrendar um imóvel, nem tendo outro onde residir. 2. Citada a apelante da ação, deduziu aquela oposição. Posteriormente, ocorreu despacho que estabeleceu a demanda como incidente de atribuição de casa de morada de família, seguindo os termos do art.º 990º do CPC. Desse despacho não arguiu a apelante qualquer nulidade, porquanto, o mesmo transitou em julgado. Sendo que, não pode a apelante vir arguir nulidade de omissão de pronúncia na sentença, pois tal direito já está precludido, vide art.º 200º, 186º n.ºs 1 e 2 e 619º do CPC. Porquanto, não existe na sentença qualquer nulidade por omissão de pronúncia, devendo manter-se a sentença nos termos em que foi proferida. 3. Não existe qualquer nulidade por falta de fundamentação, encontrando-se a sentença bem fundamentada, no que concerne aos factos provados, não provados e motivação de direito, devendo manter-se a sentença nos termos em que foi proferida, improcedendo o recurso. 4. O recurso da apelante, salvo melhor opinião, está pejado de considerandos que se concretizam na mera discordância da sentença proferida, não invocando qualquer fundamento legal ou factual que afaste a decisão. Decisão essa, que se deve manter. 5. Não existe qualquer erro na sentença relativo aos factos provados, e razão não tem a apelante para querer arrastar para a decisão actualidade que em nada altera a decisão. Porquanto, também quanto a essa omissão alegada pela apelante, deve claudicar tal petitório, devendo em conformidade manter-se a sentença nos termos em que foi proferida. 6. Não existe qualquer omissão na sentença relativa à situação pessoal ou profissional da apelante. Pelo que também quanto a tal deve claudicar o pedido da apelante, pois em nada abala a decisão, que se deve manter. 7. Não existe qualquer erro de julgamento na decisão, e muito menos os enumerados nos pontos 8, 14, 19, 22 e 23, porquanto, os factos dados como provados alicerçaram-se, como referido pela MM. Juiz “(...) a convicção do tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência, analisada à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade. (...)”. Sendo que a MM. Juiz a quo ouviu as partes e as testemunhas e decidiu de acordo com tais provas. Uma vez que nos encontramos no âmbito da jurisdição voluntária, o princípio do inquisitório prevalece sobre o princípio do dispositivo. Assim, o Juiz pode utilizar os factos que o próprio capte e descubra, sendo uma das características desta jurisdição que o Juiz aplica a decisão que considere mais adequada à situação. Porquanto deve manter-se a sentença nos termos em que foi proferida. 8. Na presente demanda, como supra referido, o apelado veio pedir o uso da casa de morada de família, que lhe foi atribuída, tendo o tribunal aferido e provado que era o apelado quem mais carecia de tal uso, por via dos menores rendimentos que tem relativamente à apelante, o facto de suportar metade das despesas do imóvel, incluindo empréstimo, condomínio, impostos e consumos, o que já fazia na pendência da união de facto, bem como despesas como o pagamento de pensão de alimentos a um outro filho e pagamento do plano precaucional da divida da apelante à AT por via do pagamento de mais valias de uma casa da apelante, e sobretudo o interesse dos filhos de ambos apelante e apelado, que frequentam uma escola perto da casa de morada de família, sendo impossível para o apelado arrendar outro imóvel, situação essa que parece não importar à [sic] 9. O recurso interposto pela apelante não tem qualquer fundamento legal ou factual, porquanto, é contraditório em si mesmo. Por um lado, a apelante entende que o uso da casa de morada de família só pode ser atribuído por via de contrato de arrendamento, o que, salvo melhor entendimento, não corresponde à verdade. Veja-se a este título o Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 13/10/2016, nos autos nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1, consultado in www.dgsi.pt, que refere “(...) I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do nº 7 do art.º 931º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele só existe se o juiz o tiver efectivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de acção ulterior. (...)”. Por outro lado, refere a apelante que afinal não se opõe à utilização da casa de morada de família por parte do apelado, pretendendo é que este suporte a totalidade do empréstimo e demais despesas do imóvel, bem sabendo que aquele não tal capacidade, auferindo o apelado um salário inferior ao da apelante, mas continuando a pagar metade da responsabilidades criadas pela apelante e apelado. 10. Assim sendo, não existem omissões, nulidades ou erros de julgamento, devendo a sentença manter-se tal como proferida, o que se requer. Contudo, não podemos deixar de lamentar a posição da apelante numa persistência maliciosa de pretender arrogar-se o direito de ser a única proprietária do imóvel de Campo de Ourique, quando bem sabe que não o é. Aliás, prova de que os bens adquiridos após a união de facto são de ambos é o facto de ambos terem solicitado á AT o pagamento de um plano prestacional, resultante de mais valias da venda de um imóvel daquela. Existe ação pendente na Comarca de Lisboa, intentada pelo apelado contra a apelante, para que se altere o registo do imóvel de Campo de Ourique, comprovando-se a co-propriedade do mesmo. 11. A decisão proferida encontra-se fundamentada e estão provados os factos que consubstanciam os fundamentos para que o imóvel seja atribuído ao apelado, até que se resolva a ação supra referida. 12. Não existe na sentença nenhum vício que a comprometa, devendo por tal, manter-se a mesma incólume. 13. Devendo assim, improceder o recurso da apelante por infundado, factual e legalmente, bastando-se a apelante na mera discórdia da decisão proferida, que em nada afeta a decisão.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso, mencionando-se no mesmo, além do mais, que “Analisada a sentença proferida, não se vislumbram quaisquer nulidades”, e “consignando-se a data agendada para audiência de julgamento no processo principal, onde, para além do mais, será decidida a atribuição definitiva da casa de morada de família”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por omitir pronúncia sobre a questão prévia suscitada pela Requerida da impossibilidade legal do pedido; e também nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por os fundamentos de facto serem contraditórios com a decisão; e ainda nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), por falta de fundamentação;
2.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, com o aditamento dos factos indicados pelo Apelante e alterando-se o vertido nos pontos 8, 14, 18, 19, 22 e 23;
3.ª) Se não deve ser atribuída ao Requerente a utilização da casa de morada de família, pelo menos nos termos determinados na decisão recorrida.
Da nulidade da decisão recorrida
A Apelante defende que a decisão recorrida é nula porquanto:
- Da sentença não consta a fundamentação para a decisão de atribuição do uso da casa de morada de família ao Requerente, sendo nula nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC;
- Os fundamentos de facto da sentença recorrida são contraditórios com a decisão, pois deu-se como provado, no ponto 20, que “O Requerente propôs acção que corre termos no J8 do Juízo Local Cível sob o nº …/…, onde se discute a propriedade do imóvel que é casa de morada de família”, mas na fundamentação de direito da sentença afirma-se que o Requerente é comproprietário do imóvel em apreço – cf. art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC;
- O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a “questão prévia” da impossibilidade legal do pedido formulado no requerimento inicial suscitada pela Recorrente – cf. art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
O Apelado discorda, argumentando, em síntese, que: inexiste omissão de pronúncia porque transitou em julgado o despacho que “estabeleceu a demanda como incidente de atribuição de casa de morada de família, seguindo os termos do art.º 990º do CPC”; a sentença encontra-se bem fundamentada, no que concerne aos factos provados, não provados e motivação de direito.
Vejamos.
O art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de preceito legal cuja razão de ser radica no dever de fundamentar as decisões, consagrado designadamente no art.º 205.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual “(A)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, e também no art.º 154.º do CPC, que preceitua: “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
De referir que tem sido tradicionalmente defendido na jurisprudência que a nulidade a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC pressupõe a falta absoluta de fundamentação, não se bastando com a fundamentação escassa ou insuficiente. No entanto, a jurisprudência, incluindo do STJ, e a doutrina mais recentes vêm reconhecendo que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, ao ponto de não possibilitar às partes a compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no processo n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, e o acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), referindo-se no sumário deste último que: “I. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal. (…) VI. Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil. VII. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art.º 20º da Constituição da República”.
Por outro lado, o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, preceitua, no que ora importa, que a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Como resulta expressamente deste normativo, a nulidade a que se refere apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível, sendo de salientar que essa “decisão” não é, obviamente, a decisão da matéria de facto, antes corresponde à parte decisória da sentença. Na verdade, a lei é muita clara, prevendo que quando a decisão da matéria de facto seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do CPC.
Por fim, resulta do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. De referir ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do STJ de 10-01-2012, proferido no processo n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
Lembramos a este respeito os ensinamentos de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 734-737: “Também a ininteligibilidade da parte decisória da sentença, contemplada na alínea c), quando subsista após a rejeição da arguição de nulidade, pelo juiz ou pelo tribunal de recurso, ou após a falta desta arguição (ver os art.º s. 615-4 e 617-1), merece a qualificação de nulidade. Com efeito, embora a ininteligibilidade, decorrente de ambiguidade ou obscuridade, tenha o tratamento da anulabilidade, carecendo de arguição da parte, a falta desta ou a sua rejeição tem o efeito de tornar definitivamente inaproveitável a sentença, por falta de decisão compreensível (…) No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória da sentença, só releva quando gera a ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos art.º s. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos art.º s. 280-1 CC e 295 CC. (…) Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum). Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.º 607-3). (…) Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determina consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
Estes autores esclarecem ainda, na obra citada, pág. 737, o conceito de questões empregado na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º em apreço, explicando que: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art.º 608). Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.º 608-2), é nula a sentença em que o faça.”
E na anotação ao art.º 608.º, págs. 712-713, clarificam que na sentença o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
Sobre esta temática, no sentido explanado, destacamos na jurisprudência, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt):
- de 03-03-2021, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, como resulta do sumário com o seguinte teor: “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. (…) III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”
- de 09-03-2022, proferido no processo n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, conforme se retira da seguinte passagem do respetivo sumário: “I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no art.º 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. II - A nulidade da sentença/acórdão prevista no 1.º segmento do al. c) do n.º 1 do citado art.º 615º - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final.”
- de 10-12-2020, proferido no processo n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, como se alcança do respetivo sumário com o seguinte teor: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”.
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, e tendo em atenção os fundamentos de facto e de direito que da mesma constam, que adiante serão reproduzidos, é manifesto que a sentença contém a decisão da matéria de facto, incluindo o elenco(s) dos factos provados e não provados e a respetiva motivação, bem como a fundamentação de direito, sendo evidenciado pelo teor da alegação de recurso que a Requerida-Apelante compreendeu bem essa fundamentação e veio manifestar a sua discordância a esse respeito, invocando erros de julgamento, tanto de facto como de direito.
É claro que a circunstância de (supostamente) existir uma contradição entre o ponto 20 da decisão da matéria de facto e a parte da fundamentação de direito da sentença em que se afirma que o Requerente é comproprietário da fração em apreço não constitui nenhuma das causas de nulidade previstas no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, tendo em atenção o sentido que a expressão “decisão” tem nesse preceito legal. Tal contradição, a existir, pode ser apreciada na perspetiva de eventual erro de julgamento, mas não determina a nulidade da sentença. Nem se nos afigura que os fundamentos de facto e de direito da sentença, considerados no seu conjunto, estejam em oposição com a decisão que foi tomada de atribuição da casa de morada da família ao Requerente, nas condições fixadas no citado segmento decisório.
Tão pouco se verifica uma das causas de nulidade da sentença previstas no art.º 615.º, n.º 1, al. d), pois a sentença apreciou o pedido e a respetiva causa de pedir, não tendo omitido pronúncia a esse respeito, sendo certo que a Requerida, no seu articulado de Oposição, não invocou nenhuma exceção (defendeu-se por impugnação, de facto e de direito).
Ademais, é evidente que o Tribunal recorrido, ao julgar procedente a ação, atribuindo ao Requerente a utilização da casa de morada de família nos termos acima citados, considerou implicitamente que o pedido não era legalmente impossível. Não é pela circunstância de a Requerida ter qualificado essa sua objeção como uma “questão prévia”, que se impunha ao Tribunal recorrido pronúncia expressa a esse respeito. Na verdade, não existia nenhuma questão prévia, mas uma argumentação jurídica que o Tribunal recorrido não acolheu, como se infere da fundamentação da sentença, que adiante se irá reproduzir. Se o fez acertadamente isso é o que será apreciado quando nos debruçarmos sobre a última questão objeto do presente recurso.
Pelo exposto, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à arguição de nulidades da sentença.
Da modificação da decisão da matéria de facto
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos (acrescentámos, mormente por força da procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto e para melhor compreensão, o que consta dos pontos 2, 8, 9, 10, 14, 18, 19, 22 e 23, entre parenteses retos; retificámos no ponto 20 o lapso de escrita - onde constava “A Requerente”, deve constar “O Requerente”):
1. O Requerente e a Requerida viveram em união de facto durante vários anos tendo-se separado em junho de 2023.
2. Em 2020 haviam fixado residência na … [na fração autónoma designada pela letra … correspondente ao segundo andar do prédio urbano situado na Rua …, n.º s … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Santa Isabel e inscrito na matriz sob o n.º … da freguesia de Campo de Ourique, e cuja aquisição se encontra registada a favor da ora Requerida, por compra, mediante ap. … de 2019/08/23 – cf. certidão junta com o requerimento de 29-01-2024, cujo teor se dá por reproduzido], aí vivendo com os dois filhos menores do casal.
3. Os filhos do casal são J …, nascida em 13 de outubro de 2011, e L …, nascido em 14 de fevereiro de 2013.
4. Em RERP que correu termos no J … deste Tribunal de Família e Menores de Lisboa ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que corre termos sob o n.º …/…, estando as crianças em guarda partilhada com residência alternada junto dos progenitores.
5. A Requerida assumiu funções inicialmente no ..., e posteriormente membro do ... até à sua nomeação para a presidência.
6. A 17 de maio transato a Requerida apresentou a sua demissão do cargo ..., o que foi aceite.
7. Os filhos do casal frequentam o Agrupamento Escolar … em Campo de Ourique.
8. O Requerente tem cinquenta e quatro anos e saúde precária com dores lombares crónicas, colesterol elevado e toma diária de medicação [e a Requerida tem 46 anos de idade].
9. A Requerida aufere 85.000 € por ano e o Requerente aufere 60.000 € euros por ano.
10. Por mês a Requerida aufere 4.300 € mensais a título de salário, acrescido de cerca de 800 € anuais decorrentes da participação em reuniões junto de entidade estrangeira inerentes ao cargo que ocupa.
11. O Requerente recebe a título de salário cerca de 2.800 € mensais.
12. O Requerente tem as seguintes despesas mensais:
- pensão de alimentos a um filho de outra relação, 400 €;
- pagamento de empréstimo da casa de morada de família, cerca de 550 € mensais;
- 536 € mensais decorrentes de metade do valor da execução fiscal à autoridade tributária;
- 290 € de empréstimo automóvel;
- 171 € de empréstimo ao consumo;
- cerca de 147 € euros de encargos com seguros;
- 120 € a título de combustível e Via verde,
- bem como valores atinentes a consumos domésticos.
13. A Requerente arrendou uma casa em Campo de Ourique, a fim de poder manter as rotinas dos filhos.
14. A casa foi arrendada pelo valor de 1.400 € mensais, a que acrescem os consumos domésticos mensais [que, em água, gás e eletricidade, importam em cerca de 100 €].
15. Requerente e Requerida têm ainda despesas de alimentação, higiene, vestuário, saúde suas e dos filhos.
16. A Requerente conta com o apoio da sua família, que lhe tem feito alguns empréstimos.
17. As crianças vivem em regime de guarda partilhada com residência alternada entre ambos os progenitores.
18. O casal [Requerente e Requerida] tem três casas [prédios urbanos] em Galveias, uma das quais ainda com empréstimo bancário dividido por ambos os membros do casal [Encontrando-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor:
- mediante ap. … de 2020/12/14, a aquisição, a favor do Requerente, por compra, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de Galveias, inscrito na matriz predial sob o n.º …, composto de casa de habitação de rés do chão e 1.º andar, cavalariça e palheiro, encontrando-se ainda registada, mediante ap. … de 2023/08/17, a hipoteca voluntária a favor do D …, S.A. para garantia do pagamento de empréstimo, sendo sujeito passivo o Requerente;
- mediante ap. … de 2018/04/12, a aquisição por compra, a favor do Requerente e da Requerida, na proporção de metade cada um, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de Galveias, inscrito na matriz predial sob o n.º …, situado na Rua Dr. …, n.º …, composto de casa de habitação de rés do chão e 1.º andar, com sótão, anexos, cocheira e cavalariça, pátio e quinta, encontrando-se ainda registada, mediante ap. … de 2018/04/12, a hipoteca voluntária a favor do D …, S.A. para garantia do pagamento de empréstimo, sendo sujeitos passivos o Requerente e a Requerida;
- mediante ap. … de 2019/12/30, a aquisição, a favor do Requerente, por compra, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de Galveias, inscrito na matriz predial sob o n.º …, composto de edifício destinado a barracão].
19. A Requerida paga igualmente [metade de] outras despesas comuns com o Requerente, como o empréstimo do carro [cuja prestação mensal é de 290 €] e a dívida à AT [Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja prestação mensal global é na ordem dos 1.072,00 €, bem como uma prestação mensal global de 500,00 € relativa a empréstimo hipotecário para aquisição da casa de Galveias, e ainda uma prestação mensal de 171 € relativa a um crédito pessoal concedido ao Requerente para construção de um furo num dos prédio de Galveias].
20. O Requerente propôs ação que corre termos no J … do Juízo Local Civil com o n.º …/…, onde se discute a propriedade do imóvel que é casa de morada de família.
21. O Requerente é proprietário de:
- 1/3 da Fração “…”, correspondente ao 2.º andar do prédio sito na Rua da …, n.º …, em Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Oeiras e S. …, … e … sob o art.º …;
- Prédio urbano sito em …, S. …, em Marvão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S…. sob o art.º …;
- Prédio urbano sito na Rua …, n.º s … e …, Galveias, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das Galveias sob o art.º …;
- 1/2 do prédio urbano sito na Rua Dr. …, n.º …, Galveias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o n.º …- freguesia de Galveias e inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º …;
- Prédio urbano sito na Rua Dr. …, n.º …, Galveias, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Galveias sob o art.º …;
- Prédio misto sito em … inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e … de sob o art.º ….
22. A prestação bancária [do empréstimo contraído para aquisição] da casa de morada de família é de 1.487,82 € [mensais, a que acresce a prestação bancária do empréstimo para obras na casa de morada de família no montante mensal de 272,82 €, encontrando-se registadas, mediante ap. … de 2019/08/23 e ap. … de 2021/05/24, para garantia do pagamento do capital mutuado de 300.000 € e de 49.000 €, duas hipotecas voluntárias a favor do C …, S.A., sendo sujeito passivo a Requerida], a que acrescem ainda os seguros [de vida associados aos dois empréstimos, nos montantes mensais de 112,72 € e 32,00 €, bem como um seguro multirrisco].
23. É ainda devido [quanto à casa de morada de família] o pagamento de 53,53 € mensais de condomínio, impostos [20,88 € mensais de IMI] e os consumos domésticos.
Motivou-se na sentença o assim decidido referindo designadamente que: “A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência analisada à luz de regras da experiência comum e critérios de normalidade. A prova documental (documentos particulares e autênticos juntos pelas partes) foi objecto de análise crítica tendo sido devidamente contraditada. Foram ouvidas as partes e inquiridas as testemunhas. Foram ouvidas E …, F …, G …, H …, e I …. O último é pai da Requerida e as demais testemunhas são vizinhos de Campo de Ourique e colegas do Requerente. No essencial as testemunhas permitiram contextualizar a prova documental e as declarações das partes. Referiram que o casal vive em Campo de Ourique com os filhos e deram nota de que o Requerente se ocupa dos filhos. Já o pai da Requerida esclareceu os apoios que tem dado à filha, salientando que são empréstimos e não doações. Teve-se ainda em atenção a certidão da RERP relativa aos filhos do casal e também a atinente à acção cível intentada pela Requerida. Resultou claro que o Requerente aufere valor inferior ao da Requerida, tendo despesas decorrentes quer do normal trem de vida, quer com os encargos assumidos ainda durante a vida em comum (incluindo as casas do casal no Alentejo, onde têm segunda habitação). As receitas e despesas dos dois membros do casal assentaram nas suas declarações claras e precisas e também nos documentos que foram juntos. O Requerente esclareceu a situação da casa em Caxias de que é comproprietário com dois irmãos, dando ainda anota de que tem outro filho de uma relação anterior ao qual paga pensão de alimentos mensal. A Requerida esclareceu também de forma detalhada a sua situação patrimonial dando nota da dificuldade em arcar com as despesas todas que tem à sua responsabilidade, apesar do salário que aufere. No que diz respeito ao valor de 800,00 euros anual relativo à sua participação em reuniões no estrangeiro, esclareceu ainda que o pagamento daquele valor (em senhas) dependendo realização ou não das indicadas reuniões.”
Aditamento de factos
A Apelante pretende que sejam aditados os seguintes factos:
a) a casa de morada de família em causa nestes autos é a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao segundo andar do prédio sito na Rua …, n.º s … e …, freguesia de Santa Isabel, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …-freguesia de Santa Isabel, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o art.º …;
b) Sobre a referida fração autónoma está registada pela Ap. … de 23/8/2019 a aquisição da referida fração a favor da Requerida A …, solteira, maior;
c) Sobre a referida fração autónoma estão registadas pelas Aps. … de 23/8/2019 e Ap. … de 24/5/2021 duas hipotecas voluntárias a favor do C …, S.A., para assegurar os montantes máximos de, respetivamente, 349.953,00 € (trezentos e quarenta e nove mil novecentos e cinquenta e três euros) e 57.304,52 € (cinquenta e sete mil trezentos e quatro euros e quarenta e dos cêntimos).
d) A Requerida é a única e legítima proprietária da fração autónoma que constitui a casa de morada de família.
Invoca a relevância dos referidos factos, cuja prova considera resultar do documento que juntou com o seu requerimento de 29 de janeiro de 2024.
O Apelado discorda.
Apreciando.
Afigura-se-nos ser relevante para a decisão da causa complementar e concretizar a matéria de facto vertida nos pontos 2 e 22, devendo ser aditados os factos que decorrem da análise da certidão do registo predial junta com o requerimento de 29-01-2024, atinentes ao registo de aquisição, a favor da Requerida, da fração em apreço (que logo na Oposição confessou ser casa de morada da família), bem como ao registo de duas hipotecas para garantia dos dois empréstimos bancários contraídos por esta última, que, como esclareceu nas declarações que prestou, e também resulta do documento (email) que juntou com o seu requerimento de 31-10-2023, se destinaram à aquisição/compra da fração e à realização de obras.
Já quanto à propriedade da fração, a conclusão a extrair desses factos registais constitui, de harmonia com a presunção legal consagrada no art.º 7.º do Código do Registo Predial, matéria de direito.
Assim, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso a este respeito, com o aditamento aos pontos 2 e 22 dos factos referidos, nos termos suprarreferidos.
A Apelante pretende ainda que seja aditado o seguinte facto: O Requerente exerce, desde 22 de janeiro de 2020, o cargo ....
Invoca, para tanto, o recibo de vencimento do Requerente - junto com o seu requerimento inicial - e o Despacho n.º 891/2020, de 22 de janeiro de 2020 (publicado no DR, II Série, de 22-01-2020).
O Apelado discorda, mas sem razão alguma, por se nos afigurar elucidativo da situação profissional do Requerente, à semelhança do que sucede quanto à situação da Requerida, explicitar a atividade profissional que exerce, a qual resulta demonstrada do recibo de vencimento que juntou com o seu Requerimento inicial, bem como do Despacho referido (que a Requerida juntou com a Oposição), do mesmo constando que produz efeitos à data da assinatura, ou seja, 13 de janeiro de 2020.
Assim, adita-se no ponto 9 o facto em questão, ou seja, que o Requerente exerce, desde 13 de janeiro de 2020, o cargo ....
Finalmente, a Apelante pretende que seja aditado o seguinte facto: A Requerida tem 46 anos de idade.
Indica a Apelante a certidão do seu assento nascimento junta aos autos pelo Requerente com o seu Requerimento inicial.
O Apelante discorda, mas, de novo, sem razão alguma.
Efetivamente, estando provada a sua idade, seria incompreensível que a da Requerente não constasse do elenco dos factos, estando provada pela certidão do assento de nascimento que o próprio Requerente juntou com o seu Requerimento Inicial.
Assim, adita-se no ponto 8 que a Requerida tem 46 anos de idade.
Ponto 8
Foi dado como provado que: O Requerente tem cinquenta e quatro anos e saúde precária com dores lombares crónicas, colesterol elevado e toma diária de medicação.
A Apelante defende que apenas deve ser dado como provado que: O Requerente tem 54 anos.
Argumenta, para tanto e em síntese, que: não foi produzido um único elemento de prova sobre a saúde precária do Requerente e, nas declarações que este prestou, reconheceu até que não tem despesas especiais de saúde, mas apenas indicação médica para ir ao ginásio.
Vejamos.
O facto em apreço foi alegado no art.º 12.º do Requerimento Inicial e impugnado no articulado de Oposição (cf. art.º 52.º).
O Requerente não deu conta, nas declarações que prestou, de padecer de problemas de saúde, apenas referindo esporádicas despesas de farmácia e ginásio, acrescentando que este último era por indicação médica.
Apenas a testemunha E … referiu de forma vaga um “problema de costas do Requerente”, o que nem sequer foi corroborado por outras testemunhas (e o normal seria que disso se tivessem apercebido, dada a relação de amizade e profissional com o Requerido de que deram conta), muito menos por prova documental.
Trata-se, sem dúvida, de matéria em que avulta a relevância probatória de documentos, designadamente declaração/atestado médico, faturas da farmácia, análises clínicas, não constando dos autos quaisquer elementos que nos levem a crer ser esse o estado de saúde do Requerente.
Assim, decide-se eliminar do ponto 8 a parte em que consta que o Requerente tem saúde precária com dores lombares crónicas, colesterol elevado e toma diária de medicação.
Ponto 14
A Apelante pretende que se adite ao ponto 14 do elenco dos factos que o valor dos consumos domésticos mensais da casa que arrendou é no montante de 100 €.
Invoca, para tanto, as declarações que prestou, o que considera ser importante para comparação dos encargos do casal.
O Apelado discorda, mas, mais uma vez, sem razão.
Com efeito, o Tribunal recorrido questionou as partes sobre estes factos e valorou as respostas dadas pelas mesmas. Tais declarações foram prestadas de forma que se nos afigurou segura e sincera, tendo a Requerida declarado que em água, gás e eletricidade gastava à volta de 100 € por mês.
Assim, determina-se que esse facto seja aditado no ponto 14.
Ponto 18
Foi dado como provado que: O casal tem três casas em Galveias, uma das quais ainda com empréstimo bancário dividido por ambos os membros do casal.
A Apelante pretende que se altere a redação do ponto 18, passando a constar que: O casal tem uma casa em Galveias onerada por hipoteca voluntária para garantia de um empréstimo bancário pelo qual ambos são responsáveis.
Invoca, para tanto, o documento 4 junto com o seu requerimento de 30-10-2023 - certidão permanente do prédio urbano sito em Galveias, Rua Dr. …, n.º …, freguesia de …, concelho de Ponte de Sor, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o nº … - freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º … , referindo resultar da mesma que o prédio urbano a que se refere pertence, em comum e na proporção de 1/2 para cada um, ao Requerente e à Requerida, mais provando que sobre esse imóvel, está registada uma hipoteca voluntária a favor do D …, S.A..
O Apelado discorda.
Vejamos.
Da análise das certidões juntas com o requerimento de 30-10-2023 resulta, no que ora importa, que:
- Se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, mediante ap. … de 2020/12/14, a aquisição, a favor do Requerente, por compra, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o n.º …, composto de casa de habitação de rés do chão e 1.º andar, cavalariça e palheiro, encontrando-se ainda registada, mediante ap. … de 2023/08/17, a hipoteca voluntária a favor do D …, S.A. para garantia do pagamento de empréstimo, sendo sujeito passivo o Requerente;
- Se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, mediante ap. … de 2018/04/12, a aquisição por compra, a favor do Requerente e da Requerida, na proporção de metade cada um, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de Galveias, inscrito na matriz predial sob o n.º …, situado na Rua Dr. …, n.º …, composto de casa de habitação de rés do chão e 1.º andar, com sótão, anexos, cocheira e cavalariça, pátio e quinta, encontrando-se ainda registada, mediante ap. … de 2018/04/12, a hipoteca voluntária a favor do D …, S.A. para garantia do pagamento de empréstimo, sendo sujeitos passivos o Requerente e a Requerida;
- Se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, mediante ap. … de 2019/12/30, a aquisição, a favor do Requerente, por compra, do prédio urbano descrito nessa Conservatória sob o n.º … da freguesia de Galveias, inscrito na matriz predial sob o n.º …, composto de edifício destinado a barracão.
Da análise destes documentos resulta, pois, que “o casal” propriamente dito apenas tem uma única casa em Galveias, já que a aquisição dos outros (dois) prédios está registada a favor do Requerente, sendo que um desses prédios não é uma casa, mas um barracão. É certo que estes factos também constam do ponto 21, mas em termos tais que, conjugados com o ponto 18 em apreço, podem suscitar dúvidas (mormente a de que os prédios referidos no ponto 18 são distintos dos prédios referidos no ponto 21). Daí que se nos afigure conveniente alterar o que consta do ponto 18, completando-o de acordo com os elementos que se retiram da análise das referidas certidões.
Assim, determina-se a alteração do ponto 18 nos termos suprarreferidos.
Ponto 19
Foi dado como provado que: A Requerida paga igualmente outras despesas comuns com o Requerente, como o empréstimo do carro e a dívida à AT.
A Apelante pretende que seja alterada a redação do ponto 19, passando a ter o seguinte teor:
A Requerida paga igualmente metade das seguintes despesas comuns com o Requerente:
- Empréstimo para aquisição do prédio urbano sito na Rua Dr. …, n.º …, freguesia de …, concelho de Ponte de Sor, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o n.º …-freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º …, com uma prestação mensal global de 500,00 €;
- Empréstimo ao consumo para construção de um furo com uma prestação mensal de 342,00 €;
- Empréstimo automóvel com uma prestação mensal global de 350,00 €;
- Dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira com uma prestação mensal global de 1.100,00 € (mil e cem euros).
Invoca a Apelante, para tanto, a necessidade de apuramento, em concreto, das despesas suportadas por cada membro do casal as declarações do Requerente e da Requerida.
De novo o Apelado discorda.
Mas sem razão.
Efetivamente, além da existência de dois créditos hipotecários atinentes aos empréstimos contraídos pela Requerida para aquisição e obras na casa de morada de família, resultou do que o Requerente disse, bem como das declarações da Requerida, e dos documentos juntos aos autos que existem outros créditos, designadamente:
- os créditos hipotecários atinentes aos dois empréstimos acima referidos (pelo D …, S.A.) garantidos pelas hipotecas que oneram as duas casas de Galveias - ambas as partes disso deram conta, embora assumindo tratar-se de uma só dívida, e tal facto também decorre das certidões de registo predial acima referidas; a Requerida disse que a prestação devida ao Banco pela casa de Galveias era de 500 € e que transferia 250 € para o Requerente, e este confirmou que a Requerida transferia essa importância, sendo, pois, essa a nossa convicção, face à concordância das declarações prestadas;
- o contrato de crédito pessoal celebrado pelo Requerente para instalação de furo no prédio de Galveias - tanto o Requerente como a Requerida o referiram e o documento que aquele juntou com o Requerimento inicial também o comprova, do mesmo resultando que o valor da prestação mensal vencida em julho de 2023 era de 170,28 €; aliás, está provado em 12 que uma das despesas que o Requerente diz respeito a “171 € de empréstimo ao consumo”, pelo que será esse o valor a considerar;
- o contrato de crédito celebrado pelo Requerente para compra de viatura automóvel - o Requerente não só referiu a existência desse crédito, como juntou com o Requerimento Inicial um documento do qual resulta que a prestação mensal do crédito automóvel vencida em julho de 2023 era de 287,20 €, tendo a Requerida dito que tinha passado a pagar metade do valor devido por ser fiadora; o Requerente disse que o montante da prestação mensal desse crédito era, salvo erro, de 370 €, mas não foi convincente a este respeito, tendo até começado por indicar o valor de 470 €, que depois corrigiu, dizendo que este último era do empréstimo da casa (o que assumimos se reportava à casa de Galveias) sendo certo que do documento que juntou resulta um valor inferior; está provado em 12 que o valor do empréstimo automóvel é de 290 €, pelo que será esse o valor a considerar.
Quanto à dívida à Autoridade Tributária, o Requerente referiu que era da responsabilidade de ambos, sendo a parte dele (metade) na ordem dos 530 €/mês (aliás, está provado em 12 que importa em 536 € mensais); a Requerida disse que cada um deles pagava 550 €. Assim, e tendo em conta também a existência das hipotecas a favor da Autoridade Tributária, estamos convencidos que essa despesa terá o valor aproximado que foi indicado, considerando-se o valor de 1.072 €.
Da análise conjugada de todos estes elementos probatórios resulta possível complementar e concretizar a factualidade vertida no ponto 9, embora não inteiramente nos termos indicados pela Apelante, mas dando-se como provado que:
A Requerida paga igualmente [metade de] outras despesas comuns com o Requerente, como o empréstimo do carro [cuja prestação mensal é de 290 €] e a dívida à AT [Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja prestação mensal global é na ordem dos 1.072,00 €, bem como uma prestação mensal global de 500,00 € relativa a empréstimo hipotecário para aquisição da casa de Galveias, e ainda uma prestação mensal de 171 € relativa a um crédito pessoal concedido ao Requerente para construção de um furo num dos prédios de Galveias].
Nesta conformidade, determina-se a alteração do ponto 19.
Pontos 22 e 23
Lembramos que foi dado como provado que:
22. A prestação bancária da casa de morada de família é de 1.487,82 €, a que acrescem ainda os seguros.
23. É ainda devido o pagamento de 53,53 € mensais de condomínio, impostos e os consumos domésticos.
A Apelante requer que se altere a redação dos pontos 22 e 23, passando a constar o seguinte:
22 - A prestação bancária da casa de morada de família é de 1.487,82 € mensais, a que acresce a prestação bancária do empréstimo para obras na casa de morada de família no montante de 272,82 € e ainda os seguros de vida associados aos dois empréstimos, nos montantes mensais de 112,72 € e 32,00 €.
23 - É ainda devido o pagamento de 53,63 € mensais de condomínio, 20,88 € mensais de IMI e o valor dos consumos domésticos.
Invoca, para tanto, os seis documentos juntos com o requerimento da Requerida de 31-10-2023, que não foram impugnados pelo Requerente e as declarações da Requerida.
Vejamos.
O documento 1 junto com o referido requerimento de 31-10-2023 é uma informação prestada por email proveniente, ao que tudo indica (face ao endereço de correio eletrónico) enviado por funcionária do C …, S.A (em 31-10-2023), da qual resulta que, além da prestação mensal de 1.487,42 €, é ainda devido o valor mensal de 272.82 €, o que se coaduna com a existência de uma segunda hipoteca, evidenciada pela análise da certidão do registo predial junta com o requerimento de 29-01-2024 e foi referido pela Requerida, nas suas declarações, explicando que se tratava de empréstimo para obras; esta informação é complementada pelo documento 2, que contém informação sobre ambos os empréstimos, o primeiro destinado à aquisição de 1.ª habitação e o segundo a “obras de beneficiação ou ampliação”; mais resulta do documento 1 serem devidos seguros de vida associados aos dois empréstimos nos valores de 112,72 € e 32 €, bem como um seguro multirriscos associado no valor anual de 322.05 €; o Requerente, nas suas declarações também deu conta da existência de 6 créditos bancários, bem como do pagamento dos seguros de vida e multirriscos de três casas.
O documento 6 junto com esse requerimento mostra que o valor anual do imposto devido pela fração em apreço no ano 2023 era de 250,56 €, o que corresponde a 20,88 € mensais, valor que a Requerida também referiu, em termos aproximados, nas declarações que prestou.
Assim, justifica-se alterar a redação dos pontos 22 e 23 nos termos suprarreferidos, o que se determina.
Do uso da casa de morada da família
Na sentença recorrida teceram-se as seguintes considerações de direito (sublinhado nosso): «O Requerente pretende que lhe seja atribuído a título provisório a casa de morada de família, mediante o pagamento de metade do valor do empréstimo, até que seja decidido o destino a dar ao imóvel. No que diz respeito à situação patrimonial do Requerente e da Requerida, considerando os valores apurados, tem de concluir-se que a mesma se situa num claro patamar de conforto, acima da do cidadão médio. Isto sem deixar de ter presentes também os encargos que ambos têm de suportar. No que diz respeito ao valor a pagar pelo Requerido até à divisão do imóvel cabe salientar que o mesmo não é uma renda. Desde logo, porque o Requerido é comproprietário do imóvel em apreço. A este propósito, recorde-se o Acórdão do STJ de 26.04.2012 onde se pode ler: “Sendo qualitativamente iguais os direitos dos ‘consortes’ (art.º 1403.º, nº 2 do CC) e sendo certo que o uso da ‘coisa comum’ por um dos ‘comproprietários’, não constitui, em princípio, posse exclusiva ou posse superior à dele (art.º 1406.º, nº 2 do mesmo CC), crê-se ter cabimento que aquele que da sua ‘quota-parte’ não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal ‘quota-parte’. (no mesmo sentido, por exemplo, Ac. Relação de Évora de 12/06/2019). Esclarecido este ponto é também sabido que nada obsta a que se recorra ao regime de arrendamento previsto no art.º 1793º do CC: “1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem. 3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.” Importa determinar o valor da compensação devida pelo Requerido. As partes auferem rendimentos acima da média nacional, de forma evidente. Ainda assim, a Requerida tem uma situação patrimonial mais vantajosa. O seu salário é superior e, sendo certo que teve de arrendar casa para nela viver, o valor que suporta a tal título (1400,00 mensais) é inferior ao montante dos encargos do imóvel que é casa de morada de família. Por outro lado, é certo que a mesma, não só não pode residir no imóvel em discussão nos autos, como, com a ocupação do mesmo pelo Requerente, não pode rentabilizar o imóvel, por exemplo arrendando-o a terceiro enquanto aguarda a sua venda (ou a definição da situação jurídica do mesmo na acção cível em curso). Tem o Tribunal em conta as despesas que ambos os mesmos do casal suportam, quer as que são comuns (com a segunda habitação do casal, dívida à AT e automóvel), quer as que são da responsabilidade de casa um (despesas com filhos, alimentação e demais despesas inerentes ao curso da vida). A Requerida não pediu para si a atribuição da casa de morada de família neste apenso. Revelou que arrendou para si uma casa em campo de Ourique, ali residindo com os filhos que estudam em escolas naquele bairro. Na verdade, ao atribuir a casa de morada de família ao Requerente pondera-se igualmente o bem-estar dos filhos do casal, que vivem em tempo parcial com aquele. Atente-se que embora a Requerida tenha alegado que o Requerente é proprietário de vários imóveis, dos prédios que indicada apenas um se situa em área que seria cogitável para o Tribunal como alternativa à atribuição de casa de morada de família; o imóvel sito em Caxias. Contudo, o Requerente apenas é proprietário de um terço do mesmo, sendo o demais dos seus dois irmãos. Resultou demonstrado que a casa está ocupada. O que não se demonstrou (nem alegou) é que tal habitação dispõe de condições para receber o Requerente e os seus dois filhos. Quanto aos demais imóveis sitos em Marvão, Galveias (em compropriedade com a Requerida) e Palhacana nada se apurou quanto às suas condições. Mas é evidente que a sua ponderação implicaria uma mudança na vida do Requerente que iria muito para lá de mudança de casa, pondo em causa o próprio regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que as partes consensualizaram na RERP). Tudo ponderado, e tendo em atenção os critérios que presidem à fixação da compensação devida à Requerente pelo uso da casa de morada de família pelo Requerente no valor de metade do empréstimo pago ao banco pelo casal (incluindo os seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, IMI e consumos domésticos do mesmo).»
A Apelante discorda, argumentando, em síntese, que:
- É ilegal a decisão que atendeu a pretensão do Requerente, já que o art.º 1793.º do CC apenas permite que, em caso de rutura e a seu pedido, o tribunal dê a um dos unidos a utilização da casa de morada de família no quadro de um contrato de arrendamento, ficando sujeita às regras do arrendamento para habitação, aplicando-se esta regra quer a casa de morada de família seja um bem próprio do outro unido, quer ela seja um bem comum dos dois unidos;
- Na sentença recorrida atribui-se ao Requerente o direito de uso da casa de morada de família “até à divisão do imóvel”, o que pressupõe que o Requerente e a Requerida são seus comproprietários, mas não é o caso, sendo a Requerida a única e legítima proprietária da casa de morada de família; tendo em conta que o Requerente propôs ação onde se discute a propriedade do imóvel que é a casa de morada de família, é impossível prever quando estará definitivamente decidida esta ação e caso, por absurdo, nela se decida que o Requerente é seu comproprietário, é impossível prever quando será feita a “divisão do imóvel”;
- Face aos factos provados, não pode concluir-se (i) que o Requerente precise mais da casa de morada de família do que a Requerida e (ii) que o interesse dos filhos justifique a utilização da casa de morada de família pelo Requerente, pois ambos têm situações financeiras equivalentes e estão em idade ativa, com bons curriculae e sem qualquer constrangimento para trabalhar; a diferença de remunerações mensais que existia é completamente consumida pela renda e consumos domésticos que a Requerida tem com a casa onde reside, sendo certo que, com o remanescente, tem de fazer face aos mesmos encargos que o Requerente, não tendo a Requerida qualquer outra fonte de rendimento enquanto o Requerente tem ou pode ter (se quiser) nomeadamente 1/3 de um T5 em Oeiras (fração …, correspondente ao ….º andar do prédio sito na Rua da …, n.º …, em Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º …); entre os encargos que o Requerente e a Requerida têm de suportar há empréstimos que podem ser eliminados ou reduzidos se os bens para cuja aquisição foram contraídos fossem vendidos, mas o Requerente não tem qualquer incentivo para se empenhar na concretização destas vendas e na eliminação destes encargos; não ficou demonstrado que o Requerente não possa habitar no imóvel de que é comproprietário situado em Oeiras; não há indicadores de que uma mudança de bairro, de freguesia ou de concelho por parte do Requerente ou da Requerida venha a prejudicar os filhos;
- Se, no limite, se entender que há alguma razão para atribuir ao Requerente a utilização da casa de morada de família, deverá fixar-se a tal utilização um prazo certo e curto, não superior a 6 meses (já que o Requerente já está a utilizar a casa de morada de família há quase um ano), e ser fixada a renda mensal no valor total da prestação mensal devida pelos empréstimos contraídos pela Requerida para sua aquisição e para obras (incluindo seguros), acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo).
O Apelado, por sua vez, sustenta, em síntese, que a casa de morada da família é um bem de que ambas as partes são comproprietários e que dada a sua situação económica mais desfavorecida lhe deve ser atribuída a utilização dessa casa, conforme decidiu o Tribunal a quo.
Apreciando.
Começamos por salientar que a pretensão do Requerente não se reconduz, como é óbvio, à medida, meramente provisória e cautelar, prevista no art.º 931.º, n.º 9, do CPC (anterior art.º 931.º, n.º 7), nos termos do qual, na pendência do processo de separação ou divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, pode o juiz, em qualquer altura do processo, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, fixar um regime provisório, designadamente quanto à utilização da casa de morada de família (sobre essa temática, destacamos o estudo de Nuno de Salter Cid, “Sobre a atribuição judicial provisória do direito de utilizar a casa de morada da família”, publicado na revista JULGAR, n.º 40 – 2020, págs. 49-72).
O Requerente lançou mão do procedimento cautelar comum, tendo o Tribunal recorrido determinado oficiosamente que os autos passassem a seguir a tramitação do processo previsto no art.º 990.º do CPC, norma de direito adjetivo, inserida no Título dos processos de jurisdição voluntária - mais especificamente, das providências relativas aos filhos e aos cônjuges -, que, mais não faz do que regular a tramitação do processo judicial pelo qual a parte vem exercitar os direitos substantivos consagrados no art.º 1793.º e 1105.º do CC, direitos esses cuja razão de ser radica no reconhecimento pelo legislador da importância de que se reveste a tutela do direito à habitação e a proteção da família, direitos com consagração constitucional (cf. artigos 65.º e 67.º da CRP). Portanto, no plano processual, o art.º 990.º do CPC vem regular o processo atinente à atribuição da casa de morada de família, sendo assim também aplicáveis as regras gerais previstas nos artigos 986.º a 988.º do CPC.
No plano do direito substantivo e no que ora importa, estabelece o art.º 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, sob a epígrafe “Protecção da casa de morada da família em caso de ruptura”, que o disposto nos artigos 1105.º (quando a casa de morada de família é um bem imóvel arrendado) e 1793.º do Código Civil (quando a casa de morada de família é um bem comum ou próprio do outro) é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de rutura da união de facto. Portanto, está previsto na lei que o tribunal pode determinar a transmissão do direito ao arrendamento sobre a casa de morada de família de que um ex-membro da união de facto seja titular a favor do outro ex-membro dessa união de facto, ou a constituição do direito ao arrendamento sobre tal casa, quando seja um bem comum de ambos ou próprio do outro.
Uma vez que se trata de um processo de jurisdição voluntária, é aplicável o critério de julgamento consagrado no art.º 987.º do CPC: “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.” No entanto, isso não significa que a solução do caso possa ser arbitrária e à margem da lei, pois do que se trata é de interpretar e aplicar, consoante as situações concretas, os referidos artigos 1793.º e 1105.º do CC, adotando, dentro dos pressupostos legais aí estabelecidos, a solução mais conveniente e oportuna.
No presente recurso, importa apreciar se, como entendeu o Tribunal recorrido, é aplicável ao caso o disposto no art.º 1793.º do CC (ex vi do art.º 4.º da Lei n.º 7/2001), nos termos do qual: “1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem. 3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.”
Este normativo legal prevê a constituição, por decisão judicial, de um direito ao arrendamento, que fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, cumprindo ao tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os ex-cônjuges/unidos de facto, designadamente no que respeita ao prazo do arrendamento e ao valor da renda (que não tem de corresponder a metade do valor locativo da casa). Todavia, como primeiro requisito, é indispensável que o imóvel seja bem comum dos cônjuges (meeiros) ou que pertença, em propriedade ou compropriedade, ao ex-cônjuge/unido de facto que fica sendo senhorio.
Sobre esta matéria, embora não acompanhando inteiramente a conclusão que aí se defende, destacamos o interessante estudo de Sandra Passinhas, “A atribuição do uso da casa de morada da família nos casos de divórcio em portugal: contributo para um “aggiornamento” interpretativo”, in Actualidad Jurídica Iberoamericana, núm. 3 bis, noviembre 2015, pp. 165 – 191 (disponível em https://www.idibe.org/wp-content/uploads/2013/09/125.pdf), em que a autora lembra que “O artigo 1793.º CC afecta uma posição do proprietário constitucionalmente garantida, consubstanciando uma diminuição da dimensão garantística do direito de propriedade, consagrada no artigo 62.º da CRP, entendida como norma jusfundamental permissiva do livre uso, aproveitamento e fruição dos bens. A imposição de um arrendamento forçado impõe, indubitavelmente, ao proprietário uma limitação na sua titularidade, uma interferência com a sua potestas uti domini que cabe no âmbito de protecção do artigo 62.º. (…) O artigo 1793.º não obriga o proprietário, apenas, a um arrendamento forçado - violando o seu direito de dispor do bem, impondo uma afectação a que o proprietário se opôs, ou nas condições em que se opôs -, mas um arrendamento forçado a uma pessoa com quem o proprietário já não tem uma relação familiar, porque a que tinha se dissolveu por divórcio. Estamos, precisamente, naquele núcleo da propriedade irredutivelmente ligado à pessoa do seu titular. Na verdade, o legislador - ao impor um arrendamento a um proprietário que não o deseja, e que esse arrendamento seja celebrado precisamente com uma pessoa cuja ruptura da vida em comum com o proprietário acabou de ser constatada – atinge de forma inexorável a concretização e o desenvolvimento do seu projecto de vida. Que esse caminho de vida tenha sido imposto ou escolhido, não é relevante. O que é determinante é que o proprietário da antiga casa de morada de família não quer manter o seu bem na disponibilidade de alguém, i.e., não quer manter uma vinculação negocial, com quem não vai seguir no caminho da vida, porque acabou precisamente de se desvincular dessa pessoa, afectivamente, ou, pelo menos, do compromisso formal que haviam assumido de partilhar uma plena comunhão de vida.” (págs. 180-181, omitimos na citação a nota de rodapé).
Tal como começámos por afirmar, no presente processo não está em causa a aplicação do disposto no art.º 931.º, n.º 9, do CPC. Não estamos perante um procedimento cautelar comum, nem na pendência de um processo de divórcio, nem sequer a discutir a alteração de um qualquer acordo das partes quanto ao uso ou à utilização da casa de morada de família.
Sobre a diferença entre a atribuição provisória da casa de morada de família e a constituição da relação de arrendamento, lembramos o acórdão do STJ de 23-11-2017, proferido no processo n.º 1448/15.1T8VNG.P2.S2 (disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se refere precisamente que: “I - A fixação judicial da regulação provisória da utilização da casa de morada da família é caracterizável como um procedimento especialíssimo ou incidente do processo de divórcio e distinto do processo de jurisdição voluntária de atribuição da casa de morada da família, configurando o primeiro uma antecipação dos efeitos da composição definitiva do litígio que se alcançará no último. II - Apesar de não ser expressamente qualificado como tal, o primeiro tem vindo a ser considerado um procedimento cautelar específico do processo judicial de divórcio, encerrando, assim, as características basilares da tutela cautelar em que avulta a provisoriedade e a instrumentalidade da regulação judicialmente estabelecida. III - Implicando o divórcio a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (art.º s. 1688.º e 1788.º do CC) e inserindo-se o imóvel que constituiu a casa de morada de família no acervo patrimonial comum a partilhar, é de considerar também que a mencionada regulação é ainda instrumental relativamente aos efeitos de uma eventual adjudicação no âmbito do inventário em consequência de divórcio (art.º 79.º da Lei n.º 23/2013, de 05-03). IV - A tutela que é assegurada pela via cautelar é, em regra, inerentemente temporânea, pelo que as decisões aí proferidas não são, em geral, susceptíveis de constituir caso julgado. V - Tal conclusão assenta na diversidade dos objectos, de trâmites e de critérios de formação da convicção e de decisão que existe entre a tutela cautelar e a tutela que é garantida por via de uma acção e, bem assim, na consideração da natureza iminentemente provisória da regulação estabelecida (que justifica, por exemplo, que a decisão possa ser modificada ou mesmo revogada na sequência da dedução da oposição (n.º 3 do art.º 373.º do CPC), a qual é incompatível com a solidez e estabilidade que comumente são identificadas como traços característicos do caso julgado. VI - A esta luz, a regulação da utilização da casa de morada de família fixada no âmbito do processo n.º …/… é, atenta a índole eminentemente cautelar do procedimento especialíssimo em que foi estabelecida, insusceptível de constituir caso julgado. VII - Essa regulação assumiu, por natureza, um alcance temporalmente delimitado (a pendência do processo de divórcio) e, encontrando-se as partes já definitivamente divorciadas, a regulação provisória perdeu a sua eficácia, tanto mais que não foi entretanto instaurado processo de jurisdição voluntária de atribuição de casa de morada de família, previsto no art.º 990.º do CPC, para decidir, em sede própria, a questão em termos definitivos.”
Não deixámos de atentar no acórdão do STJ proferido em 13-10-2016, no processo n.º 135/12.7TBPBL-C.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) citado pelo Apelado na sua alegação de resposta (embora referindo, por lapso, que era da Relação de Lisboa), sendo de salientar que foi aí apreciada uma situação de facto distinta da que nos ocupa: tratava-se de ação intentada contra o ex-cônjuge, pedindo o autor que se fixasse, como compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família – bem comum do casal – que havia sido decretada provisoriamente no processo de divórcio a favor do aí réu, a quantia correspondente a metade do valor locativo do imóvel (175 €), até à partilha e entrega dos bens adjudicados, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, nos termos do art.º 1793.º do CC, acrescida de juros; a ação foi julgada improcedente, tendo o STJ fundamentado esse juízo de improcedência referindo que não estava prevista, quer na decisão provisória, proferida no início do processo de divórcio acerca da utilização provisória da casa de morada de família, quer no acordo dos cônjuges acerca desta matéria judicialmente homologado, o pagamento de qualquer compensação à aí autora pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao réu, não existindo fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação, que não decorre automática e necessariamente dessa atribuição provisória, pressupondo antes uma valoração judicial constitutiva que, no caso, não se verificou. Nesse acórdão lembra-se ainda que no processo estava em causa uma decisão acerca da atribuição da casa de morada de família, de natureza provisória e cautelar, fundando-se a mesma em juízos equitativos, de conveniência e oportunidade, próprios dos processos de jurisdição voluntária, referindo-se no respetivo sumário que: “I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do art.º .do nº 7 do art.º 931º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele só existe se o juiz o tiver efectivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de acção ulterior. IV. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele atribuído a um dos cônjuges, deve ser interpretado, à luz do princípio da impressão do destinatário, no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contra partidada utilização do imóvel – não sendo admissível uma modificação substancial dos respectivos termos, ao pretender transformar-se a utilização incondicionada, efectivamente prevista no acordo, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontra o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.”
No caso sub judice, não deixa de ser inusitado que, estando pendente a ação principal, à qual o procedimento cautelar foi apensado (sobre um caso de procedimento cautelar comum veja-se o ac. da Relação de Guimarães de 28-11-2019, no proc. n.º 3313/18, disponível em JusNet 8511/2019), tenha sido proferido despacho a determinar que os presentes autos seguiam a tramitação do processo de jurisdição voluntária previsto no art.º 990.º do CPC. Esse despacho acaba por ser irrelevante, já que não tem a virtualidade de alterar o pedido formulado, o qual consiste, lembramos, na atribuição provisória da casa de morada de família, suportando o Requerente metade do valor do empréstimo, até que venha a ser decidido o destino a dar a tal imóvel, pedido que evidencia bem a natureza cautelar da medida requerida ao Tribunal, a tanto não obstando a alteração da forma de processo que foi determinada.
Ora, a presente ação veio a ser julgada procedente, com a atribuição ao Requerente do uso da casa de morada de família – subentendendo-se (como as partes reconhecem), que até ser decidido o destino a dar a esse imóvel –, mediante o pagamento do valor de metade do “empréstimo mensal devido ao banco pelo casal”, incluindo os seguros, acrescido da totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo), não se estando a fixar um regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família, ao abrigo do disposto no art.º 931.º, n.º 9, do CPC.
Ademais, em face do pedido e da causa de pedir, não tem cabimento legal uma solução que equivalha à constituição de um direito de uso ou de habitação da casa de morada da família como o previsto no art.º 1484.º do CC, nos termos do qual: “1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família. 2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação.”
Com efeito, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da tipicidade dos direitos reais previsto no art.º 1306.º do CC, que proíbe a constituição de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito fora dos casos previstos na lei, estabelecendo o art.º 1485.º do CC que: “Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293.º, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.” Logo, e tendo em atenção o disposto nos artigos 1293.º, al. b), e 1440.º do CC, um direito de uso/habitação pode ser constituído por contrato, testamento ou disposição da lei, de que são exemplos o art.º 2103.º-A do CC e o art.º 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05 (referindo-se este último à proteção da casa de morada da família em caso de morte do membro da união de facto proprietário ou arrendatário da casa de morada da família).
A pretensão do Requerente apenas podia ser atendida no quadro legal da constituição do direito de arrendamento, de harmonia com o previsto no art.º 1973.º do CC, preceito legal convocado na sentença recorrida, mas não se alcança, desde já o adiantamos, como possa da sua aplicação ao caso sub judice resultar a solução que foi aí adotada.
Efetivamente, o arrendamento implica, por definição, a cedência do gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição (cf. artigos 1022.º e 1023.º do CC).
O Requerente começou por alegar que a Requerida era proprietária da fração que é casa de morada da família. Ante os factos provados (aos quais não podemos deixar de nos ater), e tendo presente a presunção legal consagrada no art.º 7.º do Código do Registo Predial, é inevitável concluir que a casa de morada de família em apreço é propriedade da Requerida, pelo que lhe seria devida uma renda, não se podendo acompanhar a afirmação feita na decisão recorrida de que “o Requerido é comproprietário do imóvel em apreço”.
É certo que, a dada altura, o Requerente passou a sustentar que era comproprietário do referido imóvel, apesar de isso não resultar do registo predial, o que não deixa de ser mais consentâneo com o facto de ambas as partes terem assumido em conjunto, na proporção de metade, o pagamento de um conjunto de despesas relacionadas com a fração, designadamente as prestações dos empréstimos hipotecários contraídos para aquisição da fração autónoma em apreço e realização de obras na mesma, os respetivos seguros, e ainda o IMI. Mas isto não basta para que possamos, sem mais, considerá-lo comproprietário da referida fração autónoma, podendo apenas significar que as partes acordaram em proceder desse modo para acautelar o pagamento de um conjunto de encargos, evitando as consequências nefastas do incumprimento (designadamente a instauração de ações executivas pelo banco credor hipotecário, com a venda da fração).
Seja como for, quer se entenda que a Requerida é proprietária da fração ou apenas sua comproprietária, juntamente com o Requerente, o certo é que não foi fixada na decisão recorrida nenhuma verdadeira retribuição (como é próprio da constituição forçada de um arrendamento), mas apenas imposto ao Requerente que assumisse o pagamento de diversas quantias, de valor mensal/anual variável, designadamente metade do “empréstimo mensal devido ao banco pelo casal”, incluindo os seguros, e a totalidade das despesas inerentes ao uso do imóvel (condomínio, impostos e consumos domésticos do mesmo), despesas essas que, na ótica do Requerente (e até do Tribunal recorrido), seriam já, pelo menos em parte, da responsabilidade dele, enquanto comproprietário.
Assim, apesar de invocar o disposto no art.º 1793.º do CC, não cuidou o Tribunal a quo de determinar a constituição de uma relação de arrendamento nos termos consentidos por esse preceito legal (porventura por considerar que isso apenas haveria de ser feito na ação principal que está pendente).
Ora, mesmo reconhecendo que, no art.º 1793.º do CC, o legislador entendeu sacrificar o direito de propriedade, constitucionalmente protegido pelo art.º 62.º da CRP, ao interesse da família, igualmente objeto de proteção constitucional (cf. art.º 67.º da CRP), não descortinamos fundamento legal para determinar a constituição de uma espécie de direito de uso, com a inerente restrição do direito de propriedade da Requerida (direito que, até ver, apenas a si pertence), impondo ao Requerente que assuma o pagamento de determinadas despesas, de forma que se nos afigura impraticável e nefasta, ainda para mais no quadro de uma união de facto que, ao que tudo indica, já foi dissolvida.
Portanto, o que se poderia discutir seria a constituição de um direito ao arrendamento (e respetivo conteúdo, nos seus elementos essenciais), face à situação de facto que (efetivamente) se veio a apurar, sem prejuízo de poder vir a ser alterada a decisão tomada, nos termos do art.º 988.º, n.º 1, do CPC.
Sucede que, em bom rigor, não parece ser essa a pretensão do Requerente. Apesar disso, tendo em conta a natureza de jurisdição voluntária do presente processo, não deixaremos de prosseguir a nossa análise, apreciando a argumentação subsidiária desenvolvida pela Apelante, indagando da possibilidade de o Requerente ficar arrendatário da fração que é propriedade da Requerida, pagando-lhe uma renda, para o que importa considerar os factos provados, decidindo segundo critérios legais de conveniência e oportunidade (cf. art.º 987.º do CPC), tendo em conta nomeadamente, “as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” (cf. art.º 1073.º, n.º 1, do CC).
Nessa senda, importa ter presente a jurisprudência que vem sendo produzida a respeito de casos próximos, ilustrada por alguns acórdãos recentes (disponíveis em www.dgsi.pt), com destaque para:
- o acórdão da Relação de Évora de 11-03-2021, proferido no processo n.º 1337/19.0T8STB-A.E1, em cujo sumário se refere designadamente que: «2. Na atribuição do uso da casa de morada de família deverá considerar-se “as necessidades dos cônjuges” (no caso, dos membros da união) e o “interesse dos filhos”, entre outros fatores ou razões atendíveis, visto não serem taxativos os critérios aí elencados, atenta a expressão usada “e outros fatores relevantes” - art.º 1105.º /2 do C. Civil. 3. O fator principal ou mais preponderante para a sua atribuição a um dos unidos de facto será a avaliação da “premência da necessidade” da casa, a do unido de facto que dela mais precisa, supondo que ambos dela necessitam, e nessa avaliação contará, também, o interesse dos filhos, a situação económica de cada um dos unidos de facto, as razões que o levaram a deixar a casa de morada de família, o seu estado de saúde, a sua idade, a capacidade profissional de cada um deles, como outros fatores relevantes.»
- o acórdão da Relação de Coimbra de 13-12-2023, proferido no processo n.º 826/23.7T8ACB.C1, em cujo sumário se explica que: «I – O art.º 1793º, nº 1 do C.Civil [aplicável aos “unidos de facto”, ex vi do art.º 4º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que aprovou o regime legal de PROTECÇÃO DAS UNIÕES DE FACTO] fixa os critérios a que se deve atender para determinar qual dos cônjuges [ou “unidos de facto”] poderá continuar a habitar a casa, sendo que se entende que esses critérios ali enumerados de forma expressa são os mais importantes, por isso mesmo sendo expressamente indicados, sendo eles dois, a saber, (i) as necessidades de cada um dos cônjuges, e (ii) o interesse dos filhos do casal. II – Pode recorrer-se a outros critérios, em caso de dúvida ou de situação de igualdade entre ambos os cônjuges com o recurso àqueles, podendo alinhar-se entre estes critérios suplementares o da localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, e bem assim o da maior ligação de cada um dos ex-cônjuges [ou “unidos de facto”] em relação à casa em disputa. III – Compete ao cônjuge [ou “unido de facto”] que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.»
- o acórdão da Relação de Guimarães de 12-01-2023, proferido no processo n.º 1472/21.5T8CHV.G1, afirmando-se no respetivo sumário que: “1. As pessoas que vivem em união de facto têm direito a proteção da casa de morada de família, aplicando-se, em caso de rutura da união de facto, o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil. 2. O critério geral para atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada da família na sequência de ação de divórcio ou rutura de união de facto não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao ex-cônjuge (unido de facto) que mais precise dela, pois o objetivo da lei é proteger aquele que mais seria atingido pelo divórcio (rutura) quanto à estabilidade da habitação familiar. 3. Deve ter-se em conta, nomeadamente, tanto a situação patrimonial dos cônjuges, como o interesse dos filhos, a idade e o estado de saúde dos ex-cônjuges, a localização da casa, o facto de algum deles dispor de outra casa em que possa viver, etc. 4. Para fixação da renda, o tribunal não tem que ficar condicionado pelos valores de mercado, desconsiderando a situação patrimonial dos cônjuges, o que poderia inviabilizar na prática os objetivos da lei, antes terá que tomar em consideração as circunstâncias do caso e, em particular, a situação patrimonial do cônjuge arrendatário.”
Do confronto desses casos com a situação sub judice, parece-nos importante realçar a particularidade de que a mesma se reveste, desde logo pela circunstância de estar pendente uma ação em que está a ser discutida, com caráter “definitivo”, a mesma questão que nos ocupa, bem como a reconvenção deduzida pela aí ré-reconvinte, processo esse que se encontra na fase da instrução, estando designado o próximo dia 11 de novembro para a realização da audiência de julgamento, e no qual poderão ser tidos em consideração factos mais recentes e outros elementos probatórios, além dos que já foram indicados na presente ação (mais limitados, dada a natureza de processo de jurisdição voluntária, ao qual se aplicam as regras dos incidentes – art.º 294.º ex vi do art.º 986.º, n.º 1, ambos do CPC).
Perante isto, e não estando provada a incipiente factualidade que foi alegada pelo Requerente tendente a demonstrar a existência de periculum in mora, parece-nos pouco conveniente e até inoportuno, atribuir-lhe o direito de arrendamento da fração.
Tanto mais que está também a ser discutida judicialmente a propriedade da fração em apreço, pelo que, não se sabendo quando se daria o trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal, uma decisão final nos presentes autos de atribuição ao Requerente de um tal direito ao arrendamento perduraria, em tese, até “ser decidido o destino a dar a tal imóvel”, o que implicaria, na hipótese de vir a ser julgada procedente aquela ação, sendo reconhecido o direito de compropriedade do Requerente sobre a fração em apreço, e na falta de acordo das partes quanto ao destino a dar à mesma, aguardar ainda pelo desfecho de uma ulterior ação de divisão de coisa comum.
Volvendo a nossa atenção para os factos provados, salientamos não resultar dos mesmos que o Requerente seja o principal cuidador dos filhos, tendo sido regulado o exercício das responsabilidades parentais em moldes não coincidentes com a pretensão de que deu conta no Requerimento Inicial, ficando as crianças em guarda partilhada com residência alternada junto dos progenitores.
Não ficaram provados factos atinentes às caraterísticas concretas dos imóveis onde residem as partes, mas sabemos que se situam na mesma zona da cidade de Lisboa, em Campo de Ourique, bairro onde também se situa a escola frequentada pelas crianças.
Parece-nos, pois, face aos elementos de que dispomos, ser absolutamente indiferente para o bem-estar dos filhos do ex-casal se ficam (ou não) a residir na casa que é morada da família, com o Requerente ou com a Requerida, ou se ficam antes a viver na casa arrendada pela Requerida.
Por outro lado, bem vistas as coisas, nem sequer nos parece que, à presente data, a situação económica da Requerida seja mais “vantajosa” do que a do Requerente. Com efeito, embora a Requerida tivesse auferido 4.300 € mensais a título de salário, acrescido de cerca de 800 € anuais decorrentes da participação em reuniões junto de entidade estrangeira inerentes ao cargo que ocupa, e o Requerente receba a título de salário cerca de 2.800 € mensais, a verdade é que aquela, em maio do corrente ano, deixou de desempenhar essas funções, não estando provado nos presentes autos se passou a desempenhar outra atividade profissional, nem qual a respetiva remuneração. Admite-se que isso tenha sucedido, pela consulta dos elementos disponíveis no processo principal, designadamente com o articulado superveniente aí apresentado, que apontam para uma quase equiparação remuneratória das partes. Mas está provado que a Requerida tem contado com o apoio da família, designadamente através de empréstimos (isso foi, aliás, dito pelo seu pai), o que evidencia uma incapacidade económica para fazer face a todas as suas despesas.
Os factos provados revelam também que o Requerente, mais do que a Requerida, pode ter outras fontes de rendimento, por ser proprietário de imóveis nas zonas de Marvão e Alenquer (que poderá arrendar ou alienar) e ser comproprietário de uma fração autónoma situada em Oeiras. A circunstância de esta fração poder eventualmente estar ocupada pelo irmão e sobrinhos do Requerente, como este declarou nos autos, não significa que não lhe possa ser devida uma contra partidamonetária pelo uso exclusivo que aquele seu familiar faça do imóvel. Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 07-05-2020, proferido no processo n.º 3001/15.0T8OER.L1.S1 - 7.ª Secção (disponível em www.dgsi.pt): “I - O direito de cada comproprietário não incide sobre parte determinada da coisa comum, mas sim sobre toda a coisa, correspondendo a uma quota da totalidade. II - Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, todos e cada um têm o poder de usar toda a coisa, posto que não a empregue(m) para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive(m) os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (n.º 1 do art.º 1406.º do CC). III - Os direitos dos comproprietários, mesmo que quantitativamente diferentes (caso em que separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas, n.º 1 do art.º 1405.º do CC), são qualitativamente iguais (n.º 2 do art.º 1403.º do CC). IV - Os n.ºs 1 e 2 do art.º 1406.º, por um lado e, por outro, a exequibilidade da titularidade do direito de uso, só são compatíveis com a sua incidência sobre a totalidade da coisa comum. V - A configuração do direito de cada um não lhe confere o direito de usar em exclusivo uma parte determinada da coisa; mas é possível que os comproprietários permitam essa utilização, expressa ou tacitamente. VI - O regime determinado para regular o uso da coisa comum é incompatível com a possibilidade de um comproprietário impor aos demais a utilização exclusiva de parte determinada da coisa, ainda que corresponda ao valor da sua quota e que seja independente. VII - Os comproprietários não podem ser privados desse direito de uso sem o seu consentimento, ainda que por deliberação da maioria. VIII - Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular (n.º 1 do art.º 1405.º ): todos e cada um, separadamente, têm o direito de usar a coisa comum; cada um participa na proporção da sua quota na respectiva fruição; e só é possível dispor da totalidade da coisa comum se todos intervierem, tal como só é possível arrendar a coisa ou alienar ou onerar uma parte especificada com o consentimento dos restantes consortes (n.º 1 do art.º 1408.º ). IX - O direito de uso da coisa comum por um dos comproprietários não pode paralisar o direito de fruição por todos. Se usar em exclusivo e sem consentimento de todos parte especificada da coisa, do prédio, o comproprietário tem de compensar o conjunto (na proporção que excede a sua quota) pelo valor de uso exclusivo. X - No caso, essa compensação foi fixada pelas instâncias por referência ao valor locativo do 1.º andar, em montante não questionado no recurso.”
Os factos provados evidenciam ainda ser considerável o nível de endividamento das partes (pelos vários créditos bancários e a dívida à AT), tornando premente que procurem um entendimento para a gestão do seu património, acordando em vender ou arrendar parte do mesmo, por exemplo, os prédios de Galveias, onde já não residem, nem perspetivam vir a residir. Ora, a atribuição da casa de morada da família ao Requerente nos moldes pretendidos poderá contribuir para o fazer perder de vista a importância desse desígnio, potenciando o agravamento do conflito das partes, ao invés de promover a sua resolução, a todos os níveis.
Por outro lado, o facto de a Requerida ter arrendado uma casa para viver, por si só, não é razão suficiente para considerarmos que o Requerente necessita mais da casa de morada da família do que a Requerida. Na verdade, isso seria penalizar injustamente a Requerente apenas por ter procurado uma alternativa habitacional, não havendo motivo para pensar que o Requerente também não o possa fazer, com uma adequada gestão do seu património, tanto assim que, como se reconhece na decisão recorrida, a situação patrimonial do Requerente e da Requerida, considerando os valores apurados, se situa num claro patamar de conforto, acima da do cidadão médio.
Por tudo isto, não se nos afigura que seja correto, oportuno e conveniente, atribuir ao Requerente o direito ao arrendamento da casa de morada da família, muito menos o direito ao uso da mesma, procedendo em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido provimento.
Vencido o Requerente/Apelado, é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, decidindo-se, em substituição da mesma, julgar improcedente a presente ação, absolvendo a Requerida do pedido.
Mais se decide condenar o Requerente e Apelada no pagamento das custas da ação e do recurso.
D.N.
Lisboa, 24-10-2024
Laurinda Gemas
Paulo Fernandes da Silva
Higina Castelo