Para a contagem do prazo de prisão preventiva releva a dedução tempestiva da acusação pública no processo, não se exigindo que a notificação desta ao arguido e ao seu defensor ocorra necessariamente ainda dentro do mesmo prazo.
I – O PEDIDO
AA, em situação de prisão preventiva, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 222º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, suscitar a ilegalidade da sua prisão, clamando pela sua imediata libertação, com os seguintes fundamentos (transcrição integral):
“I. QUESTÃO PRÉVIA
1. Decorridos quatro (4) dias desde adata emquedeveriajá ter sido notificado oarguido e mandatário do teor da acusação, até a presente data ignora o signatário o conteúdo da mesma.
Até ao momento que é elaborada presente petição de Habeas Corpus ainda o mandatário de AA, não foi ainda notificado da Acusação contra o seu constituinte
Vicio que se vem arguir.
Devendo o mandatário de AA, ser notificado da mesma.
2. E considerando que já decorreu mais de 6 meses desde a data da detenção do
mencionado arguido, não estando ainda, pelo menos o seu mandatário notificado da mesma, deverá ser declarada ilegal a manutenção do arguido em prisão preventiva por ter excedido o respectivo prazo da mencionada medida de coação.
DO DIREITO VIOLADO
Concretamente por violação dos números 1.º e 2.º do Art 215º do Código de Processo Penal.
Deverá ser considerada que a manutenção em prisão preventiva de AA, constitui uma prisão ilegal, porquanto
- O ora requerente foi detido no dia 11 de Abril de 2024, tendo sido elaborado despacho
que determinou que o mesmo ficasse sujeito a prisão preventiva apenas no dia 13 de Abril do mencionado ano.
- Encontra-se atualmente o ora requerente – para além dos prazos fixados na lei, concretamente mais de 6 meses sem conhecer a Acusação (art.º 222 n.º s 1 e 2 alínea C) do CPP)
- De acordo com o disposto nos números 1.º e 2.º do artigo 215º do CPP o prazo máximo de duração da prisão preventiva é de 6 meses.
Prazo que se extinguiu as 00h do dia 13 de Outubro de 2024.
- E estando a 17 de Outubro de 2024 ainda não foi o mandatário do arguido notificado da Acusação
- Ou seja, decorridos 4 dias já, desde a data em que deveria ter sido proferida Acusação e da mesma notificado o arguido. Não tendo sido observado o normativo legal, deverá ser declarada ilegal a prisão do peticionante.
Em resumo
- Não foi proferida Acusação no dia 13 de Outubro de 2024;
- Não foi notificado o arguido nem o seu mandatário até as 00h do dia 13 de Outubro de 2024;
Prazo que se impunha para ser proferida Acusação e dela notificado o arguido e o seu mandatário.
Nos termos do artigo 217º do citado diploma legal, deve ser libertado.
O que se requer.
II. DO DIREITO
- De acordo com o artigo 18º da (Força Jurídica) da Constituição da República
Portuguesa os preceitosconstitucionaisrespeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam os tribunais bem como as forças de segurança.
- A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
- Acresce ainda, que a prisão preventivatem natureza excepcional, não sendo decretada
nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.
- Ou quando são excedidos os respectivos prazos, como é o caso concreto, pois
decorridos mais de quatro (4) dias sobre a data em que deveria ter sido notificado da Acusação ou pelo menos proferida a mesma, não o foi, o que leva a que obrigatoriamente deva ser o ora Peticionante devolvido à liberdade,
Impondo-se a sua imediata libertação, como é de elementar JUSTIÇA
EM CONCLUSÃO
a)- O requerente encontra-se ilegalmente preso desde o dia 11 de Abril sem que tenha conhecimento se foi proferida ou não acusação contra si, o que cristalinamente viola o disposto nos Art. 27º N.º1 e 3, e Art. 28º N.º4 da C.R.P.
b)- Igualmente violado foi o disposto no Art. 215º n.º 1 e 2 e 222º N.1 e N.2 alínea c) ambos do C.P.P..
c)- Nos termos dos Art. 31º n.º 3 da C.R.P. e 222º e 223º n.º 4 alínea d) do C.P.P. deve a prisão ser declarada ilegal e ordenada a sua imediata restituição à liberdade.”
II – INFORMAÇÃO
Foi prestada, com data de 18 de outubro de 2024, a informação de acordo com o disposto no art.º 223.º, número 1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos (transcrição integral):
“1 – O arguido encontra-se na situação de prisão preventiva desde o dia 13 de Abril de 2024, medida de coacção que lhe foi aplicada por despacho judicial proferido na mesma data, constante a fls. 190-203, proferido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido cujo auto consta a fls. 183-203, sendo certo que foi detido no dia 11 de Abril de 2024 (cfr. fls. 117 vº), na sequência de mandado de detenção emitido por autoridade judiciária, nos termos do artº 257º, nº 1 do C.P.P. (cfr. fls. 113-117), então considerando-se indiciada a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº152º, nº 1, al. b) do C.P. e um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22/1, por referência às Tabelas I-B e I-C (cfr. fls. 195).
2 – Por despacho datado de 12-7-2024, a fls. 363, foi proferido despacho de revisão, nos termos do artº 213º, nº 1, al. a) do C.P.P., devidamente notificado, cfr. fls. 364-367.
3 – Está indiciado e acusado da prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real de:
- Um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 152º, n.º1, alínea b), n.º2, alínea a) n.º 4 e 5 do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo disposto no artigo 165º, n.º1 do Código Penal; e
- Um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no artigo 21º, n.º1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-C, I-C e II-A anexas àquele diploma legal, em conjugação com arts 75.º e 76.º do Código Penal.,
tendo a acusação sido deduzida em 9 de Outubro de 2024 (cfr. fls. 367-380), na sequência da qual, em 11 de Outubro de 2024, teve lugar o despacho judicial de revisão da prisão preventiva nos termos dos artºs 213º, nºs 1, al. b) e 2 e 215º, nºs 1, al. a) e 2, por referência ao artº 1º, al. j) do C.P.P. (cfr. fls. 383), relativamente ao qual foi na mesma data remetida notificação ao arguido e ao seu Distinto Defensor (cfr. fls 384-387).
4 – Na presente data foi remetida a notificação da acusação ao arguido e ao seu Defensor (cfr. fls. 400-404).
*
Nos termos do art. 222.º do Cód. Processo Penal, a petição de habeas corpus deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de :
• a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
• b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
• c) manter-se além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
Resulta dos autos que a prisão preventiva do arguido foi ordenada pelo Mmo. Juiz de Instrução competente, pelos factos e incriminação supra referidos, remetendo-se para o despacho de aplicação, a fls. 190-203, proferido em 13-4-2024, relativamente aos quais dúvidas não restam que é admissível a medida de coacção de prisão preventiva (artº 202º, nº 1, als. a), b) e c) do C.P.P.), não se mantendo a mesma para além dos prazos fixados na lei, mormente no artº 215º, nºs 1, al. a) e 2 do C.P.P. por, em tempo, ter sido deduzida acusação contra o arguido, dessa dedução tendo ao arguido e seu Distinto Defensor na presente data sido remetida a respectiva notificação (fls. 400-404).
Não impõem os artºs 213º, nºs 1, al. b) e 2 e 215º, nºs 1, al. a) e 2 do C.P.P. que a acusação seja, também, notificada dentro dos aludidos prazos, devendo ser, sim, obrigatoriamente em tais prazos “proferida ou deduzida”, tal qual sucedeu nos presentes autos, tal qual, ainda dentro do mesmo prazo legal foi proferido e remetido para notificação despacho de revisão/manutenção da prisão preventiva (cfr. fls. 383 e 384-387).
Termos em que a presente providência de habeas corpus não tem fundamento, devendo ser indeferida, sendo certo que o prazo a que alude o artº 215º, nºs 1, al. a) e 2 do C.P.P., de 6 (seis) meses, foi observado, tendo sido proferida acusação antes de se completarem seis meses desde a data da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, acrescendo ainda que o Tribunal reapreciou a situação coactiva do arguido, mantendo-a, antes de se completarem os referidos 6 (seis) meses, para além da devida primeira revisão trimestral, despacho de manutenção na mesma data remetido para notificação ao arguido e seu Distinto Defensor, a quem, na presente data foi também remetida notificação da acusação.
Pelo exposto, não se verifica, no caso dos autos, uma situação de prisão preventiva ilegal, pelo que deve a presente providência de habeas corpus ser indeferida, por carecer de fundamento legal, mantendo-se o arguido na situação de prisão preventiva e condenando-se o mesmo em quantia a fixar nos termos do artº 223º, nº 6 do C.P.P.”
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Questão a decidir
Da eventual ilegalidade da manutenção da prisão preventiva do Requerente, com fundamento na ultrapassagem do prazo máximo prazo na lei (artigo 222, nºs 1 e 2 al. c) do Código de Processo Penal.
3.2. Os Factos
Da consulta do processo, designadamente, da certidão emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, resulta o seguinte:
• Com vista a que fosse presente a interrogatório judicial e lhe fossem aplicadas as adequadas medidas de coação o Ministério Público emitiu, a 7 de abril de 2024 e no âmbito do Inquérito 297/24.0..., mandados de detenção do requerente, no âmbito do Inquérito AA;
• Tais mandados foram cumpridos pela Polícia de Segurança Pública a 11 de abril de 2024;
• No dia 13 de abril de 2024 o requerente foi presente e submetido a interrogatório pelo Juiz de Instrução Criminal de Sintra – Comarca de Lisboa Oeste;
• Na sequência de tal interrogatório e por considerar indiciado o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1 al. b) do Código Penal, bem como o crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º do Dec. Lei 15/93 de 22 de janeiro – com referência às Tabelas Anexas I-B e I-C -, em conjugação com os artigos 75º e 76º do Código Penal, aquele magistrado judicial decidiu aplicar ao requerente, ao abrigo do disposto nos artigos 191º, nº 1, 193º, 194º, nº 2, 196º, nº 1, 200º, nº 1, al. d), 202º nº 1 als. a) e b), 204º, als. b) e c) do Código de Processo Penal e do artigo 31º, nº 1, al. d) da Lei 112/2009, de 16 de setembro e para além do Termos de Identidade Residência anteriormente prestado, as seguintes medidas de coação
– Prisão preventiva;
– Proibição de contatar com a ofendida BB por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa;
• De acordo com a informação judicial acima referida, a 12 de julho de 2024 foram reexaminados os pressupostos das medidas de coação, as quais foram mantidas;
• A 9 de outubro de 2024 foi declarado encerrado o inquérito e deduzida acusação contra AA pela prática de factos subsumíveis aos crimes de Violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152º, nºs 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, de Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punível pelo artigo 165º, nº 1 do mesmo diploma legal e ao crime de Tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A – em conjugação com o disposto nos artigos 75º e 76º do Código Penal.
• A 11 de outubro de 2024 foi proferido despacho pelo Juiz de Instrução Criminal da Amadora no qual se manteve as medidas de coação anteriormente referidas.
• A 17 de outubro de 2024 é apresentado o presente requerimento de Habeas Corpus;
• De acordo com informação judicial, a 18 de outubro são expedidas notificações do arguido e do seu defensor da acusação contra aquele formulada.
3.3. O Direito
3.3.1. Notas introdutórias
O art. 27º da Constituição da República Portuguesa estabelece, designadamente, que:
“1 - Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2 - Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3 – Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos seguintes casos:
(…)
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”
Estas normas inspiraram-se, diretamente, nos artigos 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 9º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, garantindo, designadamente, o direito à liberdade física e à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar (assim, por todos, o acórdão de 29.12.2021, Proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt
Mais recentemente estes princípios foram reafirmados no artigo 6º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da qual Portugal faz parte.
Por outro lado, e com vista a pôr termo à privação da liberdade ilegal, decorrente de abuso de poder, o nº 1 do art. 31º da Lei Fundamental veio consagrar o instituto do habeas corpus, a requerer perante tribunal competente.
O habeas corpus sempre foi concebido como um mecanismo de utilização simples, sem grandes formalismos, de rápida atuação - dado que o constrangimento de um direito fundamental, como o direito à liberdade, não se compactua com atrasos e demoras - e que deve abarcar todas as situações de privação ilegal de liberdade.
Estando inserido no Título II, da Parte I, da Constituição da República Portuguesa tem, por força do disposto no artigo 18º da Lei Fundamental, aplicabilidade direta e vincula entidades públicas e privadas.
Este “remédio”, de consagração constitucional, visa solucionar situações anormais, em que a pessoa foi restringida de sua liberdade por via de abuso de poder, colocando o Estado à pessoa que sofre dessa restrição, um meio idóneo e célere para que seja apreciada a ilegalidade, ou não, daquela limitação de liberdade.
Com efeito, a nossa doutrina1 e jurisprudência2 têm entendido que o habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente, de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, “cujo pressuposto constitucional é o abuso de poder”, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», “distinto dos recursos” sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros.
Assim, em sintonia e no desenvolvimento destes princípios constitucionais e por forma a permitir a sua adequada aplicação prática, o artigo 222º do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:
“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”
Ou seja, e como tem repetida e uniformemente decidido o Supremo Tribunal de Justiça,
“(A) providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, ou seja, sem lei ou contra a lei que admita a privação da liberdade, referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, e que não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto a validade ou o mérito de atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida ou que fundamentem a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis (artigos 399.º e segs. do CPP), que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (assim e quanto ao que se segue, por todos, de entre os mais recentes, o acórdão de 22.03.2023, Proc. n.º 631/19.5PBVLG-MC.S1, em www.dgsi.pt).
A diversidade do âmbito de proteção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, em que aquela providência permite preencher um espaço de proteção imediata da pessoa privada da liberdade perante a inadmissibilidade legal da prisão. “
Ac. do STJ de 10 de maio de 2023 – Proc. 196/20.5JAAVR-B.S1 in www.dgsi.pt
Assim e procurando concluir esta introdução, os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessária e exclusivamente, às situações previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.
Com efeito, como se tem afirmado em jurisprudência uniforme e reiterada, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (assim, de entre os mais recentes, por todos, os acórdãos de 16.11.2022, Proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 06.09.2022, Proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1, de 9.3.2022, proc. 816/13.8PBCLD-A.S1, e de 29.12.2021, proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt).
3.3.2. O caso concreto
No caso em apreço entende o requerente que a sua prisão é ilegal por se mostrar excedido o prazo previsto na lei.
Conforme atrás se deixou consignado o arguido foi detido no dia 11 abril de 2024 e encontra-se em prisão preventiva desde o dia 13 de abril, também de 2024.
A acusação foi proferida a 9 de outubro de 2024.
Ao requerente é imputada a prática de factos subsumíveis aos seguintes crimes:
• Violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152º, nºs 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, com pena de prisão de 2 a 5 anos de prisão;
• Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punível pelo artigo 165º, nº 1 do mesmo diploma legal, com pena de 6 meses a 8 anos de prisão;
• Tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A – em conjugação com o disposto nos artigos 75º e 76º do Código Penal, com pena de prisão de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.
Nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 215º do Código de Processo Penal a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido quatro meses sem que tenha havido acusação.
Contudo, nos termos do disposto no nº 2 dessa norma legal tal prazo é elevado para seis meses nos casos em que se investigue, designadamente, criminalidade violenta ou qualquer crime que seja punível com pena de prisão superior a 8 anos.
Finalmente, a al. f) do artigo 1º do Código de Processo Penal define “criminalidade violenta como “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual o a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”
Face a todo o exposto não há dúvida – nem o requerente suscita tal questão – que, in casu, a prisão preventiva apenas se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 6 (seis) meses sem que tenha havido acusação.
Ora, no caso em apreço, a acusação foi preferida a 9 de outubro de 2024, ou seja antes de ter decorrido o aludido prazo de 6 meses.
Pelo que se tem de concluir que tal medida de coação não se extinguiu, sendo a pretensão do requerente manifestamente infundada.
Refere o requerente que o dies ad quem de tal prazo é o da notificação da acusação ao arguido e seu defensor e não o da prolação de tal despacho.
Mas, sem razão.
Com efeito, para a contagem do prazo de prisão preventiva releva a dedução tempestiva da acusação pública no processo, como se disse, não se exigindo que a notificação desta ao arguido ocorra necessariamente ainda dentro do mesmo prazo.
Defender posição diversa não encontra fundamento na lei. Não tem cobertura legal nem constitucional, e contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, consentânea com a visão do Tribunal Constitucional.
Por exemplo, e entre muitos, no acórdão do STJ de 10-02-2022 (Rel. Cid Geraldo) decidiu-se que “para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, do CPP, é relevante a data de prolação da acusação (ou do despacho de pronúncia, ou da condenação) e não a notificação ao arguido dessa peça processual”. E fez-se referência à jurisprudência abundante, sempre uniforme: “Este Supremo Tribunal já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no acórdão de 11-10-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 186, que para o efeito previsto no artigo 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual, podendo ver-se neste sentido ainda os acórdãos de 14 e 22 de Março de 2001, in Sumários do Gabinete de Assessores, n.º 49, págs. 62 e 81; de 15-05-2002 e de 11-06-2002, ibid., n.º 61, pág. 84 e n.º 62, pág. 81; de 13-02-2003, processo n.º 599/03-5.ª; de 22-05-2003, processo n.º 2159/03-5.ª; de 18-06-2003, processo n.º 2540/03-3.ª; de 13-11-2003, processo n.º 3943/03-5.ª; de 08-06-2005, processo n.º 2126/05-3.ª; de 19-07-2005, processo n.º 2743/05-3.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1689/07-5.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3977/07-3.ª; de 12-12-2007, processo n.º 4646/07-3.ª; de 13-02-2008 no processo n.º 522/08 -3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3971/08-3.ª; de 06-01-2010, processo n.º 28/09.5MAPTM-B.S1-3.ª e de 30-12-2010, processo n.º 4/09.8ZCLSB-A.S1-3.ª – Jurisprudência indicada no Acórdão do STJ de 09/02/2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1, 3ª Secção, Relator: Raul Borges; cfr. também, o recente Ac. do STJ de 04/11/2021, proc. 77/21.5JALSB-C.S1, 5ª Secção, Relator: Helena Moniz.” (itálicos nossos).
IV. DECISÃO
Pelo exposto, delibera-se neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado por AA por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, do CPP).
Custas pelo requerente, fixando-se 4 (quatro) UC de taxa de justiça, indo condenado também na importância de 10 (dez)UC a título de sanção processual (art. 223.º, n.º 6, CPP).
Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada
Celso Manata (Relator)
Agostinho Torres (1º Adjunto)
Jorge Bravo (2º Adjunto)
Helena Moniz (Presidente da seção)
________________
2. Por todos Ac. do STJ de 10 de maio de 2023 – Proc. 196/20.5JAAVR-B.S1 in www.dgsi.pt