RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO CONFLITO DE INTERPRETAÇÕES NORMATIVAS IDENTIDADE DE SITUAÇÕES MATERIAIS QUESTÃO ESSENCIAL
PERDÃO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - No acórdão recorrido está em causa o despacho que ordenou a emissão de mandados de detenção e condução do condenado ao estabelecimento prisional, para cumprimento de pena de prisão, imposta por acórdão do Tribunal da Relação, já transitado em julgado, e a sua recorribilidade, vindo o mesmo Tribunal da Relação – no acórdão recorrido – a pronunciar-se expressamente pela irrecorribilidade e, com tal fundamento, a rejeitar o recurso.

II - No acórdão fundamento está em causa o despacho que indeferiu o requerimento do condenado peticionando a suspensão de mandados de detenção emitidos há já mais de um ano e meio, para cumprimento de pena de prisão imposta por acórdão do Tribunal da Relação, já transitado em julgado, com fundamento na pendência de recurso e até à decisão deste, interposto do despacho que indeferiu a aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e, em caso de aplicação do perdão, porque a pena se situará abaixo dos cinco anos de prisão, sobre a suspensão da execução da pena de prisão, vindo o mesmo tribunal da Relação – no acórdão fundamento – a negar provimento ao recurso, pela improcedência dos fundamentos invocados, confirmando, o despacho recorrido, sem que se tenha expressamente pronunciado sobre a sua recorribilidade que, deste modo, só de forma tácita se pode considerar.

III - Em suma, nem acórdão recorrido e acórdão fundamento partiram de idênticas situações de facto, nem assentaram de modo expresso em opostas soluções de direito, pelo que, inverificado está o requisito material de admissibilidade de oposição de julgados.

Texto Integral


RECURSO Nº 1420/11.0T3AVR-CC.G1-C.S1

Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência

*

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

AA vem, nos termos e para os efeitos dos arts. 437º e 438º do C. Processo Penal, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2024, proferido no processo nº 1420/11.0...-CC.G1, já transitado em julgado, por estar em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2024, proferido no processo nº 1420/11.0...-BU.G1, igualmente transitado em julgado.

No termo da motivação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

1 – VEM O ARGUIDO AA APRESENTAR UM RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA AO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO ACÓRDÃO PROFERIDO EM ÚLTIMO LUGAR NOS PRESENTES AUTOS PROCESSUAIS 1420/11.0...-CC.G1, DATADO DE ........2024 E JÁ TRANSITADO EM JULGADO – ARTIGOS 437º n.ºs 1 A 5, 438º n.ºs 1 E 2 DO C.P.P.

2 – NESTE ACÓRDÃO DE ........2024 FOI DECIDIDO QUE A DECISÃO JUDICIAL QUE ORDENA A EMISSÃO DOS MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO EFETIVA É UMA DECISÃO IRRECORRÍVEL E, NESSE PRESSUPOSTO, O RECURSO FOI REJEITADO.

3 – EM SENTIDO CONTRÁRIO A ESTE, NO MESMO PROCESSO 1420/11.0...-BU.G1, POR DECISÃO DATADA DE ..., JÁ TRANSITADO EM JULGADO TAMBÉM, CONSIDEROU-SE QUE A DECISÃO SOBRE OS MANDADOS DE DETENÇÃO ERA RECORRÍVEL E NESSE PRESSUPOSTO, ENTENDEU-SE:

“Deste modo, à semelhança do entendimento sufragado no despacho recorrido, consideramos que não existem motivos para suspensão dos mandados de detenção, que já foram emitidos no dia ...-...-2022 para o recorrente BB cumprir a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 24 crimes de corrupção passiva, p. p pelo art.º 373º, n.º 1, do C. Penal em que foi condenado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (…)”

E, em consequência,

C) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido BB, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

4 – EM AMBOS OS ACÓRDÃOS, VERIFICA-SE QUE AMBOS OS ARGUIDOS PETICIONARAM PELA SUSPENSÃO OU NÃO EXECUÇÃO DOS MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO EFETIVA INVOCANDO UMA QUALQUER PENDÊNCIA DE RECURSOS DENTRO DO PROCESSO E A SI RESPEITANTES.

5 – A QUESTÃO DE DIREITO EM AMBOS OS ACÓRDÃOS EM OPOSIÇÃO É A MESMA: O DE SE SABER SE A DECISÃO JUDICIAL RELACIONADA COM A EXECUÇÃO DOS MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO EFETIVA OU DA DECISÃO QUE DECIDE NÃO SUSPENDER OS MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO EFETIVA SÃO, OU NÃO, DECISÕES RECORRIVEIS?

6 – A DEFESA ENTENDE QUE SÃO RECORRIVEIS NOS TERMOS DO ARTIGO 399º DO C.P.P., UMA VEZ QUE NÃO EXISTE NORMA LEGAL QUE IMPEÇA TAL RECORRIBILIDADE SEJA PELO ARTIGO 400º OU POR QUALQUER OUTRA.

7 – TAL RECURSO AOS MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO EFETIVA PODERÁ, ISSO SIM, NÃO TER EFEITO SUSPENSIVO. NO ENTANTO OS MESMOS TÊM QUE SER RECORRÍVEIS.

8 – AMBOS OS ACORDÃOS ESTÃO TRANSITADOS EM JULGADO, O ARGUIDO TEM LEGITIMIDADE E INTERESSE EM AGIR.

9 – SEM PREJUÍZO DO DISPOSTO NO ARITGO 442º N.º 1 DO C.P.P., E PESE EMBORA EXISTA JÁ JURISPRUDÊNCIA FIXADA NO STJ NO SENTIDO DE QUE, NA INTERPOSIÇÃO DESTE TIPO DE RECURSO NÃO TEM QUE SE APRESENTAR PRÉVIAS CONCLUSÕES NEM TEM QUE SE APRESENTAR O SENTIDO DE JURISPRUDÊNCIA QUE DEVE SER FIXADA, A DEFESA É DO ENTENDIMENTO QUE A JURISPRUDÊNCIA A SER FIXADA É A SEGUINTE:

A decisão judicial que ordena a emissão dos mandados de detenção ou da decisão judicial que decide não suspender os mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão efetiva emitidos é sempre recorrível, ainda que esse recurso seja sem efeito suspensivo, recorribilidade prevista nos termos do artigo 399º do C.P.P. e que não está impedida nem pelo artigo 400º nem por qualquer outra norma legal do C.P.P.

10 – TERMOS EM QUE, AO ABRIGO DO ARTIGO 441º N.º 1, PARTE FINAL, DO C.P.P., DEVE A CONFERÊNCIA DO STJ “CONCLUIR PELA OPOSIÇÃO” DOS ACÓRDÃOS EM CONFRONTO E ORDENAR A PROSSECUÇÃO DOS AUTOS, ORDENANDO-SE A NOTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS PROCESSUAIS INTERESSADOS PARA APRESENTAREM, POR ESCRITO, AS SUAS ALEGAÇÕES E, NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 442º DO C.P.P., FORMULAR AS RESPETIVAS CONCLUSÕES COM INDICAÇÃO DO SENTIDO DE JURISPRUDÊNCIA A FIXAR – O QUE AQUI ATÉ JÁ SE ADIANTOU ATÉ, SEM PREJUÍZO DAS FASES ULTERIORES A DESENVOLVER.

*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Guimarães respondeu ao recurso, alegando, em síntese, que acórdão recorrido e acórdão fundamento apresentam expressos julgamentos contraditórios da mesma questão de direito perante o mesmo quadro de facto, não obstante no acórdão recorrido estar em causa o indeferimento, pela conferência, de uma decisão sumária que rejeitou o recurso, enquanto no acórdão fundamento, admitido o recurso, foi proferida decisão que conheceu dos seus fundamentos, pelo que, estando verificados os demais requisitos, nada obsta à admissibilidade do recurso extraordinário, sendo certo que o recorrente, em momento anterior, interpôs já dois recursos extraordinários para fixação de jurisprudência, sobre a mesma questão, identificados com os nºs 1420/11.0...-CC.G1-A e 1420/11.0...-CC.G1-B.

*

O recurso foi admitido por despacho de 3 de Junho de 2024.

*

*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, na vista a que alude o nº 1 do art. 440º do C. Processo Penal, emitiu douto parecer, alegando, em síntese, que o recurso é tempestivo e que estão verificados os seus pressupostos formais, mas que não se verifica a imprescindível igualdade do substrato factual sobre que incide cada uma das decisões pois que, enquanto no acórdão recorrido estava em causa saber se é ou não recorrível o despacho que ordenou a emissão de mandados de detenção e condução do condenado em pena de prisão, por acórdão já transitado em julgado, ao estabelecimento prisional, já no acórdão fundamento estava em causa saber se, encontrando-se pendente recurso de decisão que indeferiu a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, deve ou não ser suspenso o mandado de detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional, para cumprimento de pena de prisão aplicada em acórdão transitado em julgado, até à decisão daquele recurso, e concluiu pela não verificação dos pressupostos substanciais previstos no art. 437º do C. Processo Penal, e consequente rejeição do recurso, nos termos do disposto no arts. 440º, nºs 3 e 4 e 441º, nº 1, do mesmo compêndio legal.

Assegurado o contraditório, não houve resposta ao parecer.

*

*

Foi realizado o exame preliminar referido no nº 1 do art. 440º do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência, nos termos do nº 4 do mesmo artigo.

*

Cumpre decidir.

*

*

*

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

Âmbito do recurso

A questão objecto do recurso, tal como é configurada pelo recorrente nas conclusões formuladas, consiste em saber se existe oposição de julgados entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, relativamente à recorribilidade da decisão que ordena a emissão de mandados de detenção e condução de condenado ao estabelecimento prisional, para cumprimento de pena de prisão aplicada por acórdão já transitado em julgado, ou da decisão que suspende ou não o mandado de detenção e condução de condenado ao estabelecimento prisional, nas mesmas circunstâncias.

*

Da verificação dos requisitos do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

1. O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, regulado nos arts. 437º a 448º do C. Processo Penal, apresenta três distintas espécies, o recurso de fixação de jurisprudência em sentido próprio, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada e, o recurso no interesse da unidade do direito.

In casu, cabe analisar a primeira, por nela se integrar o presente recurso.

O recurso de fixação de jurisprudência em sentido próprio resulta da necessidade de compatibilização da independência e liberdade do juiz na interpretação da norma – por definição, geral e abstracta – ao caso concreto, com a diversidade de interpretações – determinante de que situações iguais obtenham diferentes soluções de direito.

Visa, pois, alcançar uma interpretação uniforme da lei e, portanto, uniformizar a jurisprudência.

O seu regime encontra-se previsto nos arts. 437º e 438º do C. Processo Penal.

Sob a epígrafe «Fundamento do recurso» dispõe o primeiro destes artigos:

1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos nºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

Por sua vez, dispõe o art. 438º, com a epígrafe «Interposição e efeito»:

1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 – O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.

As normas transcritas encerram, como é entendimento jurisprudencial uniforme, os requisitos desta espécie de recurso. Assim:

São seus requisitos formais de admissibilidade:

i) A legitimidade do recorrente – pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público;

ii) A tempestividade – deve ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar;

iii) A identificação no recurso do acórdão fundamento, com junção de cópia do mesmo ou a indicação do lugar da sua publicação;

iv) O trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento;

v) A justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência.

E são seus requisitos materiais de admissibilidade:

i) A existência de julgamentos da mesma questão de direito por dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, por dois acórdãos de tribunal de relação ou por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e por um acórdão de tribunal de relação;

ii) Assentarem os acórdãos em confronto, de modo expresso, e não meramente tácito, em opostas soluções de direito, partindo de idênticas situações de facto;

iii) Terem sido os acórdãos em confronto proferidos no domínio da mesma legislação, portanto, quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Note-se, a propósito, que tendo o recurso de fixação de jurisprudência natureza excepcional, a interpretação das normas que o disciplinam deve ser feita de acordo com esta sua natureza, de forma a que não venha a ser transformado num recurso ordinário (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 201 e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2019, processo nº 2701/11.9T3SNT.L1-A.S1 e de 19 de Abril de 2017, processo nº 175/14.1GTBRG.G1-A.S1, in www.dgsi.pt).

2. Vejamos, agora, se estão ou não verificados os enunciados requisitos.

a. Quanto aos requisitos formais de admissibilidade:

- O recorrente, igualmente arguido no acórdão recorrido, tem evidente legitimidade para interpor o recurso, atento o disposto no art.437º, nº 5 do C. Processo Penal;

- O acórdão recorrido foi proferido em 23 de Abril de 2024 e, de acordo com a certidão junta aos autos (referência 215500), transitou em julgado em 6 de Maio de 2024, enquanto o acórdão fundamento foi proferido em 23 de Janeiro de 2024 e, de acordo com a certidão junta aos autos (referência 215499), transitou em julgado em 5 de Fevereiro de 2024 pelo que, tendo o recurso sido interposto a 21 de Maio de 2024, portanto, depois do trânsito em julgado do acórdão recorrido e antes de decorridos 30 dias sobre o referido trânsito, é o mesmo tempestivo (art. 438º, nº 1 do C. Processo Penal):;

- O recorrente identificou o acórdão fundamento – acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2024, proferido no processo nº 1420/11.0...-BU.G1 –, e mostra-se junta certidão do mesmo (referência 215499);

- Acórdão recorrido e acórdão fundamento mostram-se transitados em julgado – ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024, respectivamente;

- O recorrente justificou a oposição de julgados que, no seu entendimento, causa o conflito de jurisprudência a dirimir.

Resta, assim, concluir que, sob a perspectiva dos requisitos formais, nada obsta à admissão do recurso.

b. Relativamente aos requisitos materiais de admissibilidade:

- Estão em causa dois acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, um, o acórdão recorrido, proferido em ... de ... de 2024, no processo nº 1420/11.0...-CC.G1, transitado em julgado em ... de ... de 2024, outro, o acórdão fundamento, proferido em ... de ... de 2024, no processo nº 1420/11.0...-BU.G1, transitado em julgado em ... de ... de 2024. Nem o acórdão recorrido [que indeferiu a reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente, e confirmou a decisão sumária de rejeição do recurso interposto do despacho que ordenou a emissão de mandados de detenção e condução do condenado CC ao estabelecimento prisional para o cumprimento da pena de oito anos de prisão a que foi condenado nestes autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ........2019, transitado em julgado em ........2020, nos termos do disposto nos arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b), ambos do C. Processo Penal], nem o acórdão fundamento [que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido BB, e confirmou o despacho recorrido que havia indeferido a, pela arguido BB requerida, suspensão das mandados de detenção], eram susceptíveis de recurso ordinário, atento o disposto no art. 400º, nº 1, c) do C. Processo Penal;

- Acórdão recorrido e acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação;

- Atentemos agora na afirmada existência de oposição de julgados, portanto, na questão de saber se os acórdãos em confronto assentam, de modo expresso, em opostas soluções de direito, partindo de idênticas situações de facto.

Resulta do acórdão recorrido que:

- Por despacho de ... de ... de 2024 – que expressamente refere estar a dar cumprimento ao ordenado no despacho do Exmo. Desembargador Relator de ... de ... de 2024 –, foi determinada a emissão de mandados de detenção e condução do condenado CC ao estabelecimento prisional, para cumprimento da pena de oito anos de prisão, em que foi condenado nos autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2019, transitado em julgado em ...;

- Inconformado com o decidido, o condenado e recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, peticionando, a final, a revogação do despacho recorrido e consequente anulação da emissão de mandados, devido à pendência de dois recursos com efeito suspensivo;

- O recurso foi rejeitado por decisão sumária, com fundamento na irrecorribilidade da decisão recorrida;

- O condenado e recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência que, por acórdão de ... de ... de 2024, indeferindo os argumentos levados à reclamação – a existência de despacho do Presidente da Relação de Guimarães e de três acórdãos desta mesma Relação a considerar o despacho impugnado recorrível, a circunstância de os mandados de detenção em causa, porque para cumprimento de pena de prisão, nada terem a ver com a detenção fora de flagrante delito, a ausência de trânsito em julgado do acórdão final proferido nos autos principais –, e referindo expressamente, que, os «(…) mandados de detenção e de entrada no estabelecimento prisional (art. 478º do Código de Processo Penal) são, portanto, atos ordenadores do processo, que dão cumprimento a decisões existentes nos autos.» e que, «(…) tendo em conta que o mandado de detenção fora de flagrante delito e o mandado de detenção para cumprimento de pena, não são decisões recorríveis, rejeita-se o recurso apresentado, nos termos dos artigos 420º, nº 1, alínea b), e 414º, nº 2, ambos do Código de processo Penal.», indeferiu a reclamação para a conferência, confirmando a decisão sumária de rejeição do recurso, nos termos das citadas disposições legais.

Resulta do acórdão fundamento que:

- Por despacho de ... de ... de 2023 foi decidido indeferir a, pelo condenado BB, requerida suspensão, em ... de ... de 2023, dos mandados de detenção emitidos em ... de ... de 2022, para cumprimento da pena de cinco anos e seis meses de prisão, imposta por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2019, transitado em julgado a ... de ... de 2020;

- Inconformado com o decidido, o condenado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, peticionando, a final, a suspensão imediata dos mandados de detenção pendentes, até à decisão dos recursos sobre a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto e, em caso de aplicação do perdão, porque a pena se situará abaixo dos cinco anos de prisão, sobre a suspensão da execução da pena de prisão;

- O condenado havia requerido, em ... de ... de 2023, a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, pretensão que foi indeferida por despacho de ... de ... de 2023, do qual o condenado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, recurso que foi admitido;

- Os mandados de detenção foram cumpridos em ... de ... de 2023, estando o condenado detido no estabelecimento prisional desde então, tendo deduzido a providência de habeas corpus que foi indeferida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ... de ... de 2023;

- Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de ... de ... de 2024, foi o recurso julgado improcedente e, em consequência, confirmado o despacho recorrido, referindo-se expressamente que, «Cumpre desde logo referir que, como acima mencionamos, o acórdão que condenou o arguido transitou em julgado em ...-...-2020, o que significa que o quantum de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão fixado como pena única assumiu carácter definitivo. (…). E, como decorre do disposto no art.º 467º, nº1 do C. P. Penal, as decisões penais transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional. Assim, com o trânsito em julgado, aquela decisão tornou-se imediatamente exequível, e desde essa data competia ao Ministério Público promover (além do mais) a execução daquela pena de prisão (art.º 469º, do C. P. Penal). Desta forma os mandados para cumprimento daquela pena de prisão, que se encontravam pendentes desde o dia ...-...-2022 foram legalmente emitidos e em cumprimento formal do caso julgado.», que «(…) foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso do despacho que indeferiu a aplicação do perdão proveniente da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, requerida pelo arguido/recorrente DD. Sem embargo da decisão que venha ser proferida no Apenso BT pelo relator no exame preliminar sob o efeito do recurso, nos termos do disposto na al. a) do nº 7 do art.º 417º do C. P. Penal, o efeito atribuído pelo tribunal recorrido está em consonância com a jurisprudência do S.T.J., que, sem divergências, tem entendido que o recurso dos despachos que recusam a aplicação de um perdão de pena, tem efeito meramente devolutivo (…). Ora, como é consabido, o efeito do recurso pode ser suspensivo do processo (nº 1 do art.º 408º) ou apenas suspensivo da decisão recorrida (nº 2, nos casos taxativamente enunciados, ou no nº 3 da mesma disposição legal). Sendo suspensivo do processo, este pára, não podendo prosseguir. Sendo suspensivo da decisão o processo não pára; apenas a decisão se torna inexequível. Não sendo, por não estar previsto, nem uma coisa nem outra, terá, como já referimos, efeito meramente devolutivo, isto é, não terá nenhum efeito na marcha geral do processo. (…). Assim, ao ter sido atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto do despacho que indeferiu a aplicação do perdão, esse recurso não terá nenhum efeito na marcha geral do processo, que não pára, inclusive sobre os mandados de detenção pendentes desde o dia ...-...-2022 para cumprimento de pena de prisão em que o arguido recorrente foi condenado, por acórdão desta Relação, transitado em julgado. Por conseguinte, o despacho posteriormente proferido, sobre o indeferimento da requerida suspensão dos mandados de detenção, nada acrescentou ou modificou à situação jurídica definida nesse despacho, nomeadamente quanto à questão de o arguido/recorrente ter de cumprir a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.», que «(…) sufragamos o entendimento expresso no despacho recorrido e na respectiva decisão no sentido de que não se vislumbram motivos que justifiquem a suspensão dos mandados de detenção. Com efeito, mesmo na eventual procedência do sobredito recurso e, em consequência da mesma, o recorrente BB viesse a ser beneficiado com o propugnado perdão de um ano da pena única em que foi condenado, por aplicação do disposto no artº 3º, nºs 1 e 4 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, sempre teria de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.», que «É certo que no referido requerimento, e reafirma nas alegações deste recurso, o recorrente também defende que, por força da aplicação do referido perdão, a pena única ficará abaixo dos 5 anos de prisão, o Tribunal terá de proceder a um novo cúmulo jurídico, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto e artigo 371.º-A do Código Processo Penal, e a nova pena (perdoada) poderá vir a ser suspensa na sua execução, ou seja, equaciona, a possibilidade da modificação da pena transitada em julgado.», que o mecanismo previsto no art. 371º-A do C. Processo Penal «tem exclusivamente me vista a entrada em vigor de lei penal mais favorável e não de lei processual e de leis de amnistia e de perdão.», que «a decisão quanto à substituição da pena de prisão é, no processo de determinação da sanção, necessariamente anterior à decisão quanto à aplicação do perdão. Dai que mesmo na eventual procedência do sobredito recurso (em apreciação no Apenso BT) e, em consequência da mesma, o recorrente BB viesse a ser beneficiado com o propugnado perdão de um ano da pena única em que foi condenado, não haveria lugar à substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da mesma, em virtude de a pena originária (5 anos e 6 meses de prisão) não o permitir», e que «é entendimento pacífico e uniforme da doutrina e da Jurisprudência, designadamente do supremo Tribunal de Justiça, de que o legislador, ao fixar como pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 5 anos (como já vimos limite temporal estabelecido na alteração introduzida pela Lei nº 59/2007), tem em vista apenas os agentes punidos com penas originárias não superiores a essa medida, sendo indiferente, para esse efeito, que a pena a cumprir fique aquém desse limite por força de qualquer perdão concedido por leis de clemência, como sucederia se aquele perdão viesse a ser concedido.».

Confrontando os elementos acabados de alinhar relativamente a acórdão recorrido e acórdão fundamento, resta concluir pela ausência falta de identidade das situações de facto com que, em cada um deles, foi confrontada a Relação de Guimarães, conclusão que, aliás, antecipava o sentido em que deverá fixar-se a jurisprudência, indicado, desnecessariamente nesta fase do processo, pelo recorrente.

Com efeito, no acórdão recorrido está em causa o despacho (de ... de ... de 2024) que ordenou a emissão de mandados de detenção e condução do condenado ao estabelecimento prisional, para cumprimento da pena de oito anos de prisão, imposta por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, já transitado em julgado em ..., e a sua recorribilidade, vindo o mesmo Tribunal da Relação – no acórdão recorrido – a pronunciar-se expressamente pela irrecorribilidade e, com tal fundamento, a rejeitar o recurso.

Já no acórdão fundamento está em causa o despacho (de ... de ... de 2023) que indeferiu o requerimento do condenado peticionando a suspensão de mandados de detenção emitidos há já mais de um ano e meio, para cumprimento da pena de cinco anos e seis meses de prisão imposta por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, já transitado em julgado em ..., com fundamento na pendência de recurso e até à decisão deste, interposto do despacho que indeferiu a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto e, em caso de aplicação do perdão, porque a pena se situará abaixo dos cinco anos de prisão, sobre a suspensão da execução da pena de prisão, vindo o mesmo Tribunal da Relação – no acórdão fundamento – a negar provimento ao recurso, pela improcedência dos fundamentos invocados, confirmando, consequentemente, o despacho recorrido, mas sem que se tenha expressamente pronunciado sobre a recorribilidade do despacho impugnado, recorribilidade que, deste modo, só de forma tácita se pode considerar.

Em suma, nem acórdão recorrido e acórdão fundamento partiram de idênticas situações de facto, nem assentaram de modo expresso – in casu, o acórdão fundamento – em opostas soluções de direito, pelo que, inverificado está o requisito material de admissibilidade de oposição de julgados.

Assim, dada a não verificação de oposição de julgados, deve o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ser rejeitado, nos termos do disposto no art. 441º, nº 1 do C. Processo Penal.

*

*

*

*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em julgar não verificada a oposição de julgados e, em consequência, decidem rejeitar, nos termos do disposto no art. 441º, nº 1 do C. Processo Penal, o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pelo condenado AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em 3 UC (arts. 513º, nºs 1 e 3 e 514º do C. Processo Penal), a que a que acresce, nos termos do disposto nos arts. 420º, nº 3, 441, nº 1 e e 448º, todos do C. Processo Penal, a condenação no pagamento da quantia de 5 UC.

*

(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

*

*

Lisboa, 17 de Outubro de 2024

Vasques Osório (Relator)

Jorge Bravo (1º Adjunto)

Albertina Pereira (2ª Adjunta)